Language of document : ECLI:EU:T:2005:338

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

27 de Setembro de 2005 (*)

«União aduaneira – Operações de trânsito comunitário externo – Carne com destino a Marrocos – Fraude – Pedido de remissão de direitos de importação – Artigo 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 – Artigo 905.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 – Cláusula de equidade – Existência de uma situação especial – Inexistência de artifício e de negligência manifesta»

No processo T‑26/03,

GeoLogistics BV, anteriormente LEP International BV, estabelecida em Schiphol Rijk (Países Baixos), representada inicialmente por H. de Bie e K. Schellaars e seguidamente por De Bie e A. Huizing, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por X. Lewis, na qualidade de agente, assistido por F. Tuytschaever, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Reino de Espanha, representado por L. Fraguas Gadea e J. M Rodríguez Cárcamo, abogados del Estado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão REM 08/00 da Comissão, de 7 de Outubro de 2002, que declara que a dispensa de direitos de importação em benefício da recorrente que foi objecto do pedido apresentado pelo Reino dos Países Baixos não se justifica,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García‑Valdecasas e I. Labucka, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Regras relativas ao trânsito comunitário externo

1        Por força dos artigos 37.°, 91.° e 92.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o código aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), as mercadorias não comunitárias introduzidas na Comunidade que, em vez de serem imediatamente sujeitas aos direitos de importação, são colocadas sob o regime de trânsito comunitário externo podem circular, sob fiscalização aduaneira, no território aduaneiro da Comunidade até serem apresentadas na estância aduaneira de destino.

2        O titular do regime de trânsito comunitário externo é definido pelo código aduaneiro como sendo o «responsável principal». A esse título, deve apresentar as mercadorias intactas na estância aduaneira de destino no prazo fixado e respeitar as disposições relativas ao referido regime (artigo 96.° do código aduaneiro). Essas obrigações terminam no momento da apresentação à alfândega das mercadorias e do respectivo documento na estância aduaneira de destino (artigo 92.° do código aduaneiro).

3        Em conformidade com o artigo 94.° do código aduaneiro, o obrigado principal deve prestar uma garantia a fim de assegurar o pagamento da dívida aduaneira e das outras imposições susceptíveis de se constituir relativamente às mercadorias. O artigo 191.° do código aduaneiro precisa, a este respeito, que, a pedido do interessado, as autoridades aduaneiras autorizarão a prestação de uma garantia global para cobrir várias operações em relação às quais se constitua ou se possa constituir uma dívida aduaneira. Nos termos do artigo 198.° do código aduaneiro, sempre que as autoridades aduaneiras verificarem que a garantia prestada não acautela ou deixou de acautelar de forma segura ou integral o pagamento da dívida aduaneira nos prazos fixados, exigirão ao obrigado, à escolha deste, a prestação de uma garantia complementar ou a substituição da garantia inicial por uma nova garantia.

4        Nos termos dos artigos 341.°, 346.°, 348.°, 350.°, 356.° e 358.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do código aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1), conforme alterado (a seguir «regulamento de aplicação»), as mercadorias em causa devem, em primeiro lugar, ser apresentadas na estância aduaneira de partida juntamente com uma declaração T1. A estância de partida fixa o prazo em que as mercadorias devem ser apresentadas na estância de destino, anota o documento T1 em conformidade, conserva o exemplar que lhe é destinado e entrega os outros exemplares do documento T1 ao obrigado principal. O transporte das mercadorias efectua‑se ao abrigo do documento T1. Depois da apresentação das mercadorias, a estância de destino anota os exemplares que recebe do documento T1, em função do controlo efectuado, e devolve sem demora um exemplar deste documento à estância de partida, normalmente por intermédio de um organismo central.

5        O artigo 203.°, n.° 1, do código aduaneiro dispõe que é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação a subtracção à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação. Por força do n.° 3 deste artigo, entre os devedores da mesma figura, designadamente, a pessoa que deve cumprir as obrigações decorrentes da utilização do regime aduaneiro sob o qual a mercadoria foi colocada.

6        Nos termos do artigo 217.° do código aduaneiro, qualquer montante de direitos de importação ou de direitos de exportação resultante de uma dívida aduaneira deve ser calculado pelas autoridades aduaneiras logo que estas disponham dos elementos necessários e deve ser objecto de inscrição por essas autoridades nos registos contabilísticos ou em qualquer outro suporte equivalente («registo de liquidação»). O artigo 220.°, n.° 1, do código aduaneiro dispõe que, sempre que o montante dos direitos resultante de uma dívida aduaneira não tenha sido liquidado em conformidade com os artigos 218.° e 219.° do referido código, ou o tenha sido a um nível inferior ao montante legalmente devido, a liquidação do montante dos direitos a cobrar ou da parte por cobrar deve efectuar‑se no prazo de dois dias a contar da data em que as autoridades aduaneiras se tenham apercebido dessa situação e possam calcular o montante legalmente devido e determinar o devedor. Este prazo pode ser prorrogado em conformidade com o artigo 219.°, já referido. Nos termos do artigo 221.°, n.° 1, do código aduaneiro, o montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respectivo registo seja efectuado.

7        O artigo 379.°, n.° 1, do regulamento de aplicação dispõe que, quando uma remessa não tenha sido apresentada na estância de destino e não possa ser determinado o local da infracção ou da irregularidade, a estância de partida notifica desse facto o obrigado principal no mais curto prazo e, o mais tardar, antes do fim do décimo primeiro mês seguinte à data do registo da declaração de trânsito comunitário. Nos termos do n.° 2 desta disposição, esta notificação deve indicar, designadamente, o prazo dentro do qual a prova da regularidade da operação de trânsito ou do local onde a infracção foi efectivamente cometida pode ser apresentada na estância de partida. Este prazo é de três meses a contar da data da notificação.

 Regras relativas ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação

8        O artigo 239.° do código aduaneiro prevê a possibilidade de reembolso ou de dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação em situações que resultem de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado.

9        O artigo 239.° do código aduaneiro foi clarificado e desenvolvido pelo regulamento de aplicação, especialmente pelos seus artigos 899.° a 909.° O artigo 905.°, n.° 1, do regulamento de aplicação dispõe que, sempre que a autoridade aduaneira nacional à qual foi apresentado o pedido de dispensa do pagamento, não possa tomar uma decisão com base no artigo 899.° e o pedido seja acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado‑Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão.

 Factos na origem do litígio

 Operações de trânsito comunitário externo em causa

10      Entre 16 de Janeiro e 7 de Agosto de 1995, a recorrente, uma empresa estabelecida nos Países Baixos e anteriormente denominada LEP International BV, emitiu, enquanto despachante alfandegária, catorze documentos de trânsito comunitário externo para o transporte de diversos lotes de carne (designadamente carne de vaca, moleja de vitela e aves de capoeira) para Marrocos, assumindo a qualidade de obrigado principal por essas operações. Estes documentos foram emitidos por conta de um único comitente, a sociedade Hector International, estabelecida no Reino Unido. Trata‑se, designadamente, dos seguintes documentos T1:

–        n.° 5100507, de 16 de Janeiro de 1995;

–        n.° 5100508, de 16 de Janeiro de 1995;

–        n.° 5102442, de 8 de Março de 1995;

–        n.° 5102443, de 8 de Março de 1995;

–        n.° 5104186, de 25 de Abril de 1995;

–        n.° 5104187, de 25 de Abril de 1995;

–        n.° 5104188, de 25 de Abril de 1995;

–        n.° 5105833, de 12 de Junho de 1995;

–        n.° 5105896, de 13 de Junho de 1995;

–        n.° 2501311, de 17 de Junho de 1995;

–        n.° 5106710, de 4 de Julho de 1995;

–        n.° 5106874, de 7 de Julho de 1995;

–        n.° 5107619, de 28 de Julho de 1995;

–        n.° 5107922, de 7 de Agosto de 1995.

11      Na sequência da recepção de um aviso das autoridades belgas que assinalava irregularidades relativas a carregamentos de molejas de vitela congeladas, o Douane informatie Centrum (Serviço de Investigação Aduaneira, a seguir «DIC») de Roterdão (Países Baixos) instaurou um inquérito, no âmbito do qual seleccionou um determinado número de declarações para um exame mais aprofundado. Em 20 de Março de 1995, o DIC de Roterdão escreveu às autoridades aduaneiras espanholas a fim de lhes perguntar se o documento aduaneiro referente à declaração T1 n.° 5100508, emitido pela recorrente em 16 de Janeiro de 1995, tinha sido apresentado para apuramento. Por fax de 20 de Março de 1995, as autoridades espanholas responderam que esse documento não constava dos registos da estância aduaneira de Cádis (Espanha). Por fax de 23 de Março de 1995, estas últimas informaram as autoridades neerlandesas de que o carimbo aposto na declaração em causa era uma falsificação do carimbo utilizado pela estância aduaneira de Cádis e que a assinatura aí aposta não era de nenhum dos agentes dessa estância. Em 31 de Março de 1995, o DIC de Roterdão assinalou essa irregularidade ao Fiscale Inlichtingen en Opsporingsdienst (Serviço de Informação e de Investigação em Matéria Fiscal, a seguir «FIOD») de Haarlem. Em 18 de Abril de 1995, o FIOD de Haarlem confiou o tratamento desse dossier ao FIOD de Roterdão.

12      Em 16 de Maio de 1995, no âmbito de um controlo por amostragem, a estância aduaneira de Kerkrade (Heerlen, Países Baixos) enviou às autoridades aduaneiras de Cádis dois pedidos de controlo a posteriori relativos aos documentos T1 n.° 5102442 e n.° 5102443, emitidos pela recorrente em 8 de Março de 1995. Em 29 de Junho de 1995, as autoridades espanholas comunicaram às autoridades neerlandesas que os documentos aduaneiros não tinham sido apresentados na estância da autoridade competente, que os dois carimbos eram falsificados e que as assinaturas não eram de nenhum dos funcionários da estância da autoridade competente. Em 11 de Julho de 1995, a estância aduaneira de Kerkrade informou disso o FIOD de Roterdão.

13      Em 12 de Junho de 1995, a estância aduaneira de Kerkrade, por ocasião de um novo controlo, dirigiu às autoridades aduaneiras de Cádis dois pedidos de controlo a posteriori relativos aos documentos aduaneiros T1 n.° 5104187 e n.° 5104188, emitidos pela recorrente em 25 de Abril de 1995. Em 10 de Julho de 1995, as autoridades espanholas informaram as autoridades neerlandesas de que os documentos aduaneiros não tinham sido apresentados na estância da autoridade competente e de que os carimbos e as assinaturas eram falsos. Em 19 de Julho de 1995, a estância aduaneira de Kerkrade transmitiu estas informações ao FIOD de Roterdão.

14      Em 9 de Agosto de 1995, a Administração Fiscal neerlandesa contactou a recorrente a respeito das declarações apuradas de modo irregular. Em 14 de Agosto de 1995, as autoridades neerlandesas procederam a uma investigação nos escritórios da recorrente e levaram os dossiers relativos às declarações de trânsito comunitário externo emitidas por conta da Hector International.

15      O inquérito das autoridades aduaneiras neerlandesas revelou que catorze declarações aduaneiras emitidas pela recorrente não tinham sido correctamente apuradas, uma vez que as mercadorias tinham sido subtraídas à fiscalização aduaneira. Assim, as alfândegas neerlandesas declararam, em conformidade com o artigo 203.° do código aduaneiro, a constituição de uma dívida aduaneira para a recorrente, tendo em conta a sua qualidade de obrigado principal do regime de trânsito comunitário externo nas operações em causa. Entre os meses de Janeiro e Abril de 1996, as autoridades neerlandesas enviaram à recorrente os respectivos avisos de cobrança dos direitos de importação de que era devedora. Seguidamente, a Administração Fiscal neerlandesa anulou os avisos de cobrança correspondentes às declarações da recorrente relativas a dois carregamentos de carne que tinham sido destruídos pelo fogo em Espanha (T1 n.° 5107619, de 28 de Julho, e T1 n.° 5107922, de 7 de Agosto de 1995).

 Procedimento administrativo relativo ao pedido de dispensa do pagamento de direitos de importação

16      Em 21 de Agosto de 1996, a recorrente apresentou um pedido de dispensa do pagamento de direitos de importação às autoridades aduaneiras neerlandesas.

17      Em 23 de Março de 2000, as autoridades neerlandesas apresentaram à Comissão um pedido de dispensa da recorrente do pagamento de direitos de importação.

18      Em 24 de Maio de 2000, a Comissão dirigiu um primeiro pedido de elementos de informação complementares às autoridades neerlandesas, através do qual pedia para ser informada do montante exacto da dispensa pedida. Por carta de 16 de Junho de 2000, as autoridades neerlandesas comunicaram que o pedido de dispensa da recorrente apenas dizia respeito às declarações emitidas depois de 23 de Março de 1995, data em que as autoridades aduaneiras espanholas assinalaram pela primeira vez às suas homólogas neerlandesas a existência de irregularidades que afectavam uma declaração da recorrente. O pedido de dispensa era relativo, concretamente, ao montante total de 925 706,20 florins neerlandeses (NLG), ou seja, 420 067,16 EUR.

19      Em 4 de Julho de 2000, a Comissão enviou um segundo pedido de elementos de informação complementares às autoridades neerlandesas. Este pedido dizia respeito às trocas de informações entre as autoridades neerlandesas e espanholas, designadamente, ao fax de 23 de Março de 1995 dirigido por estas últimas às autoridades aduaneiras neerlandesas. Estas responderam à Comissão por carta de 28 de Julho de 2000.

20      Em 24 de Novembro de 2000, a Comissão formulou um terceiro pedido de elementos de informação complementares, relativo, designadamente, ao desenrolar das investigações das autoridades aduaneiras sobre declarações apuradas irregularmente, ao papel desempenhado pela recorrente nas operações controvertidas e aos critérios utilizados pelas autoridades neerlandesas para concluir pela inexistência de negligência manifesta da parte desta. As autoridades neerlandesas responderam por carta de 8 de Agosto de 2001, à qual estava anexada a acta de um relatório do FIOD de Roterdão, de 2 de Setembro de 1996.

21      Por carta de 11 de Outubro de 2001, a Comissão informou a recorrente de que pretendia tomar uma decisão de indeferimento do pedido de dispensa do pagamento dos direitos de importação, formulando as suas objecções à dispensa e convidando‑a a apresentar observações no prazo de um mês.

22      Por carta de 9 de Novembro de 2001, a recorrente tomou posição sobre as objecções formuladas pela Comissão. A recorrente chamou, designadamente, a atenção da Comissão para o facto de a fraude ter sido possível devido ao comportamento de um ou vários funcionários das alfândegas espanholas ou por incumprimentos da regulamentação aduaneira por parte das autoridades aduaneiras espanholas.

23      Na sequência das alegações da recorrente, em 22 de Novembro de 2001, a Comissão dirigiu um novo pedido de elementos de informação complementares às autoridades neerlandesas. Este quarto pedido dizia essencialmente respeito à suposta participação na fraude de agentes das alfândegas espanholas. A Comissão pediu igualmente informações mais amplas sobre os elementos que tinham levado as autoridades neerlandesas a concluir pela inexistência de negligência por parte da recorrente. Por carta de 2 de Agosto de 2002, as autoridades neerlandesas responderam ao quarto pedido de elementos de informação complementares da Comissão.

24      Em 7 de Outubro de 2002, a Comissão adoptou a decisão REM 08/00, na qual declarava que a dispensa do pagamento dos direitos de importação não se justificava no específico (a seguir «decisão impugnada»).

25      Na decisão impugnada, a Comissão considera, em primeiro lugar, que não existe, no caso concreto, uma situação especial na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro. Em segundo lugar, a Comissão afirma que a recorrente agiu com negligência manifesta, designadamente porque, apesar de ser uma operadora com experiência, que devia conhecer a regulamentação aduaneira e os riscos comercias inerentes à sua actividade, não adoptou todas as medidas necessárias para se precaver contra esses riscos, por exemplo, controlando os intervenientes e subscrevendo os seguros adequados.

26      Por carta de 10 de Dezembro de 2002, as autoridades neerlandesas notificaram a recorrente de que o pedido de dispensa havia sido indeferido.

 Tramitação processual e pedidos das partes

27      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 28 de Janeiro de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso. Por carta de 31 de Janeiro de 2003, completou e regularizou a sua petição.

28      Em 30 de Abril de 2003, o Reino de Espanha apresentou um pedido de intervenção em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 5 de Junho de 2003, o presidente da Quinta Secção do Tribunal admitiu a intervenção do Reino de Espanha. Em 23 de Julho de 2003, o Reino de Espanha apresentou por escrito as suas alegações.

29      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal convidou a Comissão a apresentar determinados documentos. A Comissão deu cumprimento a este pedido no prazo fixado.

30      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência pública de 12 de Abril de 2005.

31      A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão e o Reino de Espanha, interveniente em apoio da Comissão, concluíram pedindo que o Tribunal de digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

33      A recorrente invoca, em apoio do seu recurso, um fundamento único, que consiste em erros de apreciação e em violação do dever de fundamentação. Este fundamento divide‑se em duas partes. A primeira consiste na existência de uma situação especial na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de aplicação. A segunda consiste na inexistência de artifícios e de negligência manifesta na acepção dessas disposições.

34      A título preliminar, há que recordar que o artigo 239.° do código aduaneiro prevê a possibilidade de um reembolso total ou parcial dos direitos de importação ou dos direitos de exportação pagos, ou a dispensa do pagamento de uma dívida aduaneira. A regra contida nesta disposição foi especificada pelo artigo 905.° do regulamento de aplicação, que constitui uma cláusula geral de equidade destinada, designadamente, a abranger situações excepcionais que, em si, não se enquadram em nenhuma das situações previstas nos artigos 900.° a 904.° do regulamento de aplicação (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1999, Trans‑Ex‑Import, C‑86/97, Colect., p. I‑1041, n.° 18).

35      Resulta da redacção do referido artigo 905.° que o reembolso dos direitos de importação depende da verificação de duas condições cumulativas, ou seja, em primeiro lugar, a existência de uma situação especial e, em segundo lugar, a inexistência de negligência manifesta e de artifício por parte do interessado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Fevereiro de 2004, Aslantrans/Comissão, T‑282/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 53).

 Quanto à primeira parte do fundamento, que consiste na existência de uma situação especial

 Introdução

 Argumentos das partes

36      A recorrente alega que a Comissão concluiu erradamente que não existia uma situação especial neste caso específico. Em particular, são constitutivas de uma situação especial as seguintes circunstâncias: em primeiro lugar, os incumprimentos e negligências cometidos pelas autoridades neerlandesas na descoberta da fraude e o atraso destas em informar a recorrente das irregularidades relativas aos documentos aduaneiros emitidos por esta, dos quais estas tinham, no entanto, conhecimento numa fase precoce; em segundo lugar, a possível implicação de um funcionário das alfândegas espanholas na fraude, bem como os incumprimentos por parte destas últimas da regulamentação aduaneira comunitária, e, em terceiro lugar, os incumprimentos por parte da Comissão das suas obrigações em matéria aduaneira.

37      A Comissão alega que não existe uma situação especial na acepção da regulamentação aduaneira. Assim, o facto de não estar preenchida uma das condições cumulativas previstas pelo artigo 239.° do código aduaneiro é suficiente para fundamentar o indeferimento do pedido de dispensa de direitos de importação.

38      O Reino de Espanha considera que não existe, neste caso específico, uma situação especial que justifique a dispensa de direitos de importação e observa, designadamente, que nenhum elemento de prova nem argumento permitem demonstrar a participação de funcionários espanhóis nas operações fraudulentas objecto da decisão impugnada.

 Apreciação do Tribunal

39      Há que recordar desde já que, segundo jurisprudência assente, existem circunstâncias susceptíveis de configurar uma situação especial, na acepção do artigo 905.° do regulamento de aplicação, quando, à luz da finalidade de equidade subjacente ao artigo 239.° do código aduaneiro, se verificam elementos susceptíveis de colocar o requerente numa situação excepcional relativamente aos outros operadores económicos que exercem a mesma actividade (acórdãos do Tribunal de Justiça Trans‑Ex‑Import, já referido, n.° 22, e de 27 de Setembro de 2001, Bacardi, C‑253/99, Colect., p. I‑6493, n.° 56; acórdão Aslantrans/Comissão, já referido, n.° 56). Com efeito, a cláusula de equidade prevista pela regulamentação aduaneira comunitária destina‑se a ser aplicada quando as circunstâncias que caracterizam a relação entre o operador económico e a administração sejam de tal ordem que não seria equitativo impor a esse operador um prejuízo que normalmente ele não teria sofrido (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Coopérative agricole d’approvisionnement des Avirons, 58/86, Colect., p. 1525, n.° 22, e de 29 de Abril de 2004, British American Tobacco, C‑222/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 63).

40      Para determinar se as circunstâncias do caso concreto são constitutivas de uma situação especial, a Comissão deve apreciar todos os dados de facto pertinentes (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1995, France‑aviation/Comissão, T‑346/94, Colect., p. II‑2841, n.° 34, e de 11 de Julho de 2002, Hyper/Comissão, T‑205/99, Colect., p. II‑3141, n.° 93). Ora, apesar de a Comissão dispor de margem de apreciação no que respeita à aplicação de uma cláusula de equidade, ela está obrigada a exercer esse poder, ponderando realmente, por um lado, o interesse da Comunidade em se assegurar da observância das disposições aduaneiras e, por outro, o interesse do operador de boa fé em não suportar prejuízos que ultrapassem o risco comercial ordinário (v., por analogia, acórdão Hyper/Comissão, já referido, n.° 95).

41      Tendo em conta esses princípios, há que examinar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar, na decisão impugnada, que as circunstâncias invocadas pela recorrente não eram constitutivas de uma situação especial.

 Quanto às supostas negligências das autoridades neerlandesas na descoberta da fraude e no seu atraso em informar a recorrente das irregularidades relativas aos documentos aduaneiros emitidos por esta

 Argumentos das partes

42      A recorrente observa que, apesar de a fraude constituir um risco normal que os operadores devem suportar, o facto de as autoridades nacionais terem, no interesse do inquérito, deliberadamente permitido que fossem cometidas infracções e irregularidades, dando assim origem a uma dívida aduaneira a cargo do responsável principal, colocou este numa situação excepcional relativamente aos outros operadores que exercem a mesma actividade (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 1999, De Haan, C‑61/98, Colect., p. I‑5003, n.° 56).

43      A recorrente observa que, em 23 de Março de 1995, as autoridades espanholas indicaram ao DIC de Roterdão que os carimbos apostos num dos seus documentos T1 eram falsos. Em 31 de Março de 1995, o DIC de Roterdão assinalou essa irregularidade ao FIOD de Haarlem, que instaurou um inquérito. Assim, as autoridades neerlandesas tiveram conhecimento, desde o mês de Março de 1995, da existência de uma fraude que lesava a recorrente. A recorrente observa que as autoridades neerlandesas, todavia, não a informaram dessa fraude durante cinco meses. Considera, a este respeito, que é praticamente impossível que as autoridades aduaneiras não tenham deliberadamente decidido informá‑la apenas num estádio ulterior. Fazendo as autoridades aduaneiras e o DIC de Roterdão ambos parte da Administração Fiscal neerlandesa, esta última não podia sustentar que instâncias diferentes estavam incumbidas do inquérito sobre a fraude para justificar o atraso na informação da recorrente.

44      No caso de o Tribunal considerar que as autoridades neerlandesas não permitiram deliberadamente que uma fraude fosse cometida, a recorrente sustenta que estas actuaram negligentemente, pelo facto, designadamente, de não a terem informado imediatamente dos artifícios fraudulentos de que tinham conhecimento. Alega igualmente que as autoridades neerlandesas não foram suficientemente diligentes nos seus inquéritos sobre as irregularidades em causa.

45      A recorrente considera que a retenção desta informação pelas autoridades aduaneiras não pode justificar‑se pelo argumento segundo o qual era necessário, previamente, estabelecer uma ligação com outros documentos. A recorrente sustenta que, em Março de 1995, estas autoridades já podiam estabelecer uma ligação entre os documentos T1 emitidos em nome da Hector International e os carimbos falsos. Se é certo que as declarações em causa diziam respeito a produtos diferentes, não é menos verdade que se tratava, em todos os casos, de operações de transporte de carne e que essas declarações mencionavam sempre o mesmo declarante, destinatário, transportador e estâncias aduaneiras de emissão e de destino. A negligência destas autoridades na identificação e comparação das informações pertinentes e a longa duração do seu inquérito determinaram que a recorrente, que não foi avisada das irregularidades e continuou, assim, a emitir os documentos T1, contraiu inutilmente uma dívida aduaneira. Ora, o interessado não deve sofrer o prejuízo resultante de uma actuação incorrecta, negligente e tardia das autoridades aduaneiras.

46      A recorrente observa igualmente que, em conformidade com o artigo 379.°, n.° 1, do regulamento de aplicação, as autoridades aduaneiras devem assinalar ao declarante no mais curto prazo a existência de uma irregularidade. Mesmo na falta de uma certeza absoluta quanto à existência de uma fraude, simples suspeitas das autoridades aduaneiras deveriam levá‑las a avisar o interessado.

47      Quanto ao resto, a recorrente observa que, segundo o artigo 94.° do código aduaneiro, estava obrigada, enquanto declarante aduaneira, a prestar uma garantia para os documentos T1 apresentados. Assim, constituiu uma garantia global para cobrir as sucessivas operações, em conformidade com o artigo 191.° do código aduaneiro. Alega que, tendo as autoridades aduaneiras verificado que o documento T1 n.° 5100508, de 16 de Janeiro de 1995, não devia ser considerado liquidado, era evidente que lhe seriam impostos direitos, que deviam ser pagos através da garantia constituída. No entanto, as autoridades aduaneiras não procederam num curto prazo ao registo e à cobrança dos direitos, contrariamente ao previsto no artigo 220.°, n.° 1, e no artigo 221.°, n.° 1, do código aduaneiro. Por essa razão, a garantia da recorrente deixou de ser suficiente no fim do mês de Março de 1995. Por conseguinte, a recorrente não deveria poder entregar documentos T1 depois dessa data, enquanto não fosse prestada uma garantia complementar, em conformidade com o artigo 198.° do código aduaneiro. Esse incumprimento das autoridades neerlandesas da regulamentação aduaneira comunitária causou um prejuízo grave à recorrente.

48      A recorrente conclui que poderia ter evitado a constituição da dívida aduaneira ulterior se as autoridades neerlandesas a tivessem informado da possibilidade de existência de uma fraude. As autoridades neerlandesas, ao intervirem, erradamente, demasiado tarde, criaram uma situação especial na sequência da qual a recorrente se encontrava numa posição mais desfavorável do que a dos outros operadores económicos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2001, Spedition Wilhelm Rotermund/Comissão, T‑330/99, Colect., p. II‑1619).

49      A Comissão observa que, no caso concreto, as autoridades neerlandesas não estavam ao corrente da fraude e não permitiram conscientemente o cometimento das infracções e das irregularidades no interesse do inquérito, contrariamente à situação existente no processo que deu lugar ao acórdão De Haan. Com efeito, como resulta tanto do pedido de dispensa das autoridades neerlandesas como da carta de 24 de Setembro de 1998 do departamento das contribuições do distrito aduaneiro de Roterdão que indeferiu a reclamação da recorrente, só em 24 de Julho de 1995 o FIOD estabeleceu uma ligação entre as diferentes irregularidades reveladas por diversos inquéritos inicialmente distintos.

50      A Comissão observa igualmente que havia uma razão para que as autoridades neerlandesas tardassem a estabelecer uma ligação entre as informações disponíveis e a informar disso a recorrente. Assim, o tempo decorrido desde a recepção nos Países Baixos do aviso respeitante ao primeiro documento irregularmente apurado era absolutamente necessário para estabelecer a ligação com as irregularidades verificadas em quatro outros documentos e para determinar a natureza e a amplitude dessas irregularidades, o que foi confirmado pelas autoridades fiscais neerlandesas na sua decisão de rejeição da reclamação da recorrente. Durante o desenrolar desse inquérito, os diversos serviços em causa da administração neerlandesa trabalharam com zelo.

51      A Comissão alega igualmente que as autoridades nacionais não estão legalmente obrigadas a informar imediatamente um declarante quando declaram irregularidades no âmbito de um procedimento de trânsito comunitário e observa que tal obrigação excluiria a priori qualquer inquérito sobre a eventual participação do referido declarante nas irregularidades. A este respeito, a Comissão alega que não seria oportuno aplicar a jurisprudência De Haan ao presente processo, uma vez que essa decisão é contrária à interpretação estrita que deve prevalecer no caso das disposições que prevêem uma dispensa de direitos de importação e de exportação (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C‑48/98, Colect., p. I‑7877).

52      Relativamente aos argumentos da recorrente respeitantes à violação pelas autoridades neerlandesas, por um lado, do artigo 379, n.° 1, do regulamento de aplicação e, por outro, dos artigos 220.°, n.° 1, e 221.°, n.° 1, do código aduaneiro, a Comissão alega que se trata de fundamentos novos, invocados pela recorrente pela primeira vez na réplica, e que não assentam em elementos suscitados ao longo do processo. Por conseguinte, a Comissão pede ao Tribunal que os julgue inadmissíveis. A título subsidiário, a Comissão observa que resulta da letra do artigo 379, n.° 1, do regulamento de aplicação que as autoridades neerlandesas deveriam ter informado o declarante o mais tardar antes do fim do décimo primeiro mês seguinte à data do registo da declaração de trânsito comunitário. Relativamente à alegada violação dos artigos 220.° e 221.° do código aduaneiro, a Comissão observa que, quando as autoridades neerlandesas constataram a existência de um esquema fraudulento, rapidamente informaram a recorrente e procederam, em conformidade com a regulamentação aplicável, à liquidação, à notificação e à cobrança do montante da dívida aduaneira assim constatada.

 Apreciação do Tribunal

53      A título preliminar, o Tribunal considera que o argumento da Comissão segundo o qual a recorrente invocou pela primeira vez na réplica dois fundamentos novos, que consistem na violação, pelas autoridades neerlandesas, respectivamente, do artigo 379.°, n.° 1, do regulamento de aplicação e dos artigos 220.°, n.° 1, e 221.°, n.° 1, do código aduaneiro, não pode ser acolhido. Com efeito, há que constatar que, através desses argumentos, a recorrente mais não faz do que precisar e desenvolver a acusação baseada no alegado atraso das autoridades neerlandesas em informá‑la da existência de irregularidades relativas ao apuramento das suas declarações aduaneiras. Ora, há que referir que essa acusação consta da petição inicial (v., designadamente, n.° 24 e n.os 34 a 40 da petição).

54      Quanto ao mérito, há que observar que as necessidades de um inquérito destinado a identificar e deter os autores ou cúmplices de uma fraude perpetrada ou em preparação podem legitimamente justificar a omissão deliberada de informar dos elementos do inquérito, total ou parcialmente, o obrigado principal, mesmo que este não esteja de forma alguma envolvido na perpetração dos actos fraudulentos (acórdão De Haan, já referido, n.° 32). Assim, as autoridades nacionais podem legitimamente deixar deliberadamente que se cometam infracções ou irregularidades para melhor desmantelar uma rede, identificar os autores da fraude e reunir ou corroborar elementos de prova. No entanto, o facto de fazer recair sobre o devedor uma dívida aduaneira decorrente dessas opções ligadas à perseguição de infracções é susceptível de colidir com a finalidade da cláusula de equidade subjacente ao artigo 905.° do regulamento de aplicação, na medida em que o devedor se encontraria, desta forma, numa situação excepcional relativamente aos outros operadores que exercem a mesma actividade. Assim, o facto de não avisar o devedor, por necessidades de um inquérito levado a cabo pelas autoridades aduaneiras ou policiais, do desenrolar deste último é, não existindo qualquer artifício e negligência imputáveis ao devedor, constitutiva de uma situação especial (acórdãos De Haan, já referido, n.° 53, e British American Tobacco, já referido, n.° 64; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Dezembro de 2004, Nordspedizionieri di Danielis Livio e o./Comissão, T‑332/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51).

55      No caso em apreço, conforme resulta do relatório do FIOD de Roterdão de 2 de Setembro de 1996, a fraude nas declarações emitidas pela recorrente foi descoberta por ocasião de três actuações independentes de diferentes serviços das autoridades neerlandesas. A primeira irregularidade foi detectada em 20 e 23 de Março de 1995 pelo DIC de Roterdão, no âmbito de um inquérito relativo a operações de transporte de molejas de vitela (v. n.° 11, supra). A segunda foi detectada em 29 de Junho de 1995 pela estância aduaneira de Kerkrade, por ocasião de um controlo por amostragem (v. n.° 12, supra). A terceira foi descoberta em 10 de Julho de 1995 pela estância aduaneira de Kerkrade, na sequência da constatação de que, em duas declarações aduaneiras, as rubricas «Controlo pela estância de destino» não estavam inteiramente preenchidas (v. n.° 13, supra). Estas duas últimas irregularidades, além disso, diziam respeito a produtos de carne diferentes das molejas de vitela, isto é, a carne de vaca e de aves de capoeira. Há que observar igualmente que o FIOD de Roterdão só estabeleceu uma ligação entre estes três processos em 24 de Julho de 1995. Assim sendo, há que concluir que, no caso vertente, as autoridades aduaneiras neerlandesas não permitiram conscientemente que fossem cometidas infracções com o objectivo de identificar e deter os autores ou cúmplices das fraudes perpetradas.

56      De qualquer forma, há que constatar que, em 23 de Março de 1995, as autoridades aduaneiras neerlandesas já estavam ao corrente da existência de um caso de fraude relativo a uma operação de trânsito comunitário externo cuja declaração tinha sido emitida pela recorrente e em relação à qual esta tinha a qualidade de obrigado principal para efeitos do regime de trânsito. No entanto, as autoridades neerlandesas só informaram a recorrente em 9 de Agosto de 1995, ou seja, quatro meses e meio mais tarde.

57      Ora, há que observar que o artigo 379.°, n.° 1, do regulamento de aplicação determina que quando, como no caso concreto, uma remessa não tiver sido apresentada na estância de destino e não puder ser determinado o local da infracção ou da irregularidade, a estância de partida informa desse facto o obrigado principal «no mais curto prazo». Apesar de esta disposição não fixar um prazo certo para informar o obrigado principal, limitando‑se a prever que essa notificação deve ser feita o mais tardar antes do fim do décimo primeiro mês seguinte à data do registo da declaração de trânsito comunitário, impõe, ainda assim, uma obrigação de diligência às autoridades nacionais na informação do obrigado principal.

58      Com efeito, essa comunicação ao interessado da inexistência de apuramento da operação aduaneira tem várias finalidades. Em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 379.°, n.° 2, do regulamento de aplicação, essa notificação deve indicar, nomeadamente, o prazo de três meses dentro do qual o interessado pode apresentar na estância de partida a prova da regularidade da operação de trânsito ou do local onde a infracção foi efectivamente cometida. Assim, a notificação do referido prazo ao obrigado principal constitui uma condição prévia para a cobrança da dívida aduaneira pelas autoridades aduaneiras e destina‑se a proteger os interesses deste (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2005, Honeywell Aerospace, C‑300/03, ainda não publicado na Colectânea, n.os 23 e 24). Em segundo lugar, essa comunicação permite ao operador de boa fé descobrir que uma expedição foi desviada e, assim, tomar as medidas necessárias para evitar a constituição de uma dívida aduaneira devido a expedições semelhantes subsequentes. Em terceiro lugar, o conhecimento dessa irregularidade permite eventualmente que o obrigado principal complemente a garantia prestada às autoridades aduaneiras a fim de garantir o pagamento da dívida aduaneira, em conformidade com o artigo 198.° do código aduaneiro.

59      Ora, há que observar que o facto de não comunicar imediatamente ao interessado a descoberta de uma fraude que lhe diz respeito e de proceder previamente a inquéritos de que ele é objecto não constitui um comportamento negligente das autoridades aduaneiras. Com efeito, da mesma maneira que essas autoridades podem legitimamente permitir que sejam cometidas infracções para melhor desmantelar uma rede, identificar os autores da fraude e reunir ou corroborar os elementos de prova (acórdão De Haan, já referido, n.° 53), elas podem legitimamente instaurar inquéritos sobre as irregularidades descobertas no âmbito de uma operação de trânsito comunitário sem disso informar previamente o obrigado principal, designadamente, a fim de determinar a natureza e amplitude das irregularidades identificadas e a responsabilidade dos diversos operadores que participam na operação em causa, incluindo o próprio obrigado principal. A comunicação prévia aos intervenientes na operação aduaneira em causa da existência de uma fraude poderia efectivamente prejudicar o inquérito e dificultar a recolha dos elementos de prova pertinentes.

60      No entanto, como o Tribunal de Justiça observou no acórdão De Haan, já referido, embora o exercício pelas autoridades aduaneiras ou policiais dos seus poderes de investigação seja legítimo, as exigências de um inquérito diligenciado por essas autoridades, não existindo qualquer artifício ou negligência imputáveis ao devedor e não tendo este sido informado do desenrolar do inquérito, são constitutivas de uma situação especial (acórdão De Haan, já referido, n.° 53). Com efeito, como a Comissão reconheceu na audiência, o facto de não informar o obrigado principal de que vai ocorrer uma fraude de que ele vai ser vítima, a partir de um momento a determinar em função das circunstâncias do caso concreto, é um elemento susceptível de o colocar numa situação especial, no que diz respeito à dívida aduaneira relativa a operações fraudulentas posteriores à descoberta dessa fraude e relacionadas com a referida fraude, mas anteriores ao momento em que o obrigado principal foi disso informado.

61      Onerar um operador de boa fé com uma dívida aduaneira decorrente da omissão ou do atraso das autoridades nacionais em o avisar da existência de uma fraude que lhe diz respeito poderia colidir com a finalidade da cláusula de equidade, na medida em que o devedor encontrar‑se‑ia, assim, numa situação excepcional em relação aos outros operadores que exercem a mesma actividade. Portanto, não seria equitativo impor a esse operador um prejuízo que, em circunstâncias normais, não teria sofrido (acórdãos Coopérative agricole d’approvisionnement des Avirons, já referido, n.° 22, e British American Tobacco, já referido, n.° 63) e que ultrapassaria o risco comercial comum ligado à sua actividade económica (acórdão Hyper/Comissão, já referido, n.° 95).

62      No presente caso, há que determinar a partir de que momento as autoridades neerlandesas podiam ter informado a recorrente das irregularidades em causa. Em 23 de Março de 1995, o DIC de Roterdão descobriu o primeiro caso de fraude que afectava a recorrente, o relativo ao documento T1 n.° 5100508, de 16 de Janeiro de 1995. O FIOD de Haarlem tomou conhecimento dessa fraude em 31 de Março de 1995 e o FIOD de Roterdão foi informado em 18 de Abril de 1995. É facto assente entre as partes que o FIOD era a autoridade competente para investigar as irregularidades em causa e para informar a recorrente. Ora, a partir de 18 de Abril de 1995, o FIOD de Roterdão procedeu à instrução do inquérito sobre a fraude descoberta. No entanto, só em 9 de Agosto de 1995 informou a recorrente da irregularidade detectada.

63      Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que, embora as autoridades neerlandesas não tenham actuado com negligência no desenrolar dos seus inquéritos, o facto de estas autoridades não terem avisado a recorrente, durante um determinado período e devido às exigências dos referidos inquéritos, da fraude que a afectava é uma circunstância que a colocou numa situação especial no que diz respeito a uma parte da dívida aduaneira relativa às operações de trânsito comunitário externo controvertidas. Com efeito, se a recorrente tivesse sido informada pelas autoridades aduaneiras da irregularidade das declarações num prazo razoável a partir de 18 de Abril de 1995, data em que o FIOD de Roterdão dela foi informado, ela poderia ter adoptado as medidas necessárias, depois do desvio fraudulento das expedições em causa, para evitar a constituição, que lhe fosse imputável, de uma dívida aduaneira decorrente das expedições feitas a partir de 12 de Junho de 1995. Por conseguinte, o Tribunal considera que as condições de existência de uma situação especial se encontram preenchidas no caso em apreço, no que diz respeito à dívida aduaneira relativa às declarações emitidas pela recorrente a partir de 12 de Junho de 1995.

64      Assim sendo, há que concluir que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a recorrente não se encontrava, no que diz respeito à dívida aduaneira decorrente das operações realizadas a partir de 12 de Junho de 1995, numa situação especial na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de aplicação.

65      Por conseguinte, sem necessidade de apreciar as restantes circunstâncias invocadas pela recorrente, há que acolher a primeira parte do fundamento.

 Quanto à segunda parte do fundamento, que consiste na inexistência de artifícios e de negligência manifesta por parte da recorrente

 Argumentos das partes

66      A recorrente alega que não se discute que ela agiu de boa fé e que não esteve envolvida na fraude. A Comissão, no entanto, acusa‑a erradamente de ter sido manifestamente negligente.

67      A recorrente observa que, no seu pedido de dispensa de direitos, as autoridades neerlandesas referiram à Comissão que não se podia acusar a recorrente de negligência manifesta. Reiteraram essa posição ao longo do procedimento administrativo, designadamente nas suas respostas aos dois pedidos de informação complementares da Comissão datadas, respectivamente, de 8 de Agosto de 2001 e de 2 de Agosto de 2002. A recorrente alega que a apreciação pela Comissão da existência de negligência deve fazer‑se com base em todas as informações pertinentes, incluindo as decisões e declarações das autoridades nacionais (acórdão France‑aviation/Comissão, já referido, n.° 36), pelas quais o interessado tem o direito de ser ouvido (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2000, Mehibas Dordtselaan/Comissão, T‑290/97, Colect., p. II‑15, n.os 27 a 29). Ora, a Comissão afastou‑se da opinião das autoridades neerlandesas sem para tanto ter apresentado razões suficientes.

68      De igual modo, a recorrente observa que, como resulta tanto da prática da Comissão (decisão REM 21/00, 22/00, 23/00 e 24/00 da Comissão, de 23 de Julho de 2001, n.° 42) como da jurisprudência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler & Malt/Comissão, T‑42/96, Colect., p. II‑401, n.os 159 e 160), para concluir pela existência de negligência manifesta, há que examinar se o comportamento do interessado foi contrário às práticas comerciais habituais. Ora, no caso concreto, o seu comportamento esteve em conformidade com tais práticas. Em relação, designadamente, à acusação que lhe é feita de não ter celebrado um contrato de seguro para o transporte das mercadorias, a recorrente observa que as autoridades neerlandesas, na sua resposta de 2 de Agosto de 2002 ao pedido de informações da Comissão, referiram que, à data dos factos, não era fácil celebrar contratos de seguro e que também não era usual. Além disso, reitera que o facto de ela ter ou não celebrado um contrato de seguro não tem qualquer influência quanto à existência de negligência manifesta. Por último, a recorrente observa que, embora a Comissão tenha referido que a celebração de um contrato de seguro constituía apenas um dos critérios de apreciação da existência de negligência manifesta, não identificou nem precisou, no entanto, os outros critérios aplicados no caso em apreço. A recorrente conclui, assim, que não pôde reagir de forma adequada.

69      A recorrente observa, além disso, que não agiu com negligência nas suas relações comerciais com a Hector International. Refere que, desde Março de 1993, esta última fazia transportes para a LEP International UK, uma sociedade‑irmã da recorrente, com a qual esta estava plenamente satisfeita. A pedido da Hector International, a LEP International UK pô‑la em contacto com a recorrente. Esta só começou a emitir documentos T1 para a Hector International depois de se ter certificado de que esta última tinha solvabilidade e depois de ter recebido uma declaração relativa à responsabilidade e às garantias da Hector International em caso de apuramento incorrecto de documentos aduaneiros. Além disso, a recorrente certificou‑se de que só era emitido um número limitado de documentos T1 de cada vez e de que só eram emitidos novos documentos quando os precedentes pudessem razoavelmente considerar‑se apurados. Insistiu sempre junto da Hector International para que esta lhe devolvesse o talão do exemplar n.° 5 dos documentos T1, no qual figura sempre um carimbo da alfândega espanhola e a assinatura de um funcionário das alfândegas espanholas, que todavia se revelaram falsos, como veio a apurar‑se posteriormente. A recorrente recebia, além disso, para cada envio, as guias de remessa «CMR» assinadas e carimbadas para recepção, que comprovavam que a carne tinha efectivamente chegado ao seu local de destino. Por conseguinte, a recorrente fez tudo o que era razoável para evitar qualquer prejuízo decorrente da falta de apuramento de documentos aduaneiros e, assim, não actuou com negligência.

70      A Comissão considera que, na decisão impugnada, demonstrou suficientemente do ponto de vista jurídico que a recorrente agiu, no caso em apreço, com negligência manifesta.

71      Observa que a questão da negligência manifesta da recorrente não tem qualquer relação com a questão de saber se ela estava ou não de boa fé. A Comissão admite que as alfândegas neerlandesas a informaram de que não tinha havido artifício nem negligência manifesta por parte da recorrente. Recorda, no entanto, que lhes pediu por duas vezes que especificassem a sua posição, a primeira vez no seu pedido de informação de 24 de Novembro de 2000 e a segunda vez no seu pedido de informação de 22 de Novembro de 2001. Todavia, as respostas das autoridades neerlandesas não tiveram qualquer utilidade para determinar se houve negligência manifesta da recorrente no caso em apreço, na medida em que, segundo essas comunicações, as referidas autoridades ter‑se‑iam limitado a aplicar o princípio da presunção de inocência, ao considerar que a recorrente estava de boa fé até prova em contrário.

72      A Comissão observa que as responsabilidades específicas do obrigado principal no regime do trânsito comunitário devem ser levadas em conta para determinar se ele agiu ou não com negligência manifesta. Observa que, como refere o considerando 46 da decisão impugnada, ela deve ter em conta, para esse efeito, a experiência do interessado, a diligência que demonstrou e a complexidade da regulamentação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 1996, Günzler Aluminium/Comissão, T‑75/95, Colect., p. II‑497). Ora, na sua qualidade de sociedade de expedição aduaneira, a recorrente era um operador económico experiente que devia ter conhecimento dos riscos comerciais inerentes à sua actividade (considerando 47 da decisão impugnada). Acresce que a regulamentação relativa às operações de trânsito precisa claramente as obrigações do obrigado principal e a responsabilidade delas decorrente (considerando 48 da decisão impugnada). Por último, o declarante deveria ter tomado todas as medidas necessárias para se premunir contra o risco comercial, o que não aconteceu (considerandos 49 e 50 da decisão impugnada).

73      Relativamente, em especial, à questão se saber se a recorrente actuou com diligência, a Comissão observa que o facto de ter subscrito um seguro é apenas um elemento de apreciação. A Comissão considera que, tendo em conta os dados do caso em apreço, foi correctamente que chegou à conclusão de que a recorrente não tinha tomado as precauções necessárias para se premunir contra os eventuais riscos.

74      Relativamente às precauções que a recorrente teria tomado para se assegurar da fiabilidade da Hector International, a Comissão observa que a recorrente só invocou esses elementos factuais na sua réplica. Recorda que a recorrente assinou uma declaração em que afirmava nada ter a acrescentar ao dossier transmitido pelas autoridades neerlandesas e que teve oportunidade de dar a conhecer essas observações a propósito da carta da Comissão de 11 de Outubro de 2001, na qual esta concluía expressamente pela existência de negligência manifesta por parte da recorrente. A Comissão considera, assim, que esta última não pode, nesta fase do processo, apoiar‑se nesses elementos de facto novos para a acusar de não ter fundamentado suficientemente a decisão impugnada.

 Apreciação do Tribunal

75      Para apreciar se há negligência manifesta, na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de aplicação, há que ter em conta, designadamente, a complexidade das disposições cuja inexecução acarretou a constituição da dívida aduaneira, bem como a experiência profissional e a diligência do operador (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 56).

76      No caso em apreço, a Comissão referiu, na decisão impugnada, em primeiro lugar, que a recorrente, enquanto operador económico experiente, tinha o dever de conhecer a regulamentação aduaneira e os riscos comerciais da sua actividade (considerando 47), em segundo lugar, que a regulamentação relativa às operações de trânsito refere claramente as obrigações do obrigado principal e a responsabilidade que delas decorre (considerando 48) e, em terceiro lugar, que, tendo em conta as suas responsabilidades enquanto obrigado principal, competia à recorrente tomar todas as medidas necessárias contra o risco comercial (considerando 49).

77      No entanto, os três elementos mencionados supra, isto é, a complexidade das disposições regulamentares, a experiência profissional e a diligência do operador, constituem apenas critérios de apreciação, com base nos quais a Comissão deve apreciar in concreto se o comportamento do operador económico foi ou não manifestamente negligente (v., neste sentido, acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 59). Com efeito, a Comissão é obrigada, no quadro da sua análise, a identificar as acções ou omissões concretas do requerente da remissão, que, tomadas isolada ou conjuntamente, sejam constitutivas de uma negligência manifesta, à luz, designadamente, dos referidos critérios.

78      A este respeito, há que notar que as autoridades neerlandesas, tanto no seu pedido de dispensa como posteriormente, por duas vezes, durante o procedimento administrativo na Comissão, concluíram que não se podia considerar que a recorrente tinha agido com artifício ou negligência manifesta. A Comissão, todavia, na decisão impugnada, entendeu que o comportamento da recorrente devia considerar‑se resultante de uma negligência manifesta da sua parte (considerando 51). Ora, a Comissão podia afastar‑se deste entendimento das autoridades nacionais (v., neste sentido, acórdão France‑aviation/Comissão, já referido, n.° 36), mas incumbia‑lhe provar, com base nos elementos factuais pertinentes, a existência de um comportamento manifestamente negligente da recorrente.

79      Ora, como a Comissão reconheceu na audiência, a decisão impugnada apenas identifica dois comportamentos específicos da recorrente susceptíveis de demonstrar a existência de negligência manifesta da sua parte. Trata‑se, em primeiro lugar, do facto de não ter fiscalizado a actuação dos intervenientes e, em segundo lugar, do facto de não ter celebrado os contratos de seguro adequados (considerando 49).

80      Quanto à primeira crítica, baseada na alegada omissão da recorrente de fiscalizar a actuação dos intervenientes, a decisão impugnada não especifica, de todo, em que é que a recorrente foi negligente a este respeito. Na falta de um desenvolvimento, ainda que mínimo, desta crítica, o Tribunal deve considerar que a mesma não foi demonstrada. Admitir essa acusação equivaleria a considerar que qualquer operador que seja vítima de actuações fraudulentas por parte de terceiros com os quais mantém relações comerciais agiu necessariamente com negligência manifesta.

81      Além disso, importa notar que a recorrente alega que adoptou uma série de precauções em relação à Hector International. Assim, só começou a emitir documentos T1 para a Hector International depois de se ter certificado que essa sociedade tinha solvabilidade e de ter recebido uma declaração relativa à sua responsabilidade e às garantias desta em caso de apuramento incorrecto de documentos aduaneiros. Acresce que se assegurou de que apenas um número restrito de documentos T1 era emitido de cada vez e de que só eram emitidos novos documentos quando os documentos precedentes pudessem razoavelmente considerar‑se apurados. Por fim, insistiu sempre para que lhe fosse devolvido o talão do exemplar n.° 5 dos documentos T1, sobre o qual figuravam sempre um carimbo da alfândega espanhola e a assinatura de um funcionário das alfândegas espanholas, bem como as guias de remessa «CMR» assinadas e carimbadas para recepção. Estas precauções, cuja existência não foi contestada pela Comissão, revelam um comportamento prudente e adequado da recorrente na fiscalização da actuação dos intervenientes nas operações aduaneiras em causa.

82      O Tribunal não pode atender ao argumento da Comissão segundo o qual a recorrente não pode apoiar‑se sobre esses elementos de facto pois foram invocados apenas na fase da réplica. Há que recordar, com efeito, que compete à Comissão provar a existência, no caso em apreço, de uma negligência manifesta por parte da recorrente. Ora, na sua carta de 11 de Outubro de 2001, através da qual comunicou as suas objecções, a Comissão não especificou por que é que considerava que a recorrente tinha sido negligente na fiscalização dos intervenientes. A recorrente, na sua resposta de 9 de Novembro de 2001, sustentou que não tinha agido com negligência, referindo designadamente que tinha agido de modo consciencioso no que diz respeito ao transporte e que não podia verificar se tinham sido cometidas irregularidades aquando do apuramento. Seguidamente, na decisão impugnada, a Comissão manteve a acusação baseada nas alegadas falhas na fiscalização da actuação dos intervenientes, sem que a tenha, no entanto, clarificado. Na sua petição inicial no presente processo, a recorrente reiterou que nenhuma acusação lhe podia ser feita em relação às irregularidades constatadas e manteve a afirmação segundo a qual o seu comportamento, no caso em apreço, era conforme às práticas comerciais habituais. Na sua resposta, a Comissão reitera a sua posição e contesta as afirmações da recorrente. Tendo em conta as considerações precedentes, não se pode acusar a recorrente de ter completado na réplica os argumentos e elementos factuais pertinentes contra a tese contida na decisão impugnada e na resposta.

83      Relativamente à segunda acusação, baseada no facto de a recorrente não ter celebrado os contratos de seguro adequados, há que notar que, apesar de caber aos operadores económicos premunirem‑se contra os riscos comerciais ordinários, e de, portanto, o simples facto de sofrer um prejuízo financeiro não constituir uma situação especial na acepção da regulamentação aduaneira comunitária (v., neste sentido, acórdão Hyper/Comissão, já referido, n.os 113 e 114), não pode todavia aceitar‑se como regra geral que a não subscrição de seguro seja por si só constitutiva de um comportamento manifestamente negligente por parte do operador económico. A Comissão não expôs, na decisão impugnada, as razões pelas quais, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, o facto de a recorrente não ter segurado os riscos das operações controvertidas era um comportamento manifestamente negligente. A este respeito, há que observar que a subscrição ou não de um seguro adequado determina quem assumirá o encargo da dívida aduaneira e os prejuízos resultantes das operações controvertidas, isto é, o despachante aduaneiro ou a sua seguradora. Ora, o facto de a recorrente não poder reclamar a uma companhia de seguros o montante da dívida aduaneira de que ela é eventualmente devedora, e ter, portanto, que a suportar ela própria, não tem qualquer influência nas condições que dão direito à dispensa da referida dívida por razões de equidade nem, portanto, na obrigação de a Comissão conceder essa dispensa se as referidas condições estiverem reunidas. Além disso, a seguradora podia quer sub‑rogar‑se nos direitos do despachante face às autoridades aduaneiras quer esperar pelo resultado da acção do despachante junto da Comissão. Assim sendo, o facto de não ter subscrito um seguro não é constitutivo de negligência.

84      Além disso, há que observar que, nos termos do artigo 239.° do código aduaneiro, pode‑se proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação em situações decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado. Do mesmo modo, o artigo 905.° do regulamento de aplicação prevê que o pedido de dispensa deve ser acompanhado de justificações susceptíveis de demonstrar a existência de uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta. Resulta do próprio teor destas disposições que deve existir um nexo entre a negligência censurada ao operador e a situação especial constatada. Na falta desse nexo, não é equitativo indeferir o pedido de remissão ou reembolso. Ora, no caso em apreço, há que notar que a não subscrição de um seguro pela recorrente nem contribuiu para a ocorrência da fraude nem complicou a descoberta desta. Por maioria de razão, esta circunstância não tem estritamente nenhuma relação com o facto de as autoridades neerlandesas não terem comunicado à recorrente, durante um determinado período, a existência de uma fraude relativa a uma das declarações desta.

85      Assim, há que concluir que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir pela existência de negligência manifesta por parte da recorrente.

86      Por conseguinte, a segunda parte do fundamento deve ser acolhida.

87      Assim sendo, há que julgar o presente recurso procedente.

 Quanto às despesas

88      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as efectuadas pela recorrente, em conformidade com o pedido desta última.

89      Em aplicação do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, as despesas efectuadas pelo Reino de Espanha, interveniente, ficam a seu cargo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      A decisão REM 08/00 da Comissão, de 7 de Outubro de 2002, é anulada na medida em que recusa a dispensa do pagamento dos direitos de importação impostos à recorrente em relação às operações aduaneiras efectuadas por esta a partir de 12 de Junho de 1995.

2)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as despesas da recorrente.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Cooke

García‑Valdecasas

Labucka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      J. D. Cooke


Índice


Quadro jurídico

Regras relativas ao trânsito comunitário externo

Regras relativas ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação

Factos na origem do litígio

Operações de trânsito comunitário externo em causa

Procedimento administrativo relativo ao pedido de dispensa do pagamento de direitos de importação

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à primeira parte do fundamento, que consiste na existência de uma situação especial

Introdução

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às supostas negligências das autoridades neerlandesas na descoberta da fraude e no seu atraso em informar a recorrente das irregularidades relativas aos documentos aduaneiros emitidos por esta

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte do fundamento, que consiste na inexistência de artifícios e de negligência manifesta por parte da recorrente

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas



* Língua do processo: neerlandês.