Language of document : ECLI:EU:T:2014:782

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

18 de setembro de 2014 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Responsabilidade subjetiva — Recusa da Comissão em divulgar informações e proibir qualquer operação das licenças de emissão alegadamente subtraídas — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Responsabilidade objetiva»

No processo T‑317/12,

Holcim (Romania) SA, com sede em Bucareste (Roménia), representada por L. Arnauts, advogado,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Mifsud‑Bonnici e E. White, na qualidade de agentes,

demandada,

que tem por objeto, por um lado, um pedido com base na responsabilidade subjetiva, que visa a indemnização do dano alegadamente sofrido pela demandante devido à recusa da Comissão em divulgar‑lhe informações relativas a licenças de emissão de gases com efeito de estufa que lhe foram alegadamente subtraídas e em proibir qualquer operação dessas licenças e, por outro, um pedido de indemnização por responsabilidade objetiva,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente, M. Kancheva e C. Wetter, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de fevereiro de 2014,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

I –  Compromissos resultantes do Protocolo de Quioto

1        A Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas foi assinada, em nome da Comunidade Económica Europeia, em 13 de junho de 1992. Foi aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 94/69/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1993, relativa à celebração da Convenção‑Quadro das Nações Unidas relativa às alterações climáticas (JO 1994, L 33, p. 11), e entrou em vigor, relativamente à Comunidade, em 21 de março de 1994.

2        Em 29 de abril de 1998, o Protocolo de Quioto à Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (a seguir «Protocolo de Quioto») foi assinado em nome da Comunidade. Este protocolo foi aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 2002/358/CE do Conselho, de 25 de abril de 2002 (JO L 130, p. 1).

3        O artigo 3.°, n.° 1, do Protocolo de Quioto previa que, para o período 2008‑2012, os Estados e as organizações internacionais referidos no anexo I da Convenção‑Quadro das Nações Unidas relativa às alterações climáticas assegurassem, individualmente, que as suas emissões antropogénicas agregadas de certos gases com efeito de estufa não excedessem uma quantidade determinada, denominada «quantidade atribuída». Entre as organizações internacionais assim visadas figurava a Comunidade, à qual desde então sucedeu a União Europeia ao abrigo do artigo 1.°, terceiro parágrafo, TUE, conforme alterado pelo Tratado de Lisboa.

4        A quantidade atribuída, prevista no artigo 3.°, n.° 1, do Protocolo de Quioto, foi expressa em toneladas de equivalente dióxido de carbono, sendo que uma tonelada corresponde a uma «unidade de quantidade atribuída» (UQA). No decurso do período 2008‑2012, em complemento das medidas tomadas para cumprir os seus compromissos quantificados de limitação e de redução das emissões, cada Estado e cada organização internacional que figura no anexo I do Protocolo de Quioto podia fazer variar a sua quantidade atribuída, para que esta não fosse inferior às suas emissões efetivas. Eram‑lhe oferecidas várias possibilidades. Em primeiro lugar, podiam ser obtidas UQA suplementares junto de Estados terceiros, nos termos do artigo 17.° do Protocolo de Quioto. Em segundo lugar, podiam ser geradas unidades de um tipo distinto, por um lado, por «alterações induzidas diretamente pelo homem do uso do solo e de atividades florestais, limitadas a florestação, reflorestação e desflorestação» («unidades de absorção», ou UAB, previstas no artigo 3.°, n.° 3, do Protocolo de Quioto) e, por outro, por certos projetos que visavam a redução das emissões de gases com efeito de estufa instituídos noutros Estados. Esta última categoria de unidades agrupava duas subcategorias, concretamente, por um lado, os «unidades de redução de emissões» (URE, referidas no artigo 6.° do Protocolo de Quioto) e, por outro, as «reduções certificadas de emissão» (URCE, previstas no artigo 12.° do Protocolo de Quioto). As UQA, as URE, as URCE e as UAB (a seguir, em conjunto, «unidades de Quioto») correspondiam, individualmente, a uma tonelada de equivalente dióxido de carbono.

5        Em 30 de novembro de 2005, a Conferência das Partes na Convenção‑Quadro das Nações Unidas relativa às alterações climáticas, atuando na qualidade de Reunião das Partes no Protocolo de Quioto, adotou a Decisão 13/CMP.1. O anexo a essa decisão define as «[m]odalidades de contabilização das quantidades atribuídas».

II –  Regulamentação adotada, na União, para dar execução ao Protocolo de Quioto

6        Em 13 de outubro de 2003, foi adotada a Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275, p. 32). Esta diretiva visava, nos termos do seu considerando 5, «contribuir para o cumprimento mais eficaz dos compromissos [resultantes do Protocolo de Quioto]». O artigo 19.°, n.° 3, desta diretiva previa que, «[t]endo em vista a execução à presente diretiva, a Comissão aprova um regulamento com vista à criação de um sistema de registos normalizado e seguro, sob a forma de bases de dados eletrónicas normalizadas, contendo dados comuns que permitam acompanhar a concessão, detenção, transferência e anulação de licenças, garantir o acesso do público e uma adequada confidencialidade e assegurar a impossibilidade de transferências incompatíveis com as obrigações resultantes do Protocolo de Quioto».

7        Em aplicação desta disposição, a Comissão das Comunidades Europeias adotou, em 21 de dezembro de 2004, o Regulamento (CE) n.° 2216/2004, relativo a um sistema de registos normalizado e protegido, em conformidade com a Diretiva 2003/87/CE e a Decisão n.° 280/2004/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 386, p. 1).

A –  Licenças de emissão de gases com efeito de estufa criadas pela regulamentação da União

8        A Diretiva 2003/87 introduziu o conceito de «licença de emissão de gases com efeito de estufa» (a seguir «licença» ou «licença de emissão»). Por força do seu artigo 3.°, alínea a), uma licença autoriza «emitir uma tonelada de equivalente dióxido de carbono durante um determinado período».

9        Existe uma relação entre as licenças, por um lado, e algumas das unidades de Quioto, por outro, ainda que ambas tenham natureza distinta.

10      Com efeito, por um lado, o artigo 45.°, primeiro e segundo parágrafos, do Regulamento n.° 2216/2004 prevê que a licença de emissão, que pode ser detida por uma pessoa singular ou coletiva, é obtida pela «conversão» de uma UQA, sendo essa conversão efetuada pelo aditamento do termo «licença» no código de identificação da UQA.

11      Por outro lado, o artigo 11.°‑A da Diretiva 2003/87, introduzido pela Diretiva 2004/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro de 2004, que altera a Diretiva 2003/87/CE (JO L 338, p. 18), oferece, com diversas reservas, a possibilidade de certas pessoas singulares ou coletivas obterem licenças de emissão «em troca» de URE ou de URCE.

B –  Concessão e restituição das licenças

12      Por força do artigo 11.°, n.os 2 e 4, da Diretiva 2003/87, durante o período de cinco anos com início em 1 de janeiro de 2008, a autoridade competente do Estado‑Membro em causa deve atribuir, por cada ano, ao operador de uma instalação pertencente a um dos setores de atividade constantes no anexo I desta diretiva um certo número de licenças de emissão de gases com efeito de estufa. A atribuição de licenças tem lugar até 28 de fevereiro do ano em questão (ano N).

13      Por força dos artigos 14.° e 15.° da Diretiva 2003/87, durante o ano civil N, as emissões de cada instalação são monitorizadas e verificadas.

14      Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87, o operador de uma instalação deve devolver um número de licenças equivalente ao total das emissões dessa instalação durante o ano civil N, o mais tardar até 30 de abril do ano N + 1.

15      Como resulta da Diretiva 2003/87, há quatro situações possíveis. Em primeiro lugar, se o operador dispõe, em 30 de abril do ano N + 1, de um número de licenças superior ao total das emissões provenientes da sua instalação durante o ano N, pode conservar essas licenças excedentárias ou vendê‑las. Em segundo lugar, se o operador dispuser de um número de licenças equivalente ao total das emissões provenientes da sua exploração, já não dispõe de nenhuma licença para esta exploração quando cumprir as suas obrigações de devolução. Em terceiro lugar, quando o operador constatar que as emissões da sua instalação são superiores às licenças de que dispõe para essa exploração, pode obtê‑las até 30 de abril do ano N + 1, de modo a poder cumprir as suas obrigações de devolução. Em quarto lugar, nos termos do artigo 16.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87, se, em 30 de abril do ano N + 1, o operador não devolveu um número de licenças de emissão suficiente para cobrir as suas emissões no ano N, deve pagar uma multa pelas emissões excedentárias. Por cada tonelada de equivalente dióxido de carbono emitida relativamente à qual o operador não devolveu licenças, a multa por emissões excedentárias é de 100 euros. Não obstante o pagamento dessa multa por emissões excedentárias, o operador fica obrigado a devolver, em 30 de abril de N + 2, uma quantidade de licenças equivalente às emissões excedentárias do ano N. Assim, na prática, o operador que se tenha colocado nessa situação deve obter licenças de emissão adicionais antes de 30 de abril de N + 2.

16      Em suma, estas diferentes possibilidades criam condições para o surgimento de um mercado de licenças.

C –  Modalidades de funcionamento do regime de comércio de licenças

17      Três categorias de disposições merecem uma atenção particular.

18      Em primeiro lugar, o artigo 19.°, n.° 1, da Diretiva 2003/87 dispõe que os Estados‑Membros devem criar registos «a fim de assegurar uma contabilidade precisa da concessão, detenção, transferência e anulação das licenças». O n.° 2 do mesmo artigo indica que esses registos têm «contas separadas» destinadas a «regista[r] as licenças de emissão atribuídas ou cedidas a cada pessoa ou por ela transferidas para outrem». O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004 precisa que, em cada Estado‑Membro, os registos têm a forma de uma base de dados eletrónica «normalizada» («standardised», em inglês). O n.° 2 do mesmo artigo acrescenta que os registos incluem «o equipamento e software» («hardware and software», em inglês) e são acessíveis via Internet. Por último, o n.° 3 do mesmo artigo indica que devem, nomeadamente, ficar em condições de executar corretamente todos os processos relativos, por um lado, às emissões verificadas e, por outro, às contas de pessoas singulares ou coletivas detentoras de licenças.

19      Em segundo lugar, o artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/87 prevê a designação, pela Comissão, de um administrador central encarregado de manter um «diário independente de operações no qual devem ser registadas a concessão, a transferência e a anulação de licenças de emissão».

20      O artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004 acrescenta que esse diário, também denominado «diário independente de operações da Comunidade», é criado pela Comissão na forma de uma base de dados eletrónica «normalizada». O n.° 2 do referido artigo dispõe que o referido diário inclui o «equipamento e software» e é acessível via Internet. Por último, o n.° 5, na redação resultante do Regulamento (CE) n.° 916/2007 da Comissão, de 31 de julho de 2007, que altera o Regulamento n.° 2216/2004 (JO L 200, p. 5), precisa que o administrador central responsável pelo jornal apenas executará processos relativos a licenças, emissões verificadas, ou ainda contas, quando tal for necessário para o desempenho das suas funções de administrador. Em última análise, resulta do Regulamento n.° 2216/2004 que o diário independente de operações da Comunidade constitui uma base de dados que, por um lado, consolida os dados provenientes dos registos nacionais e, por outro, permite identificar as transações entre diferentes registos.

21      Em terceiro lugar, o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004 prevê regras de confidencialidade. Dispõe o seguinte:

«Todas as informações, incluindo os haveres depositados em todas as contas e todas as operações efetuadas, que figurem nos registos e no diário independente de operações da Comunidade serão consideradas confidenciais para fins que não a aplicação das disposições do presente regulamento, da Diretiva 2003/87/CE ou de legislação nacional.»

III –  Factos anteriores à propositura da ação

22      A demandante, Holcim (Romania) SA, pertence ao grupo Holcim, especializado na produção de cimento, de agregados, de asfalto e de betão pronto. Dispõe de contas de licenças de emissão no registo romeno.

23      Em 16 de novembro de 2010, essas contas foram ilegalmente consultadas por uma pessoa não autorizada. Segundo a demandante, devido a essa consulta ilegal, um milhão de licenças que lhe pertenciam foi ilegalmente transferido para uma conta em Itália, tendo 600 000 licenças sido transferidas para o Listenstaine. À data da propositura da ação, estas 600 000 licenças desviadas para o Listenstaine tinham sido recuperadas. Não foi, porém, esse o caso do restante milhão de licenças. Segundo a demandante, este milhão de licenças subtraído (e não recuperado à data da propositura da ação), valia «cerca de 15 milhões de euros» à data dos factos.

24      Por carta de 24 de novembro de 2010, a demandante assinalou oficialmente o acontecimento à Comissão, tendo pedido que esta «solicita[sse] [que] os registos nacionais [por um lado] bloquea[ssem]» as licenças de emissão alegadamente subtraídas e, por outro, «bloquea[sse] as contas» através das quais estas tinham passado.

25      Por carta de 25 de novembro de 2010, a demandante apresentou uma denúncia junto do Ministério Público romeno.

26      Por carta de 2 de dezembro de 2010, o escritório de advogados da demandante pediu à Comissão que «suspende[sse] e recusa[sse] o acesso às contas» através das quais tinham passado as licenças alegadamente subtraídas. Intimou, por outro lado, a Comissão a «solicitar que os registos nacionais que não cumprem as exigências habituais de segurança dos sistemas de informação bancárias impeçam qualquer transferência de [licenças de emissão] até execução de tais medidas de segurança dos sistemas de informação».

27      Por ofício de 14 de dezembro de 2010, o chefe de unidade competente da Comissão respondeu à carta de 2 de dezembro de 2010, nos seguintes termos:

«[…]

Quanto ao pedido para que o acesso às contas pertinentes seja suspenso e bloqueado, consideramos que a recuperação de licenças, alegadamente transferidas de forma fraudulenta, é uma questão que releva do direito nacional e das autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei. A Comissão não é competente para bloquear essas licenças numa conta de registo.

Observa‑se ainda que a informação relativa às trocas de licenças é confidencial durante cinco anos, em conformidade com o disposto no artigo 10.° e no Anexo XVI do Regulamento n.° 2216/2004. Não obstante estas disposições, a Comissão colabora efetivamente com as autoridades repressivas competentes a fim de resolver [a questão do] acesso não autorizado às contas [em causa].

Por último, no que se refere ao pedido tendente a que sejam impedidas todas as transferências de licenças nos registos nacionais enquanto as regras habituais de segurança dos sistemas de informação bancários não tiverem sido executadas, essa ação seria desproporcionada e desprovida de base legal […]»

28      Por ofício de 22 de dezembro de 2010, o diretor‑geral responsável pela Direção‑Geral (DG) «Ação para o clima» da Comissão respondeu à carta de 24 de novembro de 2010, nos seguintes termos:

«[…]

A recuperação de licenças, alegadamente transferidas de forma fraudulenta, é uma questão que releva do direito nacional e das autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei. A Comissão não é competente para bloquear essas licenças numa conta de registo, enquanto tais licenças continuarem a representar uma forma válida de cumprimento.

Observa‑se ainda que a informação relativa às trocas de licenças é confidencial durante cinco anos, em conformidade com o disposto no artigo 10.° e no Anexo XVI do Regulamento n.° 2216/2004. Não obstante estas disposições, a Comissão colabora efetivamente com as autoridades repressivas competentes a fim de resolver [a questão do] acesso não autorizado às contas [em causa].

[…]»

29      É pacífico que o diretor‑geral da Comissão em causa atuava, então, na qualidade de administrador central do diário independente de operações da Comunidade, na aceção do artigo 20.°, n.° 1, da Diretiva 2003/87, função que lhe tinha sido atribuída durante o ano de 2010.

30      Em 28 de dezembro de 2010, foi intentado um processo de medidas provisórias contra a Comissão no tribunal de primeira instância de Bruxelas (Bélgica), por iniciativa de uma sociedade diferente da demandante. Este processo destinava‑se, designadamente, a que o presidente desse órgão jurisdicional, decidindo na qualidade de juiz das medidas provisórias, ordenasse à Comissão, por um lado, que «comunicasse a identidade do ou dos titulares» das contas em que se encontravam as licenças alegadamente subtraídas e, por outro, que «bloqueasse todos os registos nacionais em que [essas] licenças [estavam] inscritas». Em 21 de fevereiro de 2011, a demandante apresentou um pedido de intervenção voluntária «para obter as mesmas medidas solicitadas» por essa outra sociedade, no tribunal de primeira instância de Bruxelas. Foi‑lhe atribuída a qualidade de «segunda demandante». É, pelo menos, o que resulta do despacho que põe termo a este processo de medidas provisórias, mencionado no n.° 39, infra.

31      Por carta de 11 de março de 2011, o procurador‑chefe da Direção responsável pelos inquéritos relativos à criminalidade organizada e ao terrorismo (Roménia) informou a demandante de que tinha sido iniciado um «inquérito criminal» a respeito dos factos por si invocados na denúncia (referida no n.° 25 supra).

32      Por carta de 18 de março de 2011, esta mesma autoridade indicou à demandante que, em 11 de janeiro de 2011, tinha enviado às autoridades judiciárias belgas um pedido por carta rogatória. Este pedido destinava‑se a que a Direção‑Geral da Comissão responsável pela elaboração do diário independente de operações da Comunidade:

—        proibisse oficialmente as autoridades responsáveis pela manutenção dos registos nacionais de contabilizar e autorizar as transações que tivessem por objeto as licenças de emissão pertencentes à demandante;

—        fornecesse todos os dados na sua posse relativos à alegada transferência não autorizada das licenças de emissão da demandante, que ocorrera em 16 de novembro de 2010;

—        descrevesse todas as operações relativas a essas licenças;

—        fornecesse os log files, indicando os «endereços IP», a data e a hora de todas as transações relativas às licenças de emissão pertencentes à demandante, a partir de 16 de novembro de 2010;

—        fornecesse os log files, indicando os «endereços IP», a data e a hora de todas as operações destinadas a aceder às contas que tiveram licenças de emissão pertencentes à demandante, a partir de 16 de novembro de 2010;

—        e fornecesse todas as informações comunicadas por outros registos nacionais relativas a casos semelhantes.

33      Precisava‑se também, nesta carta de 18 de março de 2011, que as autoridades judiciárias belgas não tinham, até então, respondido ao referido pedido.

34      Resulta da contestação que, entretanto, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) tinha recebido, em 4 de março de 2011, através das autoridades judiciárias belgas, o pedido dirigido por carta rogatória.

35      Por carta de 4 de abril de 2011, uma sociedade do mesmo grupo da demandante indicou à Comissão que uma representante da demandante tinha mantido contactos com agentes da Comissão em 2 e 17 de março de 2011. Sublinhou que, nessas ocasiões, tinha sido precisado a estes últimos que o Ministério Público romeno tinha enviado à Comissão um pedido por carta rogatória. Afirmou, em seguida, que este pedido não tinha, até à data, obtido resposta. Por último, após ter alegado que recebera oralmente informação de que o OLAF tinha recebido a referida carta rogatória, exigiu que a Comissão lhe desse resposta no mais curto prazo possível.

36      Por ofício de 7 de abril de 2011, o chefe de unidade competente da Comissão indicou a esta mesma sociedade que a DG «Ação para o clima» não tinha recebido pedidos emanados das autoridades judiciárias romenas. Também informou a demandante de que os dados relativos às operações, constantes do diário independente de operações da Comunidade, eram confidenciais e que, «em conformidade com uma prática bem assente», só eram fornecidos às autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei, mediante pedido fundamentado.

37      Resulta da contestação, cujas informações são sustentadas por documentos apresentados pela Comissão em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, que, nesse mesmo dia, em 7 de abril de 2011, o OLAF respondeu ao pedido dirigido por carta rogatória. A existência dessa resposta é aliás reconhecida pela demandante na petição. O OLAF transmitiu assim ao Ministério Público belga, segundo as precisões fornecidas pela Comissão, um «CD‑ROM e um disco rígido que continham 300 gigabytes de informações».

38      Por carta de 31 de maio de 2011, o advogado da demandante indicou à Comissão que presumia que esta sabia que a demandante era, desde fevereiro de 2011, parte no processo de medidas provisórias mencionado no n.° 30, supra. Insistiu no facto de que este procedimento se destinava a que a Comissão fosse obrigada a bloquear as licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010 e a revelar «a sua localização atual nos registos nacionais». Este advogado precisou, por outro lado, que, de acordo com informações reveladas pela imprensa, 279 210 licenças alegadamente subtraídas tinham sido restituídas por diversos operadores na União em 30 de abril de 2011 (para dar cumprimento à obrigação de devolução prevista no artigo 12.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87, referido no n.° 14, supra). Em seguida, solicitou à Comissão que não autorizasse a devolução dessas licenças e que, pelo menos, as bloqueasse e as reatribuísse ao seu legítimo titular.

39      Por despacho de 3 de junho de 2011, o presidente do Tribunal de primeira instância de Bruxelas declarou‑se «incompetente» para conhecer do processo de medidas provisórias referido no n.° 30, supra.

40      Por ofício de 18 de julho de 2011, a Comissão respondeu à carta enviada em 31 de maio de 2011 pelo advogado da demandante: sublinhou que, no que dizia respeito ao pedido de bloqueio da restituição das licenças alegadamente subtraídas, a sua posição não se tinha alterado. Segundo a Comissão, por um lado, «a recuperação de licenças, alegadamente transferidas de forma fraudulenta, é uma questão que releva do direito nacional e das autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei»; por outro, «a Comissão não tem competência para bloquear essas licenças numa conta de registo, enquanto tais licenças continuarem a representar uma forma válida de cumprimento».

41      Por carta de 13 de dezembro de 2011, dirigida à Comissão, a demandante alegou que a Comissão e os Estados‑Membros tinham o «dever tácito» de encontrar uma solução para indemnizar o prejuízo sofrido por um utilizador de licenças que não estava em incumprimento. Em seguida, referiu que pretendia dar início a processos judiciais contra a Comissão e contra as autoridades romenas para «recuperar o seu prejuízo». Por último, alegou que esse procedimento não era do interesse dos seus acionistas e que, portanto, estava disponível para negociar um acordo extrajudicial («out‑of‑curt settlement», em inglês) com a Comissão.

42      Por carta de 16 de janeiro de 2012, a Comissão informou a demandante de que não era favorável a uma solução extrajudicial.

 Tramitação processual e pedidos das partes

43      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de julho de 2012, a demandante intentou a presente ação. Apresentou duas séries de pedidos.

44      Em primeiro lugar, pediu que, por «acórdão interlocutório», o Tribunal Geral se digne:

—        «constatar que, no que se refere ao prejuízo sofrido pela demandante na sequência do roubo de um milhão de licenças, a União […] deve responder pelo comportamento da Comissão nos termos dos artigos 256.°, 268.° e 340.° TFUE;

—        condenar a União […] a pagar à demandante o montante de um euro a título provisório;

—        ordenar às partes que cheguem a acordo sobre o montante do prejuízo e/ou ordenar à demandante que demonstre a extensão definitiva do seu prejuízo, no prazo de três meses a contar da data do acórdão interlocutório;

—        declarar o acórdão executório.»

45      Em segundo lugar, pediu que o Tribunal se digne:

—        «ordenar à União […] que lhe pague o valor das licenças subtraídas que continuem por recuperar à data do acórdão definitivo, ao preço do mercado em vigor à data do furto, acrescido de juros anuais à taxa de 8%, a partir de 16 de novembro de 2010;

—        condenar a União […] nas despesas; e

—        declarar o acórdão executório.»

46      Em 19 de outubro de 2012, a Comissão apresentou a sua contestação na Secretaria do Tribunal Geral. Concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        julgar a ação improcedente;

—        condenar a demandante nas despesas.

47      Em 23 de outubro de 2012, a demandante conseguiu recuperar 94 761 licenças depois de as mesmas terem sido «bloqueadas» pelo registo italiano e apreendidas pelo Ministério Público italiano. Assim, a partir dessa data, a demandante tinha 905 239 licenças por recuperar, e não, como alegava inicialmente (v. n.° 44, supra), um milhão de licenças.

48      Em 11 de fevereiro de 2013, a demandante apresentou a sua réplica na Secretaria do Tribunal Geral. Alterou um dos pedidos. Em vez de pedir que o Tribunal Geral «orden[e] às partes que cheguem a acordo sobre o montante do prejuízo e/ou orden[e] à demandante que demonstre a extensão definitiva do seu prejuízo, no prazo de três meses a contar da data do acórdão interlocutório», pediu que o Tribunal Geral «orden[e] às partes que cheguem a acordo sobre o montante do prejuízo e/ou orden[e] à demandante que demonstre a extensão definitiva do seu prejuízo, o mais tardar no prazo de três meses a partir das conclusões do processo penal instaurado na Roménia». Quanto ao resto, concluiu no mesmo sentido que na petição.

49      Em 29 de maio de 2013, a Comissão apresentou a tréplica na Secretaria do Tribunal Geral.

50      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator inicialmente designado foi afetado à Oitava Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

51      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção) decidiu dar início à fase oral. Através de uma medida de organização do processo, convidou as partes a responder a questões e a apresentar documentos.

52      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de fevereiro de 2014, a Comissão deu seguimento a este pedido. Em 6 de fevereiro de 2014, a demandante fez o mesmo.

53      Na audiência de 27 de fevereiro de 2014, foram ouvidas as alegações da demandante e da Comissão, bem como as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

 Quanto às questões prévias à análise do mérito

54      Antes de analisar o fundamento jurídico da ação, o Tribunal apreciará oficiosamente a sua admissibilidade, à luz das exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do seu Regulamento de Processo, determinando, em seguida, a consequência processual da propositura, perante o juiz romeno, de uma ação destinada a obter a reparação do mesmo prejuízo que aquele que é invocado na presente instância, mas dirigido contra as autoridades romenas.

I –  Quanto à observância do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

55      Segundo jurisprudência constante, por força do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, conjugado com o artigo 53.°, primeiro parágrafo, do referido Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal pronunciar‑se sobre a ação ou o recurso, se for o caso, sem outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma ação ou um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseiam resultem, pelo menos sumariamente mas de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Mais especificamente, para preencher estes requisitos, a petição destinada a obter a reparação de danos alegadamente causados por uma instituição da União deve conter elementos que permitam identificar, em primeiro lugar, o comportamento que o demandante censura à instituição, em segundo lugar, o caráter e a extensão do prejuízo alegadamente sofrido e, em terceiro lugar, as razões pelas quais a parte demandante considera existir um nexo de causalidade entre esse comportamento e esse prejuízo (v. acórdão do Tribunal Geral de 2 de março de 2010, Arcelor/Parlamento e Conselho, T‑16/04, Colet., p. II‑211, n.° 132 e jurisprudência referida).

56      Todavia, não é indispensável especificar, na petição, enquanto requisito de admissibilidade, a exata extensão do prejuízo, e menos ainda cifrar o montante da indemnização pedida, sendo certo que, de qualquer forma, é possível fazê‑lo até à fase da réplica, desde que a parte demandante invoque circunstâncias específicas que justifiquem o seu atraso e indique elementos que permitam apreciar a natureza e a extensão do prejuízo, ficando assim a parte demandada em condições de se defender (v. acórdão Arcelor/Parlamento e Conselho, referido no n.° 55, supra, n.° 135 e jurisprudência referida).

57      É à luz destas observações que se deve determinar se a petição cumpre os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.

A –  Comportamento censurado à União

58      A argumentação desenvolvida na petição visa demonstrar que a Comissão deveria ter revelado a identidade dos atuais possuidores das licenças subtraídas à demandante, e, em seguida, proibido qualquer operação dessas licenças, de modo a facilitar a sua restituição à demandante. Com efeito, no n.° 64 da petição, a demandante alega que, «ao recusar a divulgação da localização das licenças subtraídas e o seu bloqueio», a Comissão desencadeou a responsabilidade da União. Foram dadas indicações semelhantes no n.° 68 da petição. Por último, foram ainda dadas indicações mais explícitas no n.° 134 da petição. Pode ler‑se aí que o comportamento censurado à União «não é o furto em si», mas «a recusa ilegal e a incapacidade de a Comissão […] bloquear em tempo útil as licenças subtraídas e divulgar a sua localização».

59      É verdade que, no n.° 65 da petição, a demandante indica que «[o]s factos que desencadearam a responsabilidade da União» ocorreram em 16 de novembro de 2010, isto é, no dia da transferência alegadamente não autorizada de licenças. Contudo, uma vez que a demandante nunca imputa expressamente essa transferência à Comissão, há que considerar que os comportamentos que a demandante censura à Comissão estão claramente identificados na petição. São dois, os referidos comportamentos. Trata‑se, por um lado, da alegada recusa da Comissão em «divulgar a localização das licenças subtraídas», por outro, da recusa desta mesma instituição em «bloquear estas últimas».

B –  Prejuízo invocado

60      Nos seus pedidos, a demandante pede que lhe seja paga, em reparação do seu prejuízo, uma indemnização correspondente ao «valor das licenças subtraídas que continuem por recuperar à data do acórdão definitivo, ao preço do mercado em vigor à data do furto, acrescido de juros anuais à taxa de 8%, a partir de 16 de novembro de 2010».

61      Para tal, definiu com precisão suficiente a natureza do prejuízo que invoca: trata‑se de um prejuízo estritamente patrimonial que consiste, a título principal, no valor comercial, em 16 de novembro de 2010, do milhão de licenças alegadamente subtraídas e não recuperadas à data da propositura da ação.

62      Por outro lado, deve considerar‑se que o pedido continha elementos suficientes para determinar a extensão exata do prejuízo invocado.

63      Com efeito, importa ler os pedidos da petição, onde é exposto o pedido de indemnização, em conjunto com o n.° 119 desta, onde se afirma que «perdas» sofridas pela demandante se elevam a «cerca de 15 milhões de euros».

64      Além disso, se essa quantificação é aproximada, há que interpretá‑la à luz do n.° 7 da petição, onde é indicado que «o preço médio [de cada licença alegadamente subtraída e não recuperada se situava, à data do alegado furto], entre 10 e 20 euros». Daqui resulta que a demandante pede, no máximo, uma indemnização no montante de 20 milhões de euros, excluindo os juros.

65      Em conclusão, tanto o caráter como a extensão do prejuízo invocado estão determinados na petição.

C –  Nexo de causalidade

66      Por último, na petição, refere‑se, com um certo grau de clareza, que o prejuízo invocado foi «ocasionado pela recusa ilegal e pela incapacidade de a Comissão […] bloquear em tempo útil as licenças subtraídas e divulgar a sua localização». Ora, segundo a demandante, esta recusa impediu‑a de identificar os detentores atuais dessas licenças e, consequentemente, de levar a cabo ações, eventualmente contenciosas, para as recuperar.

67      Estas indicações relativas ao nexo de causalidade entre o comportamento censurado e o prejuízo alegado são suficientes para considerar que a ação preenche os requisitos impostos pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.

II –  Quanto à incidência da propositura, perante o juiz romeno, de uma ação destinada a obter a reparação do mesmo prejuízo que aquele que é invocado na presente ação, mas contra as autoridades romenas

68      No n.° 17 da réplica, a demandante indica que «intentou uma ação cível» perante o juiz romeno contra a autoridade administrativa encarregada da manutenção do registo romeno. Acrescenta que «esta ação assume uma natureza diferente [da presente ação] e não colide com [esta], dado que se baseia num contrato celebrado entre a demandante e a administração romena».

69      No entanto, decorre do n.° 49 na petição inicial apresentada perante o órgão jurisdicional romeno e registada por este em 10 de novembro de 2011, que o prejuízo cuja reparação foi pedida às autoridades romenas corresponde ao valor comercial, em 16 de novembro de 2010, do milhão de licenças de emissão, alegadamente objeto de transferência não autorizada, e que não pôde ser recuperado. Assim, embora seja verdade que o comportamento censurado às autoridades romenas (concretamente, a violação da sua obrigação de garantir a segurança do registo romeno) é diferente do censurado à Comissão na presente ação, não é menos verdade que o prejuízo invocado, em ambos os casos, é o mesmo: trata‑se do valor das licenças alegadamente subtraídas e não recuperadas, à data da apresentação da petição inicial (v. n.° 61, supra).

70      Ora, segundo as indicações dadas pela demandante, à data da audiência, e, a fortiori, à data da apresentação da petição, nenhum órgão jurisdicional romeno se tinha pronunciado.

71      Nestas circunstâncias, se após a audiência no presente processo, o juiz romeno viesse a acolher o pedido que lhe foi apresentado pela demandante e se, paralelamente, o Tribunal Geral julgasse a presente ação procedente, a demandante seria indemnizada duas vezes pelo mesmo prejuízo.

72      No entanto, a jurisprudência encontrou soluções que permitem evitar tais consequências, consoante os casos, quer desde a análise da admissibilidade da ação ou do recurso, quer posteriormente, aquando da análise do seu mérito.

A –  Incidência da propositura de uma ação de indemnização perante um órgão jurisdicional romeno na admissibilidade da presente ação

73      Por acórdão de 30 de maio de 1989, Roquette frères/Comissão, 20/88, Colet., p. 1553, n.° 15), o Tribunal de Justiça declarou que a admissibilidade da ação de indemnização prevista no artigo 268.° e no artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, pode estar subordinada, em determinados casos, ao esgotamento das vias de recurso internas disponíveis para se obter satisfação da parte das autoridades nacionais, desde que essas vias de recurso internas garantam de forma eficaz a proteção dos particulares interessados, sendo suscetíveis de conduzir à reparação do prejuízo alegado.

74      Neste enunciado de princípio, a utilização do verbo «poder» demonstra que o não esgotamento das «vias de recurso internas disponíveis para se obter satisfação da parte das autoridades nacionais» não deve sistematicamente conduzir a uma declaração de inadmissibilidade por parte do juiz da União. Este só pode concluir pela inadmissibilidade do recurso «em determinados casos».

75      É certo que esses casos não foram precisados pelo acórdão Roquette frères/Comissão, referido no n.° 73, supra (n.° 15). Contudo, o Tribunal Geral considera que só existe um caso em que a circunstância de não ter sido proferida uma decisão definitiva na ação de indemnização intentada perante o órgão jurisdicional nacional implica necessariamente a inadmissibilidade do pedido de indemnização apresentado perante o juiz da União. Trata‑se do caso em que esta circunstância impede este último de identificar a natureza e o quantum do prejuízo invocado perante ele, sobretudo quando as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo não forem respeitadas (v. a jurisprudência enunciada no n.° 55, supra).

76      Ora, no caso em apreço, apesar de nenhum elemento dos autos permitir concluir que nenhum órgão jurisdicional romeno decidiu a respeito da ação de indemnização intentada pela demandante, o Tribunal Geral pode delimitar a natureza e o quantum do prejuízo invocado (v. n.° 65, supra).

77      Por conseguinte, não se pode julgar a presente ação inadmissível com base na jurisprudência resultante do acórdão Roquette Frères/Comissão, referida no n.° 73, supra (n.° 15).

B –  Incidência da propositura de uma ação de indemnização perante um órgão jurisdicional romeno na apreciação do mérito da presente ação

78      A propositura, perante um órgão jurisdicional nacional, de uma ação destinada à indemnização do mesmo prejuízo que o invocado perante o juiz da União não tem só consequências em matéria de admissibilidade. Essa propositura tem também uma incidência na apreciação do mérito da ação de indemnização submetida ao juiz da União.

79      Segundo a jurisprudência, em primeiro lugar, quando são intentadas duas ações de indemnização relativas a um só prejuízo, uma contra uma autoridade nacional, perante um órgão jurisdicional nacional, e outra contra uma instituição ou um órgão da União, perante o juiz da União, e, em segundo lugar, existe um risco de, devido a apreciações diferentes desse prejuízo pelos dois órgãos jurisdicionais chamados a conhecer do processo, o demandante ser insuficiente ou excessivamente indemnizado, o juiz da União deve, antes de decidir sobre o prejuízo, aguardar que o tribunal nacional se pronuncie sobre a ação que lhe cabe decidir por decisão que ponha termo à instância (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 1967, Kampffmeyer e o./Comissão, 5/66, 7/66 e 13/66 a 24/66, Colet.,1965‑1968, p. 639; de 30 de novembro de 1967, Becher/Comissão, 30/66, Recueil, pp. 369, 389 e 390, Colet.,1965‑1968, pp. 667, 649; e do Tribunal Geral de 13 de dezembro de 2006, É. R. e o./Conselho e Comissão, T‑138/03, Colet., p. II‑4923, n.° 42).

80      Assim, em tal caso, o juiz da União é obrigado a aguardar que o juiz nacional decida antes de se pronunciar sobre a existência e sobre o quantum do prejuízo. Enquanto aguarda a referida decisão, também não pode, portanto, pronunciar‑se sobre o nexo de causalidade entre o comportamento censurado à União e o prejuízo invocado. Em contrapartida, é‑lhe possível, mesmo antes que o juiz nacional se pronuncie, determinar se o comportamento censurado é suscetível de dar origem à responsabilidade extracontratual da União. De resto, no processo que deu origem ao acórdão Kampffmeyer e o./Comissão, referido no n.° 79, supra (Colet.,1965‑1968, p. 644), antes da suspensão, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre a existência de uma «falta [imputável ao] serviço pela qual a Comunidade pode ser responsabilizada».

81      No caso vertente, uma vez que a demandante intentou uma ação, ainda pendente perante um órgão jurisdicional romeno, para ser indemnizada do mesmo prejuízo que o invocado na presente ação, o Tribunal Geral entende que deve reservar a análise do prejuízo e do nexo de causalidade.

82      No entanto, o Tribunal sublinha que está em condições de responder às questões prévias a essa análise.

83      Em particular, pode apreciar a legalidade dos dois comportamentos da Comissão invocados pela demandante em apoio dos seus pedidos de indemnização com base na responsabilidade subjetiva. Além disso, caso esses primeiros pedidos de indemnização venham a ser julgados improcedentes, pode também pronunciar‑se sobre o preenchimento dos requisitos da responsabilidade objetiva, admitindo que esse regime de responsabilidade existe em direito da União.

 Quanto ao mérito

84      A demandante procura responsabilizar a União em dois campos diferentes: invoca, a título principal, a responsabilidade subjetiva da União, isto é, a responsabilidade por um comportamento ilegal, e, a título subsidiário, a responsabilidade objetiva, isto é, a responsabilidade por um comportamento lícito.

85      Estes dois campos serão sucessivamente examinados em seguida.

I –  Quanto à responsabilidade subjetiva

86      Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da União depende do preenchimento de um conjunto de requisitos, concretamente, em primeiro lugar, a imputabilidade do comportamento censurado a uma instituição ou a um organismo da União, em segundo lugar, a ilegalidade deste comportamento, em terceiro lugar, a existência de um prejuízo e, em quarto lugar, a existência de um nexo direto de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado. Quando um destes requisitos não estiver preenchido, a ação deve ser julgada improcedente na sua totalidade, sem que seja necessário verificar se os outros requisitos estão preenchidos (v. acórdão do Tribunal Geral de 10 de julho de 2012, Interspeed/Comissão, T‑587/10, n.° 38 e jurisprudência referida).

87      Para o preenchimento do requisito atinente à ilegalidade do comportamento censurado, a jurisprudência exige que seja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares. A este respeito, há que recordar que o regime decorrente da jurisprudência em matéria de responsabilidade extracontratual da União tem designadamente em consideração a complexidade das situações a regular, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos e, mais particularmente, a margem de apreciação de que dispõe o autor do ato impugnado. O critério decisivo para considerar que existe uma violação do direito da União suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infração ao direito da União pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291, n.os 40 e 42 a 44, e de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colet., p. I‑11355, n.os 52 a 55).

88      É à luz destas considerações que há que apreciar a legalidade dos dois comportamentos distintos que, conforme referido no n.° 59, a demandante censura à Comissão.

A –  Primeiro comportamento censurado, correspondente à recusa em divulgar a localização das licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010

1.     Existência do primeiro comportamento censurado

89      É certo que nenhuma das cartas remetidas à Comissão em nome da demandante, e que constam dos autos, contém um pedido expressamente destinado a que a Comissão divulgue a localização das licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010.

90      Todavia, não se pode deixar de observar que a Comissão indicou espontaneamente à demandante, nos seus ofícios de 14 e 22 de dezembro de 2010, que qualquer «informação [no que respeita ao comércio de licenças] é confidencial durante cinco anos».

91      Além disso, resulta dos autos que, em 21 de fevereiro de 2011, a demandante pediu ao presidente do tribunal de primeira instância de Bruxelas que ordenasse à Comissão a «comunica[ção] [d]a identidade do ou dos titulares» das contas em que se encontravam as licenças que, em seu entender, lhe tinham sido subtraídas em 16 de novembro de 2010 (v. n.° 30, supra). Por outras palavras, a demandante pediu que a Comissão fosse obrigada a divulgar a localização das licenças alegadamente subtraídas.

92      Ora, mesmo que tal pedido tenha sido dirigido ao presidente do tribunal de primeira instância de Bruxelas e não à Comissão, verifica‑se que, no seu ofício de 7 de abril de 2011 (v. n.° 36, supra), esta última pretendeu dar‑lhe resposta. Com efeito, precisa‑se, nesse ofício, que os dados relativos às operações constantes do diário independente de operações da Comunidade são confidenciais e que, «em conformidade com uma prática bem assente», a Comissão só as faculta às autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da lei, mediante pedido fundamentado. É pacífico que este ofício de 7 de abril de 2011 não era dirigido à demandante, mas a outra sociedade do mesmo grupo. É também pacífico que o mesmo não fazia referência ao pedido apresentado pela demandante no processo instaurado no tribunal de primeira instância de Bruxelas. No entanto, não deixa de ser verdade que o referido ofício dava indiretamente resposta a esse pedido.

93      Nestas condições, há que concluir que a Comissão indeferiu o pedido de divulgação da localização das licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010 apresentado pela demandante. A existência do primeiro comportamento está, por conseguinte, demonstrada.

2.     Legalidade do primeiro comportamento censurado

94      Para demonstrar a ilegalidade do comportamento censurado, ou seja, a recusa da Comissão em comunicar diretamente informações confidenciais à demandante, esta invocou, no essencial, sete fundamentos.

a)     Primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004

 Argumentos da demandante

95      Com o primeiro fundamento, a demandante sustenta, no essencial, que a Comissão violou o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, que estabelece as regras aplicáveis em matéria de confidencialidade, ao recusar comunicar‑lhe informações relativas às licenças alegadamente subtraídas.

96      Em apoio deste fundamento, alega que a Comissão estava obrigada a comunicar‑lhe informações confidenciais suscetíveis de permitir a recuperação das licenças alegadamente subtraídas. Com efeito, em sua opinião, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, autoriza a divulgação de informações confidenciais sempre que tal for necessário à aplicação dos requisitos constantes deste Regulamento n.° 2216/2004, da Diretiva 2003/87 e da legislação nacional. Ora, precisamente, a divulgação das informações relativas a licenças subtraídas é necessária à «aplicação» de tais requisitos e constitui uma «condição da manutenção dos registos».

97      Para justificar a sua posição, a demandante alega que o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 confia aos serviços da Comissão designados, com vista à manutenção do diário independente de operações da Comunidade, a tarefa de detetar eventuais irregularidades que afetem as operações, como os furtos, e de lhes pôr termo. Ora, essa tarefa não pode ser levada a bom termo se não for dada nenhuma informação às «vítimas dessas irregularidades». Assim, a divulgação das informações relativas às contas «com o fim de recuperar licenças furtadas» cumpre os requisitos do artigo 20.° da Diretiva 2003/87.

98      Por último, a demandante sustenta que, apesar de a Comissão ter declarado que aceitava «divulgar as informações às ‘autoridades [dos Estados‑Membros] responsáveis pela aplicação da lei’», excluiu que órgãos jurisdicionais civis, e, nomeadamente, o presidente do tribunal de primeira instância de Bruxelas, pudessem constituir tais autoridades. Ora, essa posição não «[se] justifica e constitui, por si só, um desvio de poder» («misuse of powers», em inglês). Acrescenta que, até hoje, a Comissão não respondeu «efetivamente» à «carta rogatória enviada pelas autoridades romenas competentes em matéria penal […] em 13 de janeiro de 2011».

 Procedência dos argumentos da demandante

99      Para responder ao primeiro fundamento, importa, antes de mais, recordar o disposto no artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 e interpretá‑lo.

–       Disposições do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 em vigor à data dos factos imputados à Comissão

100    A título preliminar, importa sublinhar que, no momento em que se deve considerar que a Comissão recusou divulgar as informações que a demandante solicitava, ou seja, o mais tardar em 7 de abril de 2011 (v. n.° 92, supra), o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 estava ainda em vigor. Com efeito, embora o artigo 91.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 994/2008 da Comissão, de 8 de outubro de 2008, relativo a um sistema de registos normalizado e protegido, em conformidade com a Diretiva 2003/87 e a Decisão n.° 280/2004/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 271, p. 3), tenha revogado o Regulamento n.° 2216/2004, adiou o efeito dessa revogação até 1 de janeiro de 2012.

101    O artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004 permaneceu inalterado antes de ser revogado, em 1 de janeiro de 2012. Dispõe que «[t]odas as informações, incluindo os haveres depositados em todas as contas e todas as operações efetuadas, que figurem nos registos e no diário independente de operações da Comunidade serão consideradas confidenciais para fins que não a aplicação das disposições do presente regulamento, da Diretiva 2003/87/CE ou de legislação nacional».

102    A redação do artigo 10.°, n.os 2 a 2.°‑E, do Regulamento n.° 2216/2004 aplicável à data do primeiro comportamento censurado resultava, por seu turno, das alterações feitas pelo artigo 78.°, n.° 2, do Regulamento (UE) n.° 920/2010 da Comissão, de 7 de outubro de 2010, relativo a um sistema de registos normalizado e protegido, em conformidade com a Diretiva 2003/87 e com a Decisão n.° 280/2004/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 270, p. 1), alterações que entraram em vigor em 15 de outubro de 2010, em conformidade com o artigo 80.° deste regulamento.

103    Assim, na redação aplicável ao litígio, o artigo 10.°, n.os 2 a 2‑E, do Regulamento n.° 2216/2004 dispõe:

«2.      As seguintes entidades podem obter dados armazenados nos registos e no [diário independente de operações da Comunidade]:

a)      Autoridades de controlo da aplicação da lei e autoridades fiscais de um Estado‑Membro;

b)      [OLAF];

c)      Europol;

d)      Administradores de registos dos Estados‑Membros.

2‑A.      Podem ser facultados dados às entidades enumeradas no n.° 2, mediante pedido destas ao administrador central ou a um administrador de registo, se esses pedidos forem justificados e necessários por motivos relacionados com a investigação, deteção e repressão de fraudes, a administração ou execução fiscais, a luta contra o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo ou criminalidade grave.

2‑B.      A entidade que recebe esses dados em conformidade com o disposto no n.° 2‑A deve garantir que os dados recebidos apenas serão utilizados para os fins declarados no pedido em conformidade com o estabelecido no n.° 2‑A e que não serão deliberada ou acidentalmente divulgados a pessoas não envolvidas na utilização desses dados para os fins estabelecidos. A presente disposição em nada impede as referidas entidades de colocar os dados à disposição de outros organismos enumerados no n.° 2, se tal for necessário para os fins declarados no pedido apresentado ao abrigo do n.° 2‑A.

2‑C.      A pedido destas, o administrador central pode facultar às entidades enumeradas no n.° 2 o acesso a dados de operações anonimizados para fins de investigação de padrões de operação suspeitos. As entidades que disponham desse acesso podem comunicar os padrões de operação suspeitos a outras entidades referidas no n.° 2.

2‑D. Os administradores de registos devem disponibilizar, por meios seguros, a todos os outros administradores de registos o nome e a identidade das pessoas a quem tenham recusado a abertura de uma conta ou que recusaram nomear como representante autorizado ou como representante autorizado adicional.

2‑E. Os administradores de registos podem decidir notificar a autoridades nacionais de controlo do cumprimento da lei todas as operações que envolvam um número de unidades superior à quantidade determinada pelo administrador do registo e notificar qualquer conta que, num período de 24 horas, esteja envolvida num número de operações superior à quantidade determinada pelo administrador do registo.»

104    Por último, a redação do artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2216/2004 aplicável à data do primeiro comportamento censurado resultava de uma alteração efetuada pelo artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento n.° 916/2007.

105    Assim, na sua redação aplicável ao litígio, o artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2216/2004 prevê:

«As autoridades competentes e os administradores de registo só executam processos relativos a licenças, emissões verificadas […] contas ou unidades de Quioto quando tal for necessário para o desempenho das suas funções de autoridade competente ou de administrador de registo.»

–       Interpretação do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004

106    O artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 responde à preocupação de preservar o segredo dos negócios. Estabelece como regra que todas as informações, incluindo os haveres depositados em todas as contas e todas as operações efetuadas, que figurem nos registos e no diário independente de operações da Comunidade são consideradas confidenciais.

107    Uma primeira exceção a esta regra está prevista no n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004. Esta exceção visa o caso em que a revelação de tais informações tem por finalidade a aplicação dos requisitos do Regulamento n.° 2216/2004, da Diretiva 2003/87 ou da legislação nacional. Ora, a mesma deve ser interpretada restritivamente, como qualquer derrogação ou exceção a uma regra geral (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2011, Comissão/Irlanda, C‑82/10, não publicado na Coletânea, n.° 44 e jurisprudência referida). Consequentemente, deve considerar‑se que abrange apenas duas hipóteses. A primeira é aquela em que a revelação das informações constantes dos registos e do diário independente de operações da Comunidade é expressamente exigida por uma disposição da Diretiva 2003/87 ou do Regulamento n.° 2216/2004, ou ainda por uma disposição nacional conforme com o direito da União. A segunda hipótese é aquela em que a revelação destas informações é indispensável para a correta aplicação daquelas disposições. Por outro lado, deve observar‑se que, em princípio, a referida exceção só se aplica às autoridades detentoras de prerrogativas de autoridade pública, que podem, a esse título, ser incumbidas da «aplicação» das disposições do Regulamento n.° 2216/2004 e da Diretiva 2003/87 ou das disposições da legislação nacional que visa transpor ou aplicar estas normas da União.

108    Os n.os 2, 2‑A, 2‑B e 2‑C do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 preveem uma segunda exceção à regra segundo a qual as informações contidas nos registos e no diário independente de operações da Comunidade são confidenciais.

109    O n.° 2 prevê expressamente que esta exceção só se aplica aos serviços encarregados de aplicar a lei dos Estados‑Membros, às autoridades fiscais dos Estados‑Membros, ao OLAF, à Europol e aos administradores de registo dos Estados‑Membros.

110    Por outro lado, segundo o n.° 2‑A, a exceção em causa só se aplica no caso de essas entidades terem apresentado um pedido de obtenção de informações constantes dos registos e do diário independente de operações da Comunidade. Esse pedido deve ser devidamente fundamentado. As informações pedidas devem, por seu lado, ser necessárias quer à repressão de crimes quer à determinação da matéria coletável do imposto ou à sua cobrança.

111    Por último, o n.° 2‑B não proíbe que uma entidade que obtenha informações em aplicação do n.° 2‑A as possa, por sua vez, divulgar às pessoas singulares ou coletivas diretamente abrangidas pelas considerações penais ou fiscais enunciadas no pedido. Com efeito, o artigo 10.°, n.° 2‑B, primeiro período, «[impõe que qualquer] entidade que recebe esses dados em conformidade com o disposto no n.° 2‑A deve garantir que os dados recebidos apenas serão utilizados para os fins declarados no pedido em conformidade com o estabelecido no n.° 2‑A e que não serão deliberada ou acidentalmente divulgados a pessoas não envolvidas na utilização desses dados para os fins estabelecidos». Daqui se deve deduzir, a contrario, que as pessoas «envolvidas na utilização desses dados», referidas no pedido apresentado em aplicação do n.° 2‑A, podem obter esses dados das entidades que formularam o referido pedido.

112    No entanto, há que realçar que a mera qualidade de pessoa envolvida na utilização de dados, referida num pedido apresentado em aplicação do n.° 2‑A, não confere um direito incondicional à obtenção desses dados. A sua divulgação a uma pessoa que dispõe dessa qualidade constitui uma simples faculdade conferida à entidade que apresentou o referido pedido: cabe a esta entidade apreciar, atendendo, em particular, aos elementos de facto à sua disposição e ao direito nacional aplicável, se essa divulgação deve ter lugar.

113    Assim, quando a autoridade competente em matéria penal, como a aquela perante a qual a demandante intentou a ação, em 25 de novembro de 2010 (v. n.° 25, supra), obteve, na sua qualidade de entidade «de controlo de aplicação da lei», informações confidenciais contidas nos registos e no diário independente de operações da Comunidade que, segundo a demandante, eram necessárias à identificação dos autores de um delito ou de um crime, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 não a impedia de revelar as referidas informações a uma pessoa singular ou coletiva que, como a demandante, tem a qualidade de vítima da infração penal presumida. Com efeito, na aceção do artigo 10.°, n.° 2‑B, do Regulamento n.° 2216/2004, essa pessoa tem de ser considerada «envolvida» pelas considerações invocadas para obter o levantamento da confidencialidade.

114    O n.° 2‑D do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 institui uma terceira exceção à regra da confidencialidade, que apenas é aplicável aos administradores de registos. Autoriza‑os a transmitirem mutuamente determinadas informações.

115    Por último, o n.° 2‑E do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 institui uma quarta exceção à regra da confidencialidade: autoriza os administradores de registos a assinalar às autoridades nacionais de controlo do cumprimento da lei, por um lado, as operações cuja dimensão excede um determinado limiar e, por outro, as contas envolvidas num número de operações diárias superior a um determinado limiar.

–       Aplicação ao caso em apreço

116    Em primeiro lugar, o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 prevê, por um lado, que o administrador central designado pela Comissão efetue um «controlo automático» de cada operação registada para verificar se as operações relativas às licenças não padecem de «irregularidades» e, por outro, que, quando forem detetadas «irregularidades», esta autoridade informe o ou os Estados‑Membros em causa (v. n.° 148, infra). Ora, contrariamente ao que sustenta a demandante no n.° 97, supra, nem este artigo, nem, de resto, nenhuma outra disposição da Diretiva 2003/87 e do Regulamento n.° 2216/2004 preveem expressamente que a Comissão possa divulgar informações relativas às licenças alegadamente furtadas à alegada vítima do furto. Do mesmo modo, não foi demonstrado e nem sequer alegado que uma disposição normativa aplicável num Estado‑Membro contenha essa previsão.

117    Por outro lado, não foi demonstrado que tal levantamento da confidencialidade seja indispensável para a correta aplicação de uma disposição da Diretiva 2003/87 e do Regulamento n.° 2216/2004, ou ainda de uma disposição normativa aplicável num Estado‑Membro. O referido levantamento não é, em particular, necessário à correta aplicação do artigo 20.° da Diretiva 2003/87, invocado pela demandante.

118    Nestas condições, a demandante não pode invocar a exceção ratione materiae à regra da confidencialidade prevista no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004 (recordada no n.° 107, supra).

119    Em segundo lugar, pode salientar‑se, a título adicional, que a demandante é uma sociedade anónima de direito romeno. Nessa qualidade, não pode utilmente invocar a exceção ratione personae enunciada no artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2216/2004 (recordada no n.° 108, supra).

120    Em terceiro lugar, com o argumento exposto no n.° 98, supra, a demandante alega, no essencial, que a Comissão recusou ilegalmente divulgar informações confidenciais a uma autoridade judiciária civil, concretamente, ao presidente do tribunal de primeira instância de Bruxelas, e não levou «efetivamente» a cabo essa divulgação a uma autoridade judiciária competente em matéria penal, concretamente, ao Ministério Público romeno. Segundo a demandante, essa recusa impediu‑a, em seguida, de ter acesso a essas informações confidenciais ao abrigo do artigo 10.°, n.° 2‑B, do Regulamento n.° 2216/2004, conforme interpretado nos n.os 108 e 113, supra.

121    No entanto, por um lado, resulta das afirmações da contestação, apoiadas por um documento interno da Comissão apresentado por esta última em resposta a uma questão escrita do Tribunal, que, em 7 de abril de 2011, o OLAF, que, por força do artigo 2.° da Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 28 de abril de 1999, que institui o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 20), está, designadamente, incumbido de «efetu[ar] inquéritos administrativos internos [à Comissão] destinados […] a lutar contra a fraude» e de «prest[ar] o apoio da Comissão na cooperação com os Estados‑Membros em matéria de luta contra a fraude», respondeu ao pedido dirigido pelo Ministério Público romeno por carta rogatória (v. n.° 37, supra). Ora, estas afirmações constantes da contestação, longe de ser contrariadas, são plenamente corroboradas pela própria petição. Com efeito, embora a demandante alegue, no n.° 93 da petição, que não foi «efetivamente» dada resposta ao pedido dirigido por carta rogatória (v. n.° 98, supra), admite simultaneamente a existência dessa resposta no n.° 53 da petição. Além disso, admitindo que, com o argumento exposto no n.° 93 da petição, a demandante criticou a pertinência da resposta dada, por conta da Comissão, pelo OLAF, ao pedido em causa, há que reconhecer que a demandante não produziu nenhum elemento de prova suscetível de apoiar uma alegação dessa natureza. De resto, nem sequer precisou porque é que, na sua opinião, a resposta dada pelo OLAF ao Ministério Público romeno era inadequada ou insuficiente, e isto, quando a Comissão, na sua contestação, precisou a extensão das informações prestadas, por sua conta, pelo OLAF (v. n.° 37, supra). Nestas condições, a demandante não tem razão ao afirmar que a Comissão recusou divulgar informações ao Ministério Público romeno, invocando a sua confidencialidade.

122    Por outro lado, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 não autorizava a Comissão a divulgar ao presidente do tribunal de primeira instância de Bruxelas os dados confidenciais contidos nos registos. Com efeito, enquanto juiz das medidas provisórias, este não tinha a qualidade de «autoridad[e] de controlo da aplicação da lei» na aceção do n.° 2, alínea a), deste artigo (v. n.° 103, supra). Em especial, não estava encarregue de nenhum inquérito relativo às licenças alegadamente subtraídas.

123    De resto, é inexato afirmar, como faz a demandante, que a Comissão se recusou a divulgar informações confidenciais a uma autoridade judiciária civil de um Estado‑Membro, como o presidente do tribunal de primeira instância de Bruxelas: a Comissão apenas recusou divulgar diretamente as referidas informações à demandante em resposta à injunção dessa autoridade judiciária belga.

124    A este respeito, importa sublinhar que, no seu articulado apresentado em 21 de fevereiro de 2011 no tribunal de primeira instância de Bruxelas, o advogado da Comissão indicou o seguinte:

«[A] União sempre disse que estava disposta a responder às questões devidamente fundamentadas que lhe fossem dirigidas pelas autoridades estatais, mas não é esse o objetivo visado pelo pedido da parte contrária […] uma coisa é fornecer informações a um magistrado, à polícia […], outra é prestar essas informações a uma sociedade comercial, objetivo visado pelo pedido — mesmo que formulado perante um juiz —: admitindo que o pedido seja acolhido, a União […] não deve fornecer as informações exigidas ao presidente [do tribunal de primeira instância de Bruxelas], que decide num processo de medidas provisórias, mas sim à demandante.»

125    Por outras palavras, através do seu advogado, a Comissão alegou que, em aplicação do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2216/2004, aceitava transmitir informações confidenciais relativas às licenças de emissão, nomeadamente, às autoridades judiciárias nacionais. No entanto, precisou que um pedido, como o pedido de medidas provisórias apresentado pela demandante no tribunal de primeira instância de Bruxelas (v. n.° 30, supra), não se destinava à divulgação de informações confidenciais a essas autoridades, mas à sua revelação direta a uma «sociedade comercial», pelo que, segundo ela, o mesmo não podia ser satisfeito.

126    Por conseguinte, o primeiro fundamento é improcedente.

b)     Segundo fundamento, relativo à violação de obrigações resultantes do Protocolo de Quioto

 Argumentos das partes

127    Com o segundo fundamento, a demandante sustenta que, conforme interpretado no n.° 107, supra, o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004 viola as disposições do n.° 47 do anexo da Decisão 13/CMP.1, referida no n.° 5, supra. Ao fazê‑lo, invoca uma exceção de ilegalidade.

128    Em apoio da mesma, expõe que o n.° 47 do anexo à Decisão 13/CMP.1 enumera as informações que devem ser colocadas à disposição do público «em conformidade com o n.° 44». Ora, em sua opinião, entre estas informações figuram «certos dados das contas individuais».

129    Além disso, sustenta que «não podia razoavelmente esperar que a Comissão […] interpretasse as suas obrigações de forma desproporcionada e incoerente relativamente […] aos compromissos assumidos […] no âmbito do Protocolo de Quioto», como a Decisão 13/CMP.1, inferindo daí que o princípio da proteção da confiança legítima foi violado.

130    Na sua contestação, a Comissão alega, por seu turno, que, na medida em que não foi aprovado, o anexo à Decisão 13/CMP.1 não faz parte da ordem jurídica da União.

 Procedência do fundamento

131    Mesmo admitindo que o anexo à Decisão 13/CMP.1 faz parte da ordem jurídica da União e que pode ser invocado perante o Tribunal Geral, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente pelos dois motivos a seguir expostos.

–       Primeiro motivo

132    O n.° 44 do anexo à Decisão 13/CMP.1 prevê que «[a] s informações não confidenciais registadas em cada registo nacional são colocadas à disposição do público», ao passo que o n.° 47 do referido anexo, que a demandante invoca, dispõe:

«As informações referidas no n.° 44 […] compreendem as seguintes informações sobre as unidades detidas e as operações efetuadas no âmbito do registo nacional […]:

A quantidade total [de unidades de Quioto (ou seja, URE, URCE, UQA e UAB), como definidas no n.° 4, supra,] detidas em cada conta no início do ano;

A quantidade total de UQA emitidas com base na quantidade atribuída […];

A quantidade total de URE emitidas com base em [determinados projetos];

A quantidade total [de unidades de Quioto] adquiridas a outros registos e os elementos de identificação das contas e registos de origem;

A quantidade total de UAB emitidas com base em [determinadas atividades];

A quantidade total [de unidades de Quioto] cedidas a outros registos e os elementos de identificação das contas e registos de destino;

A quantidade total [de unidades de Quioto] anuladas, com base em [determinadas atividades];

A quantidade total [de unidades de Quioto] anuladas [regularmente];

A quantidade total [de unidades de Quioto] anuladas;

A quantidade total [de unidades de Quioto] retiradas;

A quantidade total [de unidades de Quioto] que transitaram do período de autorização anterior;

As [unidades de Quioto] detidas sobre cada conta no momento considerado.»

133    Como resulta dos seus próprios termos, o n.° 47 do anexo à Decisão 13/CMP.1 não qualifica de «não confidenciais» as informações que elenca.

134    Se, apesar desta circunstância, se admitisse que este n.° 47 só faz referência a informações por natureza não confidenciais, não restariam informações suscetíveis de serem consideradas confidenciais num registo nacional. Com efeito, cada unidade de Quioto dispõe, por força dos n.os 24, 27, 29 e do n.° 41, alínea b), do anexo à Decisão 13/CMP.1, de um número de série que lhe é próprio. Assim, se se admitisse que todas as informações mencionadas no n.° 47 desse mesmo anexo são por natureza não confidenciais, isso significaria, em particular, que, nos termos do mesmo n.° 47, qualquer pessoa poderia conhecer que unidades de Quioto figuram numa conta num determinado momento e estaria em condições de determinar, analisando os dados à sua disposição, de onde provêm essas unidades. Por conseguinte, tal interpretação do n.° 47 do anexo à Decisão 13/CMP.1 esvaziaria de qualquer alcance o n.° 44, que só autoriza a divulgação ao público das informações não confidenciais consignadas nos registos.

135    Nestas condições, deve considerar‑se que as informações elencadas no n.° 47 constituem informações que devem ser colocadas à disposição do público, em aplicação do n.° 44, mas apenas quando têm um caráter não confidencial.

136    Ora, o anexo à Decisão 13/CMP.1 não precisa os critérios segundo os quais uma informação que consta do n.° 47 pode ser considerada não confidencial por uma parte no Protocolo de Quioto.

137    Por conseguinte, a demandante não pode utilmente invocar o n.° 47 do anexo à Decisão 13/CMP.1 para demonstrar que as informações que pedia tinham caráter não confidencial.

–       Segundo motivo

138    Os n.os 44 e 47 da Decisão 13/CMP.1 só se referem à revelação ao público de informações relativas a unidades de Quioto. Não têm por objeto a revelação pública de informações sobre as licenças de emissão instituídas nos termos da Diretiva 2003/87 e do Regulamento n.° 2216/2004.

139    Ora, em primeiro lugar, as unidades de Quioto e as licenças de emissão têm natureza distinta.

140    Com efeito, conforme foi referido no n.° 10, supra, o artigo 45.°, primeiro e segundo parágrafos, do Regulamento n.° 2216/2004 dispõe que se obtém uma licença de emissão através da «conversão» de uma UQA, sendo essa conversão efetuada pelo aditamento do termo «licença» ao código de identificação UQA. A necessidade dessa «conversão» revela que uma licença e uma UQA são diferentes, nomeadamente no plano da aplicação das regras de confidencialidade.

141    Além disso, conforme precisado no n.° 11, supra, o artigo 11.°‑A da Diretiva 2003/87 permite, sob certas reservas, que os operadores de instalações abrangidos pelo âmbito de aplicação do regime comunitário de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa obtenham licenças de emissão «em troca» de URE ou de URCE. Ora, esta circunstância demonstra que as licenças de emissão têm natureza distinta das URE e das URCE, em especial no que se refere à aplicação das regras de confidencialidade.

142    Por último, mais genericamente, o Regulamento n.° 2216/2004 tem o cuidado de distinguir as regras aplicáveis às licenças de emissão das relativas às unidades de Quioto. Assim, não reúne, por um lado, as licenças, e, por outro, as unidades de Quioto sob um vocabulário único. A título de exemplo, há que referir que o artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2216/2004 prevê que, «[s]alvo disposição em contrário, todas as contas [constantes dos registos] deverão poder conter licenças e unidades de Quioto».

143    Em segundo lugar, as unidades de Quioto e as licenças de emissão respondem a finalidades diferentes.

144    Com efeito, por um lado, resulta dos n.os 1 a 4 do anexo à Decisão 13/CMP.1 que as unidades de Quioto são emitidas em aplicação do Protocolo de Quioto ou das decisões adotadas em sua aplicação. Ora, como decorre do seu artigo 3.°, n.° 1, referido no n.° 3, supra, este protocolo, tal como as decisões adotadas para a sua aplicação, só prevê obrigações para os Estados e organizações interestatais que dele fazem parte. As unidades de Quioto são, portanto, instrumentos de que esses Estados e organizações interestatais se podem servir para dar cumprimento às suas obrigações decorrentes do Protocolo de Quioto.

145    Por outro lado, as licenças de emissão foram instituídas nos termos da Diretiva 2003/87 e do Regulamento n.° 2216/2004. Ora, estes textos criam obrigações em relação às pessoas singulares e coletivas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, isto é, as que exercem atividades referidas no anexo I da Diretiva 2003/87. As licenças de emissão constituem, portanto, instrumentos criados pela regulamentação da União e que se destinam, em primeiro lugar, a essas pessoas singulares e coletivas. As referidas licenças constituem também elementos do património dessas pessoas, cuja utilização é suscetível de ter uma lógica comercial.

146    Por conseguinte, uma vez que as únicas informações que a Comissão se recusou a divulgar à demandante, no seu ofício de 4 de abril de 2011, eram relativas a licenças de emissão, é irrelevante a alegação da demandante de que o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 viola o n.° 47 da Decisão 13/CMP.1, o qual só diz respeito, como já foi referido, às unidades de Quioto. Nestas condições, o argumento referido no n.° 129, supra, também não pode ser acolhido.

c)     Terceiro fundamento, relativo à violação dos artigos 19.° e 20.° da Diretiva 2003/87.

147    Nos termos do artigo 19.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 2003/87:

«2.      Qualquer pessoa pode ser titular de licenças de emissão. O registo de dados deve ser acessível ao público e ter contas separadas onde sejam registadas as licenças de emissão atribuídas ou cedidas a cada pessoa ou por ela transferidas para outrem.

3.      Tendo em vista dar execução à presente diretiva, a Comissão aprovará […] um regulamento com vista à criação de um sistema de registos normalizado e seguro, sob a forma de bases de dados eletrónicas normalizadas, contendo dados comuns que permitam acompanhar a concessão, detenção, transferência e anulação de licenças, garantir o acesso do público e uma confidencialidade adequada e assegurar a impossibilidade de transferências incompatíveis com as obrigações resultantes do Protocolo de Quioto […]»

148    Nos termos do artigo 20.° desta mesma diretiva:

«[…]

2.      O administrador central [designado pela Comissão] deve proceder a um controlo automático de cada operação nos registos através do diário independente de operações para verificar se não existem irregularidades na concessão, transferência e anulação de licenças de emissão.

3.      Caso sejam identificadas irregularidades através do controlo automático, o administrador central informa os Estados‑Membros em causa, os quais não efetuarão as operações em questão ou quaisquer operações futuras relacionadas com as referidas licenças de emissão até terem sido resolvidas as ditas irregularidades.»

 Argumentos da demandante

149    Com o seu terceiro fundamento, a demandante invoca, em substância, uma exceção de ilegalidade.

150    Alega que o artigo 19.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87, que habilita a Comissão a definir, por regulamento, um «sistema de registo normalizado e seguro», deixa à Comissão «uma certa margem de apreciação para encontrar um justo equilíbrio entre os interesses de publicidade e de confidencialidade», alegando também que essa margem de apreciação está limitada pela «redação estrita do artigo 20.° [dessa mesma diretiva] que trata das irregularidades e do dever de lhes pôr termo». Acrescenta que, por um lado, quando as licenças de emissão são objeto de operações feridas de «irregularidades» e, por outro, quando estas «irregularidades» lhe são assinaladas, a Comissão é obrigada, por força do artigo 20.° da Diretiva 2003/87, a divulgar as informações relativas a essas licenças.

151    Ora, segundo a demandante, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 «não preenche os requisitos dos artigos 19.° e 20.° da Diretiva [2003/87]». Com efeito, estes dois últimos artigos dão particular realce à segurança que o regime de comércio de licenças de emissão deve apresentar, ao passo que as regras de confidencialidade enunciadas no artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 impedem que as licenças possam ser apreendidas a seu pedido e impedem, «mesmo no quadro de um processo penal», que as informações relativas a licenças sejam divulgadas ao «autor da denúncia».

152    Nestas condições, a demandante entende que, ao adotar o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, «a Comissão é manifestamente culpada de uma violação manifesta e grave dos limites impostos ao seu poder de apreciação». Segundo a demandante, teria sido necessário prever que as informações relativas a um furto de licenças fossem divulgadas à alegada vítima desse furto. Com efeito, só tal previsão permitiria respeitar o justo equilíbrio, previsto no artigo 19.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87, entre os «interesses de publicidade e de confidencialidade». Além disso, refere que «não podia razoavelmente esperar que a Comissão se recusasse a adotar medidas em caso de irregularidade e/ou que interpretasse as suas obrigações de forma desproporcionada e incoerente relativamente ao artigo 20.° da Diretiva 2003/87 […]» inferindo daqui que o princípio da proteção da confiança legítima foi violado.

 Procedência dos argumentos da demandante

153    Em primeiro lugar, é verdade que o artigo 19.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87 obriga o Regulamento n.° 2216/2004 a «garantir o acesso do público e uma confidencialidade adequada», isto é, a encontrar um justo equilíbrio entre a transparência, por um lado, e a confidencialidade, por outro.

154    Todavia, precisamente para conciliar estas diversas exigências e, assim, dar cumprimento ao disposto no artigo 19.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 prevê importantes derrogações à confidencialidade dos dados constantes dos registos e do diário independente de operações da Comunidade. Em particular, conforme foi referido no n.° 113, supra, quando uma autoridade competente em matéria penal, como aquela perante a qual a demandante intentou a sua ação em 25 de novembro de 2010 (v. n.° 25, supra), obteve informações confidenciais constantes dos registos e do diário independente de operações que, segundo afirma, eram necessárias à identificação dos autores de um crime, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 não proíbe que esta autoridade criminal revele as referidas informações a uma pessoa singular ou coletiva que, como a demandante, tem a qualidade de vítima de uma alegada infração penal. Este artigo também não proíbe que essa pessoa, com base nas informações que lhe foram transmitidas, dê, por sua vez, início a procedimentos destinados à apreensão de determinadas licenças de emissão.

155    Daqui resulta que o argumento relativo à violação, pelo artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, do artigo 19.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87 deve ser julgado improcedente.

156    Em segundo lugar, a argumentação da demandante assenta numa interpretação inexata do artigo 20.° da Diretiva 2003/87.

157    Com efeito, este artigo impõe duas obrigações, uma a cargo do administrador central, isto é, da Comissão, e outra a cargo de certos Estados‑Membros: por um lado, caso um «controlo automático» revele irregularidades relativas a uma operação, o administrador central deve informar «o ou os Estados‑Membros em causa»; por outro, quando estes últimos recebem essa informação, não podem proceder ao registo desta ou de qualquer operação posterior das licenças em causa, e isto «até que seja posto termo às irregularidades».

158    Todavia, o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 não prevê a divulgação das informações sobre uma operação que padece de «irregularidade». A fortiori, o referido artigo não obriga a Comissão a revelar informações relativas a licenças visadas por essa operação.

159    Nestas condições, nem o argumento relativo à violação, pelo artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, do artigo 20.° da Diretiva 2003/87, nem o argumento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, conforme exposto no n.° 152, supra, podem ser acolhidos.

160    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

d)     Quarto fundamento, relativo à inobservância do direito de propriedade

 Argumentos da demandante

161    Com o seu quarto fundamento, a demandante invoca, mais uma vez, uma exceção de ilegalidade.

162    Por um lado, defende que o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 prejudica de forma desproporcionada o seu direito de propriedade. Com efeito, as regras de confidencialidade instituídas por este artigo impediram a Comissão de atuar, como devia ter feito, «de forma ‘aprofundada, pronta, imparcial e atenta’» para a ajudar a esclarecer o furto de licenças alegadamente sofrido em 16 de novembro de 2010. As referidas regras impediram, assim, a demandante de recuperar as suas licenças e tiveram, por isso, os mesmos efeitos que uma expropriação.

163    Por outro lado, a demandante alega que essas regras de confidencialidade, que respondem à preocupação de preservar o segredo dos negócios e de garantir a liquidez do mercado, prejudicam, ao contrário do que a Comissão indica, o bom funcionamento do regime de comércio de licenças de emissão. Assim sendo, as referidas disposições não respondem a nenhum interesse público suficiente.

 Procedência dos argumentos da demandante

164    O artigo 17.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia garante o direito de propriedade. Este direito não constitui, todavia, uma prerrogativa absoluta e pode, por conseguinte, ser objeto de limitações (v. acórdão do Tribunal Geral de 28 de maio de 2013, Trabelsi e o./Conselho, T‑187/11, n.° 75 e jurisprudência referida).

165    No caso em apreço, a demandante alega, em substância, que as regras de confidencialidade previstas no artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 a impediram de recuperar licenças subtraídas e, ao fazê‑lo, restringiram, indiretamente, o exercício do seu direito de propriedade.

166    Contudo, admitindo que seja esse o caso, deve considerar‑se que essa restrição está conforme com os requisitos impostos pelo artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União, segundo o qual, por um lado, «[q]ualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela […] Carta [dos Direitos Fundamentais] deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades» e, por outro, «[n]a observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros».

167    Com efeito, em primeiro lugar, estas regras de confidencialidade estão previstas no artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, o qual está em conformidade com as disposições habilitantes do artigo 19.°, n.° 3, da Diretiva 2003/87 (v. n.° 155, supra). Assim, deve entender‑se que estão previstas por lei, na aceção do artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

168    Em segundo lugar, como já foi dito no n.° 106, supra, estas regras respondem à preocupação de preservar o segredo dos negócios, isto é, a um «objetivo de interesse geral reconhecido pela União Europeia».

169    Em terceiro lugar, as referidas regras não preveem requisitos desproporcionados em relação ao objetivo prosseguido. Por um lado, não prejudicam o conteúdo essencial do direito de propriedade. Com efeito, por si só, não violam diretamente este direito. Por outro lado, não ultrapassam os limites do que é adequado e necessário à realização do objetivo referido no número anterior. Com efeito, como se afirmou nos n.os 113 e 154, supra, quando uma autoridade competente em matéria penal, como aquela perante a qual a demandante intentou a sua ação, obteve informações confidenciais contidas nos registos e no diário independente de operações da Comunidade que, segundo afirma, eram necessárias à identificação dos autores de um crime, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 não a impede de as revelar a uma pessoa singular ou coletiva que, como a demandante, tem a qualidade de vítima da alegada infração penal. Por outro lado, este artigo não proíbe que essa pessoa leve a cabo, com base nas informações assim reveladas, diligências destinadas à recuperação das suas licenças, nem torna esta missão indevidamente complexa.

170    O quarto fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

e)     Quinto fundamento, relativo à inobservância do princípio da proteção jurisdicional efetiva

171    Com o quinto fundamento, a demandante alega que «o comportamento da Comissão» viola o direito a uma proteção jurisdicional efetiva consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Com efeito, em seu entender, a Comissão impediu‑a «de facto […] de iniciar as ações necessárias para recuperar as licenças [alegadamente] subtraídas», dado que «não sab[ia] em que país nem contra quem intentar uma ação».

172    Este fundamento constitui uma exceção de ilegalidade. Com efeito, a demandante sustenta, no essencial, que o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 viola o princípio da proteção jurisdicional efetiva, uma vez que, de acordo com a interpretação que lhe foi dada nos n.os 106 a 115, supra, obriga a Comissão a não transmitir diretamente à demandante as informações sobre as licenças de emissão que lhe foram alegadamente subtraídas, o que a impede de instaurar processos judiciais nacionais destinados à restituição dessas licenças.

173    Ao fazê‑lo, a demandante pressupõe que, uma vez que a Comissão não lhe pode revelar «diretamente» informações confidenciais constantes dos registos e do diário independente de operações da Comunidade, a demandante não pode instaurar processos judiciais destinados a obter a restituição das licenças que lhe foram alegadamente subtraídas.

174    Todavia, como resulta do que foi dito nos n.os 113, 154 e 169, supra, esta argumentação assenta na premissa incorreta de que o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 proíbe, por um lado, o Ministério Público romeno de transmitir à demandante as informações confidenciais que a resposta da Comissão ao pedido apresentado por carta rogatória eventualmente contenha e, por outro, proíbe a demandante de utilizar as informações assim obtidas para instaurar processos judiciais destinados a obter a restituição de licenças alegadamente subtraídas.

175    O quinto fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

f)     Sexto fundamento, relativo a uma violação do princípio da segurança jurídica

176    Segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica tem por finalidade garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas abrangidas pelo direito da União (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de setembro de 2005, Irlanda/Comissão, C‑199/03, Colet., p. I‑8027, n.° 69 e jurisprudência referida).

177    Com o sexto fundamento, a demandante suscita uma nova exceção de ilegalidade. Alega que uma regulamentação «deve ser implementada com uma clareza e uma coerência razoáveis a fim de evitar, tanto quanto possível, a insegurança jurídica e a incerteza para os sujeitos de direito afetados pelas medidas adotadas». Ora, em seu entender, «[n]o caso vertente, é manifesto que a Comissão provocou uma importante incerteza jurídica [na medida em que foi] adotada uma abordagem mais liberal [em matéria de confidencialidade] no Protocolo de Quioto».

178    Assim, em substância, a demandante alega que a diferença de tratamento, quanto à confidencialidade, entre as licenças de emissão e as unidades de Quioto demonstra a existência de uma incoerência sendo, consequentemente, constitutiva de uma violação do princípio da segurança jurídica.

179    Todavia, as licenças de emissão e as unidades de Quioto não têm a mesma natureza (v. n.° 139, supra). Assim, mesmo supondo que, como alega a demandante, as regras aplicáveis em matéria de confidencialidade são diferentes no que respeita às licenças de emissão e às unidades de Quioto, tal não afeta a previsibilidade dessas regras e, portanto, não permite demonstrar que a Comissão violou o princípio da segurança jurídica.

180    Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

g)     Sétimo fundamento, relativo à violação do artigo 2.° da Diretiva 91/308

181    Nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve conter, designadamente, uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta exposição deve ser suficientemente clara para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal pronunciar‑se sobre os fundamentos, se for o caso, sem outras informações. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um fundamento seja admissível, que, pelo menos, o seu alcance seja coerente e compreensível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 28 de novembro de 2013, Gaumina/EIGE, T‑424/12, n.° 18 e jurisprudência referida).

182    Com o seu sétimo fundamento, a demandante sustenta que «a Comissão não respeitou» a Diretiva 91/308/CEE do Conselho, de 10 de junho de 1991, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais (JO L 166, p. 77), «dado que […] o artigo 2.° dessa diretiva prevê uma proibição geral de branqueamento de capitais […] e [que a Comissão] se compara, no articulado apresentado [no tribunal de primeira instância de Bruxelas], a uma instituição financeira, sublinhando que o [diário independente de operações da Comunidade] se limita a registar as operações sem participar nas mesmas».

183    Da leitura deste fundamento, conforme enunciado na petição, conclui‑se que a demandante pressupõe que, quando atua como administrador central do diário independente de operações da Comunidade, a Comissão tem funções semelhantes às de uma instituição financeira estando, assim, sujeita à proibição de branqueamento de capitais enunciada, em seu entender, no artigo 2.° da Diretiva 91/308.

184    No entanto, interrogada na audiência quanto à questão de saber se o este fundamento respeita as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a demandante, em resposta, expôs que não tinha pretendido dizer que a Diretiva 91/308 era aplicável à Comissão.

185    Neste contexto, o Tribunal Geral não pode determinar o alcance do sétimo fundamento, de resto, sumariamente exposto na petição. Este não cumpre os imperativos de coerência e de inteligibilidade estabelecidos pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Deve, portanto, ser julgado inadmissível.

186    Além disso, ainda que se devesse considerar que, não obstante as contradições e imprecisões de que padece a sua exposição, o presente fundamento cumpre os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, haveria que julgá‑lo improcedente.

187    Com efeito, em primeiro lugar, o artigo 2.° da Diretiva 91/308, invocado pela demandante, dispõe que «[c]ompete aos Estados‑Membros proibir o branqueamento de capitais». Assim sendo, este artigo apenas prevê obrigações para os Estados‑Membros. Por conseguinte, a demandante não pode utilmente invocá‑lo para demonstrar a ilegalidade de um comportamento da Comissão.

188    Em segundo lugar, mesmo admitindo que, na petição, a demandante pretendeu alegar que, na ordem jurídica da União, um princípio geral proíbe que qualquer pessoa realize operações de branqueamento de capitais, a sua argumentação deve ser rejeitada. Com efeito, a demandante não indica as razões pelas quais a recusa em divulgar as informações relativas às licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010, que imputa à Comissão, poderia ser equiparada a um ato de branqueamento de capitais.

189    Em terceiro lugar, ainda que se entendesse que esta recusa constitui, como afirma a demandante, uma dissimulação da origem ou da localização dos bens subtraídos, a argumentação da demandante não pode ser aceite. Com efeito, segundo o artigo 1.°, terceiro travessão, da Diretiva 91/308, o conceito de «branqueamento de capitais» abrange, em especial, a «dissimulação ou encobrimento da verdadeira natureza, origem, localização, utilização, circulação ou posse de determinados bens ou de direitos relativos a esses bens, com conhecimento pelo autor de que tais bens provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza». Todavia, a circunstância de a Comissão ter recusado, em aplicação do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, transmitir diretamente as informações sobre as licenças alegadamente subtraídas à demandante não permite provar que tenha tido a intenção de dissimular a origem ou a localização dessas licenças. Aliás, como foi referido no n.° 121, supra, é pacífico que, em 7 de abril de 2011, o OLAF comunicou ao Ministério Público romeno informações relativas a essas licenças, por conta da Comissão.

190    Resulta de tudo o que precede que a ilegalidade do primeiro comportamento censurado à Comissão não está demonstrada.

B –  Segundo comportamento censurado, correspondente à recusa em proibir qualquer operação relativa às licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010

1.     Existência do segundo comportamento censurado

191    No Tribunal Geral, a demandante alega que a Comissão recusou «bloquear» as licenças que, segundo ela, lhe foram subtraídas. Trata‑se do segundo comportamento que a demandante censura a esta instituição (v. n.os 58 e 59, supra).

192    A existência desse comportamento está demonstrada.

193    Com efeito, por carta de 24 de novembro de 2010, a demandante solicitou à Comissão que «pedi[sse] aos registos nacionais» para «bloquear as contas» através das quais as licenças alegadamente subtraídas tinham transitado (v. n.° 24, supra). Num primeiro momento, convidou formalmente a Comissão não a bloquear ela própria essas contas, mas a impor às autoridades nacionais que o fizessem. Este pedido de bloqueio foi posteriormente reiterado, embora tenha sido ligeiramente alterado. Assim, num segundo momento, por carta de 2 de dezembro de 2010, foi pedido à Comissão que, em nome da demandante, «recusa[sse ela própria] o acesso às contas» em questão (v. n.° 26, supra). Noutros termos, foi pedido à Comissão que «bloquea[sse]» não apenas as licenças, mas também todas as contas através das quais essas licenças tinham transitado. Por último, num terceiro momento, por carta de 31 de maio de 2011, foi pedido à Comissão que «bloquea[sse]» ela própria as licenças subtraídas (v. n.° 38, supra).

194    Ora, este último pedido foi indeferido por ofício de 18 de julho de 2011 (v. n.° 40, supra).

2.     Legalidade do segundo comportamento censurado

195    Para demonstrar o caráter ilegal do segundo comportamento que censura à Comissão, a demandante invoca, no essencial, cinco fundamentos. Estes argumentos serão, em seguida, examinados sucessivamente.

a)     Primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

196    Entre as garantias conferidas pelo direito da União nos procedimentos administrativos figura, nomeadamente, o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ao qual está associado o dever de diligência, isto é, a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto (acórdãos do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2012, Applied Microengineering/Comissão, T‑387/09, n.° 76, e de 16 de setembro de 2013, ATC e o./Comissão, T‑333/10, n.° 84).

197    Com o primeiro fundamento, a demandante alega que «[a]o afirmar, nomeadamente, que não podia bloquear as licenças a partir da quase imediata notificação do furto [por parte das autoridades romenas], apesar de, menos de dois meses mais tarde, ter bloqueado todos os registos durante vários meses, e ao continuar a alegar que não lhe era possível bloquear as licenças individuais, a Comissão agiu de má‑fé e de má vontade na execução do seu dever de diligência».

198    Por outras palavras, a demandante alega que, ao recusar proibir qualquer operação das licenças que lhe foram alegadamente subtraídas, a Comissão não atuou com diligência, violando assim o princípio da boa administração.

199    Assim sendo, a demandante pressupõe que a Comissão estava habilitada a proceder a tal bloqueio. Com efeito, para que uma autoridade atue com diligência num domínio determinado, é necessário que esteja habilitada a atuar nesse domínio.

200    Esta premissa está errada.

201    Com efeito, em primeiro lugar, o Regulamento n.° 2216/2004 só prevê o bloqueio de determinadas licenças constantes de um registo numa hipótese, prevista no seu artigo 27.° Trata‑se de casos em que «[e]m 1 de abril […], as emissões anuais verificadas de uma instalação para o ano anterior não tiverem sido indicadas na tabela ‘Emissões verificadas’», de modo que a conta do operador em causa deve ficar bloqueada na sua totalidade. Por outras palavras, trata‑se do caso em que, tratando‑se de uma das suas instalações, um operador não cumpriu, no prazo previsto, as regras técnicas relativas à declaração da quantidade de gases com efeito de estufa emitida por essa instalação, como aprovada pela autoridade competente.

202    Ora, de qualquer modo, é manifesto que o bloqueio de licenças requerido pela demandante não se enquadra na previsão do artigo 27.° do Regulamento n.° 2216/2004.

203    Em segundo lugar, é verdade que a própria Comissão reconheceu que tinha ocorrido uma interrupção do acesso aos registos em janeiro de 2011.

204    No entanto, indicou, sem ter sido contestada, que esta interrupção do acesso aos registos tinha como base jurídica o artigo 69.° do Regulamento n.° 2216/2004, nos termos do qual:

«O administrador central pode suspender o acesso ao diário independente de operações da Comunidade e os administradores de registo podem suspender o acesso aos seus registos caso haja violação da segurança do diário independente de operações da Comunidade ou de um registo que ameace a integridade do diário independente de operações da Comunidade, do registo ou do sistema de registos e os recursos de reserva […] tiverem sido afetados de forma idêntica.»

205    Ora, contrariamente ao que sugere a demandante, este artigo não permite bloquear o acesso a determinadas contas de depósito num registo. Apenas permite, em caso de risco sistémico, interromper qualquer acesso a um registo, no seu todo, ou ao diário independente de operações da Comunidade, no seu todo.

206    Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do princípio da boa administração deve ser julgado improcedente.

b)     Segundo fundamento, relativo, em substância, à violação do princípio da segurança jurídica

207    Com o segundo fundamento, a demandante alega que uma regulamentação «deve ser executada com uma clareza e uma coerência razoáveis para evitar, tanto quanto possível, a insegurança jurídica e a incerteza para os sujeitos de direito afetados pelas medidas adotadas». Ora, em seu entender, «[n]o caso vertente, é manifesto que a Comissão provocou uma importante incerteza jurídica», porque «afirmou, num primeiro momento, que não era possível um [bloqueio das licenças de emissão], tendo depois, num segundo momento, bloqueado todo o sistema europeu de comércio de licenças de emissão [em janeiro de 2011]». A demandante acrescenta que esta diferença de tratamento se justifica ainda menos atendendo a que o bloqueio de «todo o sistema europeu de comércio de licenças» interveio na sequência da ocorrência de furtos semelhantes ao que alega ter sofrido.

208    Este fundamento assenta na premissa de que a base legal invocada para interromper o acesso aos registos em janeiro de 2011 permitia à Comissão bloquear as licenças de emissão depositadas numa conta de depósito, dentro de um determinado registo.

209    Porém, não é esse o caso. Como resulta dos n.os 203 a 205, supra, o acesso aos registos tinha sido interrompido, em janeiro de 2011, com base no artigo 69.° do Regulamento n.° 2216/2004. Embora este artigo permita uma interrupção generalizada do acesso aos registos em caso de risco sistémico, não permite bloquear, como desejava a demandante, determinadas licenças de emissão detidas em contas de depósito dentro do mesmo registo.

210    Assim, ao interromper o acesso aos registos em janeiro de 2011 e, depois, ao indeferir o pedido da demandante de bloqueio de determinadas licenças, a Comissão, ao contrário do que alega a demandante, não agiu de modo incoerente nem violou o princípio da segurança jurídica.

211    O segundo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

c)     Terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 20.° da Diretiva 2003/87.

212    Como referido no n.° 148, supra, o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 dispõe:

«[…]

O administrador central deve proceder a um controlo automático de cada operação nos registos através do diário independente de operações para verificar se não existem irregularidades na concessão, transferência e anulação de licenças de emissão.

3.      Caso sejam identificadas irregularidades através do controlo automático, o administrador central informa os Estados‑Membros em causa, os quais não efetuarão as operações em questão ou quaisquer operações futuras relacionadas com as referidas licenças de emissão até terem sido resolvidas as ditas irregularidades.»

213    Com o terceiro fundamento, a demandante alega que, «[e]mbora a Diretiva 2003/87 exija que sejam efetuados controlos ‘automáticos’ para verificar a existência de irregularidades e que as licenças objeto de uma irregularidade devam ser bloqueadas, a Comissão deve, a fortiori, intervir quando essas irregularidades lhe forem ativamente comunicadas». Acrescenta que, «tendo as irregularidades sido notificadas, o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 não deixa nenhuma margem de apreciação à Comissão para bloquear as licenças em causa». Segundo a demandante, se o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 fosse interpretado de forma diferente, o seu objetivo, «que consiste em evitar as irregularidades e as fraudes que afetem a integridade do diário independente de operações da Comunidade», seria «violado».

214    Todavia, deve observar‑se que o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 trata das irregularidades que possam ser detetadas através de «controlos automáticos». Ora, embora a demandante alegue que não tinha dado o seu acordo à transferência de licenças efetuada em 16 de novembro de 2010 a partir das suas contas no registo romeno e pressuponha que esta transferência constituía uma irregularidade, não demonstra, e nem sequer alega, que essa irregularidade podia ser detetada por um simples controlo automático.

215    De resto, mesmo admitindo, por um lado, que a transferência de licenças em causa possa ser considerada uma «irregularidade» na aceção do artigo 20.° da Diretiva 2003/87 e, por outro, como afirma a demandante, que este artigo obrigue a Comissão a tomar as medidas nele previstas, não apenas quando uma «irregularidade» é detetada pelos seus serviços na sequência de um controlo automático, mas também quando a mesma lhe é assinalada por uma pessoa interessada, a argumentação da demandante não pode ser acolhida. Com efeito, o artigo 20.° da Diretiva 2003/87 impõe, num primeiro momento, que a Comissão, agindo na qualidade de administrador central, informe os Estados‑Membros em causa quando existam operações feridas de «irregularidades» e, numa segunda fase, que estes Estados‑Membros não registem essas operações. Em contrapartida, não obriga, nem autoriza, expressa ou implicitamente, a Comissão a bloquear, ela própria, as licenças sobre os quais incidiam as referidas operações.

216    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

d)     Quarto fundamento, relativo à inobservância do princípio da igualdade

217    Na réplica, a demandante alega, pela primeira vez, que a Comissão lhe reservou um tratamento menos favorável do que o que tinha concedido às sociedades vítimas de furtos de licenças no início do ano de 2010. Com efeito, um artigo publicado em 2011 indicava que, relativamente a essas sociedades, a Comissão reagiu, bloqueando as licenças subtraídas.

218    No entanto, resulta das disposições conjugadas do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo que é proibido deduzir novos fundamentos após a apresentação da petição, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento que constitua uma ampliação de um fundamento deduzido anteriormente, explícita ou tacitamente, na petição e que apresente um nexo estreito com este deve ser considerado admissível (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de outubro de 2008, Mote/Parlamento, T‑345/05, Colet., p. II‑2849, n.° 85 e jurisprudência referida).

219    Ora, em primeiro lugar, contrariamente ao que a demandante afirmou na audiência, o presente fundamento não constitui a ampliação de nenhum fundamento enunciado na petição. Em segundo lugar, não assenta em elementos que se tenham revelado à demandante durante o processo. Em terceiro lugar, foi intempestivamente apresentado na réplica. Pode ainda observar‑se que a demandante não expôs as razões que justificam essa apresentação intempestiva, apesar de o Tribunal a ter convidado a fazê‑lo na audiência.

220    O quarto fundamento é, pois, inadmissível.

221    De resto, ainda que tal não fosse o caso, este fundamento deveria ser afastado por carecer de base factual. Com efeito, no excerto de artigo citado pela demandante, não é de modo algum precisado que a própria Comissão tenha bloqueado licenças furtadas. Indica‑se que a descoberta de certas práticas fraudulentas conduziu «à suspensão das operações a partir das contas dos utilizadores afetados». Mas não se indica qual a autoridade que procedeu a essa suspensão das operações.

e)     Quinto fundamento, relativo à violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

222    Com o quinto fundamento, a demandante alega que a recusa de bloquear as licenças de emissão alegadamente subtraídas viola o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, em seu entender, a circunstância de essas licenças não terem sido bloqueadas prejudica gravemente a eficácia dos processos judiciais que poderiam ser instaurados para as recuperar.

223    Todavia, contrariamente ao que pressupõe a demandante, para identificar uma licença de emissão e, em seguida, para instaurar um processo judicial destinado à sua recuperação, não é necessário que essa licença não possa ser trocada. Com efeito, por força do artigo 39.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2216/2004, cada licença dispõe de um «código de identificação de unidade único» e pode, portanto, ser identificada, mesmo que não seja «bloqueada».

224    Além disso, como recordado nos n.os 113, 154, 169 e 174, supra, o n.° 2‑B do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 não proíbe que uma autoridade competente em matéria penal, como aquela perante a qual a demandante intentou a sua ação, depois de ter obtido informações confidenciais relativas, por exemplo, à localização de licenças que alegadamente foram roubadas, revele essas informações a uma pessoa singular ou coletiva que, como a demandante, tem a qualidade de vítima desse alegado furto. Esta disposição também não proíbe que essa pessoa utilize as informações assim obtidas para instaurar processos judiciais com vista a recuperar as licenças que, segundo ela, lhe foram furtadas.

225    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

226    Resulta de tudo o que precede que a ilegalidade do segundo comportamento censurado à Comissão não está demonstrada.

227    Os pedidos de indemnização apresentados com base na responsabilidade subjetiva devem, por isso, ser julgados improcedentes.

II –  Quanto à responsabilidade objetiva

A –  Argumentos da demandante

228    A título subsidiário, a demandante pede a responsabilidade objetiva da União.

229    Alega que a União é responsável mesmo quando, por um lado, o comportamento censurado não viola a regulamentação aplicável e, por outro, esta regulamentação está em conformidade com normas hierarquicamente superiores. Considera, por outro lado, que esta responsabilidade decorrente da adoção de atos lícitos existe no caso vertente. Com efeito, os comportamentos da Comissão causaram‑lhe um prejuízo anormal e especial que, de resto, não é justificado por nenhum interesse público suficiente. Resulta da petição que, segundo a demandante, esses comportamentos são, por um lado, a aprovação de uma norma, concretamente, o artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004, e, por outro, a adoção de medidas individuais, concretamente, a aplicação deste artigo ao caso vertente.

230    Mais precisamente, a demandante invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (C‑237/98 P, Colet., p. I‑4549, n.° 18), alegando que se verifica a responsabilidade objetiva da União quando o prejuízo invocado afeta uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores e ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às atividades no setor em causa, sem que o ato regulamentar na origem do dano invocado seja justificado por um interesse económico geral.

231    Fazendo aplicação das regras estabelecidas por esse acórdão, sustenta, em primeiro lugar, que o seu prejuízo é anormal, uma vez que é «desproporcionado em relação aos outros operadores económicos do mercado, que não tenham sido objeto de um furto irrecuperável».

232    Em segundo lugar, considera que o seu prejuízo é especial, uma vez que «se mantém não devido a circunstâncias relacionadas com [as suas] atividades nem ao furto propriamente dito ou com outra causa ‘normal’ atinente à sociedade, mas ao caráter irrecuperável das licenças subtraídas».

233    Em terceiro lugar, alega que as regras de confidencialidade instituídas pelo artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 apenas protegem interesses privados, concretamente, os interesses dos «outros operadores económicos do mercado que tenham comprado ou dissimulado as licenças subtraídas». Estas regras não são, de resto, segundo a demandante, necessárias ao bom funcionamento do comércio das licenças de emissão.

B –  Procedência dos argumentos da demandante

234    No seu acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colet., p. I‑6513, n.os 175 e 176), o Tribunal de Justiça considerou que a «existência eventual de um princípio de responsabilidade em presença de um ato ou de uma omissão lícitas da autoridade pública, em particular quando estes sejam de natureza normativa», não era dedutível do exame comparativo das ordens jurídicas dos Estados‑Membros. Em seguida, retirou daí as consequências para a situação específica que lhe foi submetida, ao decidir que, «no estado atual do direito [da União], não existe um regime de responsabilidade que permita desencadear a responsabilidade da [União] por um comportamento no âmbito da sua competência normativa numa situação em que a eventual desconformidade desse comportamento com [um acordo internacional] não pode ser invocada perante o juiz [da União]».

235    No entanto, no acórdão de 25 de março de 2010, Sviluppo Italia Basilicata/Comissão (C‑414/08 P, Colet., p. I‑2559, n.° 141), após ter indicado que sem que o Tribunal de Justiça tivesse de se pronunciar «sobre a possibilidade de a União ser responsabilizada por um dano causado por um ato legal, em circunstâncias como as do presente processo», o Tribunal de Justiça esclareceu que o Tribunal Geral podia, sem cometer nenhum erro de direito, afastar um fundamento relativo à existência da responsabilidade da União por ato lícito, pelo facto de o prejuízo invocado pela demandante não revestir, «em todo o caso», natureza anormal e especial. Por outras palavras, o Tribunal de Justiça indicou que o Tribunal Geral não comete um erro de direito se não decidir a questão da existência de responsabilidade objetiva no direito da União e se rejeitar, «em todo o caso», na falta de demonstração do caráter anormal e especial do prejuízo invocado, a argumentação que lhe foi apresentada.

236    Ora, segundo a jurisprudência, um prejuízo deve ser considerado «anormal» se ultrapassar os limites dos riscos económicos inerentes às atividades do setor em causa e «especial» se afetar uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores (v. acórdão do Tribunal Geral de 20 de fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colet., p. II‑515, n.° 56 e jurisprudência referida).

237    No caso em apreço, em todo o caso, não está preenchido um desses dois requisitos cumulativos: o caráter anormal do dano alegado não está demonstrado. Com efeito, o facto de terem sido previstas regras de confidencialidade no artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 e de, em seguida, as mesmas terem sido aplicadas à demandante pela Comissão, não constitui um risco anormal no setor: na falta de tais regras, o segredo dos negócios não poderia ser garantido, o que comprometeria a própria existência de um mercado de licenças.

238    Por outro lado, há que referir, a título exaustivo, que no setor em causa, concretamente, o dos agentes económicos sujeitos ao regime comunitário de comércio de licenças de emissão, o acesso às contas de licenças é feito através de um sistema informático aberto na Internet. É também através desse sistema informático aberto na Internet que se realizam as trocas de licenças. Ora, é notório que esse modo de funcionamento apresenta riscos técnicos, por vezes significativos. Assim, em todo o caso, não se pode considerar que o prejuízo correspondente ao valor das licenças transferidas, por via eletrónica, sem autorização da demandante para contas que não são suas, exceda os riscos económicos ou técnicos inerentes às atividades no setor em causa.

239    Por conseguinte, os pedidos relativos à verificação da responsabilidade objetiva devem, em todo o caso, ser julgados improcedentes.

240    Assim, deve julgar‑se a ação improcedente na totalidade.

 Quanto às despesas

241    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

242    No caso vertente, uma vez que a demandante foi vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Holcim (Romania) SA é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Gratsias

Kancheva

Wetter

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de setembro de 2014.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

I — Compromissos resultantes do Protocolo de Quioto

II — Regulamentação adotada, na União, para dar execução ao Protocolo de Quioto

A — Licenças de emissão de gases com efeito de estufa criadas pela regulamentação da União

B — Concessão e restituição das licenças

C — Modalidades de funcionamento do regime de comércio de licenças

III — Factos anteriores à propositura da ação

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto às questões prévias à análise do mérito

I — Quanto à observância do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

A — Comportamento censurado à União

B — Prejuízo invocado

C — Nexo de causalidade

II — Quanto à incidência da propositura, perante o juiz romeno, de uma ação destinada a obter a reparação do mesmo prejuízo que aquele que é invocado na presente ação, mas contra as autoridades romenas

A — Incidência da propositura de uma ação de indemnização perante um órgão jurisdicional romeno na admissibilidade da presente ação

B — Incidência da propositura de uma ação de indemnização perante um órgão jurisdicional romeno na apreciação do mérito da presente ação

Quanto ao mérito

I — Quanto à responsabilidade subjetiva

A — Primeiro comportamento censurado, correspondente à recusa em divulgar a localização das licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010

1. Existência do primeiro comportamento censurado

2. Legalidade do primeiro comportamento censurado

a) Primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2216/2004

Argumentos da demandante

Procedência dos argumentos da demandante

— Disposições do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004 em vigor à data dos factos imputados à Comissão

— Interpretação do artigo 10.° do Regulamento n.° 2216/2004

— Aplicação ao caso em apreço

b) Segundo fundamento, relativo à violação de obrigações resultantes do Protocolo de Quioto

Argumentos das partes

Procedência do fundamento

— Primeiro motivo

— Segundo motivo

c) Terceiro fundamento, relativo à violação dos artigos 19.° e 20.° da Diretiva 2003/87.

Argumentos da demandante

Procedência dos argumentos da demandante

d) Quarto fundamento, relativo à inobservância do direito de propriedade

Argumentos da demandante

Procedência dos argumentos da demandante

e) Quinto fundamento, relativo à inobservância do princípio da proteção jurisdicional efetiva

f) Sexto fundamento, relativo a uma violação do princípio da segurança jurídica

g) Sétimo fundamento, relativo à violação do artigo 2.° da Diretiva 91/308

B — Segundo comportamento censurado, correspondente à recusa em proibir qualquer operação relativa às licenças alegadamente subtraídas em 16 de novembro de 2010

1. Existência do segundo comportamento censurado

2. Legalidade do segundo comportamento censurado

a) Primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

b) Segundo fundamento, relativo, em substância, à violação do princípio da segurança jurídica

c) Terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 20.° da Diretiva 2003/87.

d) Quarto fundamento, relativo à inobservância do princípio da igualdade

e) Quinto fundamento, relativo à violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva

II — Quanto à responsabilidade objetiva

A — Argumentos da demandante

B — Procedência dos argumentos da demandante

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.