Language of document : ECLI:EU:T:2006:391

Processos apensos T‑217/03 e T‑245/03

Fédération nationale de la coopération bétail et viande (FNCBV) e o.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Concorrência – Artigo 81.°, n.° 1, CE – Carne de bovino – Suspensão das importações – Fixação de uma grelha de preços sindical – Regulamento n.° 26 – Associações de empresas – Restrição da concorrência – Acção sindical – Afectação do comércio entre os Estados‑Membros – Dever de fundamentação – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Princípio da proporcionalidade – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias agravantes e atenuantes – Não cumulação de sanções – Direitos de defesa»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Normas comunitárias – Associações de empresas – Conceito

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

2.      Concorrência – Normas comunitárias – Associações de empresas – Conceito

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

3.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Afectação do comércio entre Estados‑Membros

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

4.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Infracção à concorrência – Fixação dos preços

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

5.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Quadro jurídico nacional de celebração do acordo

(Artigo 81.° CE)

6.      Concorrência – Normas comunitárias – Âmbito de aplicação material

(Artigo 81.° CE)

7.      Agricultura – Regras de concorrência – Regulamento n.° 26

(Artigos 33.° CE, 36.° CE e 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 26 do Conselho, artigo 2.°, n.° 1)

8.      Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário

(Regulamento n.° 17 do Conselho; Regulamento n.° 99/63 da Comissão, artigo 4.°)

9.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

10.    Excepção de ilegalidade – Alcance – Actos cuja ilegalidade pode ser invocada

(Artigo 241.° CE; comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

12.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Montante máximo

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Duração da infracção – Circunstâncias agravantes

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

15.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Montante máximo

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

16.    Concorrência – Coimas – Decisão da Comissão que declara a existência de uma infracção adoptada posteriormente a uma decisão não susceptível de recurso que pune ou que declara não responsável a mesma empresa

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)

17.    Concorrência – Coimas – Montante – Poder de apreciação da Comissão – Fiscalização jurisdicional – Competência de plena jurisdição

1.      O n.° 1 do artigo 81.° CE aplica‑se às associações na medida em que a sua actividade própria ou a das empresas que a elas aderem se destina a produzir os efeitos que esta disposição visa reprimir. Tendo em conta a finalidade dessa disposição, o conceito de associação de empresas deve ser interpretado no sentido de poder abranger igualmente associações que são, elas próprias, compostas por associações de empresas.

Para que um acordo entre associações seja abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição, não é necessário que as associações em questão possam obrigar os seus membros a cumprir as obrigações que o acordo lhes impõe.

(cf. n.os 49, 89)

2.      O conceito de empresa, no âmbito do direito da concorrência, abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de financiamento. Qualquer actividade que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado constitui uma actividade económica.

A actividade dos exploradores agrícolas, agricultores ou criadores de gado apresenta certamente carácter económico. Com efeito, estes exercem uma actividade de produção de bens que oferecem para venda, mediante remuneração. Os exploradores agrícolas constituem, por conseguinte, empresas na acepção do n.° 1 do artigo 81.° CE.

Consequentemente, os sindicatos que os agrupam e representam, bem como as federações que agrupam estes sindicatos, podem ser qualificados como associações de empresas para efeitos da aplicação desta disposição.

Esta conclusão não é afectada pelo facto de os sindicatos locais poderem também agrupar cônjuges de exploradores agrícolas. Em primeiro lugar, é provável que os cônjuges dos agricultores ou criadores de gado que sejam eles próprios membros de um sindicato agrícola local participem também nas tarefas da exploração familiar. Em segundo lugar, de qualquer modo, a mera circunstância de uma associação de empresas poder também agrupar pessoas ou entidades que não possam ser qualificadas como empresas não basta para retirar tal carácter à associação, na acepção do n.° 1 do artigo 81.° CE. De igual modo, não se pode admitir o argumento de no caso de uma exploração sob forma de sociedade não ser esta que adere ao sindicato, através do seu representante, mas sim cada um dos associados. Com efeito, o que é relevante para efeitos da qualificação como empresa não é o estatuto jurídico ou a forma da exploração em questão, mas sim a sua actividade e a daqueles que nela participam.

(cf. n.os 52‑55)

3.      O n.° 1 do artigo 81.° CE só se aplica aos acordos susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros. Para que um acordo entre empresas seja susceptível de afectar o comércio intracomunitário deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, permitir considerar, com um grau de probabilidade suficiente, que pode exercer influência, directa ou indirecta, actual ou potencial, nas correntes de trocas comerciais entre Estados‑Membros, de uma forma susceptível de prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados‑Membros.

Quando a infracção em que tenham participado uma empresa ou uma associação de empresas é susceptível de afectar o comércio ente Estados‑Membros, a Comissão não é obrigada a demonstrar que a participação individual dessa empresa ou associação de empresas afectou as trocas intracomunitárias.

Além disso, práticas restritivas da concorrência que abrangem a totalidade do território de um Estado‑Membro têm por efeito, pela sua natureza, consolidar compartimentações de carácter nacional, impedindo, deste modo, a interpenetração económica pretendida pelo Tratado. Por fim, quando se trata de um mercado permeável às importações, os membros de um acordo de preços nacional só podem conservar a sua quota de mercado se se protegerem contra a concorrência estrangeira.

(cf. n.os 63, 66, 67)

4.      O n.° 1, alínea a), do artigo 81.° CE prevê expressamente que constituem restrições da concorrência as medidas que consistam em fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda. A fixação dos preços constitui, com efeito, uma restrição patente da concorrência.

Um acordo celebrado entre federações representativas dos exploradores agrícolas e das federações representativas dos exploradores de matadouros e que fixa preços mínimos para certas categorias de vacas, com o objectivo de os tornar obrigatórios para todos os operadores económicos nos mercados em questão, tem por objecto restringir o livre jogo da concorrência nestes mercados, nomeadamente através da limitação, de modo artificial, da margem de negociação comercial dos criadores de gado e exploradores de matadouros e falseando a formação dos preços nos mercados em questão.

Esta conclusão não pode ser infirmada pelo argumento segundo o qual os mercados agrícolas são mercados regulados em que as regras de concorrência não se aplicam de pleno direito e onde, frequentemente, a formação dos preços não depende do livre funcionamento da oferta e da procura. É certo que o sector agrícola apresenta alguma especificidade e é objecto de regulação muito detalhada e, frequentemente, bastante intervencionista. Porém, as regras de concorrência comunitárias são aplicáveis aos mercados de produtos agrícolas, ainda que se prevejam determinadas excepções para tomar em conta a situação particular destes mercados.

Além disso, o mero facto de fixar os preços mínimos por referência ao preço de intervenção pública não basta para eliminar o carácter restritivo do acordo em causa. Com efeito, esta referência ao preço de intervenção pública não permite que a grelha de preços mínimos perca o seu objecto anticoncorrencial, que consiste em fixar de modo directo e artificial um determinado preço de mercado, e que seja equiparada aos diferentes mecanismos de apoio e de intervenção pública das organizações comuns de mercados agrícolas que têm por objecto o saneamento dos mercados caracterizados por uma oferta excedentária, através da retirada de uma parte da produção.

(cf. n.os 83, 85‑87)

5.      O quadro jurídico em que se verifica a celebração de acordos entre empresas, proibidos pelo artigo 81.° CE, e a qualificação jurídica que lhes é dada pelos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais são irrelevantes para efeito da aplicabilidade das regras comunitárias de concorrência. Além disso, a alegada insuficiência das medidas públicas destinadas a fazer face aos problemas de um determinado sector não pode justificar que os operadores privados afectados se dediquem a práticas contrárias às regras da concorrência ou que pretendam arrogar‑se prerrogativas que correspondem às dos poderes públicos, nacionais e comunitários, para agirem em substituição desses poderes públicos.

De igual modo, o facto de o comportamento anticoncorrencial das empresas ter sido conhecido, permitido, ou mesmo encorajado por autoridades nacionais não tem, de qualquer modo, qualquer influência quanto à aplicabilidade do artigo 81.° CE. Por último, a crise em que um sector se encontra não pode, por si só, excluir a aplicação do n.° 1 do artigo 81.° CE.

(cf. n.os 90‑92)

6.      Acordos concluídos no âmbito de negociações colectivas entre parceiros sociais com vista a procurar em comum de medidas destinadas a melhorar as condições de emprego e de trabalho como não abrangidos, em razão da sua natureza e do seu objecto, pelo n.° 1 do artigo 81.° CE. No entanto, um acordo celebrado entre federações de sindicatos de exploradores agrícolas e federações de exploradores de matadouros e que tenha por objecto fixar preços mínimos de compra de bovinos pelos matadouros e suspender as importações de carne bovina não pode ter a pretensão de escapar à aplicação das proibições fixadas no artigo 81.° CE.

(cf. n.os 98‑100)

7.      A manutenção de uma concorrência efectiva nos mercados de produtos agrícolas faz parte dos objectivos da política agrícola comum. Com efeito, embora seja certo que o artigo 36.° CE confiou ao Conselho a tarefa de determinar em que medida as regras de concorrência comunitárias são aplicáveis à produção e ao comércio de produtos agrícolas, a fim de ter em conta a situação particular dos mercados destes produtos, não é menos certo que esta disposição estabelece o princípio da aplicabilidade das regras comunitárias da concorrência no sector agrícola.

Tratando‑se de uma derrogação, o artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 26, que prevê que o n.° 1 do artigo 81.° CE é inaplicável aos acordos, decisões e práticas que sejam necessários à realização dos objectivos da política agrícola comum, deve ser interpretado restritivamente. Por outro lado, esta disposição só se aplica se o acordo em causa favorecer a realização de todos os objectivos do artigo 33.° CE, entendendo‑se que, tendo em conta que esses objectivos são por vezes divergentes, a Comissão pode tentar conciliá‑los. Por fim, para efeitos de aplicação desta derrogação, as medidas só podem ser consideradas necessárias para a realização dos objectivos da política agrícola comum se forem proporcionadas.

(cf. n.os 197‑199, 208)

8.      O respeito dos direitos de defesa em qualquer processo susceptível de conduzir a sanções, nomeadamente a coimas, constitui um princípio fundamental do direito comunitário, que deve ser respeitado mesmo quando se trata de um procedimento de carácter administrativo. Em aplicação deste princípio, a comunicação de acusações constitui uma garantia processual essencial. Esta comunicação de acusações deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nesta fase do processo.

Desde que a Comissão indique expressamente, na comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas envolvidas e que enuncie os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de dar origem à aplicação de uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida deliberadamente ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeito do direito das empresas de serem ouvidas. Ao fazê‑lo, dá‑lhes os elementos necessários para se defenderem não apenas contra uma declaração da existência da infracção mas igualmente contra o facto de lhes ser aplicada uma coima.

O facto de fornecer indicações relativas ao nível das coimas previstas, enquanto as empresas não tiverem podido apresentar as suas observações sobre as acusações que lhes são imputadas, equivale a antecipar inadequadamente a decisão da Comissão. Por maioria de razão, o facto de evocar, na comunicação de acusações, a questão do respeito do limite de 10% pela coima que será eventualmente aplicada pela decisão final equivale também a antecipar inadequadamente esta decisão.

(cf. n.os 217, 218, 222)

9.      Quando a Comissão aplica uma coima a uma empresa individual autora de uma infracção, não tem necessariamente, na falta de circunstâncias específicas, que fundamentar expressamente o respeito do limite de 10% do volume de negócios da empresa em questão. Esta última deve ter conhecimento tanto da existência do referido limite legal como do valor concreto do seu volume de negócios e pode, assim, apreciar, mesmo na falta de qualquer justificação na decisão ou sanção, se o limite de 10% foi ou não ultrapassado pela coima que lhe foi aplicada.

Em contrapartida, quando a Comissão aplica uma sanção a uma associação de empresas e verifica o respeito do limite legal de 10% do volume de negócios com base na soma dos volumes de negócios realizados pela totalidade ou por parte dos membros desta associação, deve expor as razões que justificam a tomada em consideração dos volumes de negócios dos membros. Na falta de tal fundamentação, os interessados não podem conhecer a justificação de tal decisão nem podem proceder correctamente à verificação do respeito, no caso concreto, do limite legal.

(cf. n.os 238, 239)

10.    As orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, embora não constituam o fundamento jurídico da decisão que aplica uma coima a um operador económico, uma vez que esta decisão se baseia no Regulamento n.° 17, determinam, de modo geral e abstracto, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da determinação do montante das coimas. Por conseguinte, existe um vínculo directo entre essa decisão e as orientações, pelo que podem ser objecto de uma excepção de ilegalidade.

(cf. n.° 250)

11.    Os acordos sobre os preços ou sobre a compartimentação dos mercados constituem por natureza infracções muito graves. Consequentemente, que a Comissão, ao expor, no ponto 1 A das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, que estes tipos de infracções se devem considerar infracções muito graves, para as quais está previsto um montante de partida de 20 milhões de euros, não violou o princípio da proporcionalidade.

De qualquer modo, sendo os montantes pré‑estabelecidos nas orientações apenas indicativos, não pode daí advir uma violação, per se, do princípio da proporcionalidade.

(cf. n.os 252, 253)

12.    O n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, ao dispor que a Comissão pode aplicar coimas de um montante que pode atingir 10% do volume de negócios realizado durante o exercício social anterior por cada uma das empresas que tenha participado na infracção, exige apenas que a coima que venha finalmente a ser aplicada a uma empresa seja reduzida no caso de ultrapassar 10% do seu volume de negócios, independentemente das operações de cálculo intermédias destinadas a tomar em consideração a gravidade e a duração da infracção. Por conseguinte, o n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 não proíbe a Comissão de fazer referência, no decurso do seu cálculo, a um montante intermédio que ultrapasse 10% do volume de negócios da empresa em causa, desde que a coima finalmente imposta a essa empresa não ultrapasse esse limite máximo. Esta consideração é também válida para o montante máximo de um milhão de euros que figura na mesma disposição.

(cf. n.° 255)

13.    À luz do ponto 1 B das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, que prevê que a duração da infracção possa comportar a fixação de um eventual montante adicional de coima, relativamente ao estabelecido com base na gravidade, verifica‑se que a duração muita curta de uma infracção, ou seja, uma duração inferior a um ano, apenas justifica que não seja imputado qualquer montante adicional ao montante determinado em função da gravidade da infracção. O facto de uma infracção ter tido uma duração muito curta não põe em causa, em qualquer hipótese, a existência de uma violação do n.° 1 do artigo 81.° CE.

(cf. n.os 134, 257, 258)

14.    Constituem circunstâncias agravantes, susceptíveis de serem tidas em conta pela Comissão para aumentar o montante de uma coima imposta com base no artigo 81.° CE, o prosseguimento, em segredo, de um acordo depois de a Comissão ter indicado às empresas ou associações de empresas participantes que deviam pôr‑lhe termo, bem como ao uso de violência para coagir uma parte a adoptar um acordo ou para se assegurar da sua aplicação.

(cf. n.os 271, 278, 289)

15.    O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não proíbe a Comissão de aplicar coimas superiores a um milhão de euros a associações que, alegadamente, não tenham volume de negócios. A utilização do termo genérico «infracção», no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, na medida em que abrange indiferenciadamente acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas, indica que os limites previstos nesta norma se aplicam do mesmo modo aos acordos e práticas concertadas e às decisões de associações de empresas. Quando uma associação de empresas não tem actividade económica própria ou quando o seu volume de negócios não reflecte a influência que essa associação pode exercer no mercado, a Comissão pode, sob determinadas condições, tomar em consideração o volume de negócios dos membros da mesma para calcular o montante máximo da coima que lhe pode ser aplicada.

Ainda que, nesta disposição, a única referência expressa ao volume de negócios da empresa diga respeito ao limite superior de uma coima que ultrapasse um milhão de euros, as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, que a Comissão se impôs, estabelecem na alínea a) do ponto 5 que o resultado final do cálculo da coima nunca poderá ultrapassar 10% do volume de negócios mundial das empresas, nos termos do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17. O limite de 10% do volume de negócios deve, por conseguinte, ser aplicado mesmo quanto à fixação de coimas de montante inferior a um milhão de euros.

Além disso, o limite de 10% do volume de negócios deve ser calculado em relação ao volume de negócios realizado por cada uma das empresas participantes nos acordos e práticas concertadas ou pelo conjunto das empresas membros das associações de empresas, pelo menos no caso de, por força das suas regras internas, a associação poder vincular os seus membros. Esta possibilidade de tomar em conta, para este efeito, o volume de negócios da totalidade das empresas membros de uma associação justifica‑se pelo facto de, ao fixar o montante das coimas, se poder ter conta, nomeadamente, a influência que a empresa possa ter exercido no mercado, nomeadamente em função da sua dimensão e do seu poder económico, elementos sobre os quais o volume de negócios da empresa dá indicações, bem como o efeito dissuasivo que essas coimas devem exercer. Ora, a influência que uma associação de empresas possa ter exercido no mercado não depende do seu próprio volume de negócios, que não revela a sua dimensão nem o seu poder económico, mas sim do volume de negócios dos seus membros, que constitui uma indicação da sua dimensão e do seu poder económico.

Não se exclui, todavia, que, em casos específicos, esta tomada em consideração do volume de negócios dos membros de uma associação seja também possível ainda que esta não tenha, formalmente, poderes para vincular os seus membros, atendendo à inexistência de regras internas que lhe reconheçam tal capacidade. Caso contrário, a faculdade da Comissão de aplicar coimas de um montante adequado às infracções em questão poderia ficar comprometida, na medida em que associações com um volume de negócios muito reduzido mas que agrupassem, sem as poder vincular formalmente, um número elevado de empresas que, conjuntamente, realizassem um volume de negócios avultado, só poderiam ser objecto de sanções através de coimas muito reduzidas, mesmo quando as infracções por elas cometidas pudessem exercer uma influência considerável sobre os mercados em causa. Acresce que esta circunstância seria contrária à necessidade de assegurar o efeito dissuasivo das sanções pelas infracções das regras de concorrência comunitárias.

Consequentemente, há outras circunstâncias específicas, para além da existência de regras internas que permitam à associação vincular os seus membros, que podem justificar a tomada em consideração dos volumes de negócios cumulados dos membros da associação em questão. Trata‑se, em especial, dos casos em que a infracção cometida por uma associação respeita às actividades dos seus membros e em que as práticas anticoncorrenciais em causa são executadas pela associação directamente em benefício destes últimos e em cooperação com eles, não tendo a associação interesses objectivos de carácter autónomo relativamente aos dos seus membros. Embora, em determinados casos, a Comissão possa, eventualmente, além de aplicar uma sanção à associação em causa, aplicar coimas individuais a cada uma das empresas membros, tal pode revelar‑se particularmente difícil, ou mesmo impossível, quando o seu número seja muito elevado.

Nesses casos, de qualquer modo, a possibilidade de tomada em consideração dos volumes de negócios dos membros de base das associações de empresas deve, porém, limitar‑se, em princípio, aos membros que tenham estado activos nos mercados afectados pelas infracções punidas na decisão impugnada.

De resto, o facto de se tomar em consideração o volume de negócios dos membros de uma associação de empresas ao determinar o limite de 10% não significa que lhes tenha sido aplicada uma coima nem sequer que a associação em causa tenha a obrigação de repercutir sobre os seus membros o encargo da coima.

(cf. n.os 313, 314, 317‑319, 325, 343)

16.    O princípio non bis in idem constitui um princípio geral do direito comunitário cujo respeito é assegurado pelo juiz. No domínio do direito comunitário da concorrência, esse princípio proíbe que uma empresa seja de novo condenada ou alvo de um processo pela Comissão devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual já foi punida ou declarada não responsável por uma decisão anterior da Comissão que já não seja susceptível de recurso. A aplicação do princípio non bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, de unidade de infractor e de unidade do interesse jurídico protegido. Este princípio proíbe, portanto, punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico. Em contrapartida, não proíbe que, pelo mesmo facto, sejam punidas as diferentes associações de empresas que nela participaram, em função da participação e do grau de responsabilidade próprios de cada uma delas na infracção mesmo que umas tenham a qualidade de membros das outras.

(cf. n.os 340‑344)

17.    Embora a Comissão disponha de um poder de apreciação na fixação do montante das coimas que sancionam a violação das regras comunitárias de concorrência, o Tribunal decide, contudo, nos termos do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, com competência de plena jurisdição, na acepção do artigo 229.° CE, dos recursos interpostos das decisões em que a Comissão fixa uma coima e pode, consequentemente, suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. Por força dessa competência de plena jurisdição, o Tribunal pode, designadamente, modificar o montante da redução da coima concedida pela Comissão a uma empresa ou a uma associação de empresas com base nas circunstâncias previstas no ponto 5, alínea b), das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA.

(cf. n.os 352, 355‑361)