Language of document : ECLI:EU:T:2001:53

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

14 de Fevereiro de 2001 (1)

«Concorrência - Distribuição automóvel - Rejeição de uma denúncia - Recurso de anulação»

No processo T-62/99,

Société de distribution de mécaniques et d'automobiles (Sodima), em liquidação judicial, estabelecida em Istres (França), representada por D. Rafoni, liquidatário, representada no presente processo por J.-C. Fourgoux, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, inicialmente representada por G. Marenco e L. Guérin e depois por G. Marenco e F. Siredey-Garnier, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 5 de Janeiro de 1999 que rejeita uma denúncia da recorrente baseada no artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, A. Potocki e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Setembro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto e tramitação processual

1.
    A recorrente, a Société de distribution de mécaniques et d'automobiles (Sodima), exerceu desde 1984 a actividade de concessionária de automóveis da marca Peugeot. Em 17 de Dezembro de 1992, fez entrega de uma declaração de cessação de pagamentos. O contrato de concessão foi revogado pela Automobiles Peugeot SA, construtor dos veículos das marcas Peugeot e Citroën (PSA), em 23 de Julho de 1993. Em 24 de Julho de 1996, a recorrente foi colocada em situação de liquidação judicial.

2.
    Em 1 de Julho de 1994, a recorrente fez entrega, na Comissão, de uma denúncia contra a PSA ao abrigo do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). Alegou que o contrato de concessão que tinha celebrado era incompatível, tanto na sua redacção como na sua execução, com o artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) e com o Regulamento CEE n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 08 F2 p. 150). A recorrente pedia ainda à Comissão a retirada do benefício da isenção por categoria, em conformidade com os artigos 10.° do Regulamento n.° 123/85 e 8.° do Regulamento n.° 17, bem como a adopção de medidas provisórias.

3.
    Em 5 de Agosto de 1994, a Comissão comunicou à PSA, a fim de que esta tomasse posição, a denúncia da Sodima, acompanhada dos documentos justificativos que lhe estavam anexados. Em 26 de Outubro de 1994, a Comissão, que recebera várias outras denúncias relativas ao sistema de distribuição da PSA, formulou a esta empresa um pedido de informações ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

4.
    Tendo a PSA solicitado a comunicação da totalidade dos documentos apresentados pela Sodima, a Comissão perguntou à recorrente se esta tinha objecções, relativas ao segredo dos negócios, a essa comunicação. A recorrente deu o seu acordo, opondo-se simultaneamente a que esses documentos fossem comunicados a terceiros ou utilizados noutros processos instruídos pelos serviços da Comissão.

5.
    Por cartas de 13 de Dezembro de 1994 e 16 de Janeiro de 1995, e seguidamente por correspondência de 23 de Janeiro e 7 de Fevereiro de 1995, a recorrente pediu à Comissão, sem obter resposta, que lhe comunicasse o pedido de informações dirigido à PSA e as observações da PSA sobre a sua denúncia.

6.
    Em 15 de Fevereiro de 1995, a PSA respondeu ao pedido de informações da Comissão, opondo-se simultaneamente à comunicação das suas respostas aos denunciantes, para isso invocando o segredo de negócios. Em 23 de Fevereiro de 1995, a PSA dirigiu à Comissão um documento em que tomava posição sobre a denúncia da recorrente.

7.
    Por carta de 1 de Março de 1995, a recorrente recordou que tinha solicitado, sem obter resposta, a comunicação das observações da PSA sobre a sua denúncia e solicitou à Comissão que desse um tratamento rápido ao processo.

8.
    Após ter, em 14 de Março de 1995, notificado a Comissão, nos termos do artigo 175.° do Tratado (actual artigo 232.° CE), para tomar posição sobre os seus pedidos, a recorrente interpôs, em 10 de Outubro de 1995, um recurso registado sob o número T-190/95 e destinado, em primeiro lugar, à constatação de uma omissão da Comissão, em segundo lugar à anulação de uma alegada decisão implícita que recusou comunicar à recorrente elementos do processo, em terceiro lugar à anulação de uma alegada decisão implícita de junção da denúncia da recorrente a outras denúncias e, em quarto lugar, à reparação de um prejuízo. Tendo a Comissão suscitado uma questão prévia de inadmissibilidade, assente na extemporaneidade do recurso, a recorrente notificou a Comissão, por carta de 4 de Janeiro de 1996, de que devia dirigir à PSA uma comunicação das acusações. Em 27 de Março de 1996, a recorrente interpôs um recurso, registado sob o número T-45/96, cujas conclusões eram idênticas às apresentadas no processo T-190/95.

9.
    Por carta de 12 de Setembro de 1995, a Comissão deu início a um processo contraditório, nos termos dos princípios enunciados a este respeito pelo acórdãodo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO/Comissão (53/85, Colect., p. 1965), e tal como previsto no artigo 5.° da Decisão 94/810/CECA, CE da Comissão, de 12 de Dezembro de 1994, relativa ao mandato dos conselheiros auditores no âmbito dos processos de concorrência que correm perante a Comissão (JO L 330, p. 67), contra a PSA, com vista a comunicar às denunciantes as suas respostas ao pedido de informações, com excepção das informações abrangidas pelo segredo de negócios. Este processo deu lugar a um recurso da PSA para o Tribunal de Primeira Instância, o qual foi rejeitado por despacho do mesmo Tribunal de 2 de Maio de 1997, Peugeot/Comissão (T-90/96, Colect., p. II-663).

10.
    Em 27 de Janeiro de 1997, a Comissão dirigiu à recorrente uma comunicação, ao abrigo do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268, EE 8 F1, p. 62), na qual anunciava a sua intenção de rejeitar a denúncia. Em anexo a esta carta, a Comissão transmitiu à recorrente extractos, relativamente aos quais não fora solicitada a protecção do segredo de negócios, da resposta da PSA ao pedido de informações. Em 13 de Março de 1997, a recorrente respondeu que não estava em condições de apresentar validamente as suas observações em razão de a comunicação do processo ter sido apenas parcial.

11.
    Em 10 de Fevereiro de 1998, a Comissão completou a sua comunicação a título do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, fornecendo à Sodima os documentos em litígio relativos às respostas da PSA de 15 de Fevereiro de 1995. A recorrente respondeu em 14 de Abril de 1998.

12.
    Por decisão de 5 de Janeiro de 1999, a Comissão rejeitou a denúncia (a seguir «decisão impugnada»). Em 5 de Fevereiro de 1999, o advogado da recorrente solicitou o acesso ao processo, em razão de uma «aparente anomalia no texto da decisão». Por telecópia de 15 de Fevereiro de 1999, a Comissão pediu-lhe que precisasse essa anomalia, a fim de poder dar uma resposta útil ao seu pedido. Em 16 de Fevereiro de 1999, o advogado da recorrente remeteu uma nova carta, na qual interroga a Comissão sobre a questão de saber se a sua reacção ao pedido de acesso ao processo devia ser considerada uma recusa. Por telecópia de 17 de Fevereiro de 1999, a Comissão indicou que a sua telecópia «de 16 de Fevereiro de 1999» (que, na realidade, era de 15 de Fevereiro) não constituía uma recusa ao pedido de acesso ao processo, apenas se destinando a pôr a Comissão em condições de dar seguimento a esse pedido.

13.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Março de 1999, a recorrente interpôs o presente recurso.

14.
    Por carta de 25 de Março de 1999, a recorrente solicitou a apensação do presente processo aos processos apensos T-190/95 e T-45/96. Uma vez que a audiência relativa a estes processos tivera lugar em 2 de Março de 1999 e que os processosestavam em condições de ser julgados, o Tribunal decidiu não deferir a apensação solicitada.

15.
    Por decisão do Tribunal de 6 de Julho de 1999, o juiz-relator foi afectado à Segunda Secção, à qual, por conseguinte, o processo foi atribuído.

16.
    Por acórdão da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1999, os recursos nos processos apensos T-190/95 e T-45/96 foram rejeitados. O recurso interposto pela recorrente contra este acórdão foi rejeitado por despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2000, Sodima/Comissão (C-44/00 P, ainda não publicado na Colectânea).

17.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. As alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal foram ouvidas na audiência de 20 de Setembro de 2000.

Pedidos das partes

18.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    constatar que ela se reserva o direito de interpor um recurso contra a Comissão com fundamento no artigo 215.° do Tratado CE (actual artigo 288.° CE);

-    condenar a Comissão nas despesas.

19.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar inadmissível o pedido destinado a que o Tribunal constate que a recorrente se reserva o direito de interpor um recurso com fundamento no artigo 215.° do Tratado CE;

-    julgar o recurso improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao pedido de desentranhamento de um documento

Argumentos das partes

20.
    A Comissão solicitou ao Tribunal que mandasse desentranhar dos autos um documento produzido pela recorrente e que a Comissão transmitira ao Tribunalnos processos que deram lugar ao acórdão de 13 de Dezembro de 1999, SGA/Comissão (T-189/95, T-39/96 e T-123/96, Colect., p. II-3587). Argumenta que este documento, que consiste numa nota interna redigida por um colaborador da direcção-geral «Concorrência» que contém determinadas apreciações relativas aos elementos de prova produzidos pela empresa SGA em anexo à sua denúncia, fora junto, por erro, às respostas da Comissão às perguntas escritas feitas pelo Tribunal no processo em causa. A Comissão invoca a decisão do presidente da Primeira Secção do Tribunal de retirar tal documento do processo em que foi proferido o acórdão SGA/Comissão, já referido, e considera que razões idênticas às que justificaram tal decisão se opõem à utilização do documento em litígio no presente processo.

21.
    A recorrente alega que a produção do documento em litígio é legítima. Segundo ela, tal documento foi notificado à sociedade SGA, que mantém laços estreitos com a recorrente, uma vez que foi criada, aquando da revogação do contrato de concessão que ligou a recorrente à PSA, para permitir a continuação das suas actividades enquanto mandatária no sector automóvel. É pois normal que o gerente da recorrente, que era simultaneamente gerente da sociedade SGA, tenha tido conhecimento desse documento e o utilize no presente processo. A recorrente contesta, além disso, o facto de a produção desse documento resultar de um erro da Comissão. Considera que o desentranhamento desse documento do processo em que foi proferido o acórdão SGA/Comissão, referido no n.° 20 supra, não se opõe à sua produção no presente processo, uma vez que a decisão de desentranhamento é posterior à produção do documento litigioso no presente processo e que o documento foi debatido publicamente na audiência verificada no processo SGA.

Apreciação do Tribunal

22.
    O documento cujo desentranhamento a Comissão requer é um documento interno destinado a preparar a decisão das instâncias competentes no seio dessa instituição. No interesse de uma boa administração, os serviços encarregados desse trabalho preparatório devem poder exprimir-se livremente em tais documentos, sem terem de temer que as suas tomadas de posição preliminares sejam divulgadas às partes interessadas ou ao público.

23.
    É por esta razão que o artigo 13.°, n.° 1, última frase, do Regulamento (CE) n.° 2842/98 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1998, relativo às audições dos interessados directos em certos processos, nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (JO L 354, p. 18), dispõe: «A Comissão tomará as medidas adequadas para a consulta do processo, tendo em devida conta a necessidade de protecção dos segredos comerciais, dos documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais.» Pelas mesmas razões, o Código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos da Comissão e do Conselho, anexo à Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom da Comissão, de 8 de Fevereiro de 1994, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58), prevê a possibilidade de as instituições recusarem o acesso a qualquer documento com ofim de garantir a protecção do interesse da instituição no que respeita ao sigilo das suas deliberações.

24.
    No caso vertente, a Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância indicou, no seu acórdão SGA/Comissão, referido no n.° 20 supra, que tinha adquirido a convicção, face ao conjunto das reacções dos representantes da Comissão na audiência, que o documento litigioso tinha efectivamente sido produzido por erro. Na sua decisão de rejeição do recurso interposto contra este acórdão (despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2000, SGA/Comissão, C-39/00 P, ainda não publicado na Colectânea), o Tribunal de Justiça declarou que fora correctamente que a    Secção decidira, nessas circunstâncias, o desentranhamento desse documento do processo. No presente processo, a recorrente não aduziu qualquer elemento susceptível de levar a Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância a uma apreciação diferente.

25.
    Nestas condições, a recorrente não pode beneficiar, no presente processo, do erro cometido pela Comissão no processo que deu lugar ao acórdão SGA/Comissão, referido no n.° 20 supra, aproveitando-se do documento excluído dos autos neste último processo. Os fundamentos utilizados para excluir o documento do processo SGA, consistentes na sua natureza de documento preparatório interno e no erro da Comissão, são também válidos no caso presente. O facto de o documento ter sido produzido, no presente processo, antes de o Tribunal de Primeira Instância ter decidido desentranhá-lo do processo que deu lugar ao acórdão SGA/Comissão, referido no n.° 20 supra, não tem qualquer incidência sobre estes fundamentos.

26.
    Em consequência, há que deferir o pedido da Comissão e desentranhar dos autos o documento produzido pela recorrente como anexo 57 à sua petição.

Quanto à admissibilidade

27.
    A Comissão considera inadmissível o pedido destinado a que o Tribunal constate que a recorrente se reserva o direito de intentar uma acção de indemnização contra a Comissão. A recorrente considera este pedido admissível.

28.
    O Tribunal verifica que o contencioso comunitário não conhece qualquer via de recurso que permita ao juiz «constatar» que uma parte se reserva o direito de intentar uma acção ou interpor um recurso. Este pedido é, portanto, inadmissível.

Quanto ao mérito

29.
    A recorrente invoca, em substância, sete fundamentos.

Quantos aos primeiro, segundo e sexto fundamentos

30.
    Há que examinar conjuntamente os primeiro, segundo e sexto fundamentos, nos quais a recorrente alega, em substância, que a Comissão não cumpriu as suas obrigações relativas ao tratamento da denúncia.

Argumentos das partes

31.
    O primeiro fundamento articula-se, em substância, em três aspectos. Pelo primeiro, a recorrente alega que a Comissão violou as suas obrigações atinentes ao seu papel de «polícia da concorrência», que decorre do artigo 3.°, alínea g), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.°, alínea g), CE], do artigo 89.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 85.° CE), do artigo 155.° do Tratado CE (actual artigo 211.° CE) e do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Pelo segundo aspecto deste fundamento, a recorrente argumenta que o reenvio da denúncia aos órgãos jurisdicionais nacionais é inapropriado, dado que a Comissão está investida de uma competência exclusiva em matéria de retirada de uma isenção por categoria. Pelo terceiro aspecto do fundamento, a recorrente censura a Comissão por ter violado a obrigação de proceder a um exame cuidadoso e objectivo da denúncia e por ter ignorado o alcance da sua denúncia e dos numerosos documentos em que esta assentava.

32.
    Pelo seu segundo fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada não está suficientemente fundamentada.

33.
    Pelo seu sexto fundamento, a recorrente invoca um erro manifesto de apreciação do interesse comunitário. Sublinha a gravidade das infracções alegadas, nomeadamente as relativas à compartimentação dos mercados e à prática de preços impostos seguida pelo construtor. Considera que a Comissão não pode invocar a adopção do Regulamento (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO L 145, p. 25), para justificar a rejeição da denúncia. Mesmo que tal regulamento tenha podido levar os construtores a modificar, quanto ao futuro, as suas cláusulas e práticas, o artigo 85.° do Tratado é aplicável aos acordos entre empresas cuja vigência tenha cessado mas cujos efeitos prossigam para além da sua extinção formal. Segundo a recorrente, é esse o caso do seu contrato de concessão, que se encontra paralisado em razão da sua revogação. Recorda que a Comissão deve apreciar a gravidade e a persistência dos efeitos de uma infracção quando toma uma decisão sobre uma denúncia.

34.
    A recorrente acrescenta que a Comissão estava na posse de vários elementos de prova, que lhe tinham sido enviados de várias origens, demonstrando a natureza sistemática das práticas do construtor em matéria de compartimentação dos mercados. Acusa a Comissão de ter procedido à «compartimentação» dos processos e de não ter tido em conta o conjunto dos elementos de prova. Por esta acusação, a recorrente alega, em substância, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação dos elementos de prova e do interesse comunitário em darprossecução à sua denúncia, por a ter examinado de modo isolado e sem ter em conta as numerosas outras denúncias contra a PSA que lhe tinham sido apresentadas.

Apreciação do Tribunal

35.
    As obrigações da Comissão, quando lhe é apresentada uma queixa, foram definidas por uma jurisprudência constante (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1999, Ufex e o./Comissão, C-119/97 P, Colect., p. I-1341, n.os 86 e segs.).

36.
    Resulta, nomeadamente, desta jurisprudência que a Comissão, quando decide atribuir graus de prioridade diferentes às denúncias que lhe são apresentadas, pode não apenas adoptar a ordem pela qual as denúncias serão examinadas mas ainda rejeitar uma denúncia por falta de interesse comunitário suficiente para a prossecução da análise do processo, salvo quando o objecto da denúncia se inclui nas suas competências exclusivas (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995, Tremblay e o./Comissão, T-5/93, Colect., p. II-185, n.os 59 e 60).

37.
    A este respeito, há que realçar que a recorrente, na sua denúncia de 1 de Julho de 1994, solicitou, por um lado, que a Comissão declarasse que o contrato de concessão Peugeot não correspondia às condições de isenção estabelecidas pelo Regulamento n.° 123/85 e, por outro, que ela fizesse aplicação das disposições do artigo 10.° do regulamento e retirasse o benefício da isenção por categoria a este acordo. Solicitou ainda a revogação da isenção com efeito retroactivo, de acordo com o artigo 8.° do Regulamento n.° 17.

38.
    A Comissão não dispõe de competência exclusiva para declarar que um contrato de concessão não corresponde às condições da isenção por categoria fixadas no Regulamento n.° 123/85 e, portanto, que esse regulamento não é aplicável ao referido contrato. É certo que as coisas se passam diferentemente no que respeita à competência para retirar o benefício dessa isenção por categoria, de acordo com o artigo 10.° do Regulamento n.° 123/85. No entanto, esta disposição não prevê uma retirada retroactiva do benefício da isenção por categoria. O mesmo se passa com o artigo 8.° do Regulamento n.° 1475/95, regulamento que substituiu, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1995, o Regulamento n.° 123/85. Quanto ao artigo 8.° do Regulamento n.° 17, que permite, em certas condições, a retirada retroactiva de uma isenção, há que acrescentar que ele não se aplica à retirada das isenções por categoria, mas sim à das isenções individuais.

39.
    Ora, a retirada da isenção por categoria com efeitos para o futuro não proporcionaria qualquer benefício à recorrente, cujo contrato de concessão com a PSA foi revogado em Julho de 1993. Assim, a recorrente não pode invocar uminteresse legítimo, a título do artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 17, em pedir a retirada da isenção.

40.
    Nestas condições, a tese da recorrente de que a Comissão estava, no caso vertente, investida de uma competência exclusiva para tratar a sua denúncia não tem fundamento.

41.
    Em consequência, a Comissão dispunha, no caso vertente, de um poder discricionário que lhe permitia rejeitar a denúncia da recorrente por falta de suficiente interesse comunitário.

42.
    Este poder não é, no entanto, ilimitado. A Comissão está, assim, sujeita a uma obrigação de fundamentação quando recusa prosseguir o exame de uma denúncia, devendo essa fundamentação ser suficientemente precisa e detalhada para colocar o Tribunal em condições de exercer um controlo efectivo sobre o exercício pela Comissão do seu poder discricionário de definição das prioridades (v. o acórdão Ufex e o./Comissão, já referido no n.° 35 supra, n.os 89 a 95). Este controlo não deve levar o Tribunal a substituir a apreciação do interesse comunitário da Comissão pela sua própria apreciação, antes se destinando a verificar que a decisão em litígio não se baseia em factos materialmente inexactos e não está ferida de qualquer erro de direito ou de qualquer erro manifesto de apreciação, nem de desvio de poder (v. os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90, Colect., p. II-2223, n.° 80, e de 13 de Dezembro de 1999, Européenne automobile/Comissão, T-9/96 e T-211/96, Colect., p. II-3639, n.° 29).

43.
    A decisão impugnada não revela que estes princípios tenham sido violados pela Comissão. Resulta, com efeito, desta decisão que a Comissão examinou atentamente os elementos referidos pela recorrente.

44.
    O facto de a decisão impugnada não tomar explicitamente posição sobre os numerosos documentos produzidos pela recorrente não é susceptível de infirmar esta apreciação. Com efeito, a Comissão não está obrigada, na fundamentação das suas decisões, a tomar posição sobre todos os argumentos que os interessados invocam em apoio do seu pedido, sendo suficiente que exponha os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T-387/94, Colect., p. II-961, n.° 104).

45.
    Há, seguidamente, que declarar que a decisão impugnada expõe claramente as considerações de direito e de facto que levaram a Comissão a concluir pela inexistência de um interesse comunitário suficiente. Por conseguinte, o segundo fundamento, assente na violação do dever de fundamentação, é improcedente.

46.
    No que respeita à apreciação do interesse comunitário em instruir a denúncia, compete, nomeadamente, ao Tribunal verificar se resulta da decisão que a Comissão ponderou a importância do prejuízo que a infracção alegada é susceptível de causar ao funcionamento do mercado comum, a probabilidade de poder provar a sua existência e a extensão das medidas de instrução necessárias para cumprir, nas melhores condições, a sua missão de zelar pelo respeito dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE) (v. os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Automec/Comissão, referido no n.° 42 supra, n.° 86, Tremblay e o./Comissão, referido no n.° 36 supra, n.° 62, e de 21 de Janeiro de 1999, Riviera auto services e o./Comissão, T-185/96, T-189/96 e T-190/96, Colect., p. II-93, n.° 46).

47.
    A este respeito, a Comissão não pode, quando adopta ordens de prioridade no tratamento das denúncias submetidas à sua apreciação, considerar excluídas a priori do seu campo de acção certas situações que fazem parte da missão que lhe é confiada pelo Tratado. A Comissão é, nomeadamente, obrigada a apreciar em cada caso a gravidade dos pretensos atentados à concorrência (v. o acórdão Ufex e o./Comissão, referido no n.° 35 supra, n.os 92 e 93).

48.
    A decisão impugnada não revela que a Comissão tenha violado, no caso vertente, a gravidade das infracções alegadas relativamente às cláusulas do contrato de concessão e às práticas relacionadas com a sua aplicação.

49.
    Para poder determinar, no caso vertente, se existia uma infracção às regras da concorrência, a Comissão deveria ter investigado elementos de prova suplementares, o que, com toda a probabilidade, teria exigido medidas de instrução a título dos artigos 11.° e seguintes do Regulamento n.° 17 e, mais especialmente, diligências de instrução a título do artigo 14.°, n.° 3, desse regulamento. A apreciação da Comissão de que as investigações necessárias para que, no caso, ela pudesse pronunciar-se sobre a existência das infracções alegadas pela recorrente implicariam a utilização de meios importantes não parece, portanto, manifestamente errónea.

50.
    Além disso, é legítimo que a Comissão tenha em conta, na apreciação do interesse comunitário em instruir uma denúncia, a necessidade de clarificar a situação jurídica relativa ao comportamento referido na denúncia e que defina os direitos e obrigações, à luz do direito comunitário da concorrência, dos diferentes operadores económicos afectados por esse comportamento (v. o acórdão Européenne automobile/Comissão, referido no n.° 42 supra, n.° 46).

51.
    A este respeito, a Comissão podia legitimamente reportar-se ao Regulamento n.° 1475/95 para considerar que uma decisão sobre a denúncia da recorrente não era necessária para dar aos órgãos jurisdicionais e às autoridades nacionais indicações sobre o tratamento de outros processos relativos à distribuição automóvel.

52.
    Há que acrescentar que o interesse comunitário em instruir uma denúncia não desaparece necessariamente com o termo das práticas denunciadas (v. o acórdão Ufex/Comissão, referido no n.° 35 supra, n.os 92 e segs.). Compete nomeadamente à Comissão verificar se os efeitos anticoncorrenciais de uma tal prática persistem e se a gravidade das alegadas violações à concorrência ou a persistência dos seus efeitos são susceptíveis de conferir a essa denúncia um interesse comunitário.

53.
    No caso vertente, a Comissão não alegou, no entanto, que a instrução da denúncia já não tinha interesse pelo facto de as alegadas infracções se situarem no passado. Ela invocou a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para se pronunciarem sobre a existência e sobre as eventuais consequências, em termos de perdas e danos, das infracções alegadas.

54.
    Ora, a recorrente não demonstrou que os órgãos jurisdicionais nacionais não estavam em condições de garantir a salvaguarda dos direitos que ela extrai dos artigos 81.° CE e 82.° CE.

55.
    Quanto à acusação de «compartimentação» dos processos relativos às diferentes denúncias dirigidas contra a PSA e os seus concessionários, há que realçar que, quando se trata de apreciar o interesse comunitário em instruir uma denúncia, a Comissão não deve examiná-la isoladamente, mas sim no contexto geral da situação do mercado em causa. A existência de numerosas denúncias atribuindo comportamentos similares aos mesmos operadores económicos faz parte dos elementos que a Comissão deve ter em conta aquando da sua apreciação do interesse comunitário.

56.
    Do mesmo modo, quando a Comissão aprecia a probabilidade de poder provar a existência de uma infracção e a amplitude das medidas de instrução necessárias para esse fim, ela deve ter em conta todos os elementos de prova em sua posse, não podendo limitar-se a avaliar separadamente os indícios apresentados por cada denunciante para concluir que cada uma das denúncias, tomada isoladamente, não está fundamentada em elementos de prova suficientes.

57.
    A Comissão não está, no entanto, obrigada a «apensar» os processos de exame de diferentes denúncias relativas ao comportamento da mesma empresa, uma vez que a condução de uma instrução está abrangida pelo poder de apreciação da instituição. Em especial, a existência de numerosas denúncias de operadores pertencentes a diferentes categorias, tal como, no contexto do presente processo, revendedores independentes, intermediários mandatados e concessionários, não pode opor-se à rejeição das denúncias que, com base nos indícios de que a Comissão dispõe, se mostram desprovidas de fundamento ou de interesse comunitário. Em consequência, o facto de ter tratado separadamente as diferentes denúncias não pode ser considerado, em si, irregular (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1997, Florimex e VGB/Comissão, T-70/92 e T-71/92, Colect., p. II-693, n.os 89 a 95).

58.
    Nestas condições, não parece que a Comissão tenha violado a sua obrigação de examinar o interesse comunitário em prosseguir a instrução contra a PSA no contexto mais geral do comportamento da PSA no mercado comunitário do automóvel.

59.
    Resulta do que precede que os primeiro e sexto fundamentos também não são procedentes.

Quanto ao terceiro fundamento, assente na violação do princípio do contraditório

Argumentos das partes

60.
    Este fundamento divide-se em três aspectos. Pelo primeiro, a recorrente acusa a Comissão de ter recusado comunicar-lhe, apesar dos seus pedidos, as perguntas feitas à PSA com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Sublinha o seu interesse em conhecer tais perguntas mesmo antes de conhecer as respostas do construtor e invoca o princípio da igualdade de armas. Na réplica, critica, além disso, o facto de a resposta da PSA ao pedido de informações, datada de 15 de Fevereiro de 1995, lhe ter sido transmitida somente em 10 de Fevereiro de 1998.

61.
    Pelo segundo aspecto deste fundamento, a recorrente alega que não obteve acesso ao processo, apesar de o ter solicitado na sequência da decisão impugnada. Considera que não estava obrigada a fornecer à Comissão as precisões que esta solicitou na sequência do pedido.

62.
    Pelo terceiro aspecto deste fundamento, suscitado na réplica, a recorrente queixa-se de que as observações da PSA sobre a sua denúncia, para as quais a PSA não solicitou um tratamento confidencial, só lhe tenham sido transmitidas em anexo à contestação da Comissão. Sublinha que tinha interesse em responder a esse documento e suspeita que ele tenha sido intencionalmente dissimulado pela Comissão.

63.
    A Comissão considera que a recorrente não pode invocar o princípio do contraditório nem o da igualdade de armas, uma vez que os litigantes têm apenas um acesso limitado ao processo, o qual foi respeitado no caso vertente.

Apreciação do Tribunal

64.
    Pelo presente fundamento, a recorrente invoca, em substância, a violação dos seus direitos processuais decorrentes dos artigos 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e 6.° do Regulamento n.° 99/63, que lhe conferem, entre outros, o direito de ser ouvida pela Comissão.

65.
    No que respeita ao primeiro aspecto do fundamento, a comunicação das respostas da PSA às perguntas feitas pela Comissão parece suficiente para permitir àrecorrente conhecer o conteúdo das perguntas e para poder apresentar observações a respeito delas. Ora, a recorrente reconhece que obteve estas respostas em anexo à comunicação complementar, datada de 10 de Fevereiro de 1998, a título do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63. Ela podia, pois, invocar o seu ponto de vista sobre este documento antes da adopção da decisão impugnada. Nestas condições, nem o facto de a recorrente não ter obtido uma comunicação separada das perguntas feitas à PSA nem o facto de não ter recebido a resposta da PSA imediatamente após o termo do processo contraditório a título da Decisão 94/810 podem afectar a validade da decisão impugnada.

66.
    A acusação assente na recusa oposta à recorrente de lhe dar acesso ao processo posteriormente à decisão impugnada assenta numa base factual insuficiente. Com efeito, as duas telecópias da Comissão de 15 e 17 de Fevereiro de 1999 limitam-se a solicitar precisões, não recusando o acesso ao processo. Também não podem ser interpretadas no sentido de que a Comissão subordinou o acesso ao processo a uma resposta da recorrente ao seu pedido de precisões.

67.
    O terceiro aspecto do fundamento foi suscitado na réplica. A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, é proibida a dedução de novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No caso vertente, a produção das observações da PSA como anexo à contestação da Comissão não pode ser qualificada de elemento novo susceptível de justificar a apresentação de um novo aspecto do fundamento. Com efeito, contrariamente ao que a recorrente presume, a Comissão nunca lhe dissimulou a existência deste documento. Ele foi até mencionado na comunicação a título do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, datada de 27 de Janeiro de 1997.

68.
    O presente aspecto do fundamento deve ser julgado inadmissível na medida em que não pode ser considerado como a ampliação de um fundamento anteriormente enunciado, directa ou implicitamente, na petição introdutiva da instância, com ele estreitamente relacionada.

69.
    Além disso, nas circunstâncias do presente processo, não há que examinar oficiosamente este fundamento.

70.
    Em consequência, os três aspectos do terceiro fundamento devem ser afastados.

Quanto ao quarto fundamento, assente em erros manifestos relativos à compartimentação dos mercados e na manipulação de um elemento de prova

Argumentos das partes

71.
    A recorrente argumenta que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação dos elementos de prova que ela lhe forneceu relativamente à compartimentação dos mercados pela PSA.

72.
    Para afastar a acusação assente nos obstáculos às importações paralelas e às vendas transfronteiriças entre concessionários, a Comissão referiu-se a «documentos», isto é, a vários documentos, quando se limitou a citar um único, emanado da empresa Peugeot Meiser, de Bruxelas. Segundo a recorrente, isto pode significar quer que foi privada do conhecimento de outros documentos produzidos pela PSA (e que continua a ser privada deles), quer que a Comissão produziu uma afirmação gravemente inexacta para favorecer a Peugeot e tentar justificar a sua recusa de continuar a instruir.

73.
    Contrariamente ao que a Comissão afirma na decisão impugnada, o documento emanado da Peugeot Meiser não foi produzido pela PSA mas sim pela recorrente, no anexo à sua denúncia. Deste documento constava uma menção manuscrita do seu dirigente, segundo a qual o preço oferecido pela Peugeot Meiser correspondia «aos estritos preços máximos aconselhados da tarifa belga, quando a filial [fazia] habitualmente descontos aos mandatários, por mais pequenos que fossem». A oferta foi portanto na realidade, equivalente a uma recusa, o que a Comissão teria podido facilmente verificar se tivesse pedido a comunicação da tarifa belga. Segundo a recorrente, ou os serviços da Comissão não leram a denúncia e os seus anexos ou cometeram um erro manifesto de apreciação dos factos.

74.
    A recorrente acrescenta que a Comissão não contesta que à recorrente foram opostas, por filiais de importação da PSA em Itália e nos Países Baixos, duas recusas de venda, o que, segundo ela, é suficiente para comprovar a compartimentação dos mercados.

75.
    A recorrente argumenta ainda que foi erradamente que a Comissão afastou as declarações feitas pelos dirigentes da PSA à imprensa quanto às suas intenções relativamente à compartimentação dos mercados e sublinha que tais declarações oficiais não foram objecto de qualquer rectificação ou desmentido.

Apreciação do Tribunal

76.
    A remissão para «documentos», no ponto 4, alínea b), da decisão impugnada, quando a Comissão citou um único documento nesse lugar, não é suficiente para comprovar um erro manifesto de apreciação dos elementos de prova relativos à compartimentação dos mercados. Com efeito, a explicação fornecida a este respeito pela Comissão, segundo a qual essa referência visava, para além do documento citado, também a resposta da PSA ao pedido de informações, não foi infirmada pela recorrente. De qualquer modo, uma eventual imprecisão no plano linguístico não é suficiente para considerar ilegal a decisão impugnada.

77.
    A acusação assente na manipulação do documento emanado da empresa Peugeot Meiser, de Bruxelas, não tem fundamento. Com efeito, a Comissão explicou, sem a este respeito ter sido contrariada pela recorrente, que este documento tinha sidoproduzido tanto pela recorrente como pela PSA e que só a cópia apresentada pela recorrente comportava as anotações manuscritas atrás referidas.

78.
    Este documento também não demonstra que a Comissão tenha ignorado a existência de uma infracção consistente em recusas de venda, por parte de membros da rede Peugeot, à recorrente. O concessionário belga fez uma oferta de preços para o modelo solicitado pela recorrente. Nas circunstâncias do caso, o simples facto de ele não ter feito uma oferta de desconto sobre o preço do veículo não pode ser equiparado a uma recusa de venda. Há que acrescentar, como a Comissão justamente realçou na audiência, que o Regulamento n.° 123/85 obrigava os construtores a não impedir as vendas transfronteiriças entre os concessionários pertencentes à sua rede. Em contrapartida, este regulamento deixava aos concessionários a liberdade de vender veículos aos seus colegas estabelecidos noutros Estados-Membros, ou de não o fazer. O facto de um concessionário ter preferido renunciar a uma tal venda transfronteiriça em vez de conceder um desconto a um seu colega não pode, no caso, comprovar a existência de uma infracção ao direito da concorrência.

79.
    Também não é possível concluir que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que se podia entender que as recusas de venda opostas à recorrente pelas filiais de importação da PSA na Itália e nos Países Baixos se incluíam nas relações contratuais entre a recorrente e a PSA e que os litígios a elas relativos podiam ser submetidos a órgãos jurisdicionais nacionais.

80.
    Finalmente, a acusação assente na não extracção de consequências das declarações feitas pelos dirigentes da PSA à imprensa quanto às suas intenções relativamente à compartimentação dos mercados é inadmissível por falta de precisão. Com efeito, ela não assenta em qualquer referência concreta aos artigos de imprensa em causa, susceptível de permitir ao Tribunal examinar o conteúdo das declarações a que se refere a recorrente. Esta produziu, é certo, numerosos documentos, tanto no processo administrativo como no processo judicial, dos quais constam alguns artigos de imprensa. Contudo, não identificou os documentos que, segundo ela, fundavam a presente acusação.

81.
    Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser afastado.

Quanto ao quinto fundamento, assente em erros de direito e em erros manifestos de apreciação relativamente à natureza anticoncorrencial de determinadas cláusulas e práticas denunciadas pela recorrente

Argumentos das partes

82.
    Por este fundamento, a recorrente alega que a Comissão cometeu erros de direito na qualificação de determinados comportamentos da PSA. Critica a Comissão por ter «inventado», na decisão impugnada, uma categoria de cláusulas ou práticas que não são «verdadeiramente restritivas». Esta categoria intermediária não existe nodireito comunitário da concorrência. Esta acusação visa a formulação utilizada pela Comissão na frase introdutiva do ponto 5 dos fundamentos de rejeição da denúncia, assim redigida:

«Finalmente, não está comprovado que os outros pontos referidos na vossa denúncia digam respeito a estipulações ou práticas contratuais que constituam, verdadeiramente, restrições de concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.»

83.
    Acusa seguidamente a Comissão de ter ignorado a natureza anticoncorrencial das cláusulas e práticas referidas na denúncia, nomeadamente as que reservam ao construtor a venda a determinadas categorias de compradores e as relativas aos preços impostos pela PSA. Além disso, a Comissão ignorou o facto de a dependência económica dos concessionários corresponder a uma gestão de facto pela PSA e falsear o equilíbrio entre os construtores e os distribuidores previsto pelo Regulamento n.° 123/85.

84.
    A recorrente considera que o efeito anticoncorrencial do acordo foi criado ou agravado pela acumulação das cláusulas e práticas impostas pela PSA, mesmo que, se tomadas isoladamente, a sua nocividade não seja excessiva. Invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1998, Cabour (C-230/96, Colect., p. I-2055), que condenou determinadas cláusulas dos contratos de concessão da PSA.

85.
    A Comissão considera que a recorrente não produziu qualquer elemento que permita contestar a justeza da decisão impugnada, uma vez que as práticas denunciadas visam sobretudo uma eventual ruptura do equilíbrio contratual.

Apreciação do Tribunal

86.
    No que respeita à primeira acusação da recorrente, há que realçar que a frase referida, criticada pela recorrente, tem uma natureza puramente introdutória dos desenvolvimentos que se seguem, não podendo ser considerada isoladamente. Em consequência, dos termos utilizados não pode ser deduzido qualquer erro de direito.

87.
    No que respeita à prática das vendas directas pelo construtor, a Comissão limitou-se a declarar que esta não era contrária, enquanto tal, às prescrições legais, sem tomar posição sobre a existência de uma infracção. Esta afirmação não é errónea em direito, dado que resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 123/85 que a isenção por categoria não está subordinada a uma proibição de tais vendas directas. A Comissão acrescentou que podia ser verificada uma infracção no caso de as vendas directas conduzirem a uma partilha de mercado, mas que esta não estava demonstrada no presente caso. A recorrente não aduziu qualquer argumento concreto para infirmar esta apreciação.

88.
    Quanto à prática dos preços impostos, segundo a recorrente, pela PSA, a Comissão refere-se ao artigo 6.°, n.° 1, ponto 6, do novo Regulamento de isenção por categoria n.° 1475/95, segundo o qual a isenção não se aplica «quando [...] o construtor [...] restrinja directa ou indirectamente a liberdade de o distribuidor determinar os preços e descontos aquando da revenda de produtos contratuais ou de produtos correspondentes». Sublinha a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para averiguar da natureza sistemática ou repetida de tais práticas e para delas tirar as devidas consequências. Com este raciocínio, a Comissão invoca a ausência de um interesse comunitário suficiente para proceder às investigações necessárias a fim de verificar uma infracção da PSA a este respeito. Ora, como acima foi referido, nos n.os 46 a 54, a recorrente não demonstrou, no presente caso, um erro manifesto da Comissão relativo à apreciação do interesse comunitário.

89.
    É à luz destas considerações que deve ser apreciada a posição da Comissão relativamente à acusação assente na violação da liberdade dos revendedores em matéria de preços. A este respeito, a Comissão não procedeu a uma apreciação jurídica definitiva, tendo-se limitado a constatar, nas páginas 6 e 7, ponto 5, alínea c), da decisão impugnada, que a PSA contesta esta acusação. Ora, não pode declarar-se que a Comissão cometeu um erro manifesto ao considerar, por um lado, que uma infracção por parte da PSA não podia ser comprovada com base nos elementos fornecidos pela recorrente e, por outro, que não estava obrigada, no caso vertente, a proceder a uma instrução mais aprofundada dessa acusação, uma vez que a denúncia não tinha, a este respeito, interesse comunitário suficiente.

90.
    Finalmente, a recorrente não comprovou que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que o juiz nacional competente em matéria de contratos estava em condições de tirar as devidas consequências jurídicas do facto de a dependência económica dos concessionários ser excessiva e falsear o equilíbrio entre os construtores e os distribuidores previsto pelo Regulamento n.° 123/85. O mesmo resulta do efeito cumulativo das cláusulas e práticas de que a PSA é acusada.

91.
    Em consequência, a recorrente não comprovou a sua afirmação de que a apreciação da Comissão continha erros de direito ou erros manifestos de apreciação. Daqui resulta que o quinto fundamento não é procedente.

Quanto ao sétimo fundamento, assente na falta de razoabilidade do prazo entre a denúncia e a decisão impugnada

Argumentos das partes

92.
    A recorrente alega que a Comissão está obrigada, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C-282/95 P, Colect., p. I-1503), a adoptar uma decisão num prazo razoável. Considera que o prazo de mais de quatro anos e meio entre a sua denúncia e a decisão de rejeição não é razoável.

Apreciação do Tribunal

93.
    Embora seja exacto que a Comissão está obrigada, de acordo com a jurisprudência citada pela recorrente, a pronunciar-se, num prazo razoável, sobre uma denúncia feita ao abrigo do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, a ultrapassagem de um tal prazo, mesmo que comprovada, não justifica necessariamente, em si mesma, a anulação da decisão impugnada.

94.
    No que se refere à aplicação das regras de concorrência, a ultrapassagem do prazo razoável só pode constituir um motivo de anulação, no caso de uma decisão que declare verificada uma infracção, quando for demonstrado que a violação deste princípio violou os direitos de defesa das empresas em causa. Para além desta hipótese específica, o desrespeito da obrigação de se pronunciar num prazo razoável não tem incidência sobre a validade do procedimento administrativo a título do Regulamento n.° 17 (v. o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, dito «PVC II», T-305/94 a T-307/94, T-313/94, T-314/94, T-315/94, T-316/94, T-318/94, T-325/94, T-328/94, T-329/94 e T-335/94, Colect., p. II-931, n.os 121 e 122).

95.
    Há que acrescentar que, numa situação em que uma parte denunciante em direito da concorrência acusa a Comissão de ter violado o princípio do respeito de um prazo razoável, a propósito da adopção de uma decisão que rejeita a sua denúncia, a anulação da decisão por este motivo teria como único efeito um prolongamento suplementar do processo na Comissão, o que seria contrário aos interesses da própria parte denunciante.

96.
    Em consequência, o sétimo fundamento é inoperante.

97.
    Daqui resulta que o pedido destinado à anulação da decisão impugnada é improcedente.

Quanto às despesas

98.
    Por força do disposto no primeiro parágrafo do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

decide:

1.
    O recurso é rejeitado.

2.
    A recorrente suportará as despesas.

Pirrung
Potocki
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Fevereiro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. W. H. Meij


1: Língua do processo: francês.