Language of document : ECLI:EU:C:2013:685

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

24 de outubro de 2013 (*)

«Seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis — Diretiva 72/166/CEE — Artigo 3.°, n.° 1 — Diretiva 90/232/CEE — Artigo 1.° — Acidente de viação — Morte dos pais do requerente menor — Direito a indemnização do filho — Dano moral — Indemnização — Cobertura pelo seguro obrigatório»

No processo C‑277/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Augstākās tiesas Senāts (Letónia), por decisão de 16 de maio de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 1 de junho de 2012, no processo

Vitālijs Drozdovs

contra

Baltikums AAS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de março de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de V. Drozdovs, por N. Frīdmane, advokāte,

¾        em representação da Baltikums AAS, por G. Radiloveca, advokāte,

¾        em representação do Governo letão, por A. Nikolajeva e I. Kalniņš, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por F. Wannek e T. Henze, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo lituano, por R. Janeckaitė, A. Svinkūnaitė e D. Kriaučiūnas, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por A. Sauka e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de julho de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113; a seguir «Primeira Diretiva»), e do artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244; a seguir «Segunda Diretiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe V. Drozdovs, representado por V. Balakireva, à Baltikums AAS (a seguir «Baltikums»), companhia de seguros, a respeito da indemnização por esta última, a título de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, pelo dano moral que V. Drozdovs sofreu devido à morte dos seus pais, num acidente de viação.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.° da Primeira Diretiva estabelece:

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

[...]

2.      Pessoa lesada: qualquer pessoa que tenha direito a uma indemnização por danos causados por veículos;

[...]»

4        O artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva prevê:

«Cada Estado‑Membro […] adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

5        O artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva dispõe:

«1.      O seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] deve, obrigatoriamente, cobrir os danos materiais e os danos corporais.

2.      Sem prejuízo de montantes de garantia superiores eventualmente estabelecidos pelos Estados‑Membros, cada Estado‑Membro deve exigir que os montantes pelos quais este seguro é obrigatório, se situem, pelo menos, nos seguintes valores:

¾        350 000 [euros], relativamente aos danos corporais, quando haja apenas uma vítima, devendo tal montante ser multiplicado pelo número de vítimas, sempre que haja mais do que uma vítima em consequência de um mesmo sinistro,

¾        100 000 [euros] por sinistro, relativamente a danos materiais seja qual for o número de vítimas.

Os Estados‑Membros podem estabelecer, em vez dos montantes mínimos acima referidos, um montante mínimo de 500 000 [euros] para os danos corporais, sempre que haja mais que uma vítima em consequência de um mesmo sinistro, ou um montante global mínimo de 600 000 [euros] por sinistro, para danos corporais e materiais seja qual for o número de vítimas ou a natureza dos danos.»

6        O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO L 129, p. 33, a seguir «Terceira Diretiva»), prevê que «o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Diretiva] cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo».

 Direito letão

7        O artigo 15.° da Lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil dos proprietários de veículos terrestres [Sauszemes transportlīdzekļu īpašnieku civiltiesiskās atbildības obligātās apdrošināšanas likums, Latvijas Vēstnesis, 2004, n.° 65 (3013)], na sua versão em vigor à data dos factos em causa no processo principal (a seguir «lei OCTA»), sob a epígrafe «Limitação da responsabilidade da seguradora», dispunha:

«(1)      Em caso de sinistro, a seguradora com a qual o proprietário do veículo que provocou o acidente contratou o seguro de responsabilidade civil, ou a associação das seguradoras de veículos (se a indemnização tiver de ser paga pelo Fundo de Garantia Automóvel), cobrem os danos até ao montante estabelecido para a responsabilidade da seguradora:

1)      a título de indemnização por danos pessoais: até 250 000 lats [letões (LVL)] por cada vítima;

2)      a título de indemnização por danos materiais: até 70 000 [LVL], independentemente do número de terceiros vítimas;

(2)      Os terceiros podem pedir uma indemnização por danos que não sejam objeto de indemnização nos termos da presente lei ou que ultrapassem os limites da responsabilidade da seguradora segundo os procedimentos legalmente previstos.»

8        O artigo 19.° da lei OCTA, sob a epígrafe «Danos causados às pessoas», enunciava:

«(1)      Consideram‑se danos materiais resultantes de um acidente de viação os danos causados às vítimas devido a:

1)      tratamentos médicos;

2)      incapacidade temporária para o trabalho;

3)      incapacidade definitiva para o trabalho;

4)      morte.

(2)      São considerados danos não materiais os danos que causem à vítima dor e sofrimento psíquicos devido a:

1)      traumatismo físico sofrido pela vítima:

2)      mutilação ou invalidez da vítima;

3)      morte da pessoa que sustenta a família, de um dependente ou do cônjuge;

4)      invalidez do grupo 1 da pessoa que sustenta a família, de um dependente ou do cônjuge.

(3)      O montante e as modalidades de cálculo das indemnizações do seguro pelos danos materiais e não materiais causados às pessoas são fixados pelo Conselho de Ministros.»

9        O artigo 23.° da lei OCTA, sob a epígrafe «Danos relacionados com a morte da vítima», previa:

«(1)      No caso de morte da pessoa que os sustenta, têm direito a uma indemnização pelo seguro:

1)      os filhos, mesmo os adotados:

a)      até atingirem a maioridade,

[...]»

10      O artigo 5.° do Código Civil (Latvijas Republikas Saeimas un Ministru Kabineta Ziņotājs, 1993, n.° 1), na sua versão em vigor à data dos factos em causa no processo principal (a seguir «Código Civil»), dispunha:

«Quando um litígio for decidido por equidade ou estritamente em termos jurídicos, o juiz pronuncia‑se segundo os princípios gerais do direito.»

11      O artigo 1635.° do Código Civil enunciava:

«Qualquer dano ilícito, ou seja, qualquer ato ilícito, confere à pessoa que dele foi vítima o direito de exigir do seu autor uma reparação, na medida em que o ato lhe seja imputável.»

12      O artigo 2347.° do Código Civil previa:

«Se uma pessoa causar, através de um ato ilícito que lhe seja imputável, um dano corporal a outra pessoa, deve indemnizá‑la pelas despesas médicas e, segundo apreciação do juiz, pelos eventuais lucros cessantes.

Aquele que exerce uma atividade que represente um risco elevado para o seu meio social (transporte, indústria, trabalhos na construção, com substâncias perigosas, etc.) deve indemnizar os danos decorrentes desse perigo se não puder demonstrar que o dano foi causado por um caso de força maior, por um erro da vítima ou por negligência grave. Se o proprietário, detentor ou utilizador tiver perdido o domínio sobre a fonte do perigo, sem que isso resulte de erro da sua parte, devido a um ato ilícito de outra pessoa, esta é considerada responsável pelo dano causado. Se o detentor (proprietário, possuidor, utilizador) tiver também agido de forma injustificada, é possível pôr em causa a responsabilidade pelo dano causado tanto da pessoa que utilizou o objeto fonte de perigosidade acrescida como do seu detentor, segundo o grau de culpa de cada um.»

13      Nos termos do artigo 22.° do Código Penal [Latvijas Vēstnesis, 2005, n.° 74 (3232)], sob a epígrafe «Direito à indemnização pelos danos sofridos»:

«Aquele que sofrer um dano decorrente de um ato ilegal, incluindo os danos morais, as ofensas à integridade física e os danos materiais, tem direito a pedir e a obter em tribunal uma indemnização pelos danos morais e patrimoniais.»

14      Os artigos 7.° e 10.° do Decreto n.° 331 do Conselho de Ministros, relativo ao montante e às modalidades de cálculo das indemnizações do seguro pelos danos morais causados às pessoas (Noteikumi par apdrošināšanas atlīdzības apmēru un aprēķināšanas kārtību par personai nodarītajiem nemateriālajiem zaudējumiem), de 17 de maio de 2005 [Latvijas Vēstnesis, 2005, n.° 80 (3238), a seguir «decreto»], que dão execução ao artigo 19.°, n.° 3, da lei OCTA, enunciam:

«Artigo 7.°

O montante da indemnização do seguro pela dor e pelo sofrimento psicológico, causados pela morte da pessoa da qual se é dependente, de um dependente ou do cônjuge, é de 100 [LVL] por cada requerente e por pessoa na aceção do artigo 23.°, n.° 1, da Lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil dos proprietários de veículos terrestres.

[...]

Artigo 10.°

O montante total das indemnizações do seguro não pode ultrapassar os 1 000 [LVL] por cada vítima de um acidente de viação se forem indemnizados todos os danos mencionados nos n.os 3, 6, 7 e 8.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Em 14 de fevereiro de 2006, os pais de V. Drozdovs faleceram num acidente de viação ocorrido em Riga (Letónia). Por consequência, V. Drozdovs, que nasceu em 25 de agosto de 1995, foi colocado sob tutela da sua avó, V. Balakireva (a seguir «tutora»).

16      Esse acidente foi causado pelo condutor de um veículo automóvel segurado pela Baltikums. O autor do referido acidente, que conduzia sob o efeito do álcool e a uma velocidade acima do permitido um veículo em mau estado do ponto de vista técnico e que tinha feito, no momento do referido acidente, uma manobra de ultrapassagem perigosa, foi condenado, por sentença proferida em processo penal, numa pena de prisão de seis anos e na interdição do direito de conduzir um veículo automóvel durante cinco anos.

17      Em 13 de dezembro de 2006, a tutora informou a Baltikums do sinistro e solicitou‑lhe o pagamento da indemnização prevista, designadamente pelo dano moral avaliado em 200 000 LVL. Em 29 de janeiro de 2007, a Baltikums pagou, em aplicação do artigo 7.° do decreto, uma indemnização de 200 LVL a título de sofrimento psicológico suportado por V. Drozdovs, bem como uma indemnização de 4 497,47 LVL a título de dano patrimonial, montante que não está em causa no litígio.

18      Em 13 de setembro de 2007, a tutora propôs uma ação contra a Baltikums que visava o pagamento de uma indemnização de 200 000 LVL pelo dano moral sofrido por V. Drozdovs. Esta ação, que tinha como fundamento o facto de a morte dos pais de V. Drozdovs, por ainda ser muito jovem, lhe ter causado sofrimento psicológico, baseava‑se nos artigos 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, 19.°, n.° 2, terceiro parágrafo, e 39.°, n.os 1 e 6, da lei OCTA, bem como no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

19      Tendo sido julgados improcedentes a referida ação e o recurso interposto pela tutora, nomeadamente com base no artigo 7.° do decreto, a mesma interpôs recurso de revista para o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a anulação do acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância e que o processo baixasse a esse tribunal para reapreciação da causa.

20      No recurso de revista, a tutora alega, nomeadamente, que o tribunal de segunda instância fez uma aplicação errada do artigo 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da lei OCTA, uma vez que essa disposição devia ser interpretada em conformidade, designadamente, com a Primeira e Segunda Diretivas. Ora, resulta desta regulamentação da União que um Estado‑Membro não pode fixar limites de indemnização inferiores aos montantes mínimos previstos no artigo 1.° da Segunda Diretiva. Daqui resulta que o artigo 7.° do decreto é contrário aos limites de indemnização fixados no artigo 15.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da lei OCTA e nas diretivas supramencionadas.

21      O órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 1.° da Segunda Diretiva fixa um montante obrigatório de garantia pelos danos corporais e pelos danos patrimoniais, mas não aborda diretamente o dano moral causado às pessoas. Além disso, entende que o Tribunal de Justiça declarou que a Primeira e Segunda Diretivas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros, de modo que estes conservam a liberdade de determinar o regime aplicável aos acidentes de viação. Tendo em conta estas observações, poderia concluir‑se que as mencionadas diretivas não abrangem o montante da indemnização por danos morais causados às pessoas.

22      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que também seria possível concluir que as referidas diretivas se opõem às regulamentações dos Estados‑Membros que fixam um limite máximo a um regime de seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis. Com efeito, a finalidade desse seguro é indemnizar, pelo menos em parte, as vítimas de acidentes de viação pelos danos que possam ser objetivamente avaliados, nomeadamente os danos patrimoniais e pessoais causados, nos quais se incluem os danos morais.

23      Além disso, considera que o Tribunal de Justiça declarou que as diretivas em causa impedem tanto recusar ou limitar de uma forma desproporcionada a indemnização dos danos sofridos por vítimas de acidentes de viação como prever montantes máximos de garantia que sejam inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados pelo artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

24      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio observa também que um sistema de seguro de responsabilidade civil eficaz deve pretender conciliar os diferentes interesses das vítimas de acidentes de viação, dos proprietários de veículos automóveis e das suas seguradoras. Considera ainda que o estabelecimento de limites claros à indemnização garante às vítimas as indemnizações previstas pelo dano sofrido, limita os prémios dos seguros a quantias razoáveis e permite às seguradoras beneficiar de um rendimento.

25      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que o legislador nacional limitou a indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante de acidentes de viação fixando limites máximos e que este delegou no governo a tarefa de estabelecer as regras relativas ao montante e às modalidades de cálculo da indemnização pelo seguro dos danos não patrimoniais causados às pessoas. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, essas regras limitam de forma desproporcionada o direito a uma indemnização pela dita seguradora, nomeadamente através da atribuição de uma indemnização «irrisória» de 100 LVL prevista para o sofrimento psicológico causado pela morte de uma pessoa da qual a pessoa em causa é dependente.

26      Nestas circunstâncias, o Augstākās tiesas Senāts decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A indemnização por danos morais está incluída no montante da cobertura obrigatória de danos corporais (pessoais) estabelecido no artigo 3.° da [Primeira Diretiva] e [no artigo 1.°, n.° 2] da [Segunda Diretiva]?

2)      Se a resposta à primeira questão for afirmativa, o artigo 3.° da [Primeira Diretiva] e [o artigo 1.°, n.° 2,] da [Segunda Diretiva] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma norma de um Estado‑Membro que restringe a responsabilidade civil existente nesse Estado — o montante máximo de indemnização por danos não patrimoniais (morais) — estabelecendo um limite substancialmente inferior ao limite estabelecido para a responsabilidade da seguradora nas diretivas e na lei nacional?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

27      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis deve abranger a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelos próximos das vítimas que faleceram num acidente de viação.

28      Importa recordar que o objetivo da Primeira e Segunda Diretivas, como resulta dos seus preâmbulos, é, por um lado, assegurar a livre circulação tanto dos veículos automóveis com estacionamento habitual no território da União Europeia como das pessoas que neles viajam e, por outro, garantir que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos automóveis receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C‑300/10, n.° 26 e jurisprudência aí referida).

29      Por conseguinte, a Primeira Diretiva, conforme precisada e completada pela Segunda e Terceira Diretivas, impõe aos Estados‑Membros que garantam que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro, precisando, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros vítimas que esse seguro deve cobrir (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

30      Importa, porém, recordar que a obrigação de cobertura pelo seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos no âmbito da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela legislação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

31      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas, como decorre do seu objeto e da sua redação, não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros são livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos automóveis (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 29 e jurisprudência aí referida).

32      Por conseguinte, e tendo em conta, nomeadamente, o artigo 1.°, ponto 2, da Primeira Diretiva, os Estados‑Membros conservam, no atual estado do direito da União, em princípio, a liberdade de determinar, no âmbito dos seus regimes de responsabilidade civil, em particular, os danos causados por veículos automóveis que devem ser indemnizados, o alcance da indemnização desses danos e as pessoas que têm direito à referida indemnização.

33      Todavia, o Tribunal de Justiça precisou que os Estados‑Membros devem exercer as suas competências nesse domínio respeitando o direito da União e que as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos automóveis não podem privar a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas do seu efeito útil (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

34      Quanto à cobertura pelo seguro obrigatório dos danos causados por veículos automóveis que devam ser indemnizados de acordo com o direito nacional da responsabilidade civil, é verdade que o artigo 3.°, n.° 1, segundo período, da Primeira Diretiva, como refere o Governo alemão, deixava aos Estados‑Membros a possibilidade de determinar os danos cobertos e as modalidades do seguro obrigatório (v., neste sentido, acórdão de 28 de março de 1996, Ruiz Bernáldez, C‑129/94, Colet., p. I‑1829, n.° 15).

35      Todavia, foi para reduzir as discrepâncias entre as legislações dos Estados‑Membros quanto ao alcance da obrigação de seguro que o artigo 1.° da Segunda Diretiva impôs, em matéria de responsabilidade civil, uma cobertura obrigatória dos danos patrimoniais e das lesões corporais, tendo estabelecido, em relação a cada um deles, determinados montantes. O artigo 1.° da Terceira Diretiva alargou esta obrigação à cobertura dos danos resultantes de lesões corporais causadas aos outros passageiros além do condutor (acórdão Ruiz Bernáldez, já referido, n.° 16).

36      Assim sendo, os Estados‑Membros têm a obrigação de garantir que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, aplicável de acordo com o seu direito nacional, esteja coberta por um seguro conforme com as disposições da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas (acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 30 e jurisprudência aí referida).

37      Daqui decorre que a liberdade de que os Estados‑Membros dispõem para determinarem os danos cobertos assim como as modalidades do seguro obrigatório foi limitada pela Segunda e Terceira Diretivas, na medida em que estas tornaram obrigatória a cobertura de certos danos, tendo estabelecido, em relação a cada um deles, determinados montantes mínimos. Entre esses danos cuja cobertura é obrigatória figuram, nomeadamente, os danos corporais, conforme precisa o artigo 1.°, n.° 1, da Segunda Diretiva.

38      Ora, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 68 a 73 das suas conclusões e o Tribunal da EFTA julgou no acórdão de 20 de junho de 2008, Celina Nguyen/The Norwegian State (E‑8/07, EFTA Court Report, p. 224, n.os 26 e 27), há que considerar, tendo em conta as diferentes versões linguísticas dos artigos 1.°, n.° 1, da Segunda Diretiva e 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Diretiva, bem como o objetivo de proteção das três diretivas supramencionadas, que o conceito de dano corporal abrange qualquer dano, na medida em que essa indemnização esteja prevista a título de responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio, resultante da ofensa à integridade da pessoa, o que abrange tanto os sofrimentos físicos como psicológicos.

39      Com efeito, segundo jurisprudência constante, as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme à luz das versões redigidas em todas as línguas da União. Em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto do direito da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., designadamente, acórdão de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans, C‑280/04, Colet., p. I‑10683, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

40      Deste modo, uma vez que as diversas versões linguísticas do artigo 1.°, n.° 1, da Segunda Diretiva empregam, no essencial, os conceitos tanto de «danos corporais» como de «dano pessoal», há que atender à sistemática e à finalidade dessa disposição e dessa diretiva. A este respeito, há que observar, por um lado, que esses conceitos completam o de «dano material» e, por outro, recordar que as referidas disposição e diretiva visam, em particular, reforçar a proteção das vítimas. Nessas condições, há que seguir a interpretação lata dos referidos conceitos que figura no n.° 38 do presente acórdão.

41      Por conseguinte, entre os danos que devem ser indemnizados em conformidade com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas figuram os danos morais cuja indemnização é prevista a título da responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio.

42      Por um lado, no que respeita à questão de saber quais são as pessoas que podem exigir a indemnização desses danos morais, há que observar que resulta de uma leitura conjugada dos artigos 1.°, ponto 2, e 3.°, n.° 1, primeiro período, da Primeira Diretiva que a proteção que deve ser assegurada nos termos dessa diretiva é alargada a qualquer pessoa que tenha direito, nos termos do direito nacional da responsabilidade civil, à indemnização do dano causado por veículos automóveis.

43      Por outro lado, há que precisar que, como salientou o advogado‑geral no n.° 78 das suas conclusões e contrariamente ao que alega o Governo alemão, a Terceira Diretiva não restringiu o grupo de pessoas protegidas, mas, pelo contrário, tornou obrigatória a cobertura dos danos sofridos por certas pessoas consideradas particularmente vulneráveis.

44      Além disso, uma vez que o conceito de dano que figura no artigo 1.°, ponto 2, da Primeira Diretiva também não está circunscrito, nada permite considerar, contrariamente ao que sustenta o Governo estónio, que certos danos, como os danos morais, na medida em que devam ser indemnizados segundo o direito nacional da responsabilidade civil aplicável, devem ser excluídos desse conceito.

45      Nenhum elemento da Primeira, Segunda e Terceira Diretivas permite concluir que o legislador da União terá pretendido limitar a proteção assegurada por essas diretivas apenas às pessoas diretamente envolvidas no facto danoso.

46       Por conseguinte, os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que a indemnização devida, segundo o seu direito nacional da responsabilidade civil, pelo dano moral sofrido pelos membros da família mais próximos das vítimas de acidentes de viação seja coberta pelo seguro obrigatório, no valor dos montantes mínimos previstos no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

47      É o que acontece no caso, uma vez que, segundo indicações do órgão jurisdicional de reenvio, uma pessoa que se encontre na situação de V. Drozdovs tem direito, nos termos do direito da responsabilidade civil letão, à indemnização dos danos morais sofridos em consequência da morte dos seus pais.

48      Em face do exposto, há que responder à primeira questão que os artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis deve cobrir a indemnização dos danos morais sofridos pelos próximos das vítimas falecidas num acidente de viação, na medida em que essa indemnização esteja prevista a título da responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio no processo principal.

 Quanto à segunda questão

49      Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições nacionais nos termos das quais o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis apenas abrange a indemnização por danos morais devida, segundo o direito nacional de responsabilidade civil, pela morte de membros da família próximos num acidente de viação no limite de um montante máximo inferior aos fixados no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

50      Foi declarado no n.° 46 do presente acórdão que os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que a indemnização devida, segundo o seu direito nacional da responsabilidade civil, pelo dano moral sofrido pelos membros da família mais próximos das vítimas de acidentes de viação esteja coberta pelo seguro obrigatório, no valor dos montantes mínimos previstos no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

51      Há também que recordar que o Tribunal de Justiça teve a oportunidade de declarar que o n.° 2 do artigo 1.° da Segunda Diretiva se opõe a uma legislação nacional que prevê montantes máximos de garantia inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados no referido artigo (v., neste sentido, acórdão de 14 de setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C‑348/98, Colet., p. I‑6711, n.° 40, e despacho de 24 de julho de 2003, Messejana Viegas, C‑166/02, Colet., p. I‑7871, n.° 20).

52      Na medida em que a Baltikums alega que o legislador nacional pode prever, para certas categorias específicas de danos, montantes máximos de garantia inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados pelo referido artigo quando for assegurado que, para o conjunto dos danos, os montantes mínimos de garantia fixados pelo mesmo artigo são atingidos, refira‑se, por um lado, que o artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva não prevê nem autoriza uma distinção, entre os danos cobertos, diferente da existente entre danos corporais e danos materiais.

53      Por outro lado, há que recordar que foi referido no n.° 33 do presente acórdão que os Estados‑Membros devem exercer as suas competências nesse domínio respeitando o direito da União e que as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos automóveis não podem privar as três diretivas supramencionadas do seu efeito útil.

54      Ora, se fosse possível aos legisladores nacionais preverem, para cada uma das diferentes categorias específicas de danos identificados, sendo esse o caso, no direito nacional, montantes máximos de garantia inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva, os ditos montantes mínimos de garantia e, portanto, esse artigo seriam privados do seu efeito útil.

55      Além disso, resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que, contrariamente às circunstâncias que deram origem ao acórdão Marques Almeida, já referido, a regulamentação nacional em causa no processo principal não visa determinar o direito da vítima a uma indemnização no âmbito da responsabilidade civil do segurado nem o eventual alcance desse direito, mas é suscetível de limitar a cobertura pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil do segurado.

56      Com efeito, a tutora referiu e, na audiência no Tribunal de Justiça, o Governo letão confirmou que, segundo o direito letão, a responsabilidade civil do segurado, nomeadamente pelos danos morais sofridos por pessoas devido a um acidente de viação, pode exceder os montantes cobertos, segundo a regulamentação nacional controvertida, pelo seguro obrigatório.

57      Ora, nessas condições, há que constatar que a regulamentação nacional em causa no processo principal afeta a garantia, prevista no direito da União, de que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, determinada de acordo com o direito nacional aplicável, esteja coberta por um seguro conforme com a Primeira, Segunda e Terceira Diretivas (v., neste sentido, acórdão Marques Almeida, já referido, n.° 38 e jurisprudência aí referida).

58      Daqui decorre que há que responder à segunda questão que os artigos 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições nacionais nos termos das quais o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis apenas cobre a indemnização devida, segundo o direito nacional de responsabilidade civil, pelos danos morais causados pela morte de membros da família próximos num acidente de viação até ao limite de um montante máximo inferior aos fixados no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva.

 Quanto às despesas

59      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Os artigos 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis deve cobrir a indemnização dos danos morais sofridos pelos próximos das vítimas falecidas num acidente de viação, na medida em que essa indemnização esteja prevista a título da responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio no processo principal.

2)      Os artigos 3.°, n.° 1, da Diretiva 72/166 e 1.°, n.os 1 e 2, da Segunda Diretiva 84/5 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições nacionais nos termos das quais o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis apenas cobre a indemnização devida, segundo o direito nacional de responsabilidade civil, pelos danos morais causados pela morte de membros da família próximos num acidente de viação até ao limite de um montante máximo inferior aos fixados no artigo 1.°, n.° 2, da Segunda Diretiva 84/5.

Assinaturas


* Língua do processo: letão.