Language of document : ECLI:EU:C:2013:888

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 11 de julho de 2013 (1)

Processo C‑22/12

Katarína Haasová

contra

Rastislav Petrík,

Blanka Holingová

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský súd v Prešove (Eslováquia)]

Processo C‑277/12

Vitālijs Drozdovs, representado por Valentīna Balakireva

contra

AAS «Baltikums»

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākās tiesas Senāts (Letónia)]

«Aproximação das legislações — Seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante do uso de veículos a motor — Danos cobertos por este seguro — Diretiva 72/166/CEE — Artigo 3.°, n.° 1 — Diretiva 84/5/CEE — Artigo 1.°, n.os 1 e 2 — Diretiva 90/232/CEE — Artigo 1.° — Conceito de ‘danos corporais’ — Inclusão de um dano não material — Indemnização do dano não material resultante da morte de uma pessoa próxima, num acidente de viação — Montantes mínimos garantidos»





I —    Introdução

1.        Os dois processos que serão objeto das presentes conclusões relacionam‑se com a eventual indemnização, ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante do uso de veículos a motor, do dano decorrente da morte de uma pessoa próxima num acidente de viação (2). Dados os pontos comuns existentes entre estes processos, e designadamente, o facto de a questão jurídica central que levantam ser idêntica, pareceu apropriado apresentar conclusões comuns sobre os mesmos, ainda que, na ausência de uma verdadeira conexão entre eles, o Tribunal de Justiça não tenha considerado proceder à sua apensação.

2.        O primeiro processo, registado com o número C‑22/12 (a seguir «processo Haasová»), diz respeito ao pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský súd v Prešove (Eslováquia) que visa a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (3) (a seguir «Primeira Diretiva»), e do artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (4) (a seguir «Terceira Diretiva»).

3.        O segundo processo, registado com o número C‑277/12 (a seguir «processo Drozdovs»), é relativo ao pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākās tiesas Senāts (Letónia) para interpretação, de igual modo, do artigo 3.° da Primeira Diretiva, bem como do artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (5) (a seguir «Segunda Diretiva»).

4.        De uma leitura combinada das questões colocadas ao Tribunal de Justiça nos processos Haasová e Drozdovs destacam‑se três problemáticas.

5.        Em primeiro lugar, a principal problemática, que é comum a estes dois processos, é saber se o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva e o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Diretiva (6) devem ser interpretados no sentido de que um dano não patrimonial ou moral (a seguir «dano não material» (7)), tal como o que resulta da morte de um parente ou de um cônjuge num acidente de viação, faz parte dos danos que devem estar cobertos pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante do uso de veículos a motor. Tal implica, em particular, a definição do alcance do conceito de «danos corporais» que figura nestas duas últimas disposições, a fim de determinar se pode incluir um dano não material sofrido pelos próximos de uma pessoa falecida nestas circunstâncias, que não estiveram diretamente envolvidos no acidente.

6.        Em segundo lugar, pela segunda questão colocada no processo Drozdovs, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se, no caso de os Estados‑Membros estarem obrigados a tomar as medidas adequadas para garantir que a indemnização por tal dano se encontra coberta pelo seguro obrigatório previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e no artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva, têm a faculdade de adotar uma legislação que fixa um limite à responsabilidade dessa indemnização pela seguradora, e isto a um nível nitidamente inferior aos montantes mínimos de garantia previstos nas referidas diretivas.

7.        Em terceiro lugar, a segunda questão colocada no processo Haasová incide, no essencial, sobre a hipótese inversa da acima referida, ou seja, se, no caso de uma legislação nacional não prever uma indemnização do dano em causa, será compatível com o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e com o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Diretiva. O Tribunal de Justiça é convidado a pronunciar‑se sobre se um tribunal de um Estado‑Membro poderá, nesse caso, interpretar a referida legislação à luz das disposições do direito da União, de forma a conceder essa indemnização apesar do disposto, em contrário, no direito nacional aplicável.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União (8)

1.      Primeira Diretiva

8.        O primeiro a terceiro considerandos da Primeira Diretiva indicam, por um lado, que qualquer fiscalização nas fronteiras, do cumprimento da obrigação de segurar a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, tem por objetivo a proteção dos interesses das pessoas que podem ser vítimas de um sinistro causado por esses veículos, e por outro, que a disparidade entre as várias disposições nacionais pode dificultar a livre circulação de veículos automóveis e de pessoas na Comunidade Europeia e, por isso, tem uma incidência direta no estabelecimento e no funcionamento no mercado comum.

9.        O artigo 1.°, n.° 2, da referida diretiva dispõe que, para efeitos da mesma, deve entender‑se por «pessoa lesada», «qualquer pessoa que tenha direito a uma indemnização por danos causados por veículos».

10.      O artigo 3.°, n.° 1, da mesma diretiva prevê que «[c]ada Estado‑Membro [...] adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro».

2.      Segunda Diretiva

11.      Segundo o terceiro considerando da Segunda Diretiva, as importantes divergências que subsistem quanto à extensão desse seguro obrigatório entre as legislações dos diversos Estados‑Membros têm uma incidência direta sobre o estabelecimento e o funcionamento do mercado comum.

12.      Os quarto e quinto considerandos desta diretiva acrescentam «que se justifica o alargamento da obrigação de segurar, nomeadamente à responsabilidade por danos materiais» e que «os montantes até cujo limite o seguro é obrigatório devem permitir, em toda e qualquer circunstância, que seja garantida às vítimas uma indemnização suficiente, seja qual for o Estado‑Membro onde o sinistro ocorra».

13.      O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da referida diretiva dispõe:

«1.      O seguro referido no n.° 1 do artigo 3.°, da [Primeira Diretiva] deve, obrigatoriamente, cobrir os danos materiais e os danos corporais.

3.      Sem prejuízo de montantes de garantia superiores eventualmente estabelecidos pelos Estados‑Membros, cada Estado‑Membro deve exigir que os montantes pelos quais este seguro é obrigatório, se situem, pelo menos, nos seguintes valores:

¾        350 000 ECUs, relativamente aos danos corporais, quando haja apenas uma vítima, devendo tal montante ser multiplicado pelo número de vítimas, sempre que haja mais do que uma vítima em consequência de um mesmo sinistro,

¾        100 000 ECUs por sinistro, relativamente a danos materiais seja qual for o número de vítimas.

Os Estados‑Membros podem estabelecer, em vez dos montantes mínimos acima referidos, um montante mínimo de 500 000 ECUs para os danos corporais, sempre que haja mais que uma vítima em consequência de um mesmo sinistro, ou um montante global mínimo de 600 000 ECUs por sinistro, para danos corporais e materiais seja qual for o número de vítimas ou a natureza dos danos» (9).

4.      Terceira Diretiva

14.      O quarto considerando da Terceira Diretiva enuncia que «deve ser garantido que as vítimas de acidentes de veículos automóveis recebam tratamento comparável, independentemente dos locais da Comunidade onde ocorram os acidentes». De acordo com o seu quinto considerando, «existem em certos Estados‑Membros lacunas na cobertura pelo seguro obrigatório dos passageiros de veículos automóveis [e], para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais, é conveniente que essas lacunas sejam preenchidas».

15.      O artigo 1.° da referida diretiva prevê, nomeadamente, que «o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo».

B —    Direito nacional

1.      Direito checo (processo Haasová) 

16.      Embora as questões prejudiciais colocadas no processo Haasová visem tanto disposições de direito checo como disposições de direito eslovaco (10), apenas as primeiras serão aqui mencionadas, dado que as mesmas são aplicáveis ratione materiae no que respeita à responsabilidade civil resultante do acidente em causa, por força da Convenção sobre a lei aplicável em matéria de acidentes de circulação rodoviária, concluída em Haia em 4 de maio de 1971 (11) (a seguir «Convenção de Haia de 1971»), precisando, no entanto, que isto não antecipa a opinião sobre a lei aplicável, por outro lado, ao contrato de seguro (12).

a)      Código civil checo

17.      O artigo 11.° da Lei n.° 40/1964 (13) que aprova o Código Civil (a seguir «Código Civil checo») dispõe, nomeadamente, que «todas as pessoas singulares têm direito à tutela da sua pessoa, em particular da vida».

18.      Nos termos do artigo 13.° deste Código:

«1)      «[a]s pessoas singulares têm, em especial, o direito de exigir a cessação de comportamentos ilícitos lesivos dos direitos de personalidade por parte de terceiros, a eliminação das consequências desses comportamentos e um ressarcimento adequado.

2)      [n]ão sendo possível um ressarcimento adequado nos termos do n.° 1, em especial quando tenham sido gravemente lesadas a dignidade ou a honra social da pessoa singular, esta última tem ainda direito a uma indemnização pecuniária pelo dano não patrimonial.

3)      [o] montante da indemnização para efeitos do n.° 2 é fixado pelo julgador atendendo à gravidade do dano imaterial e às circunstâncias em que ocorreu a lesão do direito».

19.      O artigo 444.°, n.° 3, alínea a), desse Código prevê que, em caso de morte, os sobrevivos têm direito a uma indemnização pecuniária de 240 000 coroas checas (CZK), ou seja, cerca de 9 300 euros, quando se trata da perda de um cônjuge.

b)       Lei checa relativa ao seguro obrigatório

20.      O artigo 6.°, n.° 1, da Lei n.° 168/1999 relativa ao seguro de responsabilidade civil por danos resultantes da circulação de veículos (14) (a seguir «lei checa do seguro obrigatório») dispõe, designadamente, que este seguro «é aplicável em todos os litígios que envolvam qualquer pessoa responsável por danos resultantes da circulação do veículo mencionado no contrato de seguro».

21.      O n.° 2 do referido artigo dispõe que, salvo disposições em contrário da presente lei, «o segurado tem direito a que a seguradora indemnize o lesado por ele, na medida e no montante previstos no Código Civil, pelo [nomeadamente] dano causado à saúde ou por morte […] desde que o lesado tenha alegado e demonstrado o seu direito e que o evento na origem desse dano e pelo qual o segurado é responsável tenha ocorrido durante a vigência do seguro, exceto no período de interrupção deste último».

2.      Direito letão (processo Drozdovs)

a)      Lei letã relativa ao seguro obrigatório

22.      A lei letã relativa ao seguro obrigatório de responsabilidade civil dos proprietários de veículos terrestres, designada «lei OCTA» (15) (a seguir «lei letã relativa ao seguro obrigatório») transpôs, nomeadamente, a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas. A redação das disposições seguintes é a que estava em vigor à época dos factos.

23.      Segundo o artigo 15.° desta lei, com a epígrafe «Limite da responsabilidade da seguradora»:

«(1)      Em caso de sinistro, a seguradora que tomou a cargo o seguro de responsabilidade civil do proprietário do veículo que causou o acidente […] indemniza o dano, nos limites da responsabilidade da seguradora:

1)      até 250 000 lats [letãs (LVL)] por cada vítima de um dano pessoal;

2)      até 70 000 lats [letãs (LVL)] por um dano material, qualquer que seja o número de terceiros, vítimas;

(2)      Os terceiros podem reclamar uma indemnização, segundo o direito comum, pelos danos que não são indemnizados por força da presente lei ou que ultrapassem os limites da responsabilidade da seguradora».

24.      O artigo 19.° da referida lei estabelece a lista dos danos materiais e não materiais, que podem ser causados às vítimas pelos acidentes de viação abrangidos pela lei. Entre os danos não materiais, definidos como «danos ligados às dores e a sofrimentos psicológicos», o n.° 2, alínea 3, desse artigo menciona, em particular, «a morte de pessoa de quem se depende». O seu n.° 3 precisa que «[o] montante e o modo de cálculo das indemnizações de seguro dos danos materiais e não materiais causados às pessoas, são fixados pelo Conselho de Ministros».

25.      O artigo 23.°, n.° 1, alínea a), desta mesma lei prevê que os filhos menores, mesmo adotados, têm direito a uma indemnização de seguro em caso de morte da pessoa de quem dependem.

b)      Decreto letão n.° 331

26.      O Decreto n.° 331 do Conselho de Ministros, de 17 de maio de 2005, relativo ao montante e ao modo de cálculo das indemnizações de seguros relativas aos danos morais causados às pessoas (16) (a seguir «decreto letão n.° 331») foi adotado para efeitos de execução do artigo 19.°, n.° 3, da lei letã do seguro obrigatório.

27.      Os artigos 7.° e 10.° do decreto mencionado referem que o montante das indemnizações de seguro pagas pelas dores e pelos sofrimentos psicológicos consecutivos à morte de uma pessoa de quem se depende, é de 100 LVL por cada requerente e por pessoa, na aceção do artigo 23.°, n.° 1, da lei letã relativa ao seguro obrigatório, e que o montante total das indemnizações pagas pelo seguro é limitado a 1 000 LVL por cada vítima de um acidente de viação se todos os danos referidos nos n.os 3, 6, 7 e 8 forem indemnizados.

III — Litígios no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

A —    Processo Haasová (17)

28.      Em 7 de agosto de 2008, V. Haas faleceu no território da República Checa num acidente de viação provocado por Rastislav Petrík. Este último conduzia um veículo automóvel matriculado e segurado na Eslováquia que pertencia a Blanka Holingová. Haas era passageiro do veículo que entrou em colisão com um veículo pesado matriculado na República Checa. Era casado com Katarína Haasová e tinha uma filha, nascida em 22 de abril de 1999, que não estavam presentes no local do acidente. Todos os interessados eram ou são de nacionalidade eslovaca e domiciliados na Eslováquia.

29.      Por decisão proferida em processo penal pelo Okresný súd Vranov nad Topľou (Eslováquia), Petrík foi julgado culpado de um crime de homicídio por negligência e condenado a uma pena de dois anos de prisão suspensa e a um regime de prova por dois anos. Em aplicação do Código Penal e do Código de Processo Penal eslovacos foi, também, condenado a indemnizar, no referido prazo e em função das suas capacidades, os danos causados, entre eles o dano suportado por K. Haasová que foi fixado num montante de 1 057,86 euros.

30.      No plano civil, K. Haasová, agindo em nome próprio e em nome da sua filha menor, propôs uma ação contra Petrík e Holingová para efeitos de indemnização pecuniária pelo dano qualificado como «não patrimonial» resultante da morte do cônjuge e pai, com fundamento no artigo 13.°, n.os 2 e 3, do Código Civil eslovaco. Na primeira instância, o condutor e a proprietária do veículo foram condenados a pagar‑lhe uma indemnização de 15 000 euros a título do referido dano.

31.      Todas as partes interpuseram recurso para o Krajský súd v Prešove. Este tribunal especifica que, enquanto parte interveniente no processo, a seguradora de Holingová, a sociedade Allianz ‑ Slovenská poisťovňa a.s. (a seguir «Allianz»), recusou indemnizar o dano em causa, com o fundamento de que o direito à indemnização invocado não estaria coberto pelo contrato de seguro por força das leis checa e eslovaca relativas ao seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de um veículo automóvel.

32.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as circunstâncias de facto do litígio no processo principal, seria de aplicar o direito material checo, de acordo com o artigo 3.° da Convenção de Haia de 1971, e, em particular, o artigo 444.°, n.° 3, do Código Civil checo que, contrariamente ao Código Civil eslovaco, prevê expressamente a indemnização dos danos não patrimoniais no quadro da indemnização do dano causado aos próximos, sobrevivos, até ao limite dos montantes fixados pela lei, e, nomeadamente, uma indemnização pecuniária de 240 000 CZK, ou seja, cerca de 9 300 euros, pela perda do cônjuge.

33.      Além disso, esse tribunal considera, por um lado, que o direito à indemnização do dano não patrimonial deveria derivar do direito à indemnização do dano coberto pelo contrato de seguro obrigatório e, por outro lado, que as pretensões de Haasová se fundamentam num direito que seria derivado do da vítima do acidente de viação, dado que a vida do falecido Haas estava protegida pelo artigo 11.° do Código Civil checo.

34.      Não obstante estas considerações, o Krajský súd v Prešove interroga‑se sobre o caráter adequado da indemnização em causa do ponto de vista do direito da União, esclarecendo que algumas decisões de órgãos jurisdicionais eslovacos revelam pontos de vista antinómicos neste domínio no que respeita a disposições do direito eslovaco. Acrescenta que a resposta do Tribunal de Justiça será determinante para apreciar a regularidade da intervenção da seguradora no processo principal e, portanto, para determinar o caráter vinculativo em relação a este último, da decisão a proferir no referido processo.

35.      Neste contexto, o Krajský súd v Prešove decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da [Terceira Diretiva] em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, da [Primeira Diretiva] ser interpretado no sentido de que obsta a uma disposição de direito nacional (como o artigo 4.° da lei eslovaca [relativa ao seguro obrigatório] [(18)] e o artigo 6.° da lei checa [relativa ao seguro obrigatório]), segundo a qual a responsabilidade civil resultante do uso de veículos a motor não abrange os danos não patrimoniais, expressos sob forma pecuniária, sofridos pelos sobreviventes das vítimas de acidentes de viação decorrentes do uso de veículos a motor?

2) No caso de a resposta à primeira questão ser que a norma de direito interno acima referida não viola o direito comunitário, as disposições do artigo 4.°, n.os 1, 2 e 4, da lei eslovaca [relativa ao seguro obrigatório] e do artigo 6.°, n.os 1 a 3, da lei checa [relativa ao seguro obrigatório] devem ser interpretadas no sentido de que não obstam a que o juiz nacional reconheça, em conformidade com o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da [Terceira Diretiva] conjugado com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, da [Primeira Diretiva], aos sobreviventes das vítimas de acidentes de viação decorrentes do uso de veículos a motor, na sua qualidade de lesados, o direito a uma indemnização pecuniária dos danos não patrimoniais?»

36.      Foram juntas ao processo no Tribunal de Justiça observações escritas pelos Governos eslovaco, alemão e estónio, bem como pela Comissão (19). Não se realizou audiência.

B —    Processo Drozdovs

37.      Em 14 de fevereiro de 2006, os pais de Vitālijs Drozdovs, nascido em 25 de agosto de 1995, morreram num acidente de viação ocorrido em Riga (Letónia). O filho, por ser menor, foi colocado sob tutela da sua avó Valentīna Balakireva (a seguir «tutora»).

38.      O acidente foi causado pelo condutor de um veículo automóvel segurado pela Sociedade de Seguros AAS «Baltikums» (a seguir «Baltikums»). Por decisão proferida em processo penal, confirmada em recurso, o mesmo foi condenado numa pena de seis anos de prisão e na suspensão da carta de condução durante cinco anos (20).

39.      Em 13 de dezembro de 2006, a tutora informou a seguradora do sinistro e solicitou‑lhe que indemnizasse o menor, designadamente pelo dano qualificado de «moral» avaliado em 200 000 LVL. Em 29 de janeiro de 2007, a Baltikums pagou, em aplicação do artigo 7.° do Decreto letão n.° 331, uma indemnização de 200 LVL a título de sofrimento psicológico do filho (21), bem como uma indemnização de 4 497,47 LVL a título do seu dano patrimonial, montante que não está em litígio.

40.      Em 13 de setembro de 2007, a tutora propôs uma ação contra a Baltikums, que visava o pagamento de uma indemnização de 200 000 LVL pelo dano moral sofrido, ainda muito jovem, por Vitālijs Drozdovs, resultante da morte dos seus pais, e que se fundamentava nos artigos 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, 19.°, n.° 2, terceiro parágrafo, e 39.°, n.os 1 e 6, da lei letã relativa ao seguro obrigatório, bem como no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

41.      A ação e o recurso interposto pela tutora foram julgados improcedentes por decisões, respetivamente, de 27 de novembro de 2008 e de 16 de novembro de 2010, com o fundamento de que a Baltikums tinha respeitado o montante fixado pelo artigo 7.° do decreto letão n.° 331.

42.      A tutora interpôs recurso de revista para o Augstākās tiesas Senāts tendo como objeto a anulação do acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância e a remessa do processo a este órgão jurisdicional para novo exame da questão. Argumenta que este teria feito uma aplicação errada do artigo 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da lei letã relativa ao seguro obrigatório pois esta disposição devia ser interpretada em conformidade, designadamente, com a Primeira e Segunda Diretivas. Ora, resulta destas que um Estado‑Membro não podia fixar limites de indemnização inferiores aos montantes mínimos previstos pelo direito da União. Daí resulta que o artigo 7.° do Decreto letão n.° 331 é contrário aos limites fixados pela referida disposição da lei letã sobre seguro obrigatório e por essas diretivas que essa lei transpõe.

43.      Nestas circunstâncias, o Augstākās tiesas Senāts decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A indemnização por danos morais estabelecida no artigo 3.° da [Primeira Diretiva] e [no artigo 1.°, n.os 1 e 2,] [(22)] da [Segunda Diretiva] está também incluída no montante da cobertura obrigatória de danos corporais (pessoais)?

2) Se a resposta à primeira questão for afirmativa, o artigo 3.° da [Primeira Diretiva] e [o artigo 1.°, n.os 1 e 2,][(23)] da [Segunda Diretiva] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma norma de um Estado‑Membro que restringe a responsabilidade civil existente nesse Estado — o montante máximo de indemnização por danos não patrimoniais (morais) — estabelecendo um limite substancialmente inferior ao limite estabelecido para a responsabilidade da seguradora nas diretivas e na lei nacional?»

44.      Apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça a tutora de Vitālijs Drozdovs, a Baltikums, os Governos letão, alemão e lituano, e a Comissão.

45.      A tutora de Vitālijs Drozdovs, a Baltikums, os Governos letão e alemão, bem como a Comissão fizeram‑se representar na audiência de 20 de março de 2013.

IV — Análise

A —    Observações preliminares sobre a lei aplicável

46.      A determinação da lei aplicável a um litígio transfronteiriço é uma etapa prévia a qualquer análise em termos de direito substantivo. É essencial, particularmente neste caso, face às disparidades existentes entre as legislações dos Estados‑Membros em matéria de indemnização a título do seguro obrigatório de responsabilidade civil por danos resultantes da circulação de veículos a motor (24).

47.      Isso não apresenta dificuldades no processo Drozdovs uma vez que não resulta dos elementos juntos aos autos que um fator de estraneidade possa vir a ligar a situação em causa a um Estado‑Membro diferente da República da Letónia.

48.      Em contrapartida, esse problema pode colocar‑se no processo Haasová, tendo em conta as circunstâncias de facto do acidente de viação que está na origem do litígio no processo principal que foi submetido a um órgão jurisdicional eslovaco. Com efeito, o local deste acidente situa‑se no território da República Checa e um dos veículos materialmente envolvido encontra‑se aí registado, enquanto os outros elementos de conexão, isto é, o local de registo do veículo em que se encontrava a vítima direta, bem como a nacionalidade e a residência das pessoas em causa, ligam o litígio à República Eslovaca.

49.      O artigo 28.°, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.° 864/2007 (25) prevê que este não prejudica a aplicação das convenções internacionais que estabeleçam regras de conflitos de leis referentes a obrigações extracontratuais e de que um ou mais Estados‑Membros sejam parte na data de aprovação, enquanto este regulamento prevalece entre os Estados‑Membros sobre as convenções celebradas exclusivamente entre dois ou vários desses Estados quando incidem sobre matérias regulamentadas por esse texto.

50.      No que respeita à responsabilidade civil extracontratual resultante de um acidente de viação, as regras de conflito de leis contidas na Convenção de Haia de 1971, que no momento da adoção do referido regulamento vinculava tanto os Estados‑Membros como os países terceiros, devem ter prioridade em relação às disposições deste em todos os Estados que ratificaram esta Convenção, o que é, em particular, o caso da República Eslovaca (26).

51.      Segundo o artigo 3.° da Convenção de Haia de 1971, a lei aplicável nesta matéria (27) é, em princípio, a lei interna do Estado no território do qual o acidente ocorreu. Assim, no processo Haasová, o órgão jurisdicional de reenvio eslovaco considera, justificadamente, que esta disposição conduz a designar a lei checa (28). Recordo que estão previstas derrogações à aplicação da lex loci delicti, em benefício da lei do Estado de registo, no artigo 4.° dessa Convenção. Em particular, a alínea b) do referido artigo, abrange o caso em que estão envolvidos num acidente diferentes veículos e todos se encontram registados no mesmo Estado. No entanto, esta última condição não parece estar preenchida no litígio no processo principal (29).

52.      Convém esclarecer que estas considerações relativas à aplicação do direito checo à responsabilidade civil extracontratual resultante do acidente em causa em nada prejudicam a determinação da lei que deve reger os direitos e obrigações resultantes do contrato de seguro automóvel numa situação que envolve um conflito de leis (30).

B —    Quanto à inclusão da indemnização do dano não material de uma vítima indireta no âmbito de aplicação do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante do uso de veículos a motor (primeiras questões nos processos Haasová e Drozdovs)

53.      No processo Haasová, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, no essencial, ao Tribunal de Justiça que declare se o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva em conjugação com o artigo 1.° da Terceira Diretiva devem ser interpretados no sentido de que obstam a uma disposição de direito nacional que conduza a que a indemnização pecuniária do dano não patrimonial, sofrido pelos sobrevivos da vítima de um acidente de viação, não esteja coberta pelo seguro obrigatório subscrito pela pessoa cuja responsabilidade civil está em causa.

54.      A primeira questão prejudicial colocada no processo Drozdovs está próxima desta, recordando‑se que ocorre num contexto factual similar (31), embora as disposições visadas e os termos utilizados não sejam exatamente idênticos, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio deseja saber se o artigo 3.°, da Primeira Diretiva e o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que a indemnização obrigatória dos danos pessoais inclui também o dano moral previsto no direito nacional.

55.      Tendo em conta a sua proximidade na substância, estas questões serão tratadas conjuntamente nas presentes conclusões, donde resulta que a interpretação proposta conjugará simultaneamente as disposições supramencionadas da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas.

56.      As opiniões emitidas a este propósito nas observações submetidas ao Tribunal de Justiça, são divergentes. A tutora de Vitālijs Drozdovs e a Comissão consideram que essas disposições exigem que o dano não material sofrido por uma pessoa cujo próximo faleceu num acidente de viação deve estar abrangido pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil previsto nesses diplomas, ao contrário de Baltikums e dos governos que intervieram, isto é, os Governos eslovaco, alemão e estónio no processo Haasová e os Governos letão, alemão e lituano no processo Drozdovs.

57.      Embora alguns elementos de resposta possam ser facilmente extraídos da jurisprudência que será evocada a seguir, dois aspetos do problema aqui suscitado são tão inéditos que devem, em minha opinião, ser examinados separadamente. Trata‑se, por um lado, da inclusão do dano não material no sistema de seguro obrigatório previsto pelas referidas diretivas, e por outro, da extensão desta inclusão às próprias pessoas não envolvidas no acidente de viação que lhes causou esse dano.

1.      Considerações gerais retiradas do acervo jurisprudencial

58.      Refiro desde já que, nos presentes processos, convém, em minha opinião, ter em conta não apenas a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas também a do Tribunal da Associação Europeia de Comércio Livre (32) (a seguir «Tribunal da EFTA»), um de cujos acórdãos (33) (a seguir «acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen»), largamente evocado pelas partes e pelos intervenientes nestes processos, incide sobre a problemática aqui em causa (34).

59.      Como o Tribunal de Justiça reiteradamente pôs em evidência, os preâmbulos da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas indicam que estas visam, por um lado (35), assegurar a livre circulação tanto dos veículos estacionados habitualmente no território da União Europeia como das pessoas a bordo e, por outro lado (36), garantir que as vítimas de acidentes causados por esses veículos recebam tratamento idêntico, independentemente do local no território onde ocorra o acidente (37), a fim de concretizar a realização do mercado comum.

60.      O Tribunal de Justiça deduziu destes textos que a Primeira Diretiva conforme precisada e completada pelas Segunda e Terceira Diretivas, impõe aos Estados‑Membros que garantam que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros, vítimas, que esse seguro deve cobrir (38).

61.      Recordou, no entanto, que a obrigação de cobertura pelo seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos no âmbito da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela legislação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional (39).

62.      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas, como decorre do seu objeto e da sua redação, não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros são livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos (40).

63.      Assim sendo, os Estados‑Membros têm a obrigação de garantir que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis tal como definida segundo o direito nacional aplicável esteja coberta por um seguro conforme às disposições das três diretivas supramencionadas (41).

64.      Finalmente, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados‑Membros devem exercer as suas competências neste domínio, no respeito do direito da União, e que as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas do seu efeito útil (42).

65.      Ora, pelos motivos que serão expostos a seguir, as referidas diretivas ficariam, em minha opinião, privadas do seu efeito útil se o direito à indemnização de um dano, tal como o que está em causa nos litígios no processo principal (43), fosse afetado pelas disposições nacionais adotadas em matéria de seguro que limitam a cobertura da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis. Em contrapartida, esse não seria o caso se o direito à indemnização em questão fosse limitado em razão, não de disposições relativas ao seguro, mas de disposições integradas no regime nacional de responsabilidade civil aplicável aos acidentes resultantes da circulação automóvel (44).

2.      Quanto à inclusão do dano não material no sistema de seguro obrigatório previsto pela Primeira, Segunda e Terceira Diretivas

66.      No seu acórdão Nguyen, já referido, o Tribunal da EFTA foi chamado a decidir uma questão que incidia sobre a compatibilidade com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas de uma legislação nacional, nesse caso a norueguesa (45), que excluía a reparação do dano não material (46) («dores e sofrimentos» ou «pretium doloris») do sistema de seguro obrigatório previsto na legislação nacional. Esse tribunal interpretou as referidas diretivas no sentido de que essa exclusão não é compatível com esses textos, tendo em conta o facto de que a indemnização por dano não material é uma forma de responsabilidade civil (47).

67.      O Tribunal da EFTA fundamentou esta decisão não só nas considerações gerais deduzidas dos precedentes jurisprudenciais acima referidos, mas também nos argumentos seguintes, que igualmente considero convincentes em todos os pontos.

68.      Antes de mais, este Tribunal de Justiça referiu acertadamente que as referidas diretivas não contêm nenhuma disposição que exclua expressamente do seu campo de aplicação a indemnização por danos não materiais. Neste sentido, salientou que o artigo 1.°, n.° 2, da Primeira Diretiva, que define a noção de «pessoa lesada», remete para «qualquer pessoa que tenha direito a uma indemnização por danos causados por veículos». O artigo 1.°, n.° 1, da Segunda Diretiva e o artigo 1.° da Terceira Diretiva referem‑se, em particular, aos «danos pessoais», ou «personal injuries» na versão inglesa (48), a fim de definir o que deve ser submetido ao seguro obrigatório. O Tribunal da EFTA entendeu que a formulação supra engloba todos os tipos de danos, independentemente do facto de se tratar de um dano material ou de um dano não material, e não corrobora portanto a tese segundo a qual este último dano não está abrangido no âmbito de aplicação dessas diretivas (49).

69.      Esse tribunal deduz daí que o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva e o artigo 1.° da Terceira Diretiva, devem ser interpretados no sentido de que abrangem simultaneamente o dano material e o dano não material, incluindo as dores e os sofrimentos psicológicos. Uma interpretação diferente iria contra o objetivo das referidas diretivas que é assegurar a livre circulação e garantir às vítimas um tratamento idêntico qualquer que seja o local do território do EEE onde os acidentes ocorram (50).

70.      O Tribunal da EFTA acrescentou, com razão, que uma indemnização como a que está em causa no processo principal dá, por natureza, a uma pessoa o direito de obter uma compensação da parte de outra pessoa e constitui assim uma forma de responsabilidade civil. Além disso, resulta da jurisprudência já referida (51) que as diretivas em causa não têm vocação para impor a adoção de formas determinadas de responsabilidade, mas exigem que toda a responsabilidade civil relativa à circulação de um veículo automóvel esteja coberta por um seguro, pouco importando que esta responsabilidade se fundamente num facto culposo ou no risco. Com efeito, qualquer outra interpretação privaria o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, completado e modificado pela Segunda e Terceira Diretivas, do seu efeito útil que é proteger as vítimas de acidentes de circulação rodoviária por meio do seguro obrigatório de responsabilidade civil (52).

71.      Em minha opinião, deve responder‑se de modo análogo no que respeita às questões colocadas nos processos Haasová e Drozdovs, tendo em consideração tanto a letra como os objetivos e o efeito útil das diretivas em causa, declarando que a indemnização de um dano não material é abrangida pelo sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, previsto na Primeira, Segunda e Terceira Diretivas.

72.      Faço notar que, no processo Drozdovs, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em particular, sobre a questão de saber se o seguro obrigatório dos «danos corporais», exigido designadamente no artigo 1.° da Segunda Diretiva, pode incluir o dano moral. A este propósito, insisto no facto de que a noção da expressão «danos corporais» utilizada, entre outras (53), na versão francesa da Segunda e Terceira Diretivas, não pode em si constituir um obstáculo ao conceito alargado aqui proposto.

73.      Com efeito, a expressão usada em várias outras versões (54) permite, em meu entender, remeter para um conceito mais amplo que engloba não só as ofensas corporais, isto é, a integridade física da vítima, mas também qualquer dano que tenha um caráter «pessoal», por outros termos, não material, o que inclui os sofrimentos tanto físicos como psicológicos (55). Parece‑me que isto deve resultar, por um lado, da oposição estabelecida, designadamente no artigo 1.° da Segunda Diretiva, entre este tipo de danos e os «danos materiais», isto é, relativos aos bens ou ao património do interessado (56) e, também, da preocupação de reforçar a proteção das vítimas que marcou claramente a evolução do referido artigo (57).

74.      Portanto, é relativamente fácil, como proponho, dar um primeiro elemento de resposta, sob reserva de que o Tribunal aceite seguir a linha traçada pela sua jurisprudência anterior e aderir ao raciocínio seguido de modo análogo pelo Tribunal da EFTA no seu acórdão Nguyen, já referido.

75.      Todavia, em meu entender, mesmo que decorra desses precedentes jurisprudenciais que as disposições das diretivas em causa devem ser interpretadas no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis nelas previsto deve cobrir o dano não material sofrido por uma pessoa que esteve envolvida num acidente de viação, como era o caso no processo que deu lugar a esse acórdão (58), resta determinar se este entendimento é igualmente válido para as vítimas que não foram diretamente atingidas, como é o caso nos litígios que deram lugar aos processos Haasová e Drozdovs.

3.      Quanto à extensão da referida inclusão do dano não material às vítimas indiretas de um acidente de viação

76.      Nos litígios no processo principal, o dano não material invocado pelas partes demandantes foi sofrido por pessoas que não estiveram envolvidas, elas próprias, nos acidentes em causa, a saber, a esposa e a filha do homem que é a vítima direta, a saber, no processo Haasová, e, no processo Drozdovs, o filho dos cônjuges, vítimas diretas. A morte de uma pessoa, especialmente em tais circunstâncias, causa certamente perturbações no modo de vida e no equilíbrio afetivo daqueles com quem ela tinha uma proximidade real. Para determinar se esse dano pode ser abrangido pelas disposições das diretivas referidas nas questões prejudiciais, convém, em meu entender, transpor os fatores de apreciação anteriormente identificados, fazendo uma interpretação simultaneamente literal, teleológica e baseada no efeito útil dessas disposições.

77.      Em primeiro lugar, a análise do texto das disposições relevantes não permite excluir a indemnização do dano em causa do âmbito de aplicação da cobertura pelo seguro de responsabilidade civil prevista na Primeira, Segunda e Terceira Diretivas. Com efeito, a definição de «pessoa lesada» dada no artigo 1.°, n.° 2, da Primeira Diretiva, é suficientemente ampla para englobar as vítimas indiretas, com a única condição de estas terem «direito a uma indemnização por danos causados por veículos» de acordo com as regras de direito nacional aplicáveis.

78.      É verdade que, rompendo com a terminologia utilizada nos textos anteriores (59), o artigo 1.° da Terceira Diretiva visa os «danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor», o que poderia fazer pensar que uma pessoa não envolvida num acidente não deveria estar coberta pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil. Todavia, esta disposição deve ser interpretada à luz do quarto e quinto considerandos da referida diretiva, dos quais resulta que as vítimas abrangidas pelas regras protetoras do direito da União não se reduzem aos passageiros, os quais parecem ser apenas uma categoria particular do conjunto de terceiros que são protegidos pelo seguro do proprietário do veículo que causou o acidente (60). O referido artigo destina‑se a explicitar o âmbito de aplicação ratione personae da garantia oferecida pelo seguro obrigatório e de modo nenhum a limitá‑lo aos denominados passageiros (61). Esta análise é corroborada pela evolução verificada nesta matéria (62).

79.      Em segundo lugar, a cobertura pelo seguro de responsabilidade civil do dano não material das pessoas indiretamente lesadas por um acidente de viação impõe‑se em relação aos objetivos visados pela Primeira, Segunda e Terceira Diretivas que são favorecer as liberdades de circulação bem como garantir às vítimas um tratamento comparável, qualquer que seja o local do Estado‑Membro onde ocorreu o acidente que lhes causou dano (63). Se o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, em conjugação com o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva e o artigo 1.° da Terceira Diretiva fossem interpretados de forma diferente, essas pessoas estariam sujeitas à aleatoriedade das regras de direito nacional em matéria de seguros, cujo conteúdo seria suscetível de variar segundo o local do acidente, na ausência de uma aproximação imposta pelo direito da União.

80.      Em terceiro lugar, resulta da jurisprudência constante acima mencionada (64) que, embora a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas não visem a harmonização dos regimes de responsabilidade civil resultante do uso de veículos a motor em vigor nos Estados‑Membros, impõem‑lhes contudo garantirem que a responsabilidade civil aplicável segundo o direito nacional se encontra coberta por um seguro conforme às disposições das referidas diretivas. Por isso, desde que o direito de indemnização de um dano seja obtido no âmbito da responsabilidade civil de um segurado por força do direito nacional aplicável (65), a cobertura pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil prevista pelas referidas diretivas deve aplicar‑se nesse caso.

81.      Saliento que o direito à indemnização do dano não material causado pela perda de uma pessoa próxima num acidente de viação é reconhecido nas ordens jurídicas de numerosos Estados‑Membros (66), embora a facilidade de acesso a esse direito seja variável dado que alguns só preveem a possibilidade de indemnização em circunstâncias excecionais (67) enquanto outros preveem um ónus de prova mais reduzido (68). Dado que a competência em matéria de responsabilidade civil está reservada aos legisladores dos Estados‑Membros, resulta daí que lhes cabe determinar se o direito à indemnização desse dano é admitido como um princípio em si mesmo e, na afirmativa, em que condições. Em particular, depende da sua apreciação a questão de saber se se trata de um direito reflexo próprio da vítima ou de um direito derivado daquele que pertencia à pessoa falecida.

82.      Todavia, de acordo com a jurisprudência (69), os Estados‑Membros devem exercer esta competência de forma a respeitar o direito da União e, nomeadamente, a preservar o efeito útil da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas. Ora, este efeito seria, em meu entender, francamente afetado se fosse permitido que vítimas indiretas de acidentes de viação, tais como as que estão em causa no processo principal, não fossem protegidas por meio do seguro obrigatório de responsabilidade civil quando a responsabilidade do segurado abrange claramente tais vítimas.

83.      Tendo em conta o conjunto destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda que o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, em conjugação com o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva, e o artigo 1.°, da Terceira Diretiva devem ser interpretados no sentido de que essa indemnização deve ser coberta pelo dispositivo de seguro obrigatório previsto por essas diretivas na medida em que, segundo o direito nacional aplicável, a responsabilidade civil de um segurado resulte de um dano não material sofrido por uma pessoa a quem faleceu um próximo num acidente de circulação de veículos automóveis.

C —    Quanto à impossibilidade de os Estados‑Membros fixarem montantes máximos de indemnização por seguro inferiores aos montantes mínimos de garantia previstos no direito da União (segunda questão no processo Drozdovs)

1.      Quanto ao teor da questão apresentada

84.      No processo Drozdovs, o órgão jurisdicional de reenvio apresenta uma segunda questão prejudicial subsidiária, na hipótese de o Tribunal responder afirmativamente à sua primeira questão, isto é, no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil, previsto nos artigos 3.° da Primeira Diretiva, e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva, inclui também a indemnização por danos morais tal como invoca a demandante no processo principal.

85.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no essencial, sobre a questão de saber se os artigos supramencionados se opõem a uma norma jurídica nacional que prevê, a título de indemnização de um dano moral por parte da seguradora, um montante máximo nitidamente inferior, por um lado, aos limites mínimos do capital obrigatoriamente seguro impostos pela Segunda Diretiva e, por outro, aos limites da responsabilidade das seguradoras fixados pela lei nacional.

86.      Com efeito, resulta da decisão de reenvio que a pergunta leva o Tribunal a pronunciar‑se sobre a admissibilidade do limite máximo de indemnização por um dano moral como aquele sofrido por Vitālijs Drozdovs, previsto no artigo 7.° do decreto letão n.° 331 (70), em relação não só aos montantes mínimos de garantia definidos no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva (71), mas também ao montante previsto no artigo 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da lei letã relativa ao seguro obrigatório, designada «lei OCTA» (72), que, nomeadamente, transpôs esta diretiva.

87.      Este último aspeto do pedido de decisão prejudicial reproduz os fundamentos do recurso de revista invocados pela tutora de Vitālijs Drozdovs, que sustenta, designadamente, que o limite da indemnização previsto pelo decreto letão n.° 331 é irrisório e contrário às disposições da lei letã relativa ao seguro obrigatório que o referido decreto governamental teve por objetivo regulamentar (73). No entanto, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a constitucionalidade ou a legalidade das normas de direito interno e, em particular, para determinar se as disposições regulamentares nacionais são conformes às disposições legislativas nacionais. Este aspeto da questão não será, por isso, examinado.

2.      Quanto ao caráter vinculativo dos montantes mínimos de cobertura da responsabilidade civil fixados pela Segunda Diretiva

88.      Tanto a tutora de Vitālijs Drozdovs como a Comissão consideram que o artigo 3.° da Primeira Diretiva e o artigo 1.° da Segunda Diretiva se opõem a que um Estado‑Membro limite a indemnização do dano não material a título do seguro obrigatório de responsabilidade civil a um montante inferior ao limite da responsabilidade da seguradora fixado nesses textos. Refiro, desde já, que partilho deste ponto de vista pelas razões seguintes.

89.      A origem, a génese e a evolução das disposições do direito da União consideradas na segunda questão apresentada pelo Augstākās tiesas Senāts são ricas em ensinamentos para a sua interpretação.

90.      Como o Tribunal já pôs em evidência, na sua redação inicial, o artigo 3.°, n.° 1 in fine, da Primeira Diretiva, deixava aos Estados‑Membros a possibilidade de determinar os danos cobertos bem como as modalidades do seguro obrigatório de responsabilidade civil (74). Nos termos do terceiro considerando da Segunda Diretiva, foi a fim de reduzir as divergências que subsistiam quanto à extensão da obrigação de seguro entre as legislações dos Estados‑Membros que o artigo 1.° da Segunda Diretiva impôs, em matéria de responsabilidade civil, a cobertura obrigatória dos danos materiais e dos danos corporais em montantes determinados, garantindo esses montantes um nível mínimo de proteção às vítimas de acidentes de viação (75).

91.      Um exame dos trabalhos que conduziram à adoção da Segunda Diretiva revela que o seu artigo 1.°, n.° 2, que fixa os montantes mínimos de garantia, foi uma das disposições mais frequentemente modificadas, no decurso do processo legislativo inicial (76). O mesmo aconteceu por ocasião das sucessivas revisões dessa diretiva (77), fazendo notar que entendo que convém ter em conta esses textos posteriores (78), a título da orientação que refletem, mesmo que as suas disposições não sejam aplicáveis ratione temporis no processo Drozdovs. Resulta do conjunto destes elementos que o artigo 1.° da Segunda Diretiva foi objeto de uma atenção particular do legislador europeu. Além disso, a evolução que esta disposição seguiu no sentido de um reforço progressivo das exigências que contém testemunha uma preocupação sempre reforçada de proteção das vítimas. Com efeito, tal como foi expressamente sublinhado pelo legislador, «a obrigação de os Estados‑Membros preverem a cobertura pelo seguro para além de determinados montantes mínimos constitui um elemento importante» para atingir esse objetivo (79).

92.      Seguindo esta orientação, o Tribunal, afirmou claramente que o artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva obsta à existência de uma legislação nacional que prevê montantes máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados por esse artigo (80).

93.      Para fundamentar as decisões proferidas neste sentido, o Tribunal considerou, como já recordei, para responder às primeiras questões prejudiciais, que os Estados‑Membros são obrigados a garantir que a responsabilidade civil que, segundo o direito nacional do Estado‑Membro em causa, se aplica aos acidentes resultantes da circulação dos veículos esteja coberta por um seguro conforme às disposições da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas. Devendo os Estados‑Membros exercer as suas competências nesse domínio no respeito pelo direito da União, isso implica, em particular, que a cobertura pelo seguro de responsabilidade civil respeite os montantes mínimos de garantia fixados pela Segunda Diretiva e, portanto, que nenhuma legislação nacional pode limitar a proteção que daí deriva fixando montantes máximos de indemnização abaixo daqueles (81).

94.      O Tribunal acrescentou que «[q]ualquer outra interpretação privaria o n.° 1 do artigo 3.° da Primeira Diretiva e o n.° 2 do artigo 1.° da Segunda Diretiva de efeito útil. Este, que é proteger as vítimas de acidentes de viação por meio do seguro obrigatório de responsabilidade civil, seria, com efeito, posto em perigo se a cobertura dessa responsabilidade pelo seguro fosse deixada à discrição do legislador nacional» (82).

95.      O conjunto destas considerações é, em minha opinião, transponível em relação a disposições tais como as que figuram no decreto letão n.° 331, que fixam um limite máximo de garantia muito baixo, em particular para o dano não material devido à morte da pessoa de quem um indivíduo depende, sabendo‑se que o respeito tanto da finalidade como do efeito útil dessas disposições implica que seja garantida às vítimas de acidentes de viação uma indemnização suficiente, seja qual for o Estado‑Membro onde o sinistro ocorra (83). Em consequência, a segunda questão apresentada pelo Augstākās tiesas Senāts exige uma resposta afirmativa.

96.      Note‑se que, em minha opinião, não é determinante que o nível demasiado baixo fixado no direito nacional seja moderadamente inferior ao limite da responsabilidade das seguradoras fixado pelas diretivas ou nitidamente inferior a este, tal como este órgão jurisdicional indica na sua questão prejudicial (84). Basta que o nível mínimo de cobertura não seja atingido para que a norma de direito nacional não seja conforme a essa exigência do direito da União. Inversamente, a reserva formulada no início do artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva (85) autoriza os Estados‑Membros a ultrapassar os limites mínimos de cobertura previstos, sendo de notar que estes podem exigir uma garantia ilimitada, ou fixar montantes até aos quais o seguro é obrigatório, com a condição imperativa de estes não serem inferiores aos referidos limites mínimos (86).

97.      Tendo em conta o risco de ambiguidades, percetível face às observações apresentadas ao Tribunal, considero conveniente precisar que, em minha opinião, o que é incompatível com o direito da União não é a limitação dos montantes de garantia enquanto tal (87), mas o facto de um Estado‑Membro limitar a indemnização a um nível inferior ao dos montantes fixados a minima pelas diretivas em causa.

98.      É certo que, segundo jurisprudência constante já referida, toda a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, prevista por uma ordem jurídica nacional deve estar coberta por um seguro. Todavia, em meu entender, este princípio deve ser entendido apenas no sentido de que uma regra de direito nacional relativa ao seguro não pode excluir da cobertura certos tipos de danos ou certas categorias de pessoas lesadas quando as vítimas podem invocar a responsabilidade civil do segurado a fim de obter uma indemnização a esse título. A decisão, tomada pelo legislador europeu, de introduzir níveis de garantia que «no mínimo» atinjam os montantes previstos pelas diretivas em causa, só faz sentido se se admitir que estas permitem, em contrapartida, que sejam fixados limites máximos mais elevados pelos Estados‑Membros e, assim, indo a responsabilidade civil para além desses limites máximos nacionais, não deveria estar coberta pelo seguro obrigatório (88). Assim, as ordens jurídicas dos Estados‑Membros em que a legislação geral aplicável à responsabilidade civil não contém limites máximos de indemnização podem, apesar disso, limitar a cobertura desta pelo seguro obrigatório introduzindo limites máximos que ultrapassem os montantes mínimos previstos nessas diretivas.

3.      Quanto às incidências da resposta proposta

99.      Na fundamentação do seu pedido, o Augstākās tiesas Senāts insiste sobre a importância de encontrar um equilíbrio entre os interesses em presença. Salienta que o interesse das vítimas, que é obter uma indemnização mais completa possível do seu dano, difere tanto do proprietário do veículo que causou o acidente, que é pagar prémios de seguro obrigatório tão baixos quanto possível, como do objetivo da seguradora que é obter um rendimento dependente, em larga medida, da relação entre os prémios cobrados e as indemnizações pagas pelos sinistros (89). Esse tribunal sugere que a conciliação desses interesses divergentes implica a definição clara de limites na garantia dada pela seguradora, a fim de que o referido proprietário possa subscrever um seguro a uma tarifa não excessiva (90) e, portanto, que a vítima receba efetivamente a indemnização prevista em razão do seu dano.

100. Os Governos letão e lituano aderem a este ponto de vista. Acrescentam que a fixação desses limites por lei tem ainda a vantagem de garantir a segurança jurídica, enquanto as grandes indemnizações com base num dano moral, teriam o risco, em caso de acidentes que implicassem várias pessoas, de afetar a justa distribuição dos montantes limitados que estão disponíveis (91). Deduzem daí que a aplicação ao dano moral dos limites previstos no artigo 1.° da Segunda Diretiva criaria dificuldades à eficácia do sistema de seguro de responsabilidade civil em causa.

101. É certo que, a priori, o funcionamento do mercado europeu dos seguros poderá ser afetado pela obrigação de as seguradoras cobrirem prejuízos de forma mais ampla e a um nível mais elevado, no que respeita a veículos com estacionamento habitual no território dos Estados‑Membros, o que é suscetível de causar um aumento dos prémios pagos pelos segurados.

102. Todavia, faço notar que, desde o início, o Comité Económico e Social Europeu tinha referido «[os] problemas que a fixação desses montantes mínimos criará inevitavelmente em certos países (nomeadamente, o aumento dos atuais prémios de seguro)» mas tinha considerado, com justeza em meu entender, que se tratava de um «esforço indispensável a aceitar para atingir o objetivo visado, isto é, uma melhor proteção das vítimas» e tinha, por isso, apoiado a proposta que visava introduzir montantes mínimos de garantia (92). A fim de ter em conta o ponto de partida de certos Estados‑Membros no que respeita aos referidos montantes, a Segunda Diretiva contém medidas transitórias quanto à aplicação progressiva das disposições relativas a esse aspeto nesses Estados‑Membros (93).

103. Além disso, a prática demonstra que uma conceção ampla do âmbito de intervenção do seguro obrigatório de responsabilidade civil não tem necessariamente repercussões tão sensíveis como as esperadas no nível dos prémios de seguro (94). Assim, na Bulgária, a recente modificação da lei relativa aos montantes cobertos pelo referido seguro, que inclui a indemnização do dano moral (95), não teve impacto significativo sobre os respetivos prémios (96). Do mesmo modo, na Suécia, segundo os trabalhos preparatórios que conduziram à introdução na lei do direito a uma indemnização pelos danos corporais em caso de morte de uma pessoa próxima por acidente de viação (97), esta reforma deveria ter apenas um efeito marginal sobre as despesas das companhias de seguros e, portanto, sobre os prémios de seguro, os quais só deveriam aumentar 1 a 1,5%, ou menos (98).

104. Além disso, os receios expressos pelos governos que intervieram no presente processo não me parecem justificados uma vez que, recordo, não é, em meu parecer, proibido aos Estados‑Membros fixarem limites máximos, a fim de que a garantia devida pelas seguradoras não seja ilimitada, sendo a única exigência decorrente do artigo 1.° da Segunda Diretiva que esse limite máximo seja fixado a um nível superior aos montantes mínimos previstos por este artigo.

105. Face ao conjunto destes elementos, em minha opinião, deve responder‑se à segunda questão colocada no processo Drozdovs que o artigo 3.° da Primeira Diretiva e o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva se opõem a uma norma de direito nacional que, para limitar a indemnização de um dano não material suscetível de ser devida a título de seguro obrigatório de responsabilidade civil, prevê montantes máximos de garantia inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados para a indemnização dos danos corporais no artigo 1.º da Segunda Diretiva.

D —    Quanto à segunda questão apresentada no processo Haasová

106. Nos termos da segunda questão submetida ao exame do Tribunal no processo Haasová, o Krajský súd v Prešove parte da hipótese de que, em resposta à primeira questão, seria decidido que não são contrárias ao direito da União as disposições nacionais em matéria de seguro que não admitem a indemnização pecuniária do dano não material causado aos sobrevivos de vítimas de um acidente relativo à circulação de veículos automóveis.

107. O órgão jurisdicional de reenvio baseia‑se assim sobre um postulado contrário à resposta que proponho ao Tribunal para responder à primeira questão prejudicial. Tendo em consideração o teor da resposta que, em minha opinião, convém dar a essa questão, considero que não é necessário responder à segunda questão, que é colocada apenas a título subsidiário.

108. Não obstante, realço que o órgão jurisdicional de reenvio pede a este Tribunal que proceda à interpretação de disposições de direito nacional (99), o que em conformidade com a jurisprudência constante, está excluído (100).

109. Na hipótese de o Tribunal não seguir a minha proposta, parece‑me que a questão devia ser reformulada no sentido de que se referiria, no essencial, a uma eventual possibilidade de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro proceder a uma interpretação de uma norma de direito nacional conforme às disposições da Primeira e Terceira Diretivas em causa. Em qualquer caso, o princípio de interpretação conforme não poderia servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional, que consistiria neste caso em pôr a indemnização de um dano a cargo de uma seguradora, contrariamente ao que a regra de direito nacional prevê (101).

V —    Conclusão

110.      No processo Haasová (C‑22/12), face a estas considerações, proponho ao Tribunal que responda da seguinte forma às questões prejudiciais colocadas pelo Krajský súd v Prešove:

«1) O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, por um lado, e o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, por outro, devem ser interpretados no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil por danos resultantes da circulação de veículos a motor, que tenham o seu estacionamento habitual no território de um Estado‑Membro, cobre a indemnização dos danos não materiais sofridos pelos próximos das vítimas falecidas num acidente de viação ocorrido nesse contexto, na medida em que essa indemnização esteja prevista a título de responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio.

2) Não há que responder à segunda questão prejudicial.»

111. No processo Drozdovs (C‑277/12), face às considerações que precedem, proponho ao Tribunal que responda da seguinte forma às questões prejudiciais colocadas pelo Augstākās tiesas Senāts:

«1) O artigo 3.° da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, por um lado, e o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, por outro, devem ser interpretados no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil por danos resultantes da circulação de veículos a motor, que tenham o seu estacionamento habitual no território de um Estado‑Membro, cobre a indemnização dos danos não materiais sofridos pelos próximos das vítimas falecidas num acidente de viação ocorrido nesse contexto, na medida em que essa indemnização esteja prevista a título de responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio.

2) O artigo 3.° da Diretiva 72/166 e o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 84/5, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma norma de direito nacional que, a título de indemnização suscetível de ser devida por uma seguradora para reparar o dano não material resultante do falecimento num acidente de viação de uma pessoa de quem o interessado dependia, prevê montantes máximos de garantia que são inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados por este último artigo para a indemnização dos danos corporais.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      A proximidade com essa pessoa, que é a vítima direta do acidente, pode resultar, em algumas ordens jurídicas, não apenas de um laço de parentesco, como é o caso nos presentes processos, mas também de laços estreitos de afeto que são materializados, nomeadamente, numa comunhão de vida efetiva. Para levar isso em conta, a terminologia utilizada nas presentes conclusões não se limitará apenas aos membros da família.


3 —      JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113.


4 —      JO L 129, p. 33.


5 —      JO 1984, L 8, p. 17.


6 —      As três diretivas referidas foram revogadas juntamente com outras, pela Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 263, p. 11), que procedeu à sua codificação.


7 —      Sabendo‑se que os dois órgãos jurisdicionais de reenvio, tal como as legislações nacionais e a doutrina, utilizam alternadamente termos tais como «dano não patrimonial» ou «dano moral», cujo alcance jurídico é suscetível de variar, decidi optar, nas presentes conclusões, pela expressão «dano não material», que me parece mais neutra.


8 —      Sobre a evolução seguida pelo direito da União neste domínio, v. conclusões do advogado‑geral Trstenjak no processo que deu lugar ao acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida (C‑300/10, n.os 5 e segs., bem como jurisprudência aí referida).


9 —      Este n.° 2 foi revisto pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, que altera as Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (JO L 149, p. 14, com um prazo para transposição fixado para 11 de junho de 2007), de forma a elevar os montantes previstos, quanto a danos corporais, para um montante mínimo de cobertura de 1 milhão de euros, no caso de haver apenas uma vítima, ou de 5 milhões de euros por sinistro, independentemente do número de vítimas, e, para os danos materiais, de 1 milhão de euros por sinistro, qualquer que seja o número de vítimas.


10 —      Em particular, o artigo 4.° da lei eslovaca n.° 381/2001 em matéria de contratos de seguro obrigatório dos danos resultantes da circulação de veículos a motor (a seguir «lei eslovaca relativa ao seguro obrigatório»).


11 —      Texto disponível no sítio internet da Conferência de Haia de direito internacional privado (www.hcch.net).


12 —      A este propósito, v. n.° 48 e segs. das presentes conclusões.


13 —      Zákon č. 40/1964 Sb. Lei promulgada em 26 de fevereiro de 1964.


14 —      Lei promulgada em 30 de julho de 1999.


15 —      Sauszemes transportlīdzekļu īpašnieku civiltiesiskās atbildības obligātās apdrošināšanas likums, Latvijas Vēstnesis, n.° 65 (3013), de 27 de abril de 2004.


16 —      Noteikumi par apdrošināšanas atlīdzības apmēru un aprēķināšanas kārtību par personai nodarītajiem nemateriālajiem zaudējumiem, Latvijas Vēstnesis, n.° 80 (3238), de 20 de maio de 2005.


17 —      A descrição do referido litígio resulta dos elementos contidos na decisão de reenvio e nos esclarecimentos prestados pelo órgão jurisdicional de reenvio após solicitação do Tribunal de Justiça.


18 —      Nos esclarecimentos que forneceu posteriormente, a pedido do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que se devia aplicar o direito material da República Checa ao litígio no processo principal. V., a este propósito, n.os 48 e segs. das presentes conclusões.


19 —      As observações de K. Haasová não foram juntas aos autos por terem sido apresentadas fora do prazo.


20 —      Foi apurado que, no momento dos factos, o autor do acidente estava sob o efeito do álcool, conduzia com velocidade excessiva e efetuava uma manobra de ultrapassagem perigosa, com um veículo ao qual faltava um pneu de inverno.


21 —      Isto é, 100 LVL por cada uma dessas pessoas falecidas de quem o interessado dependia para o seu sustento.


22 —      O órgão jurisdicional de reenvio mencionou os «artigos 1.° e 2.°» («1. un 2.pantā») da Segunda Diretiva. Sabendo que o conceito de «danos corporais», que é objeto da primeira questão, figura no artigo 1.°, designadamente nos n.os 1 e 2, e não no artigo 2.° da referida diretiva, este lapso de escrita deve, em minha opinião, ser corrigido intercalando «artigo 1.°, n.os 1 e 2».


23 —      Idem.


24 —      V., nomeadamente, os estudos de direito comparado citados por Lambert‑Faivre, Y., e Leveneur, L., Droit des assurances, Dalloz, Paris, 12.ª ed., 2005, p. 511, nota 1.


25 —      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO L 199, p. 40).


26 —      Essa Convenção foi ratificada pela Checoslováquia. Em 28 de janeiro de 1993 e 15 de março de 1993, a República Checa e a República Eslovaca declararam considerar‑se vinculadas pela Convenção — incluindo aí as reservas e as declarações feitas pela Checoslováquia — a partir de 1 de janeiro de 1993, data da divisão desse Estado.


27 —      O artigo 8.° dessa Convenção especifica os domínios cobertos pela lei declarada aplicável, o que inclui a determinação, designadamente, do fundamento e do âmbito da responsabilidade, da existência e da natureza dos danos suscetíveis de reparação, da transmissibilidade do direito de exigir indemnização ou reparação e das pessoas com direito à reparação do dano pessoalmente sofrido.


28 —      Recordo que o órgão jurisdicional de reenvio eslovaco indicou que, com fundamento no artigo 3.° da Convenção de Haia de 1971 haveria que aplicar o direito material da República Checa, tendo em conta que o dano corporal ocorreu em 7 de agosto de 2008 e em ligação com a circulação de um veículo automóvel no território da República Checa.


29 —      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisou que o veículo causador do acidente se encontrava registado na Eslováquia enquanto aquele que tinha sofrido o embate estava registado na República Checa.


30 —      Esta lei deve ser designada de acordo com o artigo 7.° da Segunda Diretiva 88/357/CEE do Conselho, de 22 de junho de 1988, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro direto não vida, que fixa disposições destinadas a facilitar o exercício da livre prestação de serviços e que altera a Diretiva 73/329/CEE (JO L 172, p. 1) ou, para os contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009, o artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177, p. 6).


31 —      Os dois litígios no processo principal têm por objeto a indemnização do dano não patrimonial resultante da morte num acidente de viação, no processo Haasová, de um homem cuja mulher e filha pretendem a reparação desse dano, e, no processo Drozdovs, de um casal cujo filho formula o mesmo pedido, esclarecendo‑se que os demandantes não estiveram pessoalmente envolvidos nesse acidente.


32 —      Em conformidade com o princípio da homogeneidade previsto pelo direito do Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»).


33 —      Acórdão do Tribunal da EFTA de 20 de junho de 2008, Celina Nguyen/The Norwegian State. Esse acórdão está disponível no sítio internet www.eftacourt.lu. Foi publicado um resumo do acórdão no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2008) C 263, p. 4.


34 —      O referido acórdão incide sobre a interpretação do Acordo Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 19092, (JO 1994, L1, p.3), e, em particular, sobre a inclusão da indemnização de um dano moral no campo de aplicação dos atos aos quais se faz referência no Anexo IX deste Acordo que são a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis.


35 —      V., em particular, primeiro a terceiro considerandos da Primeira Diretiva.


36 —      V. quinto considerando da Segunda Diretiva e quarto considerando da Terceira Diretiva.


37 —       Acórdãos de 30 de junho de 2005, Candolin e o. (C‑537/03, Colet., p. I‑5745, n.° 17), bem como Marques Almeida, já referido (n.° 26, e toda a jurisprudência aí referida). V., igualmente, acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen, já referido (n.° 23 e jurisprudência aí referida).


38 —      Acórdão Marques Almeida, já referido (n.° 27 e jurisprudência aí referida).


39 —      Acórdão Marques Almeida, já referido (n.° 28 e jurisprudência aí referida).


40 —      Acórdãos de 14 de setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira (C‑348/98, Colet., p. I‑6711, n.° 23), bem como Marques Almeida, já referido (n.° 29 e jurisprudência aí citada). V., igualmente, acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen (n.° 24).


41 —      Acórdãos de 19 de abril de 2007, Farrell (C‑356/05, Colet., p. I‑3067, n.° 33 e jurisprudência aí referida), e Marques Almeida, já referido (n.° 30 e jurisprudência aí referida). V., igualmente, acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen, já referido (n.° 25).


42 —      Acórdãos já referidos, Candolin e o. (n.os 27 e 28), e Marques Almeida (n.° 31 e jurisprudência aí referida). V., igualmente, acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen, já referido (n.° 24).


43 —      Isto é, dano não material sofrido pelas pessoas que são as vítimas indiretas de um acidente de viação no qual faleceu uma pessoa próxima.


44 —      Nos n.os 34 e segs. do acórdão Marques Almeida, já referido, o Tribunal estabeleceu a este propósito uma nítida distinção e concluiu que a legislação nacional em causa no processo principal, que regia a indemnização no âmbito da responsabilidade civil do segurado e não aquela que podia ser devida pela seguradora, não era incompatível com o direito da União desde que não afetasse a garantia, prevista por este direito, de que esta responsabilidade, determinada de acordo com o direito nacional aplicável, seja coberta por um seguro conforme com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas.


45 —      Acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen (em especial, n.os 7 e 11).


46 —      No texto original desse acórdão, redigido em língua inglesa, o Tribunal da EFTA qualificou o dano em causa de «non economic injury», mas, por minha parte, preferi esta outra qualificação devido ao seu caráter mais neutro e por uma preocupação de coerência com o que antecede.


47 —      Acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen (n.° 29).


48 —      Sublinho desde já a diferença significativa que existe entre a versão francesa desta expressão e a sua versão inglesa, língua do processo do Tribunal da EFTA, a primeira revelando‑se mais restrita do que a segunda.


49 —      Acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen (n.° 26).


50 —      Ibidem (n.° 27).


51 —      A este propósito, o Tribunal da EFTA refere‑se, «entre outros», ao acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, já citado, bem como ao despacho de 24 de julho de 2003, Messejana Viegas (C‑166/02, Colet., p. I‑7871, n.os 21 e 22).


52 —      Acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen (n.° 28).


53 —      V., igualmente, as versões grega («σωματικές βλάβες»), espanhola («daños corporales»), neerlandesa («lichamelijk letsel») e portuguesa («danos corporais»).


54 —      V., em particular, as expressões «personskade», «Personenschäden», «personal injury», «danni alle persone», «henkilövahingot» e «personskador» que são utilizadas respetivamente nas versões dinamarquesa, alemã, inglesa, italiana, finlandesa e sueca.


55 —      Ademais, esta terminologia não é entendida de forma redutora mesmo no direito francês, uma vez que os «danos não patrimoniais […] das vítimas indiretas no caso da morte da vítima direta» figuram entre os «danos corporais das vítimas indiretas» (sublinhado meu) na nomenclatura dos danos corporais proposta, em julho de 2005, no relatório do grupo de trabalho que tinha a seu cargo elaborá‑la sob a direção de J.‑P. Dintilhac (relatório acessível no sítio internet da Documentation française: http://www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/rapports‑publics/064000217/0000.pdf)


56 —      Uma análise da génese da Segunda Diretiva revela que a dicotomia estabelecida entre os danos materiais e os danos corporais não figurava na proposta inicial da Comissão (apresentada em 7 de agosto de 1980, JO C 214, p. 9; não publicado em versão portuguesa), na qual se encontravam submetidos ao mesmo regime, tendo surgido do parecer do Comité Económico e Social elaborado em 25 e 26 de fevereiro de 1981 (JO C 138, p. 15, n.° 2.2; não publicado em versão portuguesa), que salientou que a indemnização dos danos corporais apresentava «um maior interesse social» que a dos danos materiais.


57 —      V. n.° 91 das presentes conclusões.


58 —      O acórdão do Tribunal da EFTA, Nguyen (n.° 2) indica que a demandante tinha perdido o seu cônjuge e os seus dois filhos num acidente de viação e que ela própria só tinha sido ligeiramente atingida fisicamente mas sofria de perturbações psicológicas desde o acidente.


59 —      O termo «passageiro» não figura nem na Primeira nem na Segunda Diretiva.


60 —      O quarto considerando da Terceira Diretiva inclui todas as «vítimas de acidentes de veículos automóveis» na proteção oferecida pelo direito da União. No quinto considerando da mesma diretiva, as palavras «em particular» e «particularmente» sublinham que os passageiros dos veículos automóveis são considerados uma «categoria», entre outras, «de vítimas potenciais», necessitando esses passageiros de uma atenção especial em razão da sua vulnerabilidade.


61 —      No seu parecer de 26 de abril de 1989 sobre a proposta de Terceira Diretiva (JO C 159, p. 7,), o Comité Económico e Social afirmou, no n.° 1.2, que os passageiros deviam estar cobertos pelo seguro de responsabilidade civil, uma vez que, nessa época, tal não era obrigatório em certos Estados‑Membros.


62 —      Nomeadamente, o artigo 1.° A da Terceira Diretiva, inserido nesta pela Diretiva 2005/14, explicitou que outras categorias de vítimas tais como os peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas estão também cobertas quando «têm direito a indemnização de acordo com o direito civil nacional».


63 —      V. jurisprudência constante supramencionada (nomeadamente, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 26), que remete para os preâmbulos das referidas diretivas.


64 —      V. n.° 59 e segs. das presentes conclusões.


65 —      Recorda‑se que é o direito nacional, e não o direito da União, que determina o direito da vítima, bem como a extensão desse direito a uma indemnização a título de responsabilidade civil do segurado (nomeadamente, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 35).


66 —      Tal é o caso, em particular, na, Bulgária, Alemanha, Estónia, Irlanda, Espanha, França, Itália, Chipre, Letónia, Polónia, Eslovénia, Suécia e Reino‑Unido.


67 —      Na Alemanha, o dano só pode ser indemnizado se ultrapassar as reações e os inconvenientes «normais» subsequentes a uma morte ocorrida nessas circunstâncias. Na Estónia, a indemnização é justificada principalmente quando o próximo foi testemunha do acidente. No Reino Unido, a jurisprudência exigiu condições cumulativas, a saber, uma doença psiquiátrica provocada pelo choque, a existência de laços de afeto com a vítima, a proximidade do beneficiário com o acidente, e o choque provocado por uma perceção direta do acidente.


68 —      Na Suécia, a vítima indireta recebe oficiosamente uma compensação durante um ano após o falecimento de um próximo. Para além de um ano, deve provar um sofrimento mais prolongado mediante apresentação de atestados médicos.


69 —      V., nomeadamente, acórdão Marques Almeida, já referido (n.° 31 e jurisprudência aí referida).


70 —      O referido artigo prevê que o montante fixo da indemnização a pagar por uma seguradora, pelas dores e sofrimentos psicológicos devidos, nomeadamente, à morte da pessoa de quem um indivíduo depende, é de 100 LVL, ou seja, cerca de 143 euros, por demandante e por pessoa falecida.


71 —      Os montantes em causa, referidos no n.° 13 das presentes conclusões, constam agora no artigo 9.° da Diretiva 2009/103.


72 —      Esta lei fixou em 250 000 LVL, ou seja, cerca de 357 283 euros, o limite até ao qual pode ser fixada a responsabilidade de uma seguradora a título de indemnização de danos pessoais.


73 —      O artigo 19.°, n.° 3, de da lei letã relativa ao seguro obrigatório tinha, com efeito, previsto que o montante e o modo de cálculo da indemnização pelas seguradoras dos danos materiais e não materiais causados às pessoas seriam fixados pelo Conselho de Ministros.


74 —      Acórdão de 28 de março de 1996, Ruiz Bernáldez (C‑129/94, Colet., p. I‑1829, n.° 15).


75 —      V. acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, já referido (n.° 26), bem como n.os 8 e 9 das conclusões do advogado‑geral Cosmas no processo que deu origem a esse acórdão.


76 —      Tal resulta de uma comparação entre a proposta inicial da Comissão de 7 de agosto de 1980, já referida, o parecer do Comité Económico e Social elaborado em 25 e 26 de fevereiro de 1981, já referido, as alterações propostas pelo Parlamento Europeu em 14 de outubro de 1981 (JO C 287, p. 44), e a alteração desta proposta apresentada pela Comissão em 3 de março de 1982 (JO C 78, p. 17).


77 —      Estes montantes foram aumentados e acompanhados por uma cláusula de revisão periódica, a fim de garantir que o montante mínimo de cobertura não sofra a erosão do tempo, quando da adoção da Diretiva 2005/14/CE. V., igualmente, artigo 9.° da Diretiva 2009/103/CE e Parecer da Comissão relativo à adaptação, em função da inflação, de certos montantes estabelecidos na Diretiva 2009/103/CE (JO 2010 C 332, p. 1).


78 —      O Tribunal seguiu igualmente esta orientação, nomeadamente no acórdão de 17 de março de 2011, Carvalho Ferreira Santos (C‑484/09, Colet., p. I‑1821, n.° 45).


79 —      V. décimo considerando da Diretiva 2005/14/CE e décimo segundo considerando da Diretiva 2009/103/CE.


80 —      V.acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, já referido (n.° 41), bem como despacho Messejana Viegas, já referido (n.° 20), sobre a legislação portuguesa que fixa esses montantes quando só está em causa a responsabilidade civil pelo risco, por não haver culpa do condutor do veículo causador do acidente.


81 —      O Tribunal salientou que o legislador comunitário pretendeu certamente exigir a cobertura de qualquer responsabilidade civil decorrente da circulação de veículos automóveis mesmo quando os Estados‑Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil, quer essa responsabilidade se funde na culpa ou no risco, que é aplicável aos respetivos sinistros. V. acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, já referido (n.os 29 e 40), e despacho Messejana Viegas, já referido (n.° 21).


82 —      Despacho Messejana Viegas, já referido (n.° 22). V., igualmente, n.º 48 das conclusões do advogado‑geral Cosmas no processo que deu lugar ao acórdão Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, já referido.


83 —      Saliento que os montantes mínimos de garantia previstos pelas diretivas são suscetíveis de conduzir a uma certa harmonização de facto das regras de responsabilidade civil aplicáveis nos Estados‑Membros, podendo estes ter tendência para adaptar as respetivas legislações na matéria, embora não recaia sobre eles nenhuma obrigação jurídica a este respeito, no atual estado do direito da União (v. Heiss, H., «Motor vehicle liability insurance between the European directives and national tort law», Over grenzen: liber amicorum Herman Cousy, Intersentia, Antuérpia‑Cambridge, 2011, p. 127‑136, em especial, p. 133).


84 —      Esta problemática não pode ser confundida com o exame da proporcionalidade a que o Tribunal se dedicou a propósito de legislações nacionais que negam ou limitam de modo desproporcionado, apenas com fundamento na contribuição de uma vítima para a produção do dano que sofreu, o direito desta a ser indemnizada pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil (v., nomeadamente, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 30 e segs., bem como despacho de 21 de março de 2013, Rodrigues Esteves, C‑486/11, n.° 26 e segs.).


85 —      Isto é: «Sem prejuízo de montantes de garantia superiores eventualmente estabelecidos pelos Estados‑Membros […]».


86 —      Isto resulta dos trabalhos preparatórios relativos a esta disposição (especialmente da proposta inicial e do parecer do Comité Económico e Social, n.os 2.1 e 2.2, supramencionados).


87 —      Como o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar (v. n.° 8.1 in fine da sua decisão).


88 —      V. acórdão Marques Almeida, já referido (n.° 30, bem como jurisprudência aí referida), em que o Tribunal concluiu que «os Estados‑Membros têm a obrigação de garantir que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, aplicável de acordo com o seu direito nacional, esteja coberta por um seguro conforme com as disposições das três diretivas supramencionadas» (sublinhado meu).


89 —      V. n.° 8.2 da decisão de reenvio.


90 —      Refere‑se a este propósito aos n.os 77 e 78 do acórdão de 28 de abril de 2009, Comissão/Itália (C‑518/06, Colet., p. I‑3491).


91 —      Note‑se que o risco invocado poderia de facto ser o mesmo se se tratasse de um dano material.


92 —      No n.° 2.3 do seu parecer sobre a proposta de Segunda Diretiva, já referida.


93 —      V. décimo primeiro considerando e artigos 5.° e 6.° da Segunda Diretiva.


94 —      A proposta da Comissão de 19 de junho de 2002 que levou à adoção da Diretiva 2005/14/CE traça um balanço segundo o qual vários Estados‑Membros optaram por uma cobertura ilimitada e a maior parte dos que fixaram montantes mínimos de cobertura, fizeram‑no a um nível mais elevado que o previsto pelas diretivas, sem que as seguradoras aí estabelecidas tenham sido afetadas [COM(2002) 244 final, p. 6 e p. 29].


95 —      Lei que modifica e completa o código dos seguros (JO n.° 21 de 13 de março de 2012).


96 —      V. artigo de Stoyanova, I., «Обезщетенията за неимуществени вреди при ‘Гражданска отговорност’ на автомобилистите», artigo acessível no sítio internet: www.zastrahovatel.com/statia.php?mysid=3522&t=4.


97 —      Este direito foi inserido na lei geral sobre a indemnização de danos, pela lei 2001:732, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2002.


98 —      Regeringens proposition 2000/01:68, Ersättning för ideell skada, p. 34 e p. 63.


99 —      A questão está redigida nestes termos: «as disposições do artigo 4.°, n.os 1, 2 e 4, da lei eslovaca [relativa ao seguro obrigatório] e 6.°, n.os 1 a 3, da lei checa [relativa ao seguro obrigatório] devem ser interpretadas […]».


100 —      Em especial, acórdão de 17 de janeiro de 2013, Zakaria (C‑23/12, n.° 29).


101 —      Em especial, acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, n.° 25), bem como n.° 67 nas conclusões que apresentei no processo que deu lugar ao acórdão de 24 de junho de 2010, Sorge (C‑98/09, Colet., p. I‑5837).