Language of document : ECLI:EU:T:2010:528

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

16 de Dezembro de 2010 (*)

«Marca comunitária – Pedido de marca nominativa comunitária Hallux – Motivo absoluto de recusa – Artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 207/2009]»

No processo T‑286/08,

Fidelio KG, com sede em Linz (Áustria), representada por M. Gail, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por S. Schäffner, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objecto um recurso da decisão da Quarta Câmara de Recurso do IHMI de 21 de Maio de 2008 (processo R 632/2007‑4), relativo ao registo do sinal nominativo Hallux como marca comunitária,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de Julho de 2008,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de Outubro de 2008,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de Janeiro de 2009,

após a audiência de 15 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        A recorrente, Fidelio KG, é uma empresa de direito austríaco que tem por objecto estatutário a comercialização grossista de calçado, tendo‑se especializado no sector do calçado confortável.

2        Em 19 de Julho de 2006, a recorrente, então denominada Kasperek KG, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do disposto no Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

3        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo Hallux.

4        Os produtos para os quais foi pedido o registo pertencem às classes 10, 18 e 25, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, em relação a cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        classe 10: «Artigos ortopédicos»;

–        classe 18: «Couro e imitações de couro, produtos nestas matérias (incluídos na classe 18); malas e maletas de viagem; chapéus‑de‑chuva, chapéus‑de‑sol e bengalas»;

–        classe 25: «Vestuário, calçado, chapelaria».

5        Por decisão de 28 de Fevereiro de 2007 (a seguir «decisão do examinador»), o examinador, em aplicação do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 37.° do Regulamento n.° 207/2009), indeferiu o pedido de marca para os seguintes produtos:

–        classe 10: «Artigos ortopédicos»;

–        classe 18: «Couro e imitações de couro, produtos nestas matérias (incluídos na classe 18)»;

–        classe 25: «Vestuário, calçado».

6        Em 24 de Abril de 2007, a recorrente interpôs recurso da decisão do examinador, ao abrigo dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94 (actuais artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009).

7        Por decisão de 21 de Maio de 2008 (processo R 632/2007‑4) (a seguir «decisão recorrida»), a Quarta Câmara de Recurso deu provimento a este recurso na parte em que respeitava, por um lado, ao conjunto dos produtos controvertidos da classe 18 e, por outro, ao vestuário, pertencente à classe 25. Em contrapartida, negou provimento ao recurso no que respeita aos seguintes produtos:

–        classe 10: «Artigos ortopédicos»;

–        classe 25: «Calçado».

8        Na decisão recorrida, Câmara de Recurso considerou que o termo «hallux» era uma palavra latina que significa «dedo grande do pé». Afirmava que este termo é utilizado na terminologia médica para designar diferentes deformações do pé, congénitas ou adquiridas. Uma dessas deformações, o hallux valgus, caracteriza‑se, segundo a Câmara de Recurso, por uma deformação da articulação que está na base do dedo grande do pé, causando o desvio deste último para o interior do pé. O termo «hallux» é utilizado pelo público germanófono não especializado para designar esta patologia, de longe a mais frequente (pontos 10 a 12 da decisão recorrida).

9        Ainda segundo a Câmara de Recurso, o termo «hallux» é directamente associado pelo consumidor médio germanófono aos artigos ortopédicos bem como ao calçado, uma vez que evoca o destino desses produtos, os quais são considerados como produtos que podem ser utilizados por pacientes que sofrem de hallux valgus.

10      No que respeita mais precisamente aos artigos ortopédicos, encontram‑se em venda livre, mas normalmente são adquiridos a conselho de um médico. Na consulta, o médico, que conhece os termos técnicos latinos, tem a oportunidade de explicar o sentido do termo «hallux» aos pacientes aos quais é recomendada a utilização de sapatos adaptados ao hallux valgus. Por outro lado, a Câmara de Recurso indicou, mas não tirou as respectivas consequências, que esse termo podia igualmente ser descritivo nas partes não germanófonas da União Europeia (ponto 13 da decisão recorrida).

11      Relativamente ao calçado em geral, a Câmara de Recurso considerou que o público pertinente poderia compreender o termo «hallux» como designando calçado que convém a pessoas que sofrem de hallux valgus ligeiro, que não obriga à utilização de calçado ortopédico, mas para os quais tal calçado pode ser benéfico, por ser particularmente confortável, não apertar os pés, adaptar‑se facilmente à deformação ou ter um efeito estabilizador no início desta (ponto 14 da decisão recorrida).

12      Sendo descritivo em relação a estas duas categorias de produtos, o termo «hallux», no entender da Câmara de Recurso, também não tem carácter distintivo, na medida em que o público pertinente o compreende unicamente como designando uma característica dos produtos em causa e não como uma marca indicando a origem comercial destes (ponto 17 da decisão recorrida).

 Pedidos das partes

13      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o IHMI nas despesas.

14      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

15      Na audiência, a recorrente declarou que o seu primeiro pedido apenas se destinava a obter a anulação da decisão recorrida na parte em que esta negava provimento ao seu recurso no que respeita aos artigos ortopédicos, pertencentes à classe 10, e ao calçado, pertencente à classe 25, o que foi consignado na acta da audiência.

 Questão de direito

16      Em apoio do presente recurso, a recorrente suscita dois fundamentos, relativos, respectivamente, à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009] e à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009].

 Argumentos das partes

17      No quadro do seu primeiro fundamento, a recorrente sustenta que o público pertinente não tem a possibilidade, imediatamente e sem outro tipo de reflexão, de estabelecer uma relação concreta entre o termo «hallux» e as características dos produtos em causa.

18      Em primeiro lugar, como comprova, em seu entender, um excerto de um dicionário latim‑alemão que anexou à réplica, o termo «hallux» é uma palavra latina que significa «dedo grande do pé». Por conseguinte, não designa uma características dos produtos em causa.

19      A recorrente sustenta que o calçado, mas também os artigos ortopédicos, está em venda livre e pode ser adquirido sem receita médica, pelo que, relativamente à globalidade destes produtos, o público pertinente é constituído pelo consumidor médio, normalmente informado, atento e avisado.

20      A recorrente refere a jurisprudência do Bundespatentgericht (Tribunal federal das patentes, Alemanha) segundo a qual os termos provenientes de línguas mortas se prestam geralmente a ser registados, dado que apresentam, em princípio, aos olhos do público pertinente, uma certa originalidade susceptível de lhes permitir desempenhar o papel de indicador de origem próprio da marca, a menos que descrevam directamente os produtos objecto do pedido de registo e que sejam objecto de uma utilização usual para a formação de expressões específicas de determinado domínio.

21      Ora, segundo a recorrente, o termo «hallux» não entrou no vocabulário alemão, não descreve directamente os produtos objecto do seu pedido de registo e não é utilizado como indicação técnica específica. O sentido deste termo é, assim, desconhecido da população germanófona da União, incluindo para os consumidores com conhecimentos de latim, dado que o termo em causa não pertence ao vocabulário literário geralmente estudado. O termo «hallux» não reveste, portanto, nenhum significado especial para o público pertinente, que nele vê, pelo contrário, uma denominação de fantasia, que serve de indicador da origem dos produtos em causa e preenche, dessa forma, a função de identificação reconhecida às marcas.

22      Mesmo admitindo que o sentido do termo latino «hallux» fosse conhecido, haveria que concluir que este termo não descreve directamente os produtos controvertido.

23      Além disso, a maioria do público pertinente não sofre da patologia denominada «hallux valgus» (desvio para o exterior da articulação do dedo grande do pé) e o calçado vendido normalmente no comércio não se destina especificamente ao público que sofre desta patologia. Mesmo a parte do público pertinente que conhece o termo «hallux» não entende o sinal objecto do pedido como uma descrição dos produtos em causa, uma vez que o dedo grande do pé não tem uma relação directa com o destino ou com qualquer outra característica do calçado e dos artigos ortopédicos.

24      Em segundo lugar, na opinião da recorrente, a Câmara de Recurso considerou erradamente que termo «hallux» constituía uma abreviatura conhecida dos termos «hallux valgus». Com efeito, existem outras patologias do dedo grande do pé cujo nome latino compreende o termo «hallux» (por exemplo, hallux rigidus ou hallux malleus) e não há nenhuma razão para considerar que o termo «hallux» utilizado isoladamente constitua a abreviatura de uma delas em particular. Os excertos de sítios Internet aos quais a Câmara de Recurso se referiu não demonstram o carácter usual da utilização do termo «hallux». Não demonstram que o termo «hallux» constitua a abreviatura usual dos termos «hallux valgus». Além disso, a presença, num dos sítios mencionados na decisão recorrida, da expressão «Hallux Schuhe» (sapatos Hallux), é o resultado da estratégia comercial de uma empresa e não basta para comprovar que esta expressão contém uma abreviatura usual.

25      Por outro lado, não existe calçado específico destinado a curar o hallux valgus. Em contrapartida, a utilização de qualquer tipo de sapato confortável, desprovido de determinadas características, constitui um factor de prevenção ou que impede o agravamento desta patologia. Por conseguinte, não existe calçado cujas características próprias permitam aliviar o sofrimento de uma pessoa que padece de hallux valgus. Nestas condições, a eventual ligação que o público pertinente poderia estabelecer entre o termo «hallux» e o calçado é demasiado vaga e está insuficientemente determinada para conferir a este termo carácter descritivo.

26      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a associação do termo «hallux» ao calçado destinado ao grande público faz parte de uma estratégia comercial e visa criar, quando muito, um efeito de sugestão. Ora, segundo a jurisprudência, uma marca nominativa que se limita a sugerir um destino dos produtos não é necessariamente descritiva e desprovida de carácter distintivo.

27      Para concluir que existe uma relação entre a marca requerida e a patologia denominada «hallux valgus», o consumidor médio, incluindo as pessoas que sofrem de hallux valgus, devem fazer um esforço de reflexão importante que é impossível presumir. Na verdade, existindo várias patologias do dedo grande do pé distintas, cada uma delas designada pelo termo «hallux» e na falta de informações específicas, directas e imediatas quanta a uma qualidade ou a uma características determinada dos produtos controvertidos, o público pertinente, incluindo a parte desse público que sofre de hallux valgus e que conhece o nome dessa patologia, só é susceptível de apreender o sinal cujo registo é pedido como um sinal descritivo no termo de uma análise que implica um esforço de interpretação. Ora, segundo a recorrente, subsiste uma larga margem de interpretação no estabelecimento de uma qualquer relação entre o dedo grande do pé, por um lado, e o calçado e os artigos ortopédicos, por outro.

28      Em quarto lugar, não existe um léxico técnico no qual o termo «hallux» seja empregue para designar calçado ou artigos ortopédicos.

29      Em quinto lugar, a recorrente alega que o IHMI não demonstrou que as evoluções demográficas previsíveis farão progredir o conhecimento dos termos «hallux» ou «hallux valgus» pelo grande público. A recorrente entende que o número de consumidores que desejam usar calçado confortável, embora não sofrendo de hallux valgus, é susceptível de aumentar em razão do envelhecimento da população. Ora, nada permite prever que esse público, interessado pelos produtos da recorrente, venha a conhecer a existência do hallux valgus ou, de uma maneira ou de outra, seja confrontado com o termo «hallux».

30      O IHMI contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

31      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo de marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes. Além disso, o artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento (actual artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009) estabelece que o n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade.

32      Com efeito, sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar as características dos produtos ou dos serviços para os quais o registo é pedido são, por força do Regulamento n.° 40/94, considerados inadequados, pela sua própria natureza, para preencher a função de indicador de origem da marca, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de carácter distintivo pela utilização, prevista no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009) (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2003, IHMI/Wrigley, C‑191/01 P, Colect., p. I‑12447, n.° 30).

33      Segundo jurisprudência assente, o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 prossegue um fim de interesse geral, que exige que os sinais ou indicações descritivos das características dos produtos ou serviços para os quais é pedido o registo possam ser livremente utilizados por todos [acórdão IHMI/Wrigley, referido no n.° 32 supra, n.° 31, e acórdão do Tribunal Geral de 7 de Junho de 2005, Münchener Rückversicherungs‑Gesellschaft/IHMI (MunichFinancialServices), T‑316/03, Colect., p. II‑1951, n.° 25].

34      Para que a recusa do registo seja justificada com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, não é necessário que os sinais e as indicações que compõem a marca em causa sejam efectivamente utilizados, no momento do pedido de registo, para fins descritivos de produtos ou serviços como aqueles para os quais o pedido foi apresentado ou das características desses produtos ou serviços. Basta, como resulta da própria letra desta disposição, que esses sinais ou indicações possam ser utilizados para esses fins. Deve, assim, ser recusado o registo de um sinal nominativo se, em pelo menos um dos seus significados potenciais, este designar uma característica dos produtos ou serviços em causa (acórdão IHMI/Wrigley, já referido no n.° 32 supra, n.° 32).

35      A apreciação do carácter descritivo de um sinal só pode ser feita, por um lado, em relação à compreensão que dele tem o público em causa e, por outro, em relação aos produtos ou aos serviços em causa [v. acórdão do Tribunal Geral de 9 de Junho de 2010, Hoelzer/IHMI (SAFELOAD), T‑315/09, não publicado na Colectânea, n.° 17, e jurisprudência referida].

36      Assim, o IHMI deve, por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, apreciar se uma marca cujo registo é requerido constitui actualmente, para os meios interessados, uma descrição das características dos produtos ou serviços em causa ou se é razoável considerar que tal possa ser o caso futuramente. Se, na sequência deste exame, a Câmara de Recurso chegar à conclusão de que assim é, deve, com base na dita disposição, recusar o registo da marca, (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland, C‑363/99, Colect., p. I‑1619, n.° 56).

37      Por outro lado, quando o registo de um sinal como marca comunitária seja requerido sem distinção para uma categorias de produtos no seu conjunto e esse sinal apenas seja descritivo para uma parte dos produtos pertencentes a essa categoria, o motivo de recusa do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 obsta no entanto a que esse sinal seja registado para toda a categoria em causa [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 27 de Fevereiro de 2002, Streamserve/IHMI (STREAMSERVE), T‑106/00, Colect. p. II‑723, n.° 46, e de 20 de Novembro de 2007, Tegometall International/IHMI – Wuppermann (TEK), T‑458/05, Colect. p. II‑4721, n.° 94, e jurisprudência referida].

38      É à luz das considerações precedentes que há que apreciar a procedência do primeiro fundamento suscitado pela recorrente, tanto no que respeita aos artigos ortopédicos, pertencentes à classe 10, como ao calçado, pertencente à classe 25.

–       Quanto aos artigos ortopédicos

39      A recorrente contesta a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual, no que respeita aos artigos ortopédicos, o público pertinente é composto por pessoas avisadas, ou seja, pelas pessoas que sofrem de uma malformação ou de uma deficiência do aparelho de sustentação e pelos médicos e profissionais especializados em material ortopédico (ponto 13 da decisão recorrida).

40      Segundo a recorrente, uma vez que os artigos ortopédicos estão em venda livre e que podem ser adquiridos sem receita médica, há que considerar que o público pertinente desses artigos é constituído pelo grande público.

41      Embora seja verdade que as condições de comercialização de um produto podem ter uma incidência na composição do público‑alvo, não se pode sustentar, em contrapartida, que todos os produtos comercializados em venda livre e acessíveis sem receita médica sejam dirigidos, por esse facto, ao grande público. Importa antes ter principalmente em conta a natureza dos produtos em causa e a categoria da população à qual estes se destinam.

42      A este respeito, a conclusão a que chegou a Câmara de Recurso de que o público pertinente, no que toca aos artigos ortopédicos, é constituído pelos profissionais deste sector e pelos pacientes que sofrem de malformações ou de deficiências que obrigam a uma correcção graças à utilização de tais artigos, deve ser aprovada. Daqui resulta que o nível dos conhecimentos técnicos do público pertinente deve ser considerado elevado.

43      Importa portanto examinar se, na percepção do público pertinente, o termo «hallux» pode ser compreendido como designando uma característica dos artigos ortopédicos, como é o caso do seu destino.

44      É ponto assente que certos artigos ortopédicos, que fazem parte da categoria objecto do pedido de registo, são especificamente adaptados às malformações do dedo grande do pé. Por outro lado, resulta da jurisprudência mencionada no n.° 37 supra que, para justificar uma recusa de registo com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, basta que o motivo absoluto que prevê seja aplicável a uma parte dos produtos que fazem parte da categoria para a qual o registo do sinal Hallux é requerido.

45      Na decisão recorrida, a Câmara de Recurso fez três constatações, que fundamentou remetendo para sítios Internet. Em primeiro lugar, afirma que o termo «hallux» significa «dedo grande do pé» em latim. Em segundo lugar, o mesmo termo combinado com outras palavras latinas designa malformações do pé que caracterizam várias patologias. Em terceiro lugar, o termo «hallux» é utilizado sozinho para designar a mais frequente dessas malformações, ou seja, um desvio para o exterior da articulação que está na base do dedo grande do pé, denominada «hallux valgus».

46      A recorrente, por seu turno, admite que o termo «hallux» significa «dedo grande do pé» em latim e que o termo «hallux» é combinado com outros termos para designar diferentes malformações do pé. Contesta, em contrapartida, que o termo «hallux» seja compreendido como uma abreviatura dos termos «hallux valgus» e que o sentido do termo «hallux» seja conhecido nas zonas germanófonas da União.

47      A recorrente tem razões para sustentar que a apresentação de excertos de sítios Internet não basta para demonstrar que o público pertinente está em condições de entender o termo «hallux» como uma abreviatura utilizada de maneira habitual em vez da expressão «hallux valgus», ao ponto de esse termo designar unicamente essa patologia. A utilização de um termo em sítios Internet, com efeito, não basta, segundo a recorrente, para demonstrar a frequência do seu uso, incluindo por um público especializado.

48      Todavia, a própria recorrente admite que o termo «hallux» significa «dedo grande do pé» em latim e que é utilizado, no vocabulário científico, para designar várias patologias e malformações do pé. Ora, a recorrente não apresentou nenhum elemento susceptível de pôr em dúvida a justeza do argumento avançado pela Câmara de Recurso segundo o qual o nome científico das patologias do pé é conhecido do público pertinente, isto é, não apenas dos profissionais – médicos e vendedores de artigos ortopédicos –, mas igualmente da parte dos consumidores finais que sofre de patologias do dedo grande do pé e que precisa de aparelhos ortopédicos adaptados a essas patologias. Com efeito, é perfeitamente concebível que, em geral, as pessoas que prevêem comprar artigos ortopédicos adaptados à sua patologia se tenham informado elas próprias ou tenham sido informadas do nome científico das patologias de que sofrem, ou que o sejam por ocasião da compra dos artigos ortopédicos adaptados à sua patologia. É portanto muito provável que as pessoas que sofrem de malformações do dedo grande do pé saibam que têm uma patologia cujo nome compreende o termo «hallux» e é razoável supor que a parte do público visado pelos artigos ortopédicos adaptados às malformações do dedo grande do pé que ainda não está familiarizada com o termo «hallux» seja informada do sentido deste termo por ocasião da compra desses artigos [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2010, Exalation/IHMI (Vektor‑Lycopin), T‑85/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 42 e 43, e jurisprudência referida].

49      Por conseguinte, no espírito do público visado pelos artigos ortopédicos destinados à correcção das patologias do dedo grande do pé, o termo «hallux» evocará a própria patologia. Assim, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o público pertinente visado por estes artigos está em condições, sem necessidade de efectuar um esforço de reflexão particular, de estabelecer uma relação concreta entre o termo «hallux» e o destino destes produtos.

50      Esta apreciação não é, de resto, posta em causa pelo facto, evocado pelas partes na audiência, de que nem todos os artigos ortopédicos se destinam a corrigir patologias do dedo grande do pé. Com efeito, embora o pedido de registo inclua artigos ortopédicos que se destinam ao tratamento de outras patologias e o público visado por estes últimos artigos possa, em consequência, não conhecer o sentido do termo «hallux», o qual designa uma patologia da qual não padecem, importa observar que esta parte do público não constitui o público visado pelos artigos ortopédicos destinados ao tratamento das patologias do dedo grande do pé. Ora, pelas razões indicadas nos n.os 48 e 49 supra, a Câmara de Recurso não cometeu um erro ao considerar que o termo «hallux» designava, do ponto de vista do público visado por esses produtos, uma das suas características. Por conseguinte, dado que a categoria de produtos objecto do pedido de registo compreende produtos para os quais o sinal Hallux é descritivo, este motivo basta para justificar a recusa de registo em relação ao conjunto da categoria de que estes produtos fazem parte (v., neste sentido, acórdãos STREAMSERVE, n.° 37 supra, n.° 46, e TEK, n.° 37 supra, n.° 94, e jurisprudência referida).

51      Além disso, há que salientar que a recorrente não pode utilmente invocar, em apoio do fundamento através do qual pretende demonstrar que o IHMI aplicou erradamente o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, a jurisprudência do Bundespatentgericht em matéria de registo dos sinais constituídos por uma palavra pertencente a uma língua morta. Com efeito, o IHMI exerce, em matéria de marca comunitária, uma competência vinculada que o obriga a aplicar unicamente as disposições da regulamentação comunitária pertinente, tal como interpretada pelo juiz comunitário [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITE), T‑24/00, Colect. p. II‑449, n.° 33, e jurisprudência referida, e de 3 de Dezembro de 2003, Audi/IHMI (TDI), T‑16/02, Colect. p. II‑5167, n.° 40, e jurisprudência referida].

52      Resulta do que precede que a Câmara de Recurso fez uma aplicação exacta do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 ao considerar que o motivo absoluto de recusa previsto nesta disposição se opunha ao registo do sinal Hallux para os artigos ortopédicos pertencentes à classe 10.

–       Quanto ao calçado

53      A recorrente e o IHMI concordam com a Câmara de Recurso, que indicou na decisão recorrida que, dado que o calçado é um bem de consumo corrente, o público pertinente é o grande público. Esta conclusão deve ser aprovada. Dela decorre que há que apreciar a percepção do termo «hallux» pelo consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado [acórdão do Tribunal Geral de 27 de Fevereiro de 2002, Ellos/IHMI (ELLOS), T‑219/00, Colect. p. II‑753, n.° 30; v. igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect. p. I‑3819, n.° 26].

54      Em primeiro lugar, cabe observar que a palavra «hallux», embora conste dos dicionários, pertence a uma língua morta cujo estudo não é corrente. Além disso, como assinala a recorrente, este termo não pertence ao vocabulário literário que é o que se encontra com mais frequência no estudo do latim. Por outro lado, não se pode presumir que o nome científico de diferentes malformações do dedo grande do pé seja conhecido do grande público. A este respeito, a Câmara de Recurso limitou‑se a remeter para excertos de sítios Internet. Ora, tais elementos de prova não são suficientes para provar a frequência da utilização de um termo técnico e, consequentemente, o conhecimentos desse termo pelo grande público (v. n.° 47 supra). Com efeito, o Tribunal Geral já declarou que não era suficiente demonstrar que a utilização de um termo técnico é comprovada em dicionários especializados para dar como adquirido que esse termo é conhecido do público pertinente, quando este é constituído pelo consumidor médio [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 12 de Março de 2008, Compagnie générale de diététique/IHMI (GARUM), T‑341/06, não publicado na Colectânea, n.° 39].

55      Em segundo lugar, porém, há que observar que, na categoria do calçado em geral, podemos distinguir a subcategoria do calçado de conforto. A este respeito, o Tribunal constata de resto que a recorrente alegou nos seus articulados e na audiência que comercializava calçado de conforto. Esta subcategoria particular de calçado, como sustenta a recorrente nos seus articulados (v. n.° 25 supra), embora não seja especificamente destinada a pacientes que sofrem de hallux valgus, é‑lhes no entanto indicada e limita a evolução da respectiva patologia.

56      Ora, cabe aqui observar que o público visado por esta subcategoria especial de calçado coincide, em parte, com o público visado pelos artigos ortopédicos adaptados às patologias do dedo grande do pé, que ficou demonstrado que conhecia o sentido do termo «hallux» ou que era provável que dele fosse informado (v. n.° 48 supra). Além disso, como sustenta o IHMI, o público visado pelo calçado de conforto compreende igualmente pessoas que, embora não precisem de usar artigos ortopédicos, padecem directamente de patologias do pé ou estão sensibilizadas para estas questões e são susceptíveis de fazer prova neste domínio de uma atenção particular. Ora, embora seja verdade que o calçado de conforto pode ser comprado sem receita médica, os vendedores de tal calçado podem dar explicações e conselhos às pessoas que sofrem de patologias do dedo grande do pé e, em particular, informá‑las do nome das patologias às quais o calçado de conforto se adapta. Nestas condições, deve considerar‑se que os consumidores de calçado de conforto que seria comercializado sob a marca Hallux entenderiam este sinal como uma indicação de que os produtos em causa são especialmente indicados para as pessoas que sofrem de patologias do dedo grande do pé.

57      Foi portanto acertadamente que, pelo menos para a subcategoria do calçado de conforto, a Câmara de Recurso considerou que o sinal «hallux» descrevia o destino dos produtos objecto do pedido de registo. Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou correctamente que o sinal em causa não podia ser registado para o conjunto da categoria (v., neste sentido, acórdãos STREAMSERVE, n.° 37 supra, n.° 46, e TEK, n.° 37 supra, n.° 94, e jurisprudência referida).

58      Resulta do que precede que a Câmara de Recurso fez uma aplicação exacta do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 ao considerar que o motivo absoluto de recusa previsto nesta disposição se opunha ao registo do sinal Hallux para calçado pertencente à classe 25.

59      Por conseguinte, o primeiro fundamento do recurso deve ser rejeitado no que respeita à totalidade dos produtos controvertidos.

60      Decorre do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, que basta que se aplique um dos motivos absolutos de recusa enunciados nessa disposição para que um sinal não possa ser registado como marca comunitária [v. acórdão do Tribunal Geral de 26 de Outubro de 2000, Community Concepts/IHMI (Investorworld), T‑360/99, Colect. p. II‑3545, n.° 26, e jurisprudência referida].

61      Daqui resulta, por um lado, que foi acertadamente que a Câmara de Recurso considerou que o sinal Hallux não podia ser registado como marca comunitária no que respeita à totalidade dos produtos controvertidos e, por outro, que o pedido da recorrente com vista à anulação parcial da decisão recorrida deve ser indeferido, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o segundo fundamento de recurso.

 Quanto às despesas

62      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, conforme requerido pelo IHMI.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Fidelio KG é condenada nas despesas.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Dezembro de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.