Language of document : ECLI:EU:T:2011:493

Processos T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08

Regione autonoma della Sardegna (Itália) e o.

contra

Comissão Europeia

«Auxílios de Estado – Auxílios concedidos ao sector hoteleiro na Região da Sardenha – Decisão que declara os auxílios em parte compatíveis e em parte incompatíveis com o mercado comum e ordena a sua recuperação – Auxílios novos – Dever de fundamentação – Protecção da confiança legítima – Efeito de incentivo – Regra de minimis»

Sumário do acórdão

1.      Tramitação processual – Intervenção – Fundamentos diferentes dos da parte principal apoiada – Admissibilidade – Requisito – Relação com o objecto do litígio

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 40.°, quarto parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 116.°, n.° 4)

2.      Auxílios concedidos pelos Estados – Exame pela Comissão – Decisão de iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE – Decisão baseada em factos incompletos ou numa qualificação jurídica errada desses factos

(Artigo 88.°, n.° 2, CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigos 6.°, n.° 1, e 7.°)

3.      Recurso de anulação – Actos susceptíveis de recurso – Actos que produzem efeitos jurídicos vinculativos – Decisão da Comissão que encerra o procedimento formal de investigação dos auxílios de Estado, prevista no artigo 88.°, n.° 2, CE

(Artigos 88.°, n.° 2, CE e 230.° CE)

4.      Auxílios concedidos pelos Estados – Exame pela Comissão – Exame de um regime de auxílios considerado na sua globalidade – Admissibilidade – Consequência

(Artigos 87.° CE e 88.°, n.° 3, CE)

5.      Auxílios concedidos pelos Estados – Exame pela Comissão – Abertura de um procedimento formal de investigação – Prazo máximo de dois meses – Inaplicabilidade no caso de auxílio não notificado – Posse de informações pela Comissão relativas a um auxílio alegadamente ilegal – Exame sem prazo – Alcance

(Artigos 87.° CE e 88.° CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigo 10.°, n.° 1)

6.      Auxílios concedidos pelos Estados – Exame pela Comissão – Obrigação de efectuar num prazo razoável o exame preliminar iniciado na sequência de uma denúncia

(Artigos 87.° CE e 88.° CE)

7.      Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance – Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado

(Artigos 87.° CE, 88.° CE e 253.° CE)

8.      Auxílios concedidos pelos Estados – Procedimento administrativo – Compatibilidade do auxílio com o mercado comum – Ónus da prova que incumbe a quem concede o auxílio e ao potencial beneficiário

(Artigo 88.°, n.° 2, CE)

9.      Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Execução sem notificação prévia da Comissão – Decisão da Comissão que ordena a restituição do auxílio – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigos 88.°, n.° 3, CE e 253.° CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigo 14.°, n.° 1)

10.    Auxílios concedidos pelos Estados – Auxílios existentes e auxílios novos – Medida que modifica um regime de auxílios existentes – Qualificação de auxílios novos – Critérios – Apreciação

[Artigo 87.° CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigo 1.°, alíneas b) e c)]

11.    Auxílios concedidos pelos Estados – Exame pela Comissão – Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum – Poder de apreciação

(Artigos 87.° CE e 88.° CE)

12.    Excepção de ilegalidade – Alcance – Actos cuja ilegalidade pode ser invocada – Orientações da Comissão sobre os auxílios de Estado de finalidade regional – Inclusão – Requisitos

[Artigos 87.°, n.° 3, alíneas a) e c), CE, 230.° CE e 241.° CE; Comunicação 98/C 74/06 da Comissão)

13.    Auxílios concedidos pelos Estados – Proibição – Derrogações – Auxílios de Estado de finalidade regional – Critérios

(Artigos 87.° CE e 88.° CE; Comunicação 98/C 74/06 da Comissão, ponto 4.2)

14.    Auxílios concedidos pelos Estados – Procedimento administrativo – Compatibilidade do auxílio com o mercado comum – Ónus da prova que incumbe a quem concede o auxílio e ao potencial beneficiário

(Artigo 88.°, n.° 2, CE)

15.    Auxílios concedidos pelos Estados – Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum – Confiança legítima eventual dos interessados – Protecção – Condições e limites

(Artigo 88.° CE)

16.    Auxílios concedidos pelos Estados – Exame pela Comissão – Auxílios de menor importância – Fraccionamento de um auxílio que ultrapassa o limite aplicável para uma parte beneficiar da regra de minimis – Inadmissibilidade

(Artigo 88.°, n.° 3, CE; Regulamentos da Comissão n.° 69/2001, artigo 2.°, n.os 1 e 2, e n.° 1998/2006, artigo 2.°, n.° 2, segundo parágrafo)

1.      O artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e o artigo 116.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral conferem ao interveniente o direito de expor de maneira autónoma não só argumentos mas também fundamentos, desde que estes venham em apoio dos pedidos de uma das partes principais e não tenham uma natureza totalmente alheia às considerações em que se baseia o litígio tal como foi constituído entre o recorrente e o recorrido, o que levaria à alteração do objecto.

Cabe, portanto, ao Tribunal Geral, para decidir da admissibilidade dos fundamentos invocados por um interveniente, verificar se os mesmos têm conexão com o objecto do litígio tal como foi definido pelas partes principais.

(cf. n.os 42‑43)

2.      No âmbito do procedimento de investigação da competitividade com o mercado comum dos auxílios concedidos pelos Estados‑Membros, a decisão final pode apresentar algumas divergências com a decisão de dar início ao procedimento, sem que essas divergências viciem mesmo assim a decisão final. Nesta perspectiva, a Comissão não terá, portanto, de proceder à rectificação de uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação. Todavia, é lógico e, além disso, do interesse dos potenciais beneficiários de um regime de auxílios, que, na hipótese de a Comissão se aperceber, após a adopção de uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação de um auxílio concedido por um Estado‑Membro, que esta se baseia ou em factos incompletos ou numa qualificação jurídica errada desses factos, ela deve ter a possibilidade de adaptar a sua posição, adoptando uma decisão de rectificação. Com efeito, essa decisão de rectificação, acompanhada de um novo convite às partes interessadas para apresentarem as suas observações, permitir‑lhes‑ia reagir à alteração ocorrida na apreciação provisória, pela Comissão, da medida em causa e dar a conhecer o seu ponto de vista a esse respeito.

A este respeito, a Comissão poderia ter igualmente escolhido adoptar, em primeiro lugar, uma decisão que pusesse termo ao procedimento e, em seguida, uma nova decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, baseada na sua apreciação jurídica alterada, que teria, em substância, o mesmo conteúdo que a decisão de rectificação. Nestas condições, considerações de economia processual e o princípio da boa administração deixam transparecer que é preferível a adopção de uma decisão de rectificação em comparação com o encerramento do procedimento e a decisão de dar início a um novo procedimento.

Quanto à qualificação jurídica dessa decisão de rectificação, dado que ela se vem juntar à decisão de dar início ao procedimento para formar com esta uma decisão de dar início ao procedimento alterada, há que considerar que a mesma compartilha da sua qualidade jurídica. Com efeito, a comunicação sobre o início ao procedimento formal de investigação visa exclusivamente obter, da parte dos interessados, todas as informações destinadas a esclarecer a Comissão na sua acção futura.

(cf. n.os 70‑73)

3.      A decisão final adoptada pela Comissão para encerrar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE constitui um ato impugnável com base no artigo 230.° CE. Tal decisão produz, de facto, efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis a afectar os interesses das partes interessadas, uma vez que põe termo ao procedimento em causa e se pronuncia definitivamente sobre a compatibilidade da medida examinada com as regras aplicáveis aos auxílios estatais. Consequentemente, as partes interessadas dispõem sempre da possibilidade de impugnar a decisão final que encerra o procedimento formal de investigação e, nesse quadro, devem poder pôr em causa os diferentes elementos que fundamentam a posição definitivamente adoptada pela Comissão.

Esta possibilidade é independente da questão de saber se a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação acarreta ou não efeitos jurídicos susceptíveis de serem objecto de recurso de anulação. É certo que existe a possibilidade de interpor recurso da decisão de dar início ao procedimento quando esta implica efeitos jurídicos definitivos que não possam ser regularizados a posteriori pela decisão final. É esse o caso quando, a Comissão dá início ao procedimento formal de investigação em relação a uma medida que qualifica provisoriamente de auxílio novo, uma vez que esta decisão de dar início ao procedimento implica efeitos jurídicos autónomos relativamente à decisão final. Com efeito, a suspensão da aplicação da medida em causa que resulta, por força do artigo 88.°, n.° 3, CE, da qualificação provisória dessa medida como auxílio novo, assume carácter autónomo relativamente à decisão final, limitado no tempo até ao encerramento do procedimento formal de investigação.

Contudo, esta possibilidade de impugnar uma decisão de dar início a um procedimento não pode ter por consequência reduzir os direitos processuais das partes interessadas de modo a impedi‑las de impugnar a decisão final e de invocar, em apoio do seu pedido, vícios relativos a todas as etapas do procedimento que levou a essa decisão.

Por conseguinte, o facto de as recorrentes e as intervenientes não terem interposto no prazo imposto recurso da decisão de rectificação da Comissão não as impede de invocar fundamentos relativos à sua ilegalidade contra a decisão final da Comissão.

(cf. n.os 77‑79)

4.      No caso de um regime de auxílios, a Comissão não é, em princípio, obrigada a efectuar uma análise dos auxílios atribuídos em casos individuais, mas pode limitar‑se a examinar as características do regime em causa. Por outro lado, as circunstâncias particulares dos beneficiários individuais de um regime de auxílios só podem ser apreciadas na fase da recuperação do auxílio pelo Estado‑Membro em causa. Com efeito, se assim não sucedesse, o ónus do exame que incumbe à Comissão seria mais importante na hipótese de um regime aplicado de forma ilegal, em violação do artigo 88.°, n.° 3, CE, do que na hipótese de o Estado‑Membro em causa ter respeitado a obrigação de notificação imposta pela referida disposição, pois, neste último caso, as circunstâncias particulares dos potenciais beneficiários são por definição desconhecidas na fase do exame.

Assim, a Comissão podia limitar‑se a examinar o regime de auxílios enquanto tal e não era obrigada a tomar em conta as relações entre as beneficiárias e o Estado em causa, nem as diferenças existentes entre as diversas empresas afectadas, nem ainda a eventual confiança legítima que possa ser invocada por algumas dessas empresas. Estas circunstâncias só poderão ser tomadas em conta na fase da recuperação dos auxílios individuais.

(cf. n.os 91‑92)

5.      Por força do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] CE, quando a Comissão dispuser de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, qualquer que seja a fonte, examiná‑las‑á imediatamente. Esta disposição não deve ser compreendida como fazendo referência ao encerramento da fase preliminar de análise, mas antes como reportando‑se ao início da análise preliminar, tese que é confortada pelo facto, de a Comissão não estar sujeita ao prazo habitual na hipótese de uma análise preliminar desencadeada por uma denúncia.

Com efeito, o prazo de dois meses em que a Comissão deve encerrar a fase preliminar do exame aplica‑se exclusivamente nos casos de auxílios notificados pelos Estados‑Membros e não no caso de, por exemplo, a fase preliminar de exame ter sido desencadeada por uma denúncia.

(cf. n.os 97‑98)

6.      Na medida em que tem competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de um auxílio estatal com o mercado comum, a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios estatais, a proceder a um exame diligente e imparcial de uma denúncia que dá conta da existência de um auxílio incompatível com o mercado comum e não pode, portanto, prolongar indefinidamente a análise preliminar de medidas estatais que foram objecto de uma denúncia relativa a um auxílio estatal.

O carácter razoável da duração desse procedimento administrativo deve apreciar‑se em função das circunstâncias próprias de cada caso, e, nomeadamente, do contexto deste, das diferentes etapas processuais que a Comissão deve seguir, da complexidade do processo e da sua importância para as diferentes partes interessadas.

(cf. n.° 99)

7.      O dever de fundamentação da Comissão não se aplica à duração do procedimento mas unicamente ao próprio conteúdo da decisão. Com efeito, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo ato podem ter em obter explicações.

Ora, a duração de um procedimento não provém de um raciocínio da instituição em causa, susceptível de justificar essa duração, mas é uma circunstância puramente factual que depende exclusivamente do tempo que é necessário à instituição para levar a seu termo o referido procedimento. Consequentemente, não faz parte do conteúdo da decisão, susceptível de ser fundamentado. Esta requer, apenas a enumeração puramente factual das diferentes etapas do procedimento até à adopção da decisão em questão.

(cf. n.os 120‑122)

8.      Uma vez que a decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE contém uma análise preliminar suficiente da Comissão expondo as razões pelas quais tem dúvidas quanto à compatibilidade dos auxílios em causa com o mercado comum, cabe ao Estado‑Membro e ao potencial beneficiário aduzir elementos susceptíveis de demonstrar que esses auxílios são compatíveis com o mercado comum.

Todavia, constitui apenas uma regra atinente ao ónus da prova e não ao dever de fundamentação, pelo que é à Comissão que cabe, sendo caso disso, dar conta, na sua decisão, dos motivos que a levaram a considerar que, apesar dos elementos fornecidos pelo Estado‑Membro ou pelos beneficiários, os auxílios em causa não são compatíveis com o mercado comum.

(cf. n.° 132)

9.      Em matéria de auxílios estatais, quando, contrariamente às disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE, o auxílio já tenha sido concedido, a Comissão, que tem o poder de dirigir injunções às autoridades nacionais para exigir a sua restituição, não é obrigada a fornecer razões específicas para justificar o seu exercício. Esta jurisprudência, anterior à entrada em vigor do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] CE, continua a ser ainda aplicável no quadro do artigo 14.°, n.° 1, deste regulamento.

A decisão de ordenar a recuperação do auxílio é, portanto, a consequência quase automática em caso de constatação da sua ilegalidade e da sua incompatibilidade ‑ com a única reserva, decorrente do segundo período da referida disposição, de que uma injunção não vá contra um princípio geral de direito comunitário. A Comissão não tem, portanto, margem de apreciação a este respeito, Ora, nestas circunstâncias, uma vez que a Comissão referiu as razões pelas quais considera que o auxílio em causa é ilegal e incompatível com o mercado comum, ela não poderá ser obrigada a fundamentar a decisão que ordena a recuperação.

(cf. n.° 152)

10.    Em matéria de auxílios estatais, as medidas destinadas a instituir ou alterar auxílios constituem novos. Em particular, quando a alteração afecte o regime inicial na sua própria substância, esse regime fica transformado num novo regime de auxílios. Em contrapartida, quando a alteração não é substancial, é somente a alteração enquanto tal que é susceptível de ser qualificada de novo auxílio.

Em particular, quando uma decisão de aprovação da Comissão menciona expressamente a condição segundo a qual qualquer pedido de auxílio deve obrigatoriamente preceder o início da execução dos projectos de investimento e que o Estado em causa concede, com fundamento numa regulamentação adoptada depois da decisão de aprovação, auxílios para projectos regionais cuja execução foi iniciada antes da apresentação dos pedidos de auxílios, estão em causa auxílios novos, na acepção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] CE. Com efeito, essa alteração não pode ser qualificada de menor ou de irrelevante. Com efeito, na medida em que, a Comissão subordina regularmente a sua aprovação dos regimes de auxílios com finalidade regional à condição de o pedido de auxílio preceder obrigatoriamente o início da execução dos projectos, é evidente que a supressão desta condição é susceptível de influir na avaliação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado comum.

(cf. n.os 176‑179)

11.    A compatibilidade de um regime de auxílios com o mercado comum deve ser apreciada exclusivamente em função das características que lhe são próprias, de acordo com a política que a Comissão prossegue no momento dessa apreciação. Em contrapartida, a apreciação da compatibilidade de um regime de auxílios com o mercado comum não pode ser influenciada pela circunstância de o mesmo poder ter sido precedido por outros regimes a propósito dos quais a Comissão aceitou certas regras. Com efeito, se acontecesse de outra forma, seria impossível à Comissão alterar os critérios em função dos quais ela aprecia a compatibilidade dos auxílios estatais, faculdade que deve ter para poder reagir tanto à evolução da prática dos Estados‑Membros em matéria de concessão de auxílios estatais como à evolução do mercado comum.

(cf. n.° 190)

12.    O artigo 241.° CE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar, com o objectivo de obter a anulação de uma decisão que lhe diz directa e individualmente respeito, a validade dos actos institucionais anteriores que, mesmo que não tenham a forma de regulamento, constituem a base jurídica da decisão controvertida, se essa parte não dispunha do direito de interpor, nos termos do artigo 230.° CE, um recurso directo contra esses actos, cujas consequências sofreu sem ter podido requerer a sua anulação.

Quanto às Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional, decorre da sua parte introdutória que as mesmas fixam, de forma geral e abstracta, os critérios que a Comissão aplica para efeitos da apreciação da compatibilidade com o mercado comum dos auxílios com finalidade regional, em cumprimento do disposto no artigo 87.°, n.° 3, alíneas a) e c), CE e garantem, por conseguinte, a segurança jurídica dos Estados‑Membros que concedem tais auxílios. Em particular, a condição estabelecida no ponto 4.2 das referidas Orientações aplica‑se à totalidade dos auxílios visados pelas referidas orientações, independentemente do seu objecto, da sua forma e do seu montante.

Dado que a Comissão, na sua decisão final, invocou expressamente o ponto 4.2 das Orientações, no quadro da sua apreciação da compatibilidade com o mercado comum, mesmo que o ponto 4.2 não constitua o fundamento jurídico dessa decisão, a condição que nele está formulada pode ser considerada que determinou de maneira geral e abstracta a forma como a Comissão apreciou a compatibilidade dos auxílios em causa com o mercado comum. Nessa situação, existe uma conexão jurídica directa entre a decisão impugnada e as Orientações, dado que uma parte não podia pedir a anulação das Orientações, enquanto ato geral, estas podem ser objecto de uma excepção de ilegalidade.

(cf. n.os 206, 208‑210)

13.    A aplicação do critério do ponto 4.2 das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional que dispõe que os regimes de auxílios devem prever que o pedido do auxílio seja apresentado antes do início da execução dos projectos, visa apurar se uma medida de auxílio apresenta o efeito de incentivo, numa situação em que não é possível proceder a um exame completo de todos os aspectos económicos da decisão de investimento dos futuros beneficiários do auxílio.

A este propósito, resulta do ponto 2, segundo a quarto parágrafos, das Orientações que a Comissão só aprova, em princípio, os auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes de auxílios, pois considera que os auxílios individuais ad hoc não preenchem a condição de que deve ser assegurado um equilíbrio entre as distorções da concorrência que estão associadas aos auxílios e as vantagens dos mesmos em termos de desenvolvimento de uma região desfavorecida.

Ora, na altura do exame da compatibilidade com o mercado comum de um regime de auxílios notificado, as circunstâncias particulares próprias dos diferentes potenciais beneficiários do regime e dos projectos concretos para os quais estes poderão pedir subvenções, são por definição desconhecidas da Comissão. Por conseguinte, esta, para apreciar a compatibilidade com o mercado comum de um regime de auxílios, deve basear‑se em critérios que sejam ou independentes das circunstâncias particulares próprias dos futuros beneficiários, ou uniformes para todos os futuros beneficiários.

Ora, o facto de exigir que o pedido de auxílio preceda o início da execução do projecto subvencionado permite garantir que a empresa em causa tenha claramente manifestado a sua vontade de beneficiar do regime de auxílios em causa antes de iniciar a execução do referido projecto. Isso permite, portanto, evitar que sejam apresentados ex post pedidos para projectos cuja realização foi iniciada independentemente da existência de um regime de auxílios. Tendo em conta estas considerações, a simples verificação da anterioridade do pedido de auxílio em relação ao início da execução do projecto de investimento constitui um critério simples, pertinente e adequado que permite à Comissão presumir a existência de um efeito de incentivo.

(cf. n.° 215)

14.    Em matéria de auxílios estatais, quando a Comissão decide dar início a um procedimento formal de investigação, cabe ao Estado‑Membro em causa e aos beneficiários da medida em questão apresentar os seus argumentos destinados a demonstrar que a medida em causa não constitui um auxílio ou que é compatível com o mercado comum, sendo precisamente o objectivo do procedimento formal esclarecer a Comissão sobre todos os dados do processo. Com efeito, embora a Comissão seja obrigada a formular claramente as suas dúvidas sobre a compatibilidade do auxílio quando dá início a um procedimento formal a fim de permitir ao Estado‑Membro e aos interessados pronunciarem‑se sobre as mesmas da melhor forma possível, não é menos verdade que cabe a estes dissipar essas dúvidas e demonstrar que a medida em causa satisfaz as condições de uma derrogação. Em particular, com vista a obter a aprovação de auxílios em derrogação das regras do Tratado, cabe ao Estado‑Membro em causa, em virtude do seu dever de colaboração para com a Comissão, fornecer todos aos elementos susceptíveis de permitir a esta instituição verificar se as condições da derrogação solicitada estão reunidas.

(cf. n.° 246)

15.    A confiança legítima na regularidade de um auxílio estatal só pode ser invocada, em princípio, e salvo circunstâncias excepcionais, se esse auxílio tiver sido concedido no respeito do procedimento previsto no artigo 88.° CE. Com efeito, um operador económico diligente deve normalmente poder assegurar‑se de que esse procedimento foi respeitado.

Assim, os beneficiários dos auxílios que não respeitam as condições enunciadas na decisão de aprovação da Comissão não podem, em princípio, invocar a confiança legítima na regularidade dos referidos auxílios. Na verdade, não é de modo algum excluída a possibilidade de os beneficiários de um auxílio ilegal invocarem, no quadro de um processo de recuperação, circunstâncias excepcionais que possam ter legitimamente fundado a sua confiança legítima no carácter regular de tal auxílio para se oporem ao seu reembolso. Todavia, esses beneficiários só podem invocar tais circunstâncias excepcionais, com base em disposições pertinentes do direito nacional, no quadro do processo de recuperação perante os órgãos jurisdicionais nacionais, únicos competentes para apreciarem, eventualmente após terem submetido ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais de interpretação, as circunstâncias do caso.

Por outro lado, o princípio geral estabelecido no artigo 87.°, n.° 1, CE é o da proibição dos auxílios estatais e dado que as derrogações a este princípio são de interpretação estrita, uma decisão de não levantar objecções a um regime de auxílios diz respeito apenas à concessão efectiva dos auxílios que relevam desse regime e não pode, por isso, fundamentar a confiança legítima dos potenciais beneficiários de futuros projectos de auxílios similares na compatibilidade com o mercado comum dos auxílios em causa.

(cf. n.os 274‑277, 283)

16.    Em matéria de auxílios estatais, o objectivo da regra de minimis é simplificar os procedimentos administrativos, tanto no interesse dos beneficiários de auxílios de importância relativamente pequena e, portanto, insusceptíveis de falsear a concorrência, como no da Comissão, que deve poder concentrar os seus recursos nos casos que apresentem um real interesse comunitário.

A esse propósito, o facto de admitir o fraccionamento de um auxílio a fim de fazer beneficiar uma parte deste da regra de minimis não contribui para a prossecução do objectivo supra referido. Com efeito, o simples facto de deduzir do montante de um auxílio projectado a favor de uma empresa o montante correspondente ao limiar de minimis não poupa à Comissão a tarefa de ter de examinar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum no que refere ao montante que ultrapassa esse limiar nem à empresa em causa ter de aguardar o resultado desse exame antes de poder dele beneficiar ou, na hipótese de um auxílio ilegal, sendo esse o caso, ter de o reembolsar.

Além disso, o conceito de «auxílio de minimis» indica que se deve tratar de um auxílio de pequeno montante. Ora, admitir ex post o fraccionamento de auxílios que ultrapassem o limiar aplicável a este respeito implicaria fazer beneficiar em parte da regra de minimis auxílios que não eram de pequeno montante no momento da sua concessão.

É verdade que, após a recuperação do montante total do auxílio concedido ilegalmente, o Estado‑Membro em causa pode em princípio conceder imediatamente à empresa um novo auxílio de minimis até ao limiar de 100 000 euros. Todavia, como a Comissão sublinhou na resposta à questão escrita do Tribunal Geral, isso requer uma nova decisão de concessão de fundos públicos pelo Estado‑Membro, que continua livre na sua decisão, pelo que a proibição do fraccionamento não pode ser considerada uma regra puramente formal.

Deve, por isso, interpretar‑se o artigo 2.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 69/2001 no sentido de que a exoneração do dever de notificação prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE não pode ser aplicada a montantes que fazem parte de um auxílio cujo montante total exceda o limiar de 100 000 euros durante um período de três anos. De qualquer forma, a referência expressa a esta interpretação restritiva no artigo 2.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1998/2006 deve, portanto, ser compreendida como introduzindo uma clarificação e não como aditando uma nova condição à aplicação da regra de minimis.

(cf. n.os 304‑305, 308‑311)