Language of document : ECLI:EU:T:2018:456

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

12 de julho de 2018 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu dos cabos elétricos — Decisão que declara provada uma infração ao artigo 101.o TFUE — Infração única e continuada — Ilegalidade da decisão de inspeção — Prazo razoável — Princípio da boa administração — Princípio da responsabilidade pessoal — Responsabilidade solidária pelo pagamento da coima — Prova suficiente da infração — Duração de infração — Coimas — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑449/14,

Nexans France SAS, com sede em Courbevoie (França),

Nexans SA, com sede em Courbevoie,

representadas por G. Forwood, advogado, M. Powell, A. Rogers e A. Oh, solicitors,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por C. Giolito, H.  van Vliet e A. Biolan e, em seguida, por C. Giolito e H. van Vliet, na qualidade de agentes, assistidos por B. Doherty, barrister,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE, por um lado, de anulação da Decisão C (2014) 2139 final da Comissão, de 2 de abril de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT.39610 — Cabos elétricos), na parte aplicável às recorrentes, e, por outro, de redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, M. Kancheva (relatora) e R. Barents, juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de março de 2017,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Recorrentes e setor em causa

1        As recorrentes, Nexans France SAS e respetiva sociedade‑mãe, Nexans SA, são sociedades francesas que exercem a sua atividade no setor da produção e do fornecimento de cabos elétricos subterrâneos e submarinos.

2        Os cabos elétricos submarinos e subterrâneos são utilizados, respetivamente, debaixo de água e debaixo de terra para o transporte e distribuição de eletricidade. São classificados em três categorias: baixa tensão, média tensão e alta e muito alta tensão. Os cabos elétricos de alta e muito alta tensão são, na maioria dos casos, vendidos no âmbito de projetos. Esses projetos consistem numa conjugação do cabo elétrico e dos equipamentos, instalações e serviços suplementares necessários. Os cabos elétricos de alta e muito alta tensão são vendidos em todo o mundo a grandes exploradores de redes nacionais e outras empresas de eletricidade, principalmente no âmbito de contratos públicos.

B.      Procedimento administrativo

3        Por carta de 17 de outubro de 2008, a sociedade sueca ABB AB apresentou à Comissão das Comunidades Europeias uma série de declarações e documentos relativos a práticas comerciais restritivas no setor da produção e do fornecimento de cabos elétricos subterrâneos e submarinos. Essas declarações e esses documentos foram apresentados no âmbito de um pedido de imunidade na aceção da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17, a seguir «comunicação sobre a clemência»).

4        De 28 de janeiro a 3 de fevereiro de 2009, na sequência das declarações da ABB, a Comissão efetuou inspeções nas instalações da Prysmian Spa e da Prysmian Cavi e Sistemi Srl, bem como das recorrentes.

5        Em 2 de fevereiro de 2009, as sociedades japonesas Sumitomo Electric Industries Ltd, Hitachi Cable Ltd e J—Power Systems Corp. apresentaram um pedido conjunto de imunidade de coimas ao abrigo do n.o 14 da comunicação sobre a clemência ou, a título subsidiário, de redução do seu montante ao abrigo do n.o 27 dessa comunicação. Seguidamente, transmitiram à Comissão outras declarações orais e outros documentos.

6        Durante a investigação, a Comissão enviou vários pedidos de informações, nos termos do artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1) e do n.o 12 da comunicação sobre a clemência, a empresas do setor da produção e do fornecimento de cabos elétricos subterrâneos e submarinos.

7        Em 30 de junho de 2011, a Comissão abriu um procedimento e adotou uma comunicação de acusações contra as seguintes entidades jurídicas: Pirelli & C. SpA, Prysmian Cavi e Sistemi Energia, Prysmian, The Goldman Sachs Group, Inc., Sumitomo Electric Industries, Hitachi Cable, J‑Power Systems, Furukawa Electric Co. Ltd, Fujikura Ltd, Viscas Corp., SWCC Showa Holdings Co. Ltd, Mitsubishi Cable Industries Ltd, Exsym Corp., ABB, ABB Ltd, Brugg Kabel AG, Kabelwerke Brugg AG Holding, nkt cables GmbH, NKT Holding A/S, Silec Cable SAS, Grupo General Cable Sistemas, SA, Safran SA, General Cable Corp., LS Cable & System Ltd, Taihan Electric Wire Co. Ltd e as recorrentes.

8        De 11 a 18 de junho de 2012, todos os destinatários da comunicação de acusações, com exceção da Furukawa Electric, participaram numa audiência administrativa na Comissão.

9        Por Acórdãos de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596), e de 14 de novembro de 2012, Prysmian e Prysmian Cavi e Sistemi Energia/Comissão (T‑140/09, não publicado, EU:T:2012:597), o Tribunal Geral anulou parcialmente as decisões de inspeção dirigidas, por um lado, às recorrentes e, por outro, à Prysmian e à Prysmian Cavi e Sistemi Energia, na parte respeitante a cabos elétricos que não fossem cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta tensão e ao material associado a esse outro tipo de cabos, negando provimento aos recursos no restante. Em 24 de janeiro de 2013, as recorrentes interpuseram recurso do primeiro desses acórdãos. Por Acórdão de 25 de junho de 2014, Nexans e Nexans France/Comissão (C‑37/13 P, EU:C:2014:2030), o Tribunal de Justiça negou provimento a esse recurso.

10      Em 2 de abril de 2014, a Comissão adotou a Decisão C (2014) 2139 final, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT.39610 — Cabos elétricos) (a seguir «decisão impugnada»).

C.      Decisão impugnada

1.      Infração em causa

11      O artigo 1.o da decisão impugnada dispõe que várias empresas participaram, em diferentes períodos, numa infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, no «setor dos cabos elétricos de (muito) alta tensão subterrâneos e/ou submarinos». No essencial, a Comissão considerou que, desde fevereiro de 1999 até ao final de janeiro de 2009, os principais produtores europeus, japoneses e sul‑coreanos de cabos elétricos submarinos e subterrâneos tinham participado numa rede de reuniões multilaterais e bilaterais e tinham estabelecido contactos com o fim de restringir a concorrência em projetos de cabos elétricos subterrâneos e submarinos de (muito) alta tensão em territórios específicos, repartindo entre si os mercados e os clientes e assim falseando o processo normal da concorrência (considerandos 10 a 13 e 66 da referida decisão).

12      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que o cartel tinha duas configurações principais que constituíam um conjunto composto. Mais precisamente, afirmava que o cartel era constituído por duas componentes, ou seja:

–        a «configuração A/R do cartel», que agrupava as empresas europeias, geralmente chamadas «membros R», as empresas japonesas, designadas «membros A», e, por último, as empresas sul‑coreanas, designadas «membros K». A referida configuração permitia realizar o objetivo de atribuição de territórios e clientelas entre produtores europeus, japoneses e sul‑coreanos. Essa atribuição fazia‑se segundo um acordo sobre o «território nacional», por força do qual os produtores japoneses e sul‑coreanos se abstinham de entrar em concorrência em projetos que se desenvolvessem no «território nacional» dos produtores europeus, obrigando‑se estes a ficar fora dos mercados do Japão e da Coreia do Sul. A isto acrescia a atribuição de projetos nos «territórios de exportação», ou seja, o resto do mundo, com exceção, nomeadamente, dos Estados Unidos da América, que, durante um certo período, respeitava uma «quota 60/40», que significava que 60 % dos projetos estavam reservados aos produtores europeus e os 40 % restantes, aos produtores asiáticos;

–        a «configuração europeia do cartel», que implicava a atribuição de territórios e clientes pelos produtores europeus em projetos a realizar no «território nacional» europeu ou atribuídos a produtores europeus (v. n.o 3.3 da decisão impugnada, em especial, considerandos 73 e 74 dessa decisão).

13      A Comissão considerou que os participantes no cartel tinham instituído obrigações de comunicação de dados para permitir o acompanhamento dos acordos de repartição (considerandos 94 a 106 e 111 a 115 da decisão impugnada).

14      Tendo em conta o papel desempenhado por vários participantes no cartel na execução deste, a Comissão classificou‑os em três grupos. Antes de mais, definiu o núcleo duro do cartel, ao qual pertenciam, por um lado, as empresas europeias: a Nexans France, as empresas filiais da Pirelli & C., anteriormente Pirelli SpA, que participaram sucessivamente no cartel (a seguir «Pirelli») e a Prysmian Cavi e Sistemi Energia; e, por outro, as empresas japonesas: a Furukawa Electric, a Fujikura e a sua empresa comum Viscas, e ainda a Sumitomo Electric Industries, a Hitachi Cable e a sua empresa comum J—Power Systems (considerandos 545 a 561 da decisão impugnada). Em seguida, distinguiu um grupo de empresas que não faziam parte do núcleo duro, mas que, contudo, não podiam ser consideradas atores marginais do cartel e integrou nesse grupo a ABB, a Exsym, a Brugg Kabel e a entidade constituída pela Sagem SA, a Safran e a Silec Cable (considerandos 562 a 575 da referida decisão). Por último, considerou que a Mitsubishi Cable Industries, a SWCC Showa Holdings Ltd, a LS Cable & System, a Taihan Electric Wire e a nkt cables eram atores marginais do cartel (considerandos 576 a 594 dessa decisão).

2.      Responsabilidade das recorrentes

15      A Nexans France foi considerada responsável por ter participado diretamente no cartel de 13 de novembro de 2000 a 28 de janeiro de 2009. A Nexans foi considerada responsável pela infração, na sua qualidade de sociedade‑mãe da Nexans France, de 12 de junho de 2001 a 28 de janeiro de 2009 (considerandos 712 e 714 da decisão impugnada).

3.      Coimas aplicadas

16      O artigo 2.o, alíneas c) e d), da decisão impugnada aplica, por um lado, uma coima de 4 903 000 euros à Nexan France (pelo período compreendido entre 13 de novembro de 2000 e 11 de junho de 2001) e, por outro, uma coima de 65 767 000 euros à Nexans France, «conjunta e solidariamente» com a Nexans (pelo período compreendido entre 12 de junho de 2001 e 28 de janeiro de 2009).

17      Para efeitos de cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou o artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 e a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do [referido artigo] (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações para o cálculo das coimas de 2006»).

18      Em primeiro lugar, quanto ao montante de base das coimas, depois de determinar o valor correto das vendas, de acordo com o n.o 18 das orientações para o cálculo das coimas de 2006 (considerandos 963 a 994 da decisão impugnada), a Comissão fixou a proporção desse valor das vendas que refletia a gravidade da infração, de acordo com os n.os 22 e 23 dessas orientações. A este respeito, considerou que a infração, pela sua natureza, constituía uma das restrições mais graves da concorrência, o que justificava uma taxa de gravidade de 15 %. Do mesmo modo, aplicou um agravamento de 2 % do coeficiente de gravidade a todos os destinatários pela sua quota de mercado acumulada e pelo âmbito geográfico quase mundial do cartel, nomeadamente abrangendo todo o território do Espaço Económico Europeu (EEE). Por outro lado, considerou, nomeadamente, que o comportamento das empresas europeias era mais prejudicial para a concorrência do que o das outras empresas, na medida em que, para além da sua participação na «configuração A/R do cartel», as empresas europeias tinham partilhado entre elas os projetos de cabos elétricos no âmbito da «configuração europeia do cartel». Por essa razão, fixou em 19 % a proporção do valor das vendas a ter em consideração pela gravidade da infração para as empresas europeias e em 17 % para as outras empresas (considerandos 997 a 1010 da referida decisão).

19      Quanto ao coeficiente multiplicador relativo à duração da infração, a Comissão fixou, no que diz respeito à Nexans France, um coeficiente de 8,16 pelo período compreendido entre 13 de novembro de 2000 e 28 de janeiro de 2009 e, no que diz respeito à Nexans, um coeficiente de 7,58 pelo período compreendido entre 12 de junho de 2001 e 28 de janeiro de 2009. Incluiu ainda, no que se refere à Nexans France, no montante de base das coimas, um montante adicional (taxa de entrada), correspondente a 19 % do valor das vendas. O referido montante assim determinado elevava‑se a 70 670 000 euros (considerandos 1011 a 1016 da decisão impugnada).

20      Em segundo lugar, quanto aos ajustamentos do montante de base das coimas, a Comissão não deu como provada a existência de circunstâncias agravantes que pudessem afetar o montante de base da coima fixado para cada um dos participantes no cartel, com exceção da ABB. Em contrapartida, no que diz respeito às circunstâncias atenuantes, decidiu refletir no montante das coimas o papel desempenhado por várias empresa na implementação do cartel. Assim, reduziu em 10 % o montante de base da coima a aplicar aos atores marginais do cartel e em 5 % o montante de base da coima a aplicar às empresas cujo envolvimento no cartel fosse médio. Além disso, concedeu à Mitsubishi Cable Industries e à SWCC Showa Holdings, relativamente ao período anterior à criação da Exsym, bem como à LS Cable & System Ltd e à Taihan Electric Wire, uma redução suplementar de 1 % por não terem tido conhecimento de certos aspetos da infração única e continuada e por não terem tido responsabilidade nesses aspetos. Em contrapartida, não foi concedida qualquer redução do montante de base da coima às empresas pertencentes ao núcleo duro do cartel, incluindo as recorrentes (considerandos 1017 a 1020 da decisão impugnada). Por outro lado, a Comissão concedeu, de acordo com as orientações para o cálculo das coimas de 2006, uma redução suplementar de 3 % à Mitsubishi Cable Industries pela sua cooperação efetiva fora do quadro da comunicação sobre a clemência (considerando 1041 da referida decisão).

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de junho de 2014, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

22      No quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral (Oitava Secção) colocou questões às partes para resposta escrita e pediu à Comissão que apresentasse determinados documentos.

23      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido modificada, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz‑relator foi afetado à Oitava Secção (nova formação) à qual foi, consequentemente, distribuído o presente processo.

24      As partes responderam às questões colocadas pelo Tribunal Geral no prazo fixado. A Comissão apresentou um dos documentos pedidos e requereu a adoção de uma diligência de instrução com vista a apresentar os outros documentos cuja apresentação foi pedida pelo Tribunal Geral, designadamente transcrições das declarações orais efetuadas pela J‑Power Systems no âmbito do seu pedido conjunto de imunidade com a Hitachi Cable e a Sumitomo Electric Industries. Por Despacho de 17 de janeiro de 2017, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral adotou uma diligência de instrução destinada a obter da parte da Comissão a apresentação das transcrições em causa. A Comissão deu seguimento a esta diligência de instrução em 24 de janeiro de 2017.

25      Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral do processo. Na audiência de 21 de março de 2017, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

26      As recorrentes pedem que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, na medida em que esta se fundamenta em documentos obtidos ilegalmente junto da Nexans France;

–        anular a decisão impugnada na parte em que declara provada a participação da Nexans France na infração antes de 22 de fevereiro de 2001;

–        reduzir o montante das coimas que lhes foram aplicadas a um montante que corresponda a uma duração inferior e a um coeficiente de gravidade reduzido;

–        condenar a Comissão nas despesas.

27      A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

28      No recurso, as recorrentes formulam pedidos de anulação da decisão impugnada e pedidos de redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas.

29      No que diz respeito, em primeiro lugar, aos pedidos de anulação, estes visam obter a anulação total ou parcial da decisão impugnada, na medida em que, por um lado, esta se fundamenta em documentos obtidos ilegalmente junto da Nexans France e, por outro, declara provada a participação da Nexans France na infração antes de 22 de fevereiro de 2001.

30      Em apoio dos seus pedidos de anulação, as recorrentes invocam dois fundamentos. O primeiro é relativo à violação do artigo 20.o, n.os 2 a 4, do Regulamento n.o 1/2003, da Decisão da Comissão de 9 de janeiro de 2009 (a seguir «decisão de inspeção»), dos direitos de defesa e do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), e o segundo, a um erro de apreciação no que diz respeito à determinação da data do início da participação da Nexans France no cartel.

31      No que diz respeito, em segundo lugar, aos pedidos de redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas, estes visam que o Tribunal Geral substitua a apreciação da Comissão pela sua, a fim de ter em conta os erros cometidos pela Comissão relativamente aos elementos de cálculo das referidas coimas, ou seja, a duração da participação da Nexans France na infração e o coeficiente de gravidade.

32      Em apoio dos seus pedidos de redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas, as recorrentes invocam, além do erro da Comissão relativo à duração da infração, contestada no âmbito do segundo fundamento do recurso, um fundamento específico, relativo a um erro manifesto de apreciação e à violação do dever de fundamentação e do princípio da igualdade de tratamento na fixação do coeficiente de gravidade para o cálculo do montante das coimas.

A.      Quanto aos pedidos de anulação

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à inexistência de base jurídica, à violação da decisão de inspeção, dos direitos de defesa, do artigo 20.o, n.os 2 a 4, do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 7.o da Carta

33      As recorrentes alegam que determinadas medidas adotadas pela Comissão na inspeção não anunciada à qual tiveram de se submeter de 28 a 30 de janeiro de 2009 e em 3 de fevereiro de 2009, em conformidade com a Decisão de 9 de janeiro de 2009 são ilegais e que as informações obtidas pela Comissão nesse âmbito não deviam ter sido admitidas no procedimento administrativo nem tidas em conta na decisão impugnada.

34      Assim, as recorrentes criticam os inspetores da Comissão por terem efetuado cópias de vários conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no computador de J. e no de R., bem como uma cópia de todo o conteúdo do disco rígido do computador de J. e de terem levado essas cópias com eles para posteriormente, nas instalações da Comissão em Bruxelas (Bélgica), nelas procurarem elementos relevantes para a investigação (a seguir «medidas controvertidas»).

35      Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que, ao atuar dessa forma, os funcionários da Comissão excederam os poderes que lhes são conferidos pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. Em especial, alegam que, de acordo com o artigo 20.o, n.o 2, alínea c), do referido regulamento, esses funcionários não podem apreender ou copiar documentos sem os analisar previamente. Caso contrário, uma inspeção da Comissão podia limitar‑se simplesmente a copiar todo o sistema informático de uma sociedade, incluindo muitos documentos que não têm qualquer importância para efeitos da investigação, de forma a analisá‑lo à sua vontade nas suas instalações em Bruxelas.

36      Em segundo lugar, de acordo com as recorrentes, a cópia desses dados pela Comissão com vista a analisá‑los posteriormente nas suas próprias instalações em Bruxelas violava os termos da decisão, que limitava o âmbito geográfico da inspeção apenas às instalações da Nexans.

37      Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que as medidas controvertidas violaram os seus direitos de defesa, na medida em que travaram a possibilidade de fazer valer os seus interesses. Consideram que a prorrogação da inspeção por um mês e meio as impediu, efetivamente, de proceder a uma avaliação séria da possibilidade de apresentar um pedido de imunidade, uma vez que, durante esse período, não fora possível apreciar que «valor acrescentado significativo» podia ser dado aos elementos de prova já reunidos pela Comissão.

38      Em quarto lugar, as recorrentes alegam que, uma vez que, no caso em apreço, a inspeção teve início em França, mas prosseguiu na Bélgica, a Comissão devia ter avisado a autoridade belga da concorrência (Bélgica) da continuação da inspeção nesse país, de acordo com o artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003.

39      Em quinto lugar, as recorrentes alegam que, na medida em que a cópia «em massa» de dados que não foram previamente consultados pela Comissão não se enquadrava no âmbito das competências da Comissão nos termos do Regulamento n.o 1/2003, tal apreensão constitui uma intervenção arbitrária e desproporcionada na esfera da sua atividade privada, protegida pelo artigo 7.o da Carta.

40      A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

41      Antes de responder aos argumentos das partes, há que recordar sucintamente a forma como decorreu a inspeção realizada nas instalações das recorrentes pelos funcionários da Comissão.

a)      Quanto à forma como decorreu a inspeção

42      Como resulta do Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596), em 28 de janeiro de 2009, os inspetores da Comissão, acompanhados por representantes da autoridade francesa da concorrência, deslocaram‑se às instalações da Nexans France em Clichy (França) a fim de proceder a uma inspeção nos termos do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003. Apresentaram à empresa a decisão de inspeção, que tinha como objeto «a Nexans, bem como todas as empresas direta ou indiretamente controladas por esta(s), incluindo a Nexans France», e a nota explicativa relativa às inspeções.

43      Os inspetores exprimiram o seu desejo de analisar os documentos, bem como os computadores de determinados empregados da Nexans France, designadamente de R. (diretor‑geral adjunto e diretor de marketing — departamento «Alta tensão»), de B. (diretor‑geral — departamento «Alta tensão») e de J. (diretor de vendas e de marketing da unidade comercial «Alta tensão terrestre»). Os inspetores foram informados de que J. estava ausente em viagem, com o seu computador, e apenas regressaria sexta‑feira, dia 30 de janeiro de 2009.

44      Os inspetores começaram por analisar documentos em suporte papel nos gabinetes de R., B. e J, bem como no gabinete da assistente comum destes. Seguidamente, transferiram os computadores de R., B. e D. (diretor de projeto — departamento «Alta tensão») para a sala de reuniões colocada à sua disposição. Recorrendo a tecnologia informática forense (a seguir «FIT»), efetuaram cópias‑imagens dos discos rígidos desses computadores e prepararam‑nos para uma indexação que devia terminar no dia seguinte. No final do primeiro dia de inspeção, o gabinete de J. e a sala de reuniões colocada à disposição dos inspetores foram selados. No segundo dia de inspeção, a pesquisa de informações nas referidas cópias‑imagens prosseguiu. No final desse dia, a sala de reuniões colocada à disposição dos inspetores foi novamente selada.

45      No terceiro dia de inspeção, os inspetores puderam analisar o computador portátil de J., que regressara ao seu gabinete. No início, não foi efetuada nenhuma imagem do conteúdo do referido computador, mas a execução da FIT permitiu consultar os ficheiros, documentos e mensagens de correio eletrónico que tinham sido apagados do disco rígido desse computador e concluir que esses documentos eram relevantes para a investigação. Os inspetores decidiram efetuar uma cópia‑imagem desse disco rígido. Contudo, nesse momento da investigação, já não dispunham de tempo suficiente para realizar tal cópia. Decidiram então realizar uma cópia de dados escolhidos e colocá‑los em suportes informáticos de registo de dados (a seguir «SIRD»), que decidiram levar com eles para Bruxelas. Tratava‑se de dois conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no computador portátil de J., que foram guardados nos SIRD denominados JABR 12 e JABR 13. Copiaram igualmente um conjunto de mensagens de correio eletrónico encontradas no computador de R. para dois SIRD denominados JABR 14 e JABR 15. Estes quatro SIRD foram colocados em envelopes selados e assinados, em seguida, por um representante dos recorrentes. Estes envelopes selados foram levados para os escritórios da Comissão em Bruxelas. O computador de J. e um SIRD encontrado no seu gabinete e que continha documentos protegidos por palavra passe foram colocados num armário, que foi selado pelos inspetores. Os discos rígidos dos computadores da Comissão utilizados para as pesquisas foram, em seguida, apagados e, após esta operação, já não continham nenhum dos ficheiros apreendidos durante a inspeção. Os inspetores informaram as recorrentes de que as notificariam da data da continuação da inspeção. As recorrentes referiram que preferiam que a eventual inspeção do disco rígido do computador de J. fosse efetuada nas instalações da Nexans France, e não nos escritórios da Comissão.

46      Os inspetores regressaram às instalações da Nexans France na terça‑feira, 3 de fevereiro de 2009. Abriram o armário selado que continha o SIRD encontrado no gabinete de J., bem como o computador deste. Inspecionaram o SIRD no local, imprimiram e guardaram dois documentos extraídos desse SIRD e entregaram‑no aos representantes das recorrentes. Em seguida, efetuaram três cópias‑imagens do disco rígido do computador de J., que foram guardadas em três SIRD. Os inspetores entregaram um dos três SIRD aos representantes das recorrentes e colocaram os outros dois em envelopes selados, que levaram para Bruxelas depois de terem tomado nota de que as recorrentes contestavam a legitimidade desse procedimento. Os inspetores referiram que os envelopes selados seriam abertos apenas nas instalações da Comissão, na presença dos representantes das recorrentes.

47      Os envelopes selados que continham os SIRD levados pela Comissão foram abertos nos escritórios desta em Bruxelas, em 2 de março de 2009, na presença dos advogados das recorrentes. Os documentos guardados nesses SIRD foram examinados e os inspetores imprimiram os que consideram relevantes para a investigação. Uma segunda cópia em papel e uma lista desses documentos foram entregues aos advogados das recorrentes. A análise de todos os dados registados nos SIRD em causa demorou oito dias úteis e terminou em 11 de março de 2009. O gabinete onde os documentos e os SIRD foram analisados foi selado no final de cada dia de trabalho, na presença dos advogados das recorrentes, e reaberto no dia seguinte, sempre na presença destes. Findas essas operações, os discos rígidos dos computadores nos quais os inspetores da Comissão trabalharam foram apagados.

b)      Quanto à alegada inexistência de base jurídica das medidas controvertidas

48      As recorrentes sustentam, no essencial, que os funcionários da Comissão, ao efetuar uma cópia‑imagem do disco rígido do computador de J., bem como dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no referido computador e no de R., para, posteriormente, nas instalações da Comissão em Bruxelas, nela procurarem documentos relevantes para a investigação, ultrapassaram os poderes conferidos à Comissão pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003.

49      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 1/2003, «[p]ara efeitos de aplicação dos artigos [101.o] e [102.o] do Tratado, a Comissão tem a competência atribuída nos termos do [referido] regulamento».

50      O artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 prevê que, no cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo referido regulamento, a Comissão pode efetuar todas as inspeções necessárias junto das empresas e associações de empresas.

51      Quanto aos poderes de que a Comissão dispõe para proceder a uma inspeção, o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 refere, nomeadamente, o seguinte:

«Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção podem:

[…]

b)      Inspecionar os livros e outros registos relativos à empresa, independentemente do seu suporte;

c)      Tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extratos dos documentos controlados;

d)      Apor selos em quaisquer instalações, livros ou registos relativos à empresa por período e na medida necessária à inspeção;

[…]».

52      No caso em apreço, há que esclarecer que a prática que consiste em efetuar uma cópia‑imagem de um disco rígido de um computador ou uma cópia de dados armazenados num suporte de dados digitais é utilizada no âmbito da aplicação da FIT, utilizada pelos funcionários da Comissão durante as inspeções. De facto, como a Comissão descreve nos seus articulados, sem impugnação das recorrentes, a utilização desta tecnologia consiste em pesquisar no disco rígido de um computador ou em qualquer outro suporte de dados digitais, com a ajuda de software específico, as informações relevantes para o objeto da inspeção através de palavras‑chave. Esta pesquisa requer uma fase prévia, designada «indexação», durante a qual o software coloca num catálogo o conjunto das letras e palavras constantes do disco rígido de um computador ou de qualquer outro suporte de dados digitais sujeitos à inspeção. A duração dessa indexação depende da dimensão do suporte digital em causa, mas, por norma, demora um tempo considerável. Nessas condições, os funcionários da Comissão efetuam geralmente uma cópia dos dados contidos no suporte de dados digitais da empresa objeto da inspeção para proceder à indexação dos dados que aí se encontram armazenados. No caso de um disco rígido de computador, essa cópia pode tomar a forma de uma cópia‑imagem. Esta cópia‑imagem permite obter uma cópia exata do disco rígido sujeito à inspeção, que contenha todos os dados constantes desse disco rígido no exato momento em que a cópia é efetuada, incluindo os ficheiros aparentemente suprimidos.

53      A este respeito, em primeiro lugar, há que observar que, na medida em que, por um lado, como foi acima explicado no n.o 52, a cópia dos dados armazenados num suporte de dados digitais da empresa que é objeto da inspeção é efetuada com o objetivo de proceder à indexação e, por outro lado, essa indexação visa permitir pesquisar, em seguida, documentos relevantes para a investigação, a realização de tal cópia insere‑se nos poderes conferidos à Comissão pelo artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003.

54      De facto, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não resulta do artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003 que o poder da Comissão de tirar ou obter cópias ou extratos dos livros e dos documentos profissionais de uma empresa inspecionada se limita aos livros e aos documentos profissionais que já tenha examinado.

55      Além disso, importa observar que tal interpretação poderia prejudicar o efeito útil do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do referido regulamento, na medida em que, em determinadas circunstâncias, o controlo dos livros e documentos profissionais da empresa inspecionada pode exigir a realização prévia de cópias dos referidos livros ou documentos profissionais ou ser simplificada, como no caso em apreço, por essa realização.

56      Consequentemente, há que concluir que, uma vez que a realização da cópia‑imagem do disco rígido do computador de J. e das cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no referido computador e no computador de R. se inscrevia no âmbito da aplicação da FIT pelos funcionários da Comissão, cujo objetivo era pesquisar as informações relevantes para a investigação, a realização dessas cópias inseria‑se nos poderes previstos no artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003.

57      Em segundo lugar, na medida em que a argumentação das recorrentes deve ser entendida no sentido de que estas acusam os funcionários da Comissão de terem juntado ao processo instrutor as cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no computador de R. e no computador de J., bem como a cópia‑imagem do disco rígido deste computador, sem verificar previamente se os documentos contidos nas referidas cópias eram relevantes para o objeto da inspeção, a referida argumentação não pode ser acolhida.

58      De facto, como acima resulta do n.o 42 a 47, só depois de terem concluído, ao examinar os documentos contidos nas cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no computador de R. e no computador de J., bem como na cópia‑imagem do disco rígido deste último computador, nas instalações da Comissão em Bruxelas e na presença dos representantes das recorrentes, que alguns desses documentos eram relevantes prima facie para o objeto da inspeção, é que os funcionários da Comissão acabaram por juntar ao processo instrutor uma versão em papel dos documentos em questão.

59      Por conseguinte, há que concluir que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, os funcionários da Comissão não juntaram diretamente ao processo instrutor os documentos contidos nas cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no computador de R. e no computador de J., bem como na cópia‑imagem do disco rígido deste último computador, sem verificar previamente se eram relevantes para o objeto da inspeção.

60      Em terceiro lugar, quanto ao argumento das recorrentes de que os funcionários da Comissão não tinham o poder de proceder à pesquisa das informações relevantes para a investigação contidas na cópia‑imagem do disco rígido do computador de J., bem como nas cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no referido computador e no computador de R. nas instalações da Comissão, importa salientar que o artigo 20, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 não estabelece, como alegam as recorrentes, que o controlo dos livros e dos documentos profissionais das empresas sujeitas à inspeção deve ser efetuado exclusivamente nas instalações destas quando, como no caso em apreço, a referida inspeção não tenha podido ser concluída no prazo inicialmente previsto. Apenas obriga a Comissão a respeitar, quando examine documentos nas suas instalações, as mesmas garantias relativamente às empresas inspecionadas que está obrigada a respeitar num controlo in situ.

61      Ora, há que salientar que, na audiência, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, as recorrentes admitiram que não acusavam a Comissão de, ao examinar a cópia‑imagem do disco rígido do computador de J. e as cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no referido computador, bem como no computador de R., nas suas instalações em Bruxelas, ter atuado de forma diferente daquela em que teria atuado se esse controlo tivesse decorrido nas instalações das recorrentes. As recorrentes apenas alegaram que o facto de esse controlo ter sido realizado nas instalações da Comissão as privara da assistência dos empregados competentes para fornecer explicações à Comissão sobre os documentos analisados durante esse controlo.

62      A este respeito, basta referir que as recorrentes não alegam que a Comissão se opôs a que os representantes das recorrentes fossem assistidos por determinados empregados destas quando as cópias em causa foram analisadas nas instalações da Comissão.

63      Em todo o caso, importa recordar que, como resulta da exposição dos factos acima efetuada nos n.os 46 e 47, as cópias em causa foram transportadas para Bruxelas em envelopes selados, a abertura dos envelopes que continham essas cópias e a sua análise foram efetuadas na data combinada com as recorrentes e na presença dos seus representantes, as instalações da Comissão nas quais essa análise foi efetuada estavam devidamente protegidas pela aposição de selos, os documentos extraídos desses dados que a Comissão decidiu juntar ao processo da investigação foram imprimidos e colocados numa lista, foi fornecida uma cópia destes às recorrentes e, finda a análise, a cópia‑imagem do disco rígido do computador de J. e as cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no referido computador e no computador de R. foram definitivamente apagadas.

64      Em face do exposto, há que concluir que, na inspeção, a Comissão não excedeu os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003. Assim, improcede a alegação das recorrentes a este respeito.

c)      Quanto à alegada violação da decisão de inspeção

65      Quanto ao argumento das recorrentes de que os funcionários da Comissão, no essencial, ao proceder à pesquisa de informações relevantes para a investigação na cópia‑imagem do disco rígido do computador de J., bem como nas cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas no referido computador e no computador de R, nas instalações da Comissão violaram o âmbito da decisão de inspeção, importa recordar que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fundamentação dessa decisão circunscreve o âmbito dos poderes conferidos aos funcionários da Comissão pelo artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 (Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 60).

66      No caso em apreço, no que diz respeito, por um lado, ao âmbito geográfico da decisão de inspeção, importa observar que o artigo 1.o, segundo parágrafo, dessa decisão, referia o seguinte:

«A inspeção pode decorrer em quaisquer instalações controladas pela empresa e, em especial, nos escritórios situados no seguinte endereço: 4‑10 Rue Mozart, 92110 Clichy, França.»

67      Assim, resulta da decisão de inspeção que, embora a inspeção «[pudesse]» decorrer em «quaisquer instalações controladas» pelas recorrentes e, em especial, nos seus escritórios situados em Clichy, não tinha, como alegam as recorrentes, de decorrer exclusivamente nas suas instalações. Portanto, a decisão de inspeção não excluiu a possibilidade de a Comissão prosseguir a inspeção em Bruxelas.

68      No que diz respeito, por outro lado, ao âmbito temporal da decisão de inspeção, importa salientar que o artigo 2.o dessa decisão estabelecia a data a partir da qual a inspeção podia ter lugar, mas não especificava a data na qual esta devia terminar.

69      É verdade que a falta de precisão quanto à data de termo da inspeção não significa que esta podia estender‑se no tempo de forma ilimitada, estando a Comissão, a este respeito, obrigada a respeitar um prazo razoável, em conformidade com o artigo 41.o, n.o 1, da Carta.

70      Todavia, no caso em apreço, deve observar‑se que, no âmbito do presente fundamento, as recorrentes não alegam que o período de um mês que decorreu entre a inspeção efetuada nas instalações das recorrentes, por um lado, e a continuação dessa inspeção em Bruxelas, por outro, não era razoável.

71      Daqui decorre que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a decisão de inspeção não se opunha a que os funcionários da Comissão prosseguissem, nas instalações desta em Bruxelas, a pesquisa de elementos relevantes para a investigação nas cópias‑imagens dos discos rígidos dos computadores de determinados empregados da Nexans France.

72      Em face do exposto, há que considerar que a Comissão também não violou o âmbito da decisão de inspeção ao adotar as medidas controvertidas no decurso da inspeção. Assim, improcedem as alegações das recorrentes a este respeito.

d)      Quanto à alegada violação dos direitos de defesa

73      As recorrentes alegam que a suspensão das operações de seleção dos documentos relevantes para o objeto da inspeção entre 3 de fevereiro de 2009 e 2 de março de 2009, data na qual foram abertos os envelopes selados que continham os suportes informáticos para os quais o conjunto das mensagens de correio eletrónico de determinados empregados da Nexans France e a cópia‑imagem do disco rígido do computador de J. tinham sido copiados, as impediu de proceder a uma avaliação séria da possibilidade de apresentar um pedido de imunidade, uma vez que, durante esse período, não podiam determinar o valor acrescentado das outras informações que estavam na sua posse. Daqui decorre que, ao atuar desse modo, a Comissão violou os seus direitos de defesa.

74      A este respeito, importa recordar que, nos termos do n.o 10 da comunicação sobre a clemência, a imunidade não pode ser concedida «se a Comissão, no momento em que o pedido [contendo as informações e os elementos de prova] lhe é apresentado, dispuser já de elementos de prova suficientes para adotar uma decisão de efetuar uma inspeção relativamente ao alegado cartel ou se já tiver realizado tal inspeção».

75      Ora, no caso em apreço, como foi confirmado pelo Tribunal Geral no n.o 93 do Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596), a Comissão tinha elementos de prova suficientes, no que diz respeito aos cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta tensão, para ordenar a inspeção que foi efetuada nas instalações da Nexans. Daqui decorre que as recorrentes não teriam podido beneficiar de imunidade em matéria de coimas ao abrigo da comunicação sobre a clemência.

76      É um facto que, de acordo com o n.o 23 da comunicação sobre a clemência, as empresas que revelem a sua participação num alegado cartel que afete a União Europeia, mas que não preencham as condições previstas para beneficiar de imunidade em matéria de coimas, podem ser elegíveis para uma redução do montante da coima que de outra forma lhes seria aplicada. De acordo com o n.o 24 da referida comunicação, por forma a poder beneficiar de tal redução, uma empresa deve fornecer à Comissão elementos de prova da alegada infração, que apresentem um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova já na posse da Comissão.

77      No entanto, importa salientar que as recorrentes continuaram na posse dos dados dos quais os funcionários da Comissão tinham efetuado uma cópia. Assim, podiam perfeitamente identificar as informações que não constavam dessas cópias digitais e que, no que dizia respeito ao objeto da inspeção, eram suscetíveis de apresentar um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova já na posse da Comissão.

78      Além disso, ainda que, como, no essencial, sustentam as recorrentes, a Comissão já dispusesse de discos rígidos de computadores que continham as informações que poderiam ser apresentadas no seu pedido de imunidade parcial, importa recordar, uma vez mais, que o facto de a Comissão ter efetuado cópias do conjunto das mensagens de correio eletrónico de determinados empregados da Nexans France e a cópia‑imagem do disco rígido do computador de J. não significa que os inspecionou e que já tinha tido acesso às informações neles contidas. De facto, tal inspeção apenas prosseguiu depois de as referidas cópias‑imagens terem sido extraídas dos envelopes selados em Bruxelas. Neste contexto, as recorrentes dispunham ainda da possibilidade de analisar o conteúdo do referido disco rígido e das referidas mensagens de correio eletrónico e de informar a Comissão sobre os documentos ou sobre os elementos de prova contidos nesses discos rígidos que poderiam apresentar um valor acrescentado relativamente aos outros elementos já recolhidos pela Comissão no âmbito da investigação.

79      Daqui decorre que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não as impediu de proceder a uma avaliação da possibilidade de apresentar um pedido de imunidade parcial.

80      Na medida em que as recorrentes alegam uma violação dos seus direitos de defesa, importa recordar que as diligências de instrução realizadas pela Comissão na fase de instrução preliminar, nomeadamente as averiguações e os pedidos de informações, implicam por natureza que a Comissão suspeita de que foi cometida uma infração e podem ter repercussões significativas na situação das empresas suspeitas. Por conseguinte, há que evitar que os direitos de defesa possam ser irremediavelmente comprometidos nessa fase do procedimento administrativo quando as diligências de instrução realizadas possam ser determinantes para a produção de prova da natureza ilegal de comportamentos de empresas suscetíveis de desencadear a sua responsabilidade (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 79 e jurisprudência aí referida).

81      Todavia, no caso em apreço, o próprio facto de os dados eletrónicos em causa não terem sido analisados nas instalações da Nexans France em Clichy, mas nas instalações da Comissão em Bruxelas, não tem implicações no respeito pelos direitos de defesa das recorrentes, uma vez que ficou demonstrado que os SIRD nos quais foram armazenadas as cópias dos dados eletrónicos em causa foram transportados para Bruxelas em envelopes selados, que a Comissão entregou às recorrentes uma cópia desses dados, que a abertura dos envelopes que continham os SIRD com esses dados e a sua análise adicional foi efetuada na data combinada com as recorrentes e na presença dos seus representantes, que as instalações da Comissão nas quais essa análise foi efetuada estavam devidamente protegidas pela aposição de selos, que os documentos extraídos desses dados que a Comissão decidiu juntar ao processo da investigação foram imprimidos e colocados numa lista, que foi fornecida uma cópia destes às recorrentes e que, finda a análise, o conteúdo de todos os SIRD e dos computadores utilizados para a sua análise foi definitivamente apagada.

82      Assim, improcede a alegação das recorrentes relativa à violação dos seus direitos de defesa.

e)      Quanto à alegada violação do artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003

83      As recorrentes acusam a Comissão de ter prosseguido a análise da cópia dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico de determinados empregados da Nexans France e da cópia‑imagem do disco rígido do computador de J., nas suas instalações em Bruxelas, sem avisar previamente desse facto a autoridade belga da concorrência.

84      A este respeito, importa recordar que, por um lado, por força do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, «[a] Comissão toma [as decisões de inspeção] após consultar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção» e, por outro, por força do artigo 20.o, n.o 3, desse Regulamento, «[a] Comissão deve avisar em tempo útil antes da inspeção a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção».

85      A ratio legis dos n.os 3 e 4 do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, exposta no considerando 24 do referido regulamento, é permitir às autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência colaborarem de forma ativa no exercício, por parte da Comissão, da competência que lhe é conferida pelo artigo 20.o, n.o 1, desse regulamento em matéria de inspeções.

86      Nesse sentido, o artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2003, esclarece que «[o]s funcionários da autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção, ou os agentes mandatados por essa autoridade, devem, a pedido desta ou da Comissão, prestar assistência ativa aos funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão» e que «[d]ispõem, para o efeito, dos poderes definidos no n.o 2».

87      No caso em apreço, é ponto assente que a Comissão consultou a Autorité de la concurrence (França) antes de adotar a decisão de inspeção. É também ponto assente que a Comissão avisou em tempo útil a referida autoridade antes da inspeção nas instalações da Nexans France. É, de resto, igualmente pacífico que os inspetores da Comissão estavam acompanhados por representantes da referida autoridade na inspeção nas instalações da Nexans France.

88      Por conseguinte, há que considerar que, no caso em apreço, a Comissão respeitou o disposto no artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003.

89      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela argumentação das recorrentes.

90      De facto, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não resulta do artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003 que, no caso em apreço, a Comissão estava obrigada a «consultar» ou a «avisar em tempo útil» a Autorité belge de la concurrence quando pretendeu, por razões práticas, prosseguir nas suas instalações em Bruxelas a análise de documentos iniciada no âmbito de uma inspeção realizada em conformidade com o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 no território de outro Estado‑Membro, estando‑o apenas quando pretenda efetuar uma inspeção nas instalações de uma empresa situada na Bélgica.

91      Daqui decorre que a alegação das recorrentes de violação pela Comissão do artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003, deve ser considerada improcedente.

f)      Quanto à alegada violação do artigo 7.o da Carta

92      As recorrentes sustentam, no essencial, que, na medida em que as medidas controvertidas excediam os poderes da Comissão previstos no Regulamento n.o 1/2003, as referidas medidas eram igualmente contrárias à exigência de proteção contra as intervenções do poder público na esfera de atividade privada de qualquer pessoa, singular ou coletiva, que sejam arbitrárias ou desproporcionadas.

93      A este respeito, importa recordar que, como acima se concluiu no n.o 64, as medidas controvertidas não excediam os poderes da Comissão previstos no Regulamento n.o 1/2003. Por conseguinte, na medida em que as recorrentes associam a alegação relativa à violação do artigo 7.o da Carta à declaração prévia da violação do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, essa alegação deve ser considerada improcedente.

94      Além disso, na medida em que a alegação de violação do artigo 7.o da Carta deva ser interpretada como uma alegação independente, importa salientar que a argumentação das recorrentes a este respeito assenta numa premissa idêntica à que serve de fundamento à argumentação relativa à violação do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, ou seja, de que os funcionários da Comissão efetuaram uma cópia dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontradas nos computadores de R. e de J. e uma cópia‑imagem do disco rígido do computador de J. e juntaram essas cópias diretamente ao processo instrutor, sem verificar previamente se os documentos que elas continham eram relevantes para o objeto da inspeção.

95      Ora, como já acima se concluiu nos n.os 48 a 72, tal premissa é errada, pelo que a argumentação das recorrentes quanto à violação do artigo 7.o da Carta não tem fundamento.

96      Assim, há que considerar improcedente a argumentação das recorrentes no sentido de que os documentos apreendidos pela Comissão na inspeção nas instalações das recorrentes não podiam ser utilizados em apoio da decisão impugnada por terem sido obtidos ilegalmente.

97      Por outro lado, improcede igualmente a argumentação das recorrentes no sentido de que a decisão impugnada não se pode apoiar nos documentos apreendidos na inspeção efetuada pela Comissão nas instalações da Prysmian devido ao facto de a Comissão, para recolher esses documentos, ter utilizado o mesmo método que utilizou na inspeção que realizou nas instalações das recorrentes. De facto, mesmo admitindo que, como se limitam a afirmar as recorrentes, os documentos juntos ao processo na sequência da inspeção nas instalações da Prysmian o tenham sido segundo o mesmo método utilizado no presente processo, basta salientar que os argumentos das recorrentes relativos à ilegalidade do referido método foram considerados improcedentes pelo Tribunal Geral.

98      Resulta de todas estas considerações que as cópias dos dados eletrónicos em causa não foram obtidas ilegalmente e, por conseguinte, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão utilizou licitamente esses dados para fundamentar as suas conclusões relativas à existência da infração declarada na decisão impugnada.

99      Decorre de todas estas considerações que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de apreciação na determinação da data do início da participação das recorrentes na infração

100    As recorrentes sustentam que a Comissão errou ao fixar a data do início da participação da Nexans France na infração em 13 de novembro de 2000. Essa participação teve início apenas em 22 de fevereiro de 2001, quando determinados empregados da Nexans, designadamente R. e J., participaram numa reunião A/R organizada em Londres (Reino Unido), relativa à atribuição dos projetos dos cabos elétricos submarinos e subterrâneos.

101    A este respeito, por um lado, as recorrentes alegam que as provas que constam do processo, consideradas no seu conjunto, não demonstram de forma bastante a participação de empregados da Nexans France na reunião A/R de 29 de novembro de 2000, em Kuala Lumpur (Malásia).

102    Por outro lado, as recorrentes observam que, embora a Comissão, corretamente, não as considere responsáveis por uma infração anterior a 13 de novembro de 2000, deduz que a sua participação na infração teve início após essa data devido ao facto de a infração já existir desde 18 de fevereiro de 1999. Ora, a existência dessa infração, pelo menos a partir desta data, não está suficientemente demonstrada, contrariamente ao que afirma a Comissão no considerando 1064 da decisão impugnada.

103    Antes de mais, de acordo com as recorrentes, a Comissão baseou‑se, a este respeito, apenas nos elementos de prova fornecidos por determinados requerentes de clemência, designadamente a Sumitomo Electric Industries, a Hitachi Cable e a J‑Power Systems, que consistem em meras provas baseadas em rumores, cuja credibilidade é posta em causa pela própria Comissão. As declarações da ABB no âmbito do seu pedido de imunidade, invocadas pela Comissão, também não são credíveis.

104    Em seguida, contrariamente ao que resulta da decisão impugnada, as declarações de clemência de que a Comissão dispõe confirmam que, durante o ano de 1999 e até ao início de 2001, o cartel ainda não existia. Por um lado, as provas constantes do processo e provenientes da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems mostram apenas que determinados produtores de cabos elétricos se reuniam, mas que não chegaram a celebrar um acordo. Por outro lado, as provas provenientes da ABB demonstram apenas a existência de uma tentativa de cooperação legítima e pró‑concorrencial no âmbito de um consórcio jurídico.

105    Por último, as recorrentes contestam o valor probatório dos elementos de prova diretos referidos na decisão impugnada para confirmar a existência da infração desde 18 de fevereiro de 1999. A maior parte dessas provas consistem em notas nas agendas, que são genéricas, pouco percetíveis e não dão informações relativas ao conteúdo de eventuais reuniões, ou aos seus participantes.

106    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes.

107    No que diz respeito à data escolhida pela Comissão como data do inicio da participação da Nexans France na infração, há que salientar que tanto a Nexans France como a Nexans tiveram a sua origem nas atividades em matéria de cabos elétricos do grupo composto pela [confidencial] (1) e as suas filiais.

108    Assim, em 13 de novembro de 2000, uma filial da [confidencial], designadamente a [confidencial], transferiu a maior parte das suas atividades no domínio dos cabos elétricos subterrâneos para uma das suas filiais, denominada Vivalec, posteriormente denominada Nexans France. Essa transferência de atividades incluiu igualmente a de vários empregados, como B., R. e J. Nos meses que se seguiram, as restantes atividades em matéria de cabos elétricos pertencentes a várias filiais da [confidencial] foram transferidas para uma filial detida integralmente por esta, denominada [confidencial]. Mais tarde, mas antes de 12 de junho de 2001, a Nexans France e a [confidencial] foram vendidas à Nexans, uma filial da [confidencial] constituída de raiz. Em 12 de junho de 2001, a [confidencial] cedeu quase 80 % das quotas da Nexans por ocasião da introdução em bolsa desta, que se tornou independente do grupo [confidencial]. Em seguida, a [confidencial] cedeu a totalidade das suas quotas na Nexans, que se tornou a sociedade‑mãe do grupo Nexans (considerandos 709 e 711 da decisão impugnada).

109    Na decisão impugnada, a Comissão referiu que as provas demonstravam que os empregados da [confidencial] que tinham sido transferidos em 13 de novembro de 2000 para a Vivalec, posteriormente denominada Nexans France, tinham participado diretamente na infração a partir de 18 de fevereiro de 1999 e até 28 de janeiro de 2009. A Comissão decidiu não enviar a comunicação de acusações às sociedades do grupo composto pela [confidencial] e as suas filiais. Também não se pronunciou sobre a questão de saber se a Nexans France era responsável pela participação no cartel antes de 13 de novembro de 2000, enquanto sucessora da [confidencial]. Em contrapartida, decidiu escolher esta data como a data do inicio da participação da Nexans France na infração. Quanto à Nexans, assume a responsabilidade enquanto sociedade‑mãe pelo comportamento da Nexans France apenas a partir de 12 de junho de 2001 (considerandos 710, 711 e 912 da decisão impugnada).

110    Resulta do exposto que a data de 13 de novembro de 2000, escolhida pela Comissão como a data do inicio da participação da Nexans France na infração, marca, na realidade, apenas a data da transferência para a Vivalec, posteriormente denominada Nexans France, das atividades da [confidencial] afetadas por uma infração que, de acordo com a Comissão, já existia, transferência essa que abrangeu igualmente os principais empregados dessas sociedades envolvidos nas práticas anticoncorrenciais, designadamente B., R. e J.

111    Daqui decorre que a análise do mérito do presente fundamento deve centrar‑se na questão de saber se, no dia 13 de novembro de 2000, a infração que é objeto da decisão impugnada, qualificada pela Comissão como única e continuada, já existia e se os empregados em causa da [confidencial], transferidos para a Vivalec, posteriormente denominada Nexans France, já tinham participado na prática dessa infração antes dessa data, de modo que a sua participação na reunião A/R de 22 de fevereiro de 2001 em Londres apenas pode ser considerada uma continuação das suas atividades anticoncorrenciais anteriores. Não é necessário, a este respeito, verificar se a Comissão fixou corretamente o inicio da infração em causa na decisão impugnada em 18 de fevereiro de 1999. De facto, no caso em apreço, o que importa não é saber se essa infração teve inicio em 18 de fevereiro de 1999, mas saber se ela já existia, o mais tardar, em 13 de novembro de 2000 e se os empregados em causa tinham estado envolvidos nessa infração antes da referida reunião.

112    A este respeito, em primeiro lugar, quanto à existência da infração antes de 13 de novembro de 2000, decorre dos considerandos 137 a 157 da decisão impugnada, que remetem para as declarações da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems no âmbito do seu pedido conjunto de imunidade, bem como para os documentos contemporâneos dos factos que estas forneceram no quadro desse pedido, que, entre 18 de fevereiro de 1999 e 22 de fevereiro de 2001, os representantes da [confidencial], mais precisamente J. e R., participaram em várias reuniões cujo objetivo era elaborar as regras de atribuição dos projetos de cabos elétricos submarinos e subterrâneos localizados em diferentes partes do mundo ou atribuir esses projetos aos participantes do cartel. Trata‑se das reuniões A/R organizadas em 18 de fevereiro de 1999 em Zurique (Suíça), em 24 de março de 1999 em Kuala Lumpur, em 3 e 4 de junho de 1999 em Tóquio (Japão), em 26 de julho de 1999 em Londres e em 19 de outubro de 1999 em Kuala Lumpur. No que diz respeito ao ano 2000, a Comissão referiu a organização de, pelo menos, quatro reuniões, em 1 e 2 de março, 11 de maio, julho e 29 de novembro (considerando 146 e anexo I da decisão impugnada). Concluiu igualmente que, de acordo com as notas constantes da agenda fornecida pela Sumitomo Electric Industries, pela Hitachi Cable e pela J‑Power Systems, R. e J. tinham participado nessas reuniões em nome da [confidencial] (considerando 146 da decisão impugnada).

113    No que diz respeito ao conteúdo dessas reuniões, as provas referidas pela Comissão na decisão impugnada, nomeadamente as notas das reuniões reproduzidas na decisão impugnada, dão conta das discussões relativas à elaboração de um acordo sobre a partilha dos mercados, nomeadamente à execução de um acordo sobre o «território nacional» e de um acordo sobre a partilha dos «territórios de exportação» segundo uma quota preestabelecida. A Comissão invoca igualmente provas que confirmam que as atribuições dos projetos ocorreram também logo a partir de 1999. A este respeito, reproduz na referida decisão um modelo de folha de posição, que era um documento que permitia registar e gerir as atribuições dos projetos de cabos elétricos aos vários participantes no cartel. De acordo com a Comissão, as discussões que tinham lugar nas reuniões acima referidas incidiam igualmente sobre a possibilidade de envolver nesses acordos empresas europeias como a ABB, a Brugg Kabel e a Sagem, bem como sobre a necessidade de nomear um coordenador japonês, tendo em vista assegurar uma boa comunicação entre os dois lados do cartel.

114    Além disso, a Comissão conclui que as provas fornecidas pela Sumitomo Electric Industries, pela Hitachi Cable e pela J‑Power Systems no âmbito do seu pedido conjunto de imunidade, nas quais se baseou para demonstrar a existência do cartel antes de 13 de novembro de 2000, eram corroboradas pelas declarações orais efetuadas pela ABB no âmbito do seu pedido de imunidade, bem como pelos documentos contemporâneos que esta apresentou no âmbito desse pedido. De facto, nos considerandos 149 e 150 da decisão impugnada, a Comissão remete para as declarações da ABB relativas a uma reunião entre um empregado desta sociedade e um empregado da [confidencial], em abril de 2000, e a represálias que a ABB sofreu em maio de 2000 por parte da Pirelli por ter realizado um projeto em Itália, território reservado a esta empresa. Reproduz igualmente, no considerando 151 dessa decisão, o conteúdo de uma mensagem de correio eletrónico e de notas internas que confirmam que, em abril de 2000, a ABB já estava envolvida no «acordo no território nacional», bem como na subsequente partilha dos projetos europeus entre os membros R do cartel.

115    Em segundo lugar, os elementos de prova referidos pela Comissão confirmam igualmente que os empregados da [confidencial] desempenharam um papel importante na elaboração e no funcionamento dos acordos que integram a infração declarada na decisão impugnada. Não só estavam ativos no âmbito do cartel desde a reunião de 18 de fevereiro de 1999, em Zurique, mas também se comprometeram a envolver outras empresas europeias no cartel, como resulta das notas da reunião de 26 de julho de 1999, em Londres, referidas no considerando 141 dessa decisão. Além disso, como a Comissão salientou no considerando 154 dessa decisão, as declarações orais da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems permitem confirmar que J., ou seja, um empregado da [confidencial], era o autor da primeira folha de posição invocada pela Comissão na decisão impugnada e datada de setembro de 2000.

116    Há que salientar que a transferência das atividades da [confidencial], em novembro de 2000, para a Vivalec, posteriormente denominada Nexans France, não alterou o modo de funcionamento do cartel. De facto, as mesmas pessoas continuaram a representar a empresa nas reuniões do cartel, desempenhando o mesmo papel no âmbito da infração. Nomeadamente, após novembro de 2000, J. continuou a ser responsável pela preparação e a atualização das folhas de posição e a assegurar as funções de secretário do «grupo R», encarregado dos contactos com o «lado A» do cartel (v., nomeadamente, considerandos 94, 96, 99 e 211 da decisão impugnada).

117    Por último, importa salientar o caráter único e continuado da infração e o facto de as provas recolhidas pela Comissão não referirem uma rotura no cartel durante o período compreendido entre o inicio de 1999 e o inicio de 2001. Resulta igualmente da decisão impugnada que os representantes da [confidencial], R. e J., estiveram presentes nas reuniões do cartel tanto em 1999 como em 2000, ainda que, como assinala a Comissão no considerando 146 da decisão impugnada, seja possível que não tenham estado presentes em todas as reuniões organizadas em 2000.

118    A possibilidade de determinados membros do pessoal da [confidencial] terem faltado a uma das reuniões do cartel organizadas em 2000 não pode pôr em dúvida a continuidade da participação da empresa em causa no cartel, nomeadamente tendo em conta o conteúdo das notas da reunião A/R de 22 de fevereiro de 2001, em Londres, reunião essa que, de acordo com as recorrentes, marca o início da participação da Nexans France no cartel. Essas notas contêm uma lista de presenças na qual, ao lado dos nomes dos empregados da Nexans France, J. e R., figura o termo «[confidencial]», o que indica que se trata de antigos empregados da [confidencial]. Além disso, essas notas referem o arranque das atividades da Nexans France, especificam que a introdução em bolsa da Nexans foi adiada, mas que se confirmou, e que a [confidencial] passava a ser uma empresa de telecomunicações. Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, as notas da referida reunião confirmam que a participação da Nexans France nessa reunião não era mais do que uma continuação das atividades colusórias anteriores de [J.] e [R.] após uma restruturação da atividade de produção dos cabos elétricos no grupo composto pela [confidencial] e as suas filiais.

119    Resulta destes elementos que, por um lado, o mais tardar em meados de 2000, o cartel cuja existência foi dada como provada pela Comissão na decisão impugnada já estava criado e a [confidencial], representada nomeadamente por R. e J., era um dos membros fundadores desse cartel. Por outro lado, resulta igualmente desses elementos que a Comissão partiu corretamente do princípio de que a participação da Nexans France no cartel não era mais do que uma continuação das práticas levadas a cabo pelos empregados da [confidencial] a partir do início de 1999. Por conseguinte, a Comissão podia considerar, sem cometer qualquer erro, que a participação da Nexans France no cartel começara em 13 de novembro de 2000, no momento da transferência para a Vivalec, posteriormente denominada Nexans France, das atividades da [confidencial] no domínio dos cabos elétricos subterrâneos, incluindo a dos empregados diretamente envolvidos no cartel.

120    Os argumentos das recorrentes não são suscetíveis de pôr em causa esta conclusão.

121    Em primeiro lugar, há que observar que as recorrentes procuram pôr em causa o valor probatório dos elementos de prova recolhidos pela Comissão apresentando‑os e analisando‑os de forma isolada. Analisam separadamente as declarações dos requerentes de clemência e os elementos de prova contemporâneos que esses requerentes forneceram no âmbito dos seus pedidos.

122    A este respeito, importa recordar que, embora a Comissão seja obrigada a apresentar provas precisas e coerentes para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, cada uma das provas por ela apresentadas não tem de corresponder necessariamente a esses critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha esse requisito. Assim, os indícios invocados pela Comissão na decisão impugnada para provar a existência de uma violação dessa disposição por uma empresa devem ser apreciados, não isoladamente, mas na sua globalidade (v. Acórdãos de 17 de maio de 2013, Trelleborg Industrie e Trelleborg/Comissão, T‑147/09 e T‑148/09, EU:T:2013:259, n.o 51 e jurisprudência aí referida, e de 12 de dezembro de 2014, Repsol Lubricantes y Especialidades e o./Comissão, T‑562/08, não publicado, EU:T:2014:1078, n.os 152 e 153 e jurisprudência aí referida). Além disso, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras de concorrência (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Total Marketing Services/Comissão, C‑634/13 P, EU:C:2015:614, n.o 26).

123    No caso em apreço, como foi acima exposto nos n.os 112 a 115, os elementos de prova apresentados pela Comissão na decisão impugnada confirmam um estabelecimento de contactos ilegal entre os produtores de cabos elétricos submarinos e subterrâneos europeus e japoneses, a elaboração de um acordo complexo relativo a uma partilha de mercados entre eles e a execução desse acordo a partir do início de 1999. Essas provas confirmam igualmente que os empregados da [confidencial], posteriormente denominada Vivalec e, a seguir, Nexans France, desempenharam um papel central nesses contactos.

124    Em segundo lugar, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, as conclusões da Comissão relativas à existência da infração durante o período compreendido entre o início de 1999 e o inicio de 2001 não se fundamentam apenas nos elementos de prova que lhe foram transmitidos pela Sumitomo Electric Industries, pela Hitachi Cable e pela J‑Power Systems no âmbito do seu pedido conjunto de imunidade. Embora seja verdade que esses elementos são invocados mais vezes em apoio das observações da Comissão, esta baseia‑se igualmente nos elementos de prova apresentados pela ABB, que se referem expressamente à participação da [confidencial] na infração.

125    As recorrentes estão equivocadas quanto ao significado do considerando 1064 da decisão impugnada quando afirmam que a própria Comissão confirmou que se baseou apenas nas declarações da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems para dar como provada a existência da infração durante o seu período inicial. Nesse considerando, que consta da parte dedicada à apreciação, para efeitos de fixação da coima, da colaboração conjunta da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems enquanto segundo requerente de clemência, a Comissão limitou‑se a observar que as informações apresentadas por esses requerentes estavam relacionadas com as provas determinantes, na aceção do n.o 26 da comunicação sobre a clemência, ou seja, provas com um grande valor probatório. A Comissão salientou igualmente que estava em condições de dar como provada a existência da infração durante o período compreendido entre 18 de fevereiro de 1999 e 1 de março de 2001 apenas com base nessas informações, o que, em si mesmo, não exclui que dispunha de outros elementos de prova relativos a esse período, nomeadamente os fornecidos pela ABB, que foi a primeira a contactar a Comissão e a iniciar a colaboração no âmbito criado pela referida comunicação.

126    Em terceiro lugar, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não há razão para questionar a sinceridade e a fiabilidade das declarações da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems, nem as da ABB.

127    De facto, de acordo com a jurisprudência, nenhuma disposição nem nenhum princípio geral do direito da União proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa declarações de outras empresas arguidas. Se assim não fosse, o ónus da prova de comportamentos contrários ao artigo 101.o TFUE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado FUE (v. Acórdão de 25 de outubro de 2005, Grupo Danone/Comissão, T‑38/02, EU:T:2005:367, n.o 285 e jurisprudência aí referida).

128    Embora se devam geralmente encarar com certa desconfiança os depoimentos voluntários dos principais participantes num cartel ilícito, tendo em conta a possibilidade de esses participantes tenderem a facultar o maior número de elementos de acusação relativamente à atividade dos seus concorrentes, não é menos verdade que o facto de se requerer o benefício da aplicação da comunicação sobre a cooperação a fim de obter uma imunidade em matéria de coima ou uma redução do seu montante não cria necessariamente um incentivo à apresentação de elementos de prova deformados no que diz respeito à participação dos outros membros do cartel. De facto, qualquer tentativa de induzir a Comissão em erro pode pôr em causa a sinceridade, bem como a integridade, da cooperação do requerente e, portanto, pôr em risco a possibilidade de este beneficiar plenamente da comunicação sobre a cooperação (Acórdão de 12 de julho de 2011, Toshiba/Comissão, T‑113/07, EU:T:2011:343, n.o 94).

129    No caso em apreço, é verdade que a Comissão questionou a fiabilidade das declarações da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems no seu pedido conjunto de imunidade e, consequentemente, limitou a redução do montante da coima a aplicar a essas empresas de 50 % para 45 %. Contudo, as dúvidas da Comissão não diziam respeito ao início da infração, mas apenas à data da saída da J‑Power Systems do cartel, uma vez que os requerentes de clemência referiram datas diferentes para essa saída. Em contrapartida, no que diz respeito ao período inicial do cartel, a Comissão sublinhou, no considerando 1064 da decisão impugnada, que as provas fornecidas pela Sumitomo Electric Industries, pela Hitachi Cable e pela J‑Power Systems tinham sido determinantes.

130    Por outro lado, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, as declarações apresentadas pela Sumitomo Electric Industries, pela Hitachi Cable e pela J‑Power Systems não podem ser consideradas meras provas «baseadas em rumores». De facto, trata‑se das declarações feitas pelos representantes legais dessas empresas, contextualizadas por elementos de prova contemporâneos dos factos, como os extratos das agendas e as notas das reuniões. As provas provenientes da Sumitomo Electric Industries, da Hitachi Cable e da J‑Power Systems são, de resto, corroboradas pelas provas fornecidas pela ABB no âmbito do seu próprio pedido de imunidade (v. n.o 114, supra).

131    Além disso, quanto à alegação das recorrentes de que a ABB, no âmbito do seu recurso contra a decisão impugnada, registado com o número T‑445/14, parece contestar a data escolhida pela Comissão para marcar o início da sua participação no cartel, deve ser julgada inoperante, na medida em que não tem implicações no valor das provas que esta empresa forneceu no seu pedido de imunidade, que confirmam a existência do cartel a partir de meados de 2000.

132    Em quarto lugar, quanto ao argumento das recorrentes de que resulta das declarações dos requerentes de clemência que, em 1999 e em 2000, o cartel ainda não existia, basta recordar que, de acordo com jurisprudência constante, para que exista um acordo na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE basta que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportar no mercado de uma determinada maneira. Pode considerar‑se que foi celebrado um acordo na aceção da referida disposição quando exista concordância de vontades quanto ao próprio princípio de restringir a concorrência, mesmo que os elementos específicos da restrição prevista sejam ainda objeto de negociações (v. Acórdão de 16 de junho de 2011, Solvay/Comissão, T‑186/06, EU:T:2011:276, n.os 85 e 86 e jurisprudência aí referida).

133    Por outro lado, decorre da jurisprudência que, de acordo com a conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado comum. Embora esta exigência de autonomia não exclua o direito de os operadores económicos se adaptarem inteligentemente ao comportamento conhecido ou previsto dos seus concorrentes, opõe‑se, todavia, rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos, direto ou indireto, entre tais operadores suscetível de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente atual ou potencial, ou de revelar a esse concorrente o comportamento que o próprio decidiu ou perspetivou adotar no mercado, quando esses contactos tenham como objetivo ou efeito conduzir a condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa, atendendo à natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, à importância e ao número das empresas (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.os 116 a 118 e jurisprudência aí referida).

134    No caso em apreço, como acima resulta dos n.os 111 a 134, ficou provado que, em 1999 e em 2000, os representantes dos principais produtores de cabos elétricos submarinos e subterrâneos japoneses e europeus, incluindo da Nexans France, se reuniram para elaborar as regras de atribuição dos projetos de cabos elétricos submarinos e subterrâneos localizados em diferentes partes do mundo ou atribuir esses projetos aos participantes no cartel. Embora a negociação dessas regras se tenha prolongado no tempo, não existe qualquer dúvida de que os representantes das empresas que participaram nessas reuniões partilhavam uma vontade comum de repartir entre eles os mercados de projetos de cabos elétricos submarinos e subterrâneos e, por conseguinte, celebraram um acordo anticoncorrencial na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

135    Resulta de todas estas considerações que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

136    Em face do exposto, há que concluir que as recorrentes não conseguiram demonstrar a existência de uma ilegalidade ou de um erro cometido pela Comissão que justifique a anulação total ou parcial da decisão impugnada.

137    Por conseguinte, os pedidos de anulação devem ser julgados improcedentes.

B.      Quanto aos pedidos de redução do montante das coimas aplicadas

138    Antes de analisar os vários pedidos das recorrentes destinados a obter uma redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas, importa recordar que a fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o artigo 261.o TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada. Porém, impõe‑se realçar que o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização a título oficioso e recordar que a tramitação processual nos órgãos jurisdicionais da União obedece ao princípio do contraditório. Com exceção dos fundamentos de ordem pública que o juiz tem o dever de suscitar oficiosamente, como a inexistência de fundamentação da decisão impugnada, é ao recorrente que compete suscitar fundamentos contra essa decisão e apresentar elementos de prova que alicercem estes fundamentos (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, EU:C:2011:816, n.os 130 e 131).

139    As recorrentes pedem a redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas, a fim de ter em conta, por um lado, o erro cometido pela Comissão no que diz respeito à duração da participação da Nexans France na infração e, por outro, os erros cometidos pela Comissão no que diz respeito ao coeficiente de gravidade que lhe foi aplicado.

1.      Quanto ao erro cometido pela Comissão no que diz respeito à duração da participação da Nexans France na infração

140    Importa salientar que a duração da participação da Nexans France no cartel faz parte dos elementos constitutivos da infração tal como foi declarada pela Comissão na decisão impugnada e não pode, a esse título, ser analisada pelo juiz da União com base no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 77). Por outro lado, na medida em que o pedido das recorrentes a este respeito deva ser interpretado no sentido de que visa que o Tribunal Geral substitua a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação no que diz respeito ao coeficiente multiplicador relativo à duração utilizado pela Comissão para calcular o montante das coimas aplicadas às recorrentes, há que salientar que esse pedido assenta apenas no argumento de que a Comissão cometeu um erro ao fixar o início da participação da Nexans France na infração em 13 de novembro de 2000. Ora, por um lado, importa salientar que tal argumento é inoperante no que diz respeito à coima aplicada às recorrentes pelo artigo 2.o, alínea d), da decisão impugnada, uma vez que a coima em questão foi aplicada às recorrentes devido à participação na infração da empresa que elas formavam, na aceção do artigo 101.o TFUE, durante o período compreendido entre 12 de junho de 2001 e 28 de janeiro de 2009. Por outro lado, importa salientar igualmente que a análise do segundo fundamento do recurso, suscitado em apoio dos pedidos de anulação, não revelou nenhum erro da Comissão na fixação do início da participação da Nexans France na infração em 13 de novembro de 2000. Dado que as recorrentes não apresentaram elementos suplementares suscetíveis de justificar, no caso em apreço, uma alteração dos coeficientes multiplicadores utilizados pela Comissão para calcular o montante de base das coimas que lhes foram aplicadas pela decisão impugnada, há que julgar improcedente o seu pedido de redução do montante das referidas coimas na parte em que este se baseia no alegado erro cometido pela Comissão quanto à duração da participação da Nexans France na infração.

2.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação e à violação do dever de fundamentação e do princípio da igualdade de tratamento na fixação do coeficiente de gravidade para o cálculo do montante das coimas

141    O presente fundamento está dividido em três partes. Na primeira parte, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o dever de fundamentação ao não reduzir o coeficiente de gravidade atendendo às provas de que a implementação do cartel foi parcial e limitada, e amplamente ineficaz. Na segunda parte, sustentam que a Comissão cometeu um erro ao aumentar o referido coeficiente para ter em conta a quota de mercado acumulada das partes. Na terceira parte, alegam que, ao aplicar‑lhes tal coeficiente, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

142    Antes de analisar as três partes do presente fundamento, há que recordar que, nos termos do artigo 23.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas que tenham cometido, deliberadamente ou por negligência, uma infração às disposições do artigo 101.o, n.o 1, TFUE coimas cujo montante é determinado tomando em consideração nomeadamente a gravidade e a duração da infração.

143    De acordo com os n.os 19 a 22 das orientações para o cálculo das coimas de 2006, um dos dois fatores nos quais se baseia o montante de base da coima é a proporção do valor das vendas em causa, determinada em função do grau de gravidade da infração. A apreciação da gravidade da infração é efetuada caso a caso para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto. Para decidir qual a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso, a Comissão tem em conta determinados fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado acumulada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e a prática da infração.

144    A Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito pelas regras de concorrência (v. Acórdãos de 12 de dezembro de 2012, Novácke chemické závody/Comissão, T‑352/09, EU:T:2012:673, n.o 43 e jurisprudência aí referida, e de 14 de março de 2013, Dole Food e Dole Germany/Comissão, T‑588/08, EU:T:2013:130, n.o 662 e jurisprudência aí referida). Contudo, na fiscalização do montante da coima, o juiz não se pode apoiar nessa margem de apreciação, nem relativamente à escolha dos elementos a ter em conta na aplicação dos critérios referidos nas orientações para o cálculo das coimas de 2006 nem relativamente à avaliação destes elementos, renunciando ao exercício de uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, EU:C:2011:810, n.o 102). De igual modo, cada vez que a Comissão decide aplicar coimas nos termos do direito da concorrência, é obrigada a observar os princípios gerais de direito, entre os quais figuram os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como interpretados pelos órgãos jurisdicionais da União (Acórdão de 12 de dezembro de 2012, Novácke chemické závody/Comissão, T‑352/09, EU:T:2012:673, n.o 44).

145    No caso em apreço, há que recordar que, na decisão impugnada, em especial nos considerandos 997 a 1010, a Comissão considerou que, quanto ao montante de base da coima e à determinação da gravidade, a infração, pela sua natureza, constituía uma das restrições mais graves da concorrência, o que justificava, no seu entender, a aplicação de uma percentagem de 15 %. De igual modo, aplicou uma majoração de 2 % da referida percentagem a todos os destinatários pela sua quota de mercado acumulada e pelo âmbito geográfico quase mundial do cartel, que abrangia, nomeadamente, todo o território do EEE. Por outro lado, considerou, nomeadamente, que o comportamento das empresas europeias, incluindo as recorrentes, era mais prejudicial para a concorrência do que o das outras empresas, na medida em que, para além da sua participação na «configuração A/R do cartel», as empresas europeias partilharam entre elas os projetos de cabos elétricos no âmbito da «configuração europeia do cartel». Por essa razão, fixou a proporção do valor das vendas a ter em consideração pela gravidade da infração em 19 % para as empresas europeias e em 17 % para as outras empresas.

146    É à luz destas considerações que há que analisar as três partes do fundamento invocado pelas recorrentes.

a)      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento

147    As recorrentes sublinham que, durante o procedimento administrativo, tinham apresentado argumentos que demonstravam que a maioria das vendas de cabos elétricos não tinha sido afetada pela infração declarada na decisão impugnada. Sustentam que, ao recusar reduzir a proporção do valor das vendas a fim de ter em conta essa prática parcial e amplamente ineficaz da infração, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e feriu a decisão impugnada de falta de fundamentação no que diz respeito ao pedido das recorrentes de redução do coeficiente de gravidade.

148    A este respeito, as recorrentes esclarecem, em primeiro lugar, que o acordo sobre o «território nacional» não teve efeitos no mercado europeu, na medida em que, por razões tecnológicas e logísticas, as empresas japonesas não constituíam uma ameaça real para os produtores europeus nesse mercado. Assim, mesmo na falta de acordo, o resultado dos concursos europeus referidos na decisão impugnada não teria sido diferente.

149    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que o cartel só afetou uma parte muito limitada das vendas de cabos elétricos na Europa. Referem que, durante o período em causa, efetuaram mais de 4 000 vendas europeias de cabos elétricos relacionadas com a infração. Ora, a comunicação de acusações apenas descreveu menos de 100 casos de manipulação de concursos. Afirmam que não existe um mercado único europeu para os cabos elétricos subterrâneos e submarinos no qual todas as vendas sejam efetuadas da mesma forma e nas mesmas condições de concorrência. Portanto, a Comissão não podia proceder por extrapolação a partir de uma pequena parte dos projetos que envolviam cabos elétricos, nomeadamente projetos destinados a operadores de redes de transporte, para demonstrar a existência de uma infração que afetava um grande mercado. As recorrentes alegam igualmente que a Comissão não demonstrou a existência de um efeito da infração sobre os preços faturados aos clientes ou nos preços pagos pelos consumidores.

150    Em terceiro lugar, de acordo com as recorrentes, no que diz respeito à maioria das vendas de cabos elétricos abrangidas pelo âmbito de aplicação da decisão impugnada, não existe qualquer prova de uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

151    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que, ainda que existam provas de um acordo entre os concorrentes relativo às vendas de cabos elétricos, na maioria dos casos, esse acordo não pôde ser executado. Entre os motivos que impediram a execução do acordo, que ilustram com exemplos, referem o caso de um projeto que não se concretizou, o contrato público que foi objeto de discussões no âmbito do cartel e que foi anulado, um caso de cooperação legítima entre os fabricantes de cabos elétricos, o caso de um cliente que não procurava propostas competitivas, devido, nomeadamente, ao seu interesse por uma tecnologia patenteada por um produtor em particular, e um caso de atribuição de um projeto a uma empresa que não participava no cartel, apesar de esse projeto ter sido objeto de discussões entre os membros do cartel. Afirmam igualmente que a sua estrutura interna impossibilitava a execução do acordo, uma vez que os membros do pessoal que participaram nas reuniões do cartel muitas vezes não tinham contacto com as equipas que preparavam as propostas. Do mesmo modo, o período muito longo de preparação dos projetos de cabos elétricos e as alterações dos clientes e das especificações das propostas tornavam ineficazes os contactos iniciais entre os concorrentes.

152    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

1)      Quanto ao alegado erro de apreciação

153    Há que observar, por um lado, que, com os seus argumentos, as recorrentes acusam a Comissão, no essencial, de não ter tido em conta, na fase da fixação das coimas, o caráter limitado, ou mesmo a ausência, dos efeitos reais da infração no mercado em causa. As recorrentes sustentam, nomeadamente, que a infração não «afetou» a maioria das vendas de cabos elétricos referidas na comunicação de acusações e que o acordo «não teve qualquer efeito sobre os clientes», nomeadamente sobre os preços que lhes foram faturados. Por último, alegam que circunstâncias de facto exteriores ao cartel reduziram os seus efeitos.

154    Por outro lado, alguns argumentos das recorrentes fazem igualmente referência à falta de prova da existência do acordo. De resto, a resposta dada pela Comissão aos argumentos das recorrentes coloca‑se igualmente no plano da demonstração da existência da infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, nomeadamente pela questão de saber se é necessário demonstrar os efeitos de uma infração que, consistindo numa partilha de mercados, pode ser qualificada como infração pelo objetivo. A Comissão sustenta, no essencial, que, uma vez que a infração declarada na decisão impugnada constitui uma infração pelo objetivo, de acordo com jurisprudência constante (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Expedia, C‑226/11, EU:C:2012:795, n.o 35 e jurisprudência aí referida), a Comissão não tinha de demonstrar os seus efeitos. Refere‑se igualmente à jurisprudência de acordo com a qual a execução, mesmo que parcial, de um acordo cujo objetivo é anticoncorrencial basta para afastar a possibilidade de se concluir por uma ausência de impacto do referido acordo no mercado (Acórdão de 25 de outubro de 2005, Grupo Danone/Comissão, T‑38/02, EU:T:2005:367, n.o 148).

155    Na réplica, as recorrentes clarificaram as suas declarações, referindo que os seus argumentos relativos à prática limitada da infração e à ausência de impacto da infração nos preços são invocados a propósito da gravidade da infração e não em relação à declaração da sua existência. De acordo com as recorrentes, um acordo anticoncorrencial que não foi plenamente executado e que, em todo o caso, não teve qualquer efeito sobre os preços pagos pelos clientes deve ser considerado menos grave do que um acordo que seja plenamente executado e que cause prejuízo aos clientes ao fazer aumentar os preços.

156    A este respeito, há que observar que a maior parte dos argumentos das recorrentes, acima resumidos nos n.os 153 a 155, resultam de uma confusão entre o conceito de «prática» da infração, constante do n.o 22 das orientações para o cálculo das coimas de 2006, e o conceito de «impacto concreto no mercado» que, quando quantificável, podia ser tido em conta pela Comissão na fixação da coima, de acordo com as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2 do artigo 15.o, do Regulamento n.o 17 e do n.o 5 do artigo 65.o [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações para o cálculo das coimas de 1998»). Ora, de acordo com a própria redação do n.o 22 das orientações para o cálculo das coimas de 2006, aplicáveis aos factos do caso em apreço, a Comissão não tem necessariamente que ter em conta o impacto concreto no mercado, ou a sua ausência, como fator agravante ou atenuante na apreciação da gravidade da infração para efeitos de cálculo da coima. Basta que, como no caso em apreço, o nível da proporção do valor das vendas a tomar em consideração, fixado pela Comissão, seja justificado por outros elementos suscetíveis de influenciar a determinação da gravidade nos termos dessa disposição, como a própria natureza da infração, a quota de mercado acumulada de todas as partes em causa e o seu âmbito geográfico.

157    Portanto, na medida em que, com os seus argumentos, as recorrentes visam demonstrar que, por motivos alheios à vontade dos membros do cartel, este não chegou a desenvolver os seus efeitos ou a obter os resultados pretendidos, esses argumentos devem ser considerados improcedentes.

158    Na medida em que a argumentação das recorrentes deva ser entendida no sentido de que estas consideram que a Comissão não demonstrou a prática da infração, também não pode proceder.

159    De facto, importa salientar que o único argumento apresentado pelas recorrentes que poderia ser considerado relacionado com a prática da infração é o de que a Nexans France não conseguiu executar os acordos devido à sua organização interna, dado que os membros do pessoal que participaram nas reuniões do cartel não tinham contacto com as equipas que preparavam as propostas. Ora, este argumento não pode ser acolhido, uma vez que a alegada incapacidade para seguir as indicações decorrentes dos acordos em causa não é suficiente para ilidir a conclusão da Comissão, baseada nas provas apresentados na decisão impugnada e não contestadas pelas recorrentes, de que a Nexans France, tal como todos os outros membros do cartel, respeitou globalmente o acordo sobre o «território nacional» e participou na partilha, entre os produtores asiáticos e os produtores europeus, dos projetos de cabos elétricos a realizar nos «territórios de exportação», bem como na partilha, entre os produtores europeus, dos projetos de cabos elétricos a realizar nos «territórios de exportação» atribuídos a estes e dos projetos de cabos elétricos a realizar no «território nacional» dos produtores europeus.

2)      Quanto à alegada violação do dever de fundamentação

160    No que diz respeito à acusação relativa à falta de fundamentação, importa recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 147 e jurisprudência aí referida).

161    No caso em apreço, importa salientar que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão, no considerando 1007 da decisão impugnada, em resposta aos argumentos apresentados pelas recorrentes no quadro do procedimento administrativo, explicou por que razão considerava que a infração única e continuada fora plenamente posta em prática. De facto, a Comissão recordou que os órgãos jurisdicionais da União tinham confirmado que «o facto de não se executar os acordos na sua totalidade não significa que os acordos colusórios não tenham sido aplicados na prática» e que o facto de «[a Comissão] não ter na sua posse elementos que demonstrem a existência de uma colusão em cada Estado‑Membro e parte contratante abrangidos pelo cartel não significa que este não tenha sido executado».

162    De igual modo, no considerando 1006 da decisão impugnada, a Comissão respondeu ao argumento das recorrentes, igualmente invocado no procedimento administrativo, de que a infração não tinha tido qualquer impacto na concorrência no EEE alegando que, na medida em que os acordos punidos pela decisão impugnada constituíam uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não era necessário, para efeitos de cálculo da coima, demonstrar o grau de impacto desses acordos no mercado ou na concorrência, ou tê‑lo em conta.

163    A este respeito, importa sublinhar que o facto de a jurisprudência referida pela Comissão na nota n.o 1413, em apoio da explicação fornecida no considerando 1006 da decisão impugnada, não ser relevante e de a referida explicação não constituir um fundamento adequado para a recusa de tomar em consideração a alegada inexistência de efeitos da infração no EEE na fase da apreciação da gravidade desta (v. n.o 156, supra), é inoperante na medida em que é invocada em apoio da presente alegação.

164    De facto, de acordo com jurisprudência constante, o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade em sede de mérito do ato controvertido. As alegações e os argumentos que pretendam contestar o mérito desse ato são, assim, inoperantes no âmbito de um fundamento assente na falta ou insuficiência de fundamentação (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.os 35 a 38, e de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, EU:T:2005:221, n.o os 52 e 59).

165    Assim, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

166    As recorrentes salientam que resulta dos considerandos 998 a 1010 da decisão impugnada que a Comissão aumentou a proporção do valor das vendas em 2 % para todas as empresas, por um lado, devido à dimensão da quota de mercado acumulada de todas as empresas e, por outro, devido ao âmbito geográfico da infração. Alegam que o aumento baseado na dimensão da quota de mercado acumulada não tem fundamento, uma vez que alguns participantes mudaram durante a infração e que, nomeadamente, determinadas empresas aderiram à infração muito depois de 18 de fevereiro de 1999 e terminaram a sua participação antes da data final de 28 de janeiro de 2009.

167    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

168    A este respeito, importa salientar que, ainda que, como sustentam as recorrentes, nem todas as empresas envolvidas tenham participado no cartel durante todo o período em causa, não é menos verdade que, por um lado, durante a maior parte da sua existência, o cartel agrupava os principais produtores europeus e japoneses de cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta e muito alta tensão. Além disso, durante o período compreendido entre o final de 2001 e 2006, o cartel foi reforçado com a participação de fornecedores europeus de menor dimensão como a Brugg Kabel, a nkt cables, a Safran e a Silec Cable e, no período compreendido entre o final de 2002 e meados de 2005, com a participação de fornecedores sul‑coreanos. Por outro lado, como salienta a Comissão, sem que as recorrentes o impugnem, o número de atores do mercado em causa que não são destinatários da decisão impugnada é muito reduzido. Nestas circunstâncias, há que concluir, na sequência de uma fiscalização aprofundada, que a Comissão podia considerar, sem cometer qualquer erro, que todos os destinatários da decisão, conjuntamente, constituíam a quase totalidade das empresas de cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta e muito alta tensão no mercado do EEE. A Comissão podia também legitimamente considerar que esse elemento e o âmbito geográfico quase mundial do cartel, não impugnado pelas recorrentes, agravavam a infração e, consequentemente, aumentavam a proporção do valor das vendas a ter em conta em 2 %.

169    Por conseguinte, improcede a segunda parte do terceiro fundamento.

c)      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento

170    As recorrentes alegam que a diferenciação efetuada pela Comissão entre as empresas europeias e as empresas japonesas no que diz respeito à proporção do valor das vendas considerada para ter em conta a gravidade da infração é contrária ao princípio da igualdade de tratamento.

171    As recorrentes recordam que a proporção do valor das vendas aplicada pela Comissão às empresas europeias era 2 % superior à aplicada às outras empresas. Para fundamentar esta diferenciação, a Comissão salientou, no considerando 999 da decisão impugnada, que, para além dos mecanismos de atribuição da «configuração A/R do cartel», «determinados projetos relativos ao EEE [tinham sido] objeto de uma repartição suplementar entre os produtores europeus pela configuração europeia do [referido] cartel». Ora, as recorrentes sublinham que, de acordo com a Comissão, «essa outra atuação, que [era] exclusiva dos produtores europeus, intensific[ara] o prejuízo para a concorrência já causado pelo acordo de repartição dos mercados entre os produtores europeus, japoneses e [sul‑coreanos] e, portanto, o grau de gravidade da infração» e «[a] distorção adicional causada pela configuração europeia do cartel [justificava] um aumento do grau de gravidade de 2 % para as empresas que [tinham participado] nesse aspeto do cartel».

172    As recorrentes contestam esta diferenciação, por um lado, sustentando que a «configuração europeia do cartel» não foi executada exclusivamente pelas empresas europeias. De facto, decorre da decisão impugnada que as empresas japonesas e sul‑coreanas participaram em discussões relativas a determinados projetos de clientes europeus. Por outro lado, consideram que a Comissão não demonstrou de que forma a referida configuração «intensific[ara] o prejuízo para a concorrência já causado», nem qual era a «distorção adicional» provocada por essa configuração.

173    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

174    Há que recordar que, de acordo com jurisprudência constante, cada vez que a Comissão decide aplicar coimas nos termos do direito da concorrência, é obrigada a respeitar os princípios gerais de direito, entre os quais consta o princípio da igualdade de tratamento, tal como interpretado pelos órgãos jurisdicionais da União. Este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdãos de 27 de junho de 2012, Bolloré/Comissão, T‑372/10, EU:T:2012:325, n.o 85 e jurisprudência aí referida, e de 19 de janeiro de 2016, Mitsubishi Electric/Comissão, T‑409/12, EU:T:2016:17, n.o 108 e jurisprudência aí referida).

175    No que diz respeito à apreciação da gravidade do comportamento das empresas europeias em relação ao comportamento das empresas asiáticas, em especial as empresas japonesas, importa recordar que a Comissão qualificou a infração visada pela decisão impugnada como infração única e continuada, constituída por duas configurações: a «configuração A/R do cartel» e a «configuração europeia» do referido cartel. A primeira dessas configurações incluía, por um lado, um acordo sobre o «território nacional» por força do qual as empresas japonesas e sul‑coreanas se comprometiam a deixar o «território nacional» europeu, reservado aos membros R desse cartel, comprometendo‑se estes, por sua vez, em troca, a deixar o «território nacional» japonês e sul‑coreano, e, por outro, uma partilha dos projetos localizados na maior parte do resto do mundo, designada «territórios de exportação». Como acima resulta do n.o 12, a segunda destas configurações visava repartir entre as empresas europeias os projetos localizados no «território nacional» europeu e os projetos atribuídos do lado europeu nos «territórios de exportação».

176    As razões pelas quais a Comissão considerou que as duas configurações do cartel faziam parte de uma única infração são apresentadas nos considerandos 527 a 619 da decisão impugnada. Nesse âmbito, no que diz respeito à condição da existência de um mesmo objetivo único que ligasse as referidas configurações do cartel, no considerando 534 da referida decisão, a Comissão concluiu o seguinte:

«A configuração europeia do cartel (bem como a repartição entre as empresas asiáticas) estava subordinada ao acordo global e implementava‑o. De facto, nessas reuniões europeias R, o coordenador europeu transmitia as discussões que ocorriam nas reuniões A/R […]. Para tal, as partes organizavam frequentemente reuniões R pouco tempo depois das reuniões A/R […]. Além disso, nas reuniões R, as partes exprimiam o seu interesse por projetos nos territórios de exportação, projetos que deviam ser discutidos nas reuniões A/R. De igual modo, as partes que participavam nas reuniões A/R eram informadas das principais discussões na configuração europeia do cartel […]. Assim, a configuração europeia do cartel era parte integrante do plano global.»

177    A Comissão considerou a maior parte das empresas japonesas e sul‑coreanas responsáveis pela participação em todo o cartel, incluindo na configuração europeia deste. Em especial, reconheceu, no que diz respeito a todo o cartel, a responsabilidade das empresas japonesas agrupadas no núcleo duro do cartel, ou seja, a Sumitomo Electric Industries, a Hitachi Cable e a sua empresa comum J‑Power Systems, bem como a Furukawa Electric, a Fujikura e a sua empresa comum Viscas.

178    No entanto, no considerando 537 da decisão impugnada, a Comissão atenuou o nível de participação das várias empresas no cartel. De facto, considerou o seguinte:

«O núcleo duro dos participantes no cartel (Nexans, Pirelli/Prysmian, Furukawa [Electric], Fujikura e Viscas, Sumitomo [Electric Industries], Hitachi [Cable] e [J‑Power Systems]) era o mesmo para os cabos [elétricos subterrâneos] e [submarinos] e aplicava simultaneamente o [acordo sobre o] território nacional e o acordo sobre a atribuição dos projetos nos territórios de exportação. Enquanto, por razões objetivas, as empresas japonesas e [sul‑coreanas] não estavam envolvidas na configuração europeia do cartel, a Nexans e a Pirelli/Prysmian estavam ativas nos dois.»

179    Foi a partir desta verificação que a Comissão concluiu, no considerando 999 da decisão impugnada, a que os argumentos das recorrentes se referem, que a infração cometida pelas empresas europeias devia ser considerada mais grave do que a cometida pelas empresas japonesas e que, por conseguinte, devido ao seu envolvimento na «configuração europeia do cartel», a proporção do valor das vendas das empresas europeias considerada para o cálculo do montante de base da coima devia ser aumentada em 2 %.

180    A este respeito, há que considerar que o facto de, como alegam as recorrentes, a participação das empresas japonesas ter sido semelhante à das empresas europeias no que diz respeito à «configuração europeia do cartel», mesmo admitindo que corresponde à verdade, não é suscetível de pôr em causa a conclusão da Comissão de que a repartição dos projetos no EEE constituía um elemento suplementar que merecia ser punido com uma percentagem adicional a título da gravidade da infração.

181    De facto, por um lado, importa salientar que, para além da «configuração A/R do cartel», no âmbito da qual as empresas europeias e asiáticas acordaram, nomeadamente, não penetrar nos «territórios nacionais», os produtores europeus, incluindo as recorrentes, repartiram entre eles os diferentes projetos de cabos elétricos atribuídos aos membros R do referido cartel. Em especial, como resulta do considerando 73 da decisão impugnada, tal repartição abrangeu quer a atribuição dos projetos nos «territórios de exportação», efetuada no âmbito da referida configuração, quer a atribuição dos projetos obtidos pelos membros R nos termos do acordo sobre o «território nacional», ou seja, projetos situados no «território nacional» dos produtores europeus. Por outro lado, importa salientar que, ainda que a repartição dos projetos no âmbito dessa configuração e a repartição dos projetos no âmbito da «configuração europeia do cartel» estivessem estreitamente ligadas, como explica a Comissão no considerando 534 da decisão impugnada, esta última configuração implicou um compromisso suplementar de repartição dos projetos que ia além das regras de atribuição existentes na «configuração A/R do cartel».

182    Além disso, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não há qualquer dúvida de que a partilha dos projetos de cabos elétricos subterrâneos e submarinos de alta tensão no âmbito da «configuração europeia do cartel» reforçou a violação da concorrência no EEE pela «configuração A/R do referido cartel».

183    Por conseguinte, justificava‑se, como sustenta a Comissão, que a apreciação da gravidade do comportamento dos produtores que participaram na «configuração europeia do cartel», em especial os produtores europeus, refletisse o prejuízo suplementar causado à concorrência no EEE.

184    Portanto, o argumento das recorrentes de que, no essencial, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar que as empresas japonesas não participaram ao mesmo nível que as empresas europeias na «configuração europeia do cartel» é inconsequente quanto à existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento em relação às recorrentes.

185    De facto, tal argumento, admitindo que tivesse fundamento, seria suscetível de justificar o aumento da percentagem do valor das vendas fixada para as empresas japonesas.

186    Em contrapartida, essa circunstância é irrelevante quanto à percentagem do valor das vendas imputada às recorrentes para ter em conta a gravidade do seu comportamento, dado que do princípio da igualdade de tratamento não pode resultar qualquer direito à aplicação não discriminatória de um tratamento ilegal (Acórdão de 11 de setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, EU:T:2002:209, n.o 479).

187    Resulta destas considerações que a terceira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente, bem como, consequentemente, o terceiro fundamento na íntegra.

188    Uma vez que os fundamentos e os argumentos invocados pelas recorrentes em apoio dos seus pedidos de alteração foram considerados improcedentes, e na falta de elementos suscetíveis de justificar, no caso em apreço, uma redução do montante das coimas, há que julgar improcedentes os referidos pedidos de redução.

189    À luz de todas estas considerações, há que concluir que deve ser integralmente negado provimento ao presente recurso.

IV.    Quanto às despesas

190    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, tal como pediu a Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Nexans France SAS e a Nexans SA são condenadas nas despesas.

Collins

Kancheva

Barents

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de julho de 2018.

Assinaturas


Índice



*      Língua do processo: inglês.


1      Dados confidenciais ocultados.