Language of document : ECLI:EU:T:2004:255

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

6 de Setembro de 2004 (*)

«Recurso de anulação – Directiva 2002/34/CE – Restrições à utilização das poliacrilamidas na composição dos produtos cosméticos – Pessoa a quem diz individualmente respeito – Admissibilidade»

No processo T‑213/02,

SNF SA, com sede em Saint‑Étienne (França), representada por K. Van Maldegem e C. Mereu, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por X. Lewis, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Vigésima Sexta Directiva 2002/34/CE da Comissão, de 15 de Abril de 2002, que adapta ao progresso técnico os anexos II, III e VII da Directiva 76/768/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO L 102, p. 19), na medida em que restringe a utilização das poliacrilamidas na composição dos produtos cosméticos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção)

composto por: P. Lindh, presidente, R. García‑Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico

1       A Directiva 76/768/CEE do Conselho, de 27 de Julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO L 262, p. 169; EE 15 F1 p. 206), alterada em último lugar antes da adopção da directiva que constitui o objecto do presente recurso pela Directiva 2000/41/CE da Comissão, de 19 de Junho de 2000, que adia pela segunda vez a data a partir da qual são proibidos os testes em animais relativamente a ingredientes ou combinações de ingredientes para produtos cosméticos (JO L 145, p. 25, a seguir «directiva sobre os cosméticos»), prevê, designadamente, que os produtos cosméticos colocados no mercado na Comunidade não devem ser prejudiciais à saúde humana quando aplicados em condições de utilização normais ou razoavelmente previsíveis, tendo em conta, designadamente, a apresentação do produto, a sua rotulagem, instruções eventuais respeitantes à sua utilização e eliminação e qualquer outra indicação ou informação emanada do fabricante ou do seu mandatário ou de qualquer outro responsável pela colocação desses produtos no mercado comunitário.

2       O artigo 4.°, n.° 1, da directiva sobre os cosméticos prevê:

«Sem prejuízo das suas obrigações gerais decorrentes do artigo 2.°, os Estados‑Membros devem proibir a colocação no mercado dos produtos cosméticos que contenham:

[...]

b)      Substâncias enumeradas na primeira parte do Anexo III para além dos limites e fora das condições indicadas;

[...]»

3       O artigo 8.° da directiva sobre os cosméticos prevê:

«Serão determinadas, de acordo com o procedimento previsto no artigo 10.°:

–       os métodos de análise necessários para o controlo da composição dos produtos cosméticos,

–       os critérios de pureza microbiológica e química para os produtos cosméticos, bem como os métodos de controlo destes critérios.

2.      Serão adoptadas de acordo com o mesmo procedimento, se for caso disso, a nomenclatura comum dos ingredientes utilizados nos produtos cosméticos e, após consulta do Comité científico de cosmetologia, as alterações necessárias para adaptar os anexos ao progresso técnico.»

4       O artigo 9.° da directiva sobre os cosméticos prevê:

«1.      É instituído um Comité para a Adaptação ao Progresso Técnico das Directivas que visam a Eliminação dos Entraves Técnicos às Trocas Comerciais no Sector dos Produtos Cosméticos, a seguir denominado «Comité», que é composto por representantes dos Estados‑Membros e presidido por um representante da Comissão.

2.      O Comité estabelecerá o seu regulamento interno.»

5       O artigo 10.° da directiva sobre os cosméticos prevê:

«1.      No caso de se fazer referência ao procedimento previsto no presente artigo, o Comité será convocado pelo seu presidente, quer por sua própria iniciativa, quer a pedido do representante de um Estado‑Membro.

2.      O representante da Comissão submeterá ao Comité um projecto das medidas a adoptar. O Comité dará o seu parecer sobre este projecto no prazo que o Presidente determinar em função da urgência do assunto em causa. [...]

3. a) A Comissão adoptará as medidas projectadas quando estas estiverem em conformidade com o parecer do Comité;

b)      Quando as medidas projectadas não estiverem em conformidade com o parecer do Comité, ou na falta de parecer, a Comissão submeterá sem tardar ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar. O Conselho delibera por maioria qualificada;

c)      Se decorrido um prazo de três meses a contar da apresentação ao Conselho este não [tiver] ainda deliberado, as medidas propostas serão adoptadas pela Comissão.»

6       O artigo 13.° da directiva sobre os cosméticos estabelece:

«Qualquer acto individual, tomado em execução da presente directiva, que restrinja ou proíba a colocação no mercado de produtos cosméticos, será fundamentado de modo preciso. Esse acto será notificado ao interessado, com a indicação das vias de recurso abertas pela legislação em vigor nos Estados‑Membros e do prazo no qual estes recursos podem ser interpostos.»

7       Em 15 de Abril de 2002, a Comissão adoptou a Vigésima‑Sexta Directiva 2002/34/CE, que adapta ao progresso técnico os anexos II, III e VII da Directiva 76/768 (JO L 102, p. 19, a seguir «directiva controvertida»), por aplicação do artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos e após consulta do Comité científico dos produtos cosméticos e dos produtos não alimentares destinados aos consumidores (a seguir «SCCNFP»).

8       O artigo 1.° da directiva controvertida estabelece que a directiva sobre os cosméticos é alterada em conformidade com o anexo daquela directiva. Este anexo prevê, designadamente, a inserção de uma referência com o n.° 66 no anexo III da directiva sobre os cosméticos e fixa para as poliacrilamidas o teor residual máximo de acrilamida em 0,1mg/kg nos produtos para cuidar do corpo que não são removidos e de 0,5mg/kg nos outros produtos cosméticos.

 Factos na origem do litígio

9       A recorrente é um dos principais produtores de acrilamida e de polímeros à base de acrilamida, como as poliacrilamidas, que vende em todo o mundo. Com base na sua experiência e no seu know‑how na área das técnicas de análise dos polímeros, desenvolveu uma gama de poliacrilamidas, polímeros especialmente concebidos para a utilização nos cosméticos e produtos de cuidados pessoais, com a marca FLOCARE.

10     As poliacrilamidas são utilizadas em produtos cosméticos devido à sua capacidade para servir de diversas maneiras, como agentes condicionadores e matérias formando filmes, polímeros esfoliantes, espessantes, emulsionantes e dispersantes para produtos de maquilhagem.

11     A recorrente é membro do Polyacrylamide Producers Group (a seguir «PPG»), constituído por sete produtores de poliacrilamidas presentes na Comunidade. Dois destes produtores, entre os quais a recorrente, são também fabricantes de acrilamida. De acordo com as estimativas, 99,9% de acrilamida na Comunidade é usada na produção de poliacrilamidas.

12     O SCCNFP colocou as poliacrilamidas utilizadas nos produtos cosméticos na ordem de trabalhos da sua reunião de 14 de Novembro de 1997. Em meados do ano de 1998, a Association européenne de cosmétiques, d’articles de toilette et de parfumerie (a seguir «Colipa»), associação sectorial que reúne fabricantes de produtos cosméticos (mas que não compreende fabricantes de matérias‑primas como a recorrente), recebeu cópia de um primeiro projecto de parecer do SCCNFP relativamente ao risco de cancro associado à utilização das poliacrilamidas nos produtos cosméticos. Nem o PPG nem a recorrente receberam directamente cópia deste documento. A conclusão proposta pelo SCCNFP era designadamente de que a utilização, durante toda a vida, de produtos cosméticos contendo poliacrilamidas apresentava um risco adicional inaceitavelmente elevado de cancro, devido à concentração residual de acrilamida. A Colipa enviou o projecto de parecer ao PPG.

13     Em 3 de Setembro de 1998, a Colipa apresentou uma resposta comum do sector ao SCCNFP, parte da qual tinha sido preparada pelo PPG. Indicou, nessa resposta, que o projecto de parecer do SCCNFP devia ser revisto à luz dos novos dados e da metodologia actual de avaliação dos riscos. O SCCNFP, a Colipa e o PPG trocaram bastante correspondência. A Colipa e o PPG assistiram a reuniões com o SCCNFP e apresentaram‑lhe várias avaliações relativas aos riscos ligados à utilização das poliacrilamidas nos produtos cosméticos, antes da adopção da directiva controvertida, em 15 de Abril de 2002.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Julho de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

15     Por requerimento separado apresentado na Secretaria em 22 de Agosto de 2002, a Comissão suscitou uma questão prévia de admissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. A recorrente apresentou as suas observações quanto a esta questão em 10 de Outubro de 2002.

16     No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) convidou a recorrente, em 28 de Outubro de 2002, a responder a certas perguntas, designadamente a esclarecer a sua posição quanto à tese segundo a qual determinadas patentes que possuía ficaram, de facto, sem valor devido à adopção da directiva controvertida e a enviar ao Tribunal cópias de cada uma das patentes em causa. A recorrente deu cumprimento a este pedido no prazo estabelecido.

17     No requerimento e nas observações quanto à questão prévia de admissibilidade, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       declarar o recurso admissível e procedente ou, alternativamente, juntar a questão prévia de admissibilidade à decisão em sede de mérito;

–       anular parcialmente a directiva controvertida;

–       condenar a Comissão nas despesas.

18     No requerimento em que suscita a questão prévia de admissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       julgar o recurso inadmissível;

–       condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Argumentos das partes

19     A recorrente alega que o presente recurso é admissível nos termos do artigo 230.° CE, uma vez que a directiva controvertida é um acto vinculativo destinado a produzir efeitos jurídicos, de carácter definitivo, que lhe diz directa e individualmente respeito. A título preliminar, pede ao Tribunal que a aprecie em sede de mérito, antes de se pronunciar quanto à admissibilidade ou, a título subsidiário, que reserve a decisão até à prolação do acórdão no processo principal. Alega, designadamente, que o presente processo diz respeito a uma área regulamentar altamente sofisticada e que a sua situação jurídica não pode ser apreciada independentemente do mérito da questão. Adianta que o presente litígio está relacionado, designadamente, com a articulação entre a Directiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas (JO P 196, p. 1; EE 13 F1 p. 50), e a directiva sobre os cosméticos.

20     A recorrente adianta cinco argumentos em apoio da sua tese.

21     Em primeiro lugar, sustenta que, muito embora formulada em termos genéricos, a directiva controvertida diz apenas respeito a sete produtores de poliacrilamidas na Comunidade que formam o PPG. Quer de facto, quer de direito, estas sociedades constituem uma categoria fechada de operadores económicos, devido a circunstâncias de facto que as distinguem de todos os outros operadores. De acordo com a recorrente, a própria directiva sobre os cosméticos identificou‑as como sendo «partes interessadas» (v. artigo 5.°‑A). A recorrente realça que a própria presença das poliacrilamidas no mercado comunitário e nos produtos cosméticos se deve inteiramente aos esforços contínuos das sociedades membros do PPG. Indica que, se o PPG não tivesse investido no apoio ao desenvolvimento das poliacrilamidas e não tivesse fornecido dados à Comissão, este ingrediente nunca teria sido vendido no sector dos cosméticos e a directiva controvertida, provavelmente, jamais teria sido adoptada.

22     A recorrente considera que, sendo o know‑how técnico e comercial importante para produzir as poliacrilamidas, não é possível, a curto prazo, entrarem neste mercado sociedades terceiras. Acrescenta que, ao estabelecer limites de concentração mais estritos para o teor residual de acrilamidas dos produtos cosméticos, a directiva controvertida criou um obstáculo adicional de carácter regulamentar para os eventuais recém‑chegados ao mercado.

23     A recorrente considera que, com estes novos limites de concentração, é tecnicamente impossível produzir pós sólidos de poliacrilamidas em conformidade com os novos valores‑limite do teor residual de acrilamida, porque a tecnologia actual não permite suprimir todos os resíduos de acrilamida contidos nas poliacrilamidas sólidas. Consequentemente, o mercado de poliacrilamidas sólidas para as utilizações cosméticas fechar‑se‑á de jure.

24     Além disso, a recorrente sustenta que as restrições contestadas se aplicam especificamente aos seus produtos. Considera que os seus produtos são o motivo e o objecto das restrições contestadas e que constituem a causa da actuação das instituições na matéria. Existe, portanto, um nexo causal entre a directiva controvertida e a situação da recorrente. Esta última é o único operador a produzir poliacrilamidas sólidas e a comercializá‑las sobre a forma de pó para utilização cosmética. Os outros operadores produzem emulsões líquidas, que não são afectadas pelos novos limites de concentração do teor residual de acrilamida. Consequentemente, a directiva controvertida afecta a recorrente de modo particular, uma vez que é o único operador a produzir pós sólidos de acrilamidas para a indústria cosmética e devido às características especiais do seu produto.

25     Em segundo lugar, a recorrente considera que a directiva controvertida lhe diz individualmente respeito, uma vez que esta afecta negativamente determinados direitos pré‑existentes específicos que detém, o que a distingue dos outros operadores económicos.

26     Sustenta, a este propósito, que a directiva controvertida lhe retira indiscutivelmente a protecção resultante da sua patente em França, a partir de 2004, na medida em que este Estado‑Membro não terá então outra opção senão a de aplicar as restrições às poliacrilamidas estabelecidas na directiva controvertida, o que tornará, de facto, a sua patente sem interesse. A recorrente alega que o seu direito de comercializar, a título exclusivo, os produtos que são o resultado das suas invenções é idêntico ao direito detido pela recorrente, por força da marca depositada, no processo de que resultou o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho (C‑309/89, Colect., p. I‑1853).

27     A recorrente esclarece que fabrica produtos de poliacrilamidas sólidos destinados à indústria cosmética, utilizando um processo de fabrico especial, que é fruto de uma longa investigação e actividades de desenvolvimento e de investimentos financeiros enormes. A sua patente abrange um processo tecnológico utilizado para os cosméticos, mediante o qual fabrica polímeros espessantes sólidos que alteram a viscosidade e a textura dos produtos cosméticos, como os champôs e as pomadas, de modo a eliminar os solventes (óleos minerais) e os agentes tensio‑activos (nonilfenol e outros etoxilatos), cuja presença é impossível eliminar nas emulsões produzidas pelos seus concorrentes que utilizam a tecnologia tradicional.

28     Nas suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal de Primeira Instância (v. n.° 16 supra), a recorrente esclareceu que se baseava, no caso em apreço, designadamente nos dois pedidos de patente n.os 00 02664 (2805461) e 01 00963 (2819719) depositados, respectivamente, em 28 de Fevereiro de 2000 e 19 de Janeiro de 2001. As patentes em causa abrangem quer os processos quer as composições cosméticas.

29     A recorrente alega que coloca ao dispor dos seus clientes e dos utilizadores finais produtos que combinam dois factores importantes, a saber, um estado sólido e de fraco teor residual em monómero acrilamínico. Estes factores são específicos da recorrente e asseguram‑lhe uma vantagem maior sobre os concorrentes. Ora, a directiva controvertida retira‑lhe a exploração do seu processo de fabrico patenteado para as aplicações cosméticas, porque a sua tecnologia patenteada não permite respeitar os novos valores de concentração controvertida de teor residual de acrilamida dos produtos cosméticos fixados na directiva.

30     A recorrente contesta a asserção da Comissão segundo a qual a sua patente abrange outras utilizações possíveis nos sectores da indústria farmacêutica e veterinária. Sustenta que é de prática corrente, aquando do depósito de um pedido de patente, abranger todas as utilizações possíveis para antecipar os eventuais mercados futuros, mesmo que os produtos não estejam verdadeiramente prontos a ser comercializados para todos esses usos. No caso em apreço, a patente da recorrente apenas está pronta para as utilizações cosméticas. Além disso, não pode abranger, ao mesmo tempo, utilizações cosméticas e farmacêuticas, em razão de restrições regulamentares.

31     A recorrente acrescenta que a protecção dos seus direitos é um princípio superior de direito, que deve ser observado em qualquer situação em que estejam em jogo os direitos e liberdades individuais. Este princípio decorre dos artigos 6.° e 13.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

32     Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão violou os direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 13.° da directiva sobre os cosméticos. No entender da recorrente, este artigo prevê, designadamente, que «o interessado» será notificado de qualquer medida restritiva adoptada por força desta directiva e será informado das vias de recurso de que dispõe. A recorrente observa, mais especificamente, que o referido artigo não estabelece qualquer distinção entre os actos adoptados pela Comissão para restringir a utilização das substâncias químicas nos produtos cosméticos e as medidas adoptadas pelos Estados‑Membros para fazer com que os produtos cosméticos finais estejam em conformidade com estas restrições no território nacional. Entende que a Comissão tinha, portanto, a obrigação de lhe notificar toda e qualquer restrição à utilização das poliacrilamidas nos produtos cosméticos.

33     A este propósito, a recorrente contesta a interpretação que a Comissão faz da directiva sobre os cosméticos. Objecta que, no âmbito regido por esta directiva, a Comissão não goza da ampla margem de apreciação que lhe é habitualmente reconhecida, dado ter de consultar os peritos da indústria e os comités científicos competentes e apenas poder adoptar as medidas de adaptação aprovadas pelo comité ad hoc. No entender da recorrente, esse é claramente o resultado das regras processuais aprovadas nos artigos 10.° a 13.° da directiva sobre os cosméticos. A protecção específica oferecida por estes artigos às empresas em causa distingue‑as, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

34     Quanto à referência da Comissão ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1998, Bergaderm e Goupil/Comissão (T‑199/96, Colect., p. II‑2805, n.° 58), a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância reconheceu expressamente a existência de um processo baseado no princípio do contraditório. Sublinha que o Tribunal de Primeira Instância estabelece uma distinção entre os procedimentos «administrativos» e os procedimentos «legislativos» que conduzem à adopção de uma medida comunitária e que aquele admite que as pessoas que tenham um interesse directo quanto ao resultado do procedimento administrativo e/ou que tenham efectivamente participado no procedimento administrativo que conduz à adopção de uma medida comunitária beneficiam de direitos processuais relativamente a esta medida. No caso em apreço, a recorrente sustenta que baseia os seus direitos específicos na directiva controvertida, dado ter participado no procedimento administrativo, apresentando dados científicos e fazendo os seus comentários ao longo de todo o processo de adopção. Ora, a Comissão avaliou o produto da recorrente sem ter em conta os dados que esta apresentou no decurso do procedimento administrativo que levou à adopção da proposta da Comissão. Ao fazê‑lo, a Comissão adoptou a directiva controvertida sem respeitar a tramitação processual e em contradição com o acervo comunitário em matéria de poliacrilamidas.

35     A recorrente sustenta que, em todo o caso, mesmo que o Tribunal de Primeira Instância admita a tese da Comissão de acordo com a qual o artigo 13.° da directiva sobre os cosméticos não lhe confere qualquer direito processual porque a medida controvertida foi adoptada nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da mesma directiva, esta última disposição instaura também um procedimento administrativo no âmbito do qual a recorrente beneficia do direito fundamental de defesa. Realça, mais exactamente, que a referida disposição prevê que as modificações destinadas a adaptar aos progressos técnicos os anexos desta directiva sejam adoptadas após consulta do SCCNFP.

36     Em quarto lugar, a recorrente, referindo‑se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho (C‑358/89, Colect., p. I‑2501), alega que os efeitos da directiva controvertida na sua situação são de molde a distingui‑la de todos os outros agentes económicos, mesmo no seio do PPG, em razão de determinadas características que lhe são específicas. A este propósito, refere que faz parte do pequeno número de sociedades do PPG que fabricam quer a acrilamida quer as poliacrilamidas. Os efeitos da directiva controvertida na sua situação serão tais que será afectada por esta do mesmo modo que seria um destinatário, dado que, na realidade, toda a sua actividade de produção de acrilamida é posta em perigo na sequência da sua adopção. Ao longo dos anos, a recorrente desenvolveu um «nicho de mercado», utilizando o seu processo de fabrico único e altamente tecnológico das poliacrilamidas. Por isso, a sua posição é específica e distingue‑se da dos concorrentes que operam no mercado tradicional dos espessantes. A directiva controvertida tem, portanto, um impacto económico especial para a recorrente, dado que esta se verá forçada a abandonar as suas actividades no sector dos cosméticos, bem como todos os seus investimentos financeiros e os seus direitos de propriedade intelectual.

37     A recorrente afirma também não dispor, na Comunidade, de nenhuma via de recurso noutro órgão jurisdicional, administrativo ou governamental. Acrescenta que é directa e individualmente afectada pelas medidas de transposição da directiva controvertida adoptadas pelos Estados‑Membros.

38     Em quinto lugar, a recorrente refere a evolução recente da jurisprudência relativa à aplicação do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, resultante do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Maio de 2002, Jégo‑Quéré/Comissão (T‑177/01, Colect., p. II‑2365), e das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., pp. I‑6677, I‑6681).

39     A Comissão contesta os argumentos invocados pela recorrente relativos à admissibilidade do presente recurso. Entende que o Tribunal de Primeira Instância pode decidir da admissibilidade do presente recurso, independentemente da decisão em sede de mérito e que, contrariamente ao que pretende a recorrente, não há conexão entre as questões relativas aos dados científicos apresentados por força da Directiva 67/548 e a situação da recorrente relativamente à directiva sobre os cosméticos.

40     Em primeiro lugar, a Comissão entende que a recorrente não pertence a uma categoria fechada de produtores de acrilamidas. Observa que a recorrente não explica as razões pelas quais outros produtores, para além dos sete produtores de poliacrilamidas presentes na Comunidade, são excluídos deste mercado e estão impedidos de entrar em concorrência com os produtores existentes.

41     A Comissão entende que o artigo 5.°‑A da directiva sobre os cosméticos não tem por objectivo restringir a categoria dos produtores de ingredientes cosméticos. Esta disposição obriga a Comissão a estabelecer, a título indicativo, um inventário dos ingredientes, mas não dos fabricantes de ingredientes.

42     Em segundo lugar, a Comissão sustenta que os pedidos de patente não individualizam a recorrente nem a colocam numa situação semelhante ou análoga à da recorrente no processo Codorniu/Conselho, já referido.

43     Segundo a Comissão, a recorrente não explica por que razão a directiva controvertida invalida as patentes ou torna ineficaz a protecção que as mesmas podem oferecer. Salienta que a directiva controvertida estabelece os teores residuais máximos de acrilamidas dos produtos cosméticos acabados, que a utilização de acrilamida não é proibida e que a recorrente não indicou qual era o teor residual efectivo de acrilamida dos seus produtos patenteados antes da adopção da directiva controvertida. O exame dos pedidos de patente não revela nenhum dado relativo às quantidades de resíduos de acrilamida nos produtos que protegem. Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que a aplicação dos novos limites para os produtos cosméticos finais atinge efectivamente as composições químicas abrangidas pelos pedidos de patente.

44     A Comissão refere‑se aos pedidos de patente n.os 00 02664 (2805461) e 01 00963 (2819719) de 28 de Fevereiro de 2000 e de 19 de Janeiro de 2001. Salienta que o segundo pedido abrange produtos que não se limitam aos cosméticos, antes se referem também a produtos farmacêuticos, veterinários e detergentes, os quais não serão, de modo algum, afectados pela directiva controvertida. Observa, igualmente, que o primeiro pedido de patente abrange a utilização de «um ou vários» monómeros não iónicos, entre os quais a acrilamida. Acrescenta que o modo como esses produtos são retomados na lista parece indicar que são intermutáveis. Nesse caso, a patente pedida em 28 de Fevereiro de 2000 em nada perderia o seu valor ou a eficácia, mesmo que as acrilamidas fossem totalmente proibidas.

45     Relativamente à situação da recorrente no processo Codorniu/Conselho, já referido, a Comissão observa que, nesse processo, a disposição controvertida reservava a utilização da indicação «crémant» a vinhos espumantes de qualidade produzidos em condições específicas em França e no Luxemburgo. A Codorniu, produtor espanhol, registou a marca gráfica Gran Crémant de Codorniu em Espanha em 1924 e utilizou tradicionalmente esta marca, quer antes quer após este registo. Ao reservar o direito de utilizar a menção «crémant» unicamente aos produtores franceses e luxemburgueses, a disposição controvertida impediu a Codorniu de utilizar a sua marca. A Comissão considera que, contrariamente ao que afirma a recorrente (v., designadamente, n.os 26 a 28 supra), as patentes pedidas não lhe dão «direitos específicos de comercializar as poliacrilamidas enquanto ingredientes de produtos cosméticos», mas unicamente o direito de impedir outros fabricantes de comercializarem preparações químicas semelhantes.

46     Em terceiro lugar, a Comissão considera que os direitos processuais da recorrente não foram violados aquando da adopção da directiva controvertida. Observa que esta foi adoptada, não ao abrigo do artigo 13.° da directiva sobre os cosméticos, mas nos termos do artigo 8.°, n.° 2, desta última directiva. Ora, as empresas individuais e as associações de empresas não têm qualquer papel no processo previsto nesta última disposição, não dão início ao processo nem são consultadas durante o seu decurso.

47     A Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância definiu claramente, no acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido (n.° 59), que o procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos é um processo que conduz à adopção de um acto normativo. Ora, a adopção de um acto normativo não obriga a garantir o direito de defesa, salvo disposições expressas neste sentido, e a directiva sobre os cosméticos não contém tais disposições.

48     Em quarto lugar, a Comissão entende que a recorrente não explicou por que é que o facto de ser «um dos raros» produtores de acrilamida e poliacrilamidas diferencia a sua situação da dos outros produtores. A Comissão sustenta que o simples facto da actividade da recorrente no âmbito da acrilamida ser atingido pela directiva controvertida é insuficiente para lhe conceder o direito de pedir a sua anulação.

49     Quanto ao argumento da recorrente exposto no n.° 37 supra, a Comissão observa que é difícil conciliar, por um lado, a asserção da recorrente de que a directiva controvertida produz efeitos precisos, incondicionais e inalteráveis que retiram aos Estados‑Membros toda e qualquer margem de apreciação na sua aplicação e, por outro lado, a de que ela não é directamente atingida por uma medida nacional de execução. Sustenta que, se a directiva controvertida disser directamente respeito à recorrente, as medidas nacionais de execução também lhe dizem respeito, uma vez que são reflexo da directiva.

50     Em quinto lugar, a Comissão alega que as recentes inovações em matéria de admissibilidade introduzidas pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Jégo‑Quéré/Comissão, já referido, e pelas conclusões do advogado‑geral F G. Jacobs no acórdão Unión Pequeños Agricultores/Conselho, já referidas, de nada valem à recorrente. Acrescenta que, neste último acórdão, o Tribunal de Justiça confirmou claramente a jurisprudência tradicional em matéria de admissibilidade. De qualquer modo, no caso em apreço, a recorrente não pede a anulação de um regulamento como nos dois processos supracitados, mas a anulação de uma directiva. Ora, uma directiva, diferentemente de um regulamento, deve ser aplicada pelos Estados‑Membros que dela são destinatários.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

51     Por força do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, se uma das partes o pedir, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, a tramitação posterior do processo é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal. O Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) considera que, no caso em apreço, está suficientemente esclarecido pelas peças dos autos e que não há que iniciar a fase oral. Considera, além disso, que não há que remeter a apreciação da questão prévia de admissibilidade para o momento da apreciação do mérito.

52     Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE «[q]ualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor [...] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

53     No caso em apreço, trata‑se de apreciar a admissibilidade de um recurso de anulação interposto por uma pessoa colectiva, nos termos desta disposição, contra determinadas disposições de uma directiva adoptada pela Comissão em aplicação do artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos.

54     Embora o quarto parágrafo do artigo 230.° CE não se refira expressamente à admissibilidade dos recursos de anulação contra uma directiva interpostos por particulares, resulta, no entanto, da jurisprudência que essa única circunstância não basta para declarar inadmissíveis tais recursos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, Colect., p. II‑2335, n.° 63; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, T‑223/01, Colect., p. II‑3259, n.° 28). Além disso, as instituições comunitárias não podem excluir, pela simples escolha da forma do acto em causa, a protecção jurisdicional que esta disposição do Tratado proporciona aos particulares (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Janeiro de 2002, Association contre l’horaire d’été/Parlamento e Conselho, T‑84/01, Colect., p. II‑99, n.° 23, e Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 28).

55     Por outro lado, em determinadas circunstâncias, mesmo um acto normativo aplicável à generalidade dos operadores económicos interessados pode dizer directa e individualmente respeito a alguns deles (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 11 a 32, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T‑172/98, T‑175/98 a T‑177/98, Colect., p. II‑2487, n.° 30).

56     A este propósito, importa lembrar que, nos termos de uma jurisprudência constante, qualquer pessoa que não seja o destinatário de uma decisão só pode pretender que ela lhe diz individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, se essa decisão a afectar em razão de determinadas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que a caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e, por esse facto, a individualiza de um modo análogo ao do destinatário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279; acórdão UEAPME /Conselho, já referido, n.° 69, e despacho Association contre l’horaire d’été/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 24).

57     Esta condição de admissibilidade do recurso interposto por uma pessoa singular ou colectiva foi ainda recentemente recordada pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido (n.° 36), e de 1 de Abril de 2004, Comissão/Jégo‑Quéré (C‑263/02 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45).

58     A recorrente sustenta, em primeiro lugar, que é individualmente afectada pela directiva controvertida porque pertence a um círculo restrito de operadores visados por esta.

59     A este propósito, há que salientar que a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a quem uma medida se aplica de modo algum implica que se deva considerar que esta medida lhes diz individualmente respeito, desde que se verifique que esta aplicação tem lugar devido a uma situação objectiva de direito ou de facto definida pelo acto em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1993, Abertal e o./Comissão, C‑213/91, Colect., p. I‑3177, n.° 17, e de 15 de Fevereiro de 1996, Buralux e o./Conselho, C‑209/94 P, Colect., p. I‑615, n.° 24).

60     Decorre igualmente da jurisprudência que o simples facto de ser afectado por uma medida enquanto operador económico que actua no sector em causa não basta para que esse operador seja considerado individualizado na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (v., neste sentido, acórdão Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, já referido, n.° 14, e despachos do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1993, Chiquita Banana e o./Conselho, C‑276/93, Colect., p. I‑3345, n.° 12, e de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, C‑10/95 P, Colect., p. I‑4149, n.° 42). Com efeito, esta jurisprudência explica‑se pela presença nestes processos de um elemento adicional, a saber, a existência de um nexo de causalidade entre o operador em causa e a intervenção da instituição que demonstre que, ao adoptar a medida controvertida, a instituição determinou o tratamento a dar a esse operador (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão, 41/70 a 44/70, Colect., p. 131, n.° 20, e de 6 de Novembro de 1990, Weddel/Comissão, C‑354/87, Colect., p. I‑3847, n.° 22). Ora, esta condição não se verifica no caso em apreço.

61     Com efeito, a directiva controvertida altera a directiva sobre os cosméticos incluindo, designadamente, as poliacrilamidas na lista das substâncias que os produtos cosméticos não podem conter para além dos limites e fora das condições indicadas no anexo III da directiva sobre os cosméticos e ao fixar, para as poliacrilamidas, um teor residual máximo de acrilamidas de 0,1mg/kg nos produtos de cuidados corporais que não necessitam de lavagem e de 0,5mg/kg nos outros produtos cosméticos. Consequentemente, a directiva controvertida aplica‑se a situações determinadas objectivamente e produz efeitos jurídicos relativamente a categorias de pessoas consideradas em termos gerais e abstractos a saber, designadamente, todos os produtores de cosméticos.

62     É manifesto que as disposições em causa apenas atingem a recorrente na sua qualidade objectiva de operador económico que actua no sector do fabrico de poliacrilamidas e isso da mesma forma que qualquer outro operador que se encontre na mesma situação. Ora, como resulta da jurisprudência citada nos n.os 59 e 60 supra, esta única qualidade não basta para demonstrar que a recorrente é afectada individualmente por essas disposições. A este propósito, pouco importa que as poliacrilamidas sejam fabricadas na Comunidade apenas por sete empresas e que, de acordo com a recorrente, ela seja a única a produzir poliacrilamidas sólidas e a comercializá‑las sob a forma de pó para utilização cosmética.

63     Em todo o caso, contrariamente ao que afirma a recorrente, o círculo de fabricantes de poliacrilamidas não era fechado no momento da adopção da directiva controvertida, uma vez que nada na directiva permite excluir que operadores económicos que ainda não estivessem em actividade no fabrico de poliacrilamidas antes da adopção da mesma não decidam posteriormente entrar nessa actividade.

64     Em segundo lugar, a recorrente considera que a directiva controvertida lhe diz individualmente respeito porque a mesma afecta negativamente os seus direitos resultantes das patentes que possui, o que a distingue de outros operadores económicos. Entende que a directiva controvertida a priva dos direitos resultantes de dois pedidos de patente acima referidos e a coloca, assim, numa posição análoga à da recorrente no processo que deu lugar ao acórdão Codorniu/Conselho, já referido.

65     Mesmo admitindo que, para efeitos de apreciação do presente argumento, a recorrente possui direitos exclusivos que resultam das patentes em causa, o Tribunal de Primeira Instância considera que a sua posição é materialmente diferente da da demandante no processo Codorniu/Conselho, já referido.

66     Importa lembrar que este processo se referia a uma sociedade espanhola, a Codorniu, que elabora e comercializa vinhos espumantes e é titular da marca gráfica espanhola Gran Crémant de Codorniu, marca que utiliza desde 1924 para designar um dos seus vinhos espumantes. Tinha utilizado esta marca quer antes quer após este registo. O Tribunal de Justiça declarou, no seu acórdão, que a disposição controvertida, ao reservar o direito de utilizar a menção «crémant» unicamente aos produtores franceses e luxemburgueses tinha impedido Codorniu de utilizar a sua marca gráfica.

67     Ora, no caso em apreço, a recorrente não dispõe de nenhum direito exclusivo para a produção de um «produto cosmético», tal como definido no artigo 1.° da directiva sobre os cosméticos. Com efeito, resulta dos argumentos da própria recorrente que fabrica poliacrilamidas sólidas para as fornecer seguidamente aos produtores de cosméticos enquanto matérias‑primas ou ingredientes para o fabrico de cosméticos.

68     O Tribunal considera que, contrariamente à disposição controvertida em causa no acórdão Codorniu/Conselho, já referido, a directiva controvertida não tem por efeito impedir a utilização dos direitos exclusivos da recorrente ou privá‑la dos seus direitos. O efeito da directiva controvertida é limitar a utilização das poliacrilamidas nos produtos cosméticos. Embora seja verdade que os processos e as composições patenteadas da recorrente, na hipótese de não permitirem responder às condições estabelecidas na directiva controvertida, poderão ser mais difíceis de comercializar ou mesmo tornar‑se invendáveis aos clientes da recorrente, esta circunstância é apenas consequência indirecta da directiva controvertida.

69     Na realidade, a recorrente não é afectada pela directiva controvertida na sua qualidade de proprietária de direitos exclusivos, mas unicamente na sua qualidade de fabricante de matérias‑primas ou de ingredientes utilizados no fabrico de produtos cosméticos, do mesmo modo que todos os outros operadores que fabricam estas matérias‑primas ou ingredientes. Importa igualmente observar que os direitos exclusivos de um titular de patente reservam ao inventor o monopólio da exploração do produto ou o processo e permitem‑lhe obter a recompensa do seu esforço criador sem, todavia, lhe garantir em todas as circunstâncias a obtenção desta (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1996, Merck e Beecham, C‑267/95 e C‑268/95, Colect., p. I‑6285, n.° 31).

70     Além disso, como sustenta, com razão, a Comissão, os direitos exclusivos da recorrente continuam válidos e a exploração destes não é necessariamente limitada aos produtos cosméticos, antes pode potencialmente aplicar‑se também aos produtos farmacêuticos, veterinários e detergentes. Mesmo que a recorrente não fabrique actualmente tais produtos, esta possibilidade não pode ser excluída no futuro.

71     Por conseguinte, há que considerar que a existência dessa possibilidade evidencia a diferença entre a situação da recorrente no caso em apreço e a da demandante no processo Codorniu/Conselho, já referido, na qual o efeito da disposição controvertida era tornar ilegal, imediata e definitivamente, a utilização pela recorrente da sua marca no comércio.

72     Em terceiro lugar, a recorrente alega que os seus direitos processuais enquanto «interessada», adquiridos ao abrigo do artigo 13.° da directiva sobre os cosméticos, foram violados pela adopção da directiva controvertida e que esta lhe diz individualmente respeito de um modo que a diferencia dos outros operadores económicos.

73     O Tribunal de Primeira Instância considera errado este argumento. Com efeito, há que concluir que resulta claramente do segundo considerando da directiva controvertida que esta tem por base jurídica o artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos e não o artigo 13.° da mesma. Com efeito, o artigo 13.° da directiva sobre os cosméticos refere‑se a actos individuais, adoptados em aplicação desta directiva, que restringem ou proíbem a colocação no mercado de produtos cosméticos. Esta disposição impõe a fundamentação de modo preciso desses actos e a notificação ao «interessado» com a indicação das vias de recurso abertas pela legislação em vigor nos Estados‑Membros e do prazo no qual estes recursos podem ser interpostos.

74     Ora, a directiva controvertida não é um acto individual que restrinja ou proíba a colocação no mercado dos produtos cosméticos, mas um acto de alcance geral adoptado pela Comissão nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos, a fim de adaptar, designadamente, o anexo III desta última directiva ao progresso técnico. Nenhum direito processual é concedido à recorrente pelo artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos. Daí que nenhum direito processual tenha sido violado devido à adopção da directiva controvertida.

75     De resto, a consulta do SCCNFP prevista no artigo 8.°, n.° 2, da directiva sobre os cosméticos não transforma o processo que conduz à adopção do acto normativo em causa num procedimento administrativo como sustenta a recorrente, nem cria, na sua esfera, o direito a ser ouvida pela Comissão nesse processo, o que a poderia, eventualmente, caracterizar relativamente a qualquer terceiro.

76     Em quarto lugar, a recorrente, ao invocar por analogia o acórdão Extramet Industrie/Conselho, já referido, sustenta que os efeitos da directiva controvertida na sua situação são de molde a distingui‑la de todos os outros agentes económicos em razão de determinadas características que lhe são próprias. A este propósito, observa que faz parte de um pequeno número de sociedades no âmbito do PPG que fabricam a acrilamida e as poliacrilamidas e que a directiva controvertida tem nela um impacto económico especial, porque será forçada a abandonar as suas actividades no sector dos cosméticos, bem como todos os seus investimentos financeiros e os seus direitos de propriedade industrial.

77     O Tribunal considera que este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, resulta do acórdão Extramet Industrie/Conselho, já referido, que uma disposição regulamentar não diz individualmente respeito a uma empresa pelo simples facto de essa disposição afectar a sua actividade económica. A situação apreciada nesse acórdão apresentava um cúmulo de circunstâncias especiais não presentes no caso em apreço e a recorrente não demonstrou que se encontra numa situação comparável à da sociedade Extramet Industrie no mercado do cálcio‑metal. Nesse acórdão (n.° 17), o Tribunal de Justiça entendeu que deve ser considerado individualmente afectado o operador que, reunindo as qualidades de importador mais importante do produto objecto da medida antidumping em causa, demonstre, além disso, que as suas actividades económicas dependem, em larga medida, dessas importações e são seriamente afectadas pelo regulamento controvertido, tendo em conta o número restrito de fabricantes do produto em questão e o facto de que tem dificuldade em se abastecer no único produtor da Comunidade que é, além disso, o seu principal concorrente relativamente ao produto transformado. O Tribunal de Justiça considerou que este conjunto de elementos era constitutivo de uma situação particular que caracterizava a sociedade Extramet Industrie, face à medida em causa, relativamente a qualquer outro operador. Ora, estes elementos não têm equivalente no caso em apreço.

78     Em quinto lugar, quanto ao argumento da recorrente baseado na evolução recente da jurisprudência relativa à aplicação do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, resultante do acórdão Jégo‑Quéré/Comissão, já referido, e das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido, basta dizer que o Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, já referido (n.° 36) e Comissão/Jégo‑Quéré, já referido (n.os 37, 38 e 45), confirmou a sua jurisprudência constante nesta matéria.

79     Há, portanto, que concluir que a recorrente não provou que a directiva controvertida lhe diz individualmente respeito.

80     Daí que o recurso seja inadmissível e deva, por conseguinte, ser julgado improcedente, sem necessidade de apreciar a questão de saber se a directiva controvertida diz respeito à recorrente.

 Quanto às despesas

81     Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas da recorrida, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      A recorrente suportará as próprias despesas e as da recorrida.

Proferido no Luxemburgo, em 6 de Setembro de 2004.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      P. Lindh


* Língua do processo: inglês.