Language of document :

Processo T126/21

AO Nevinnomysskiy Azot e AO Novomoskovskaya Aktsionernaya Kompania NAK «Azot»

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção alargada) de 5 de julho de 2023

«Dumping — Importações de nitrato de amónio originário da Rússia — Direitos antidumping definitivos — Pedido de reexame da caducidade das medidas — Artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento (UE) 2016/1036 — Artigo 5.°, n.os 3 e 9, do Regulamento 2016/1036 — Prazo legal — Caráter suficiente dos elementos de prova — Processo de informações adicionais — Informações apresentadas fora do prazo legal»

1.      Processo jurisdicional – Apresentação das provas – Prazo – Apresentação tardia das provas e dos oferecimentos de prova – Requisitos – Provas apresentadas durante a instância em resposta aos argumentos apresentados pelo recorrido em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal Geral – Admissibilidade

(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigos 85.°, n.os 2 e 3, e 92.°, n.° 7)

(cf. n.os 18‑25)

2.      Política comercial comum – Defesa contra as práticas de dumping – Poder de apreciação das instituições – Fiscalização jurisdicional – Limites


 

(cf. n.os 29, 30)

3.      Direito da União Europeia – Interpretação – Métodos – Interpretação à luz dos acordos internacionais celebrados pela União – Interpretação do Regulamento n.° 2016/1036 à luz do acordo antidumping do GATT de 1994 – Consideração da interpretação adotada pelo Órgão de Resolução de Litígios

[Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994; Acordo sobre a aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (Acordo antidumping de 1994), artigo 2.2.1.1; Regulamento 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 2, 3 e 4, artigos 5.º e 11.º, n.º 2]

(cf. n.os 32‑36)

4.      Política comercial comum – Defesa contra as práticas de dumping – Pedido de reexame da caducidade das medidas apresentado por produtores da União ou em seu nome – Prazo legal – Necessidade de apresentação do pedido até três meses antes da caducidade das medidas antidumping – Apreciação pela Comissão das condições de abertura de um reexame – Pressupostos – Pedido que deve conter provas suficientes da probabilidade de continuação ou de reincidência do dumping e do prejuízo caso as medidas antidumping venham a caducar

(Regulamento 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 11.°, n.° 2)

(cf. n.os 65‑70, 72, 103, 104, 126)

5.      Política comercial comum – Defesa contra as práticas de dumping – Pedido de reexame da caducidade das medidas apresentado por produtores da União ou em seu nome – Prazo legal – Necessidade de apresentação do pedido o mais tardar três meses antes da caducidade das medidas antidumping – Possibilidade de a Comissão pedir informações complementares após o prazo legal – Limites – Informações que só podem completar ou corroborar os elementos de prova apresentados dentro do prazo legal

(Regulamento 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 11.°, n.° 2)

(cf. n.os 71, 73‑77)

6.      Política comercial comum – Defesa contra as práticas de dumping – Processo de reexame de medidas prestes a caducar – Distinção relativamente ao procedimento de inquérito inicial

(Regulamento 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 5.°, n.os 3 e 9, e 11.°, n.° 5)

(cf. n.os 80‑92, 101)

7.      Política comercial comum – Defesa contra as práticas de dumping – Margem de dumping – Determinação do valor normal – Elemento a considerar prioritariamente – Preço praticado em operações comerciais normais – Exceções previstas no regulamento antidumping de base – Hierarquia dos métodos de determinação do valor normal

(Regulamento 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 2.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, e n.° 3, primeiro parágrafo)

(cf. n.os 116‑120)

Resumo

Em 2018, na sequência de um reexame intercalar das medidas de dumping aplicadas às importações de nitrato de amónio originário da Rússia (a seguir «produto em causa»), a Comissão Europeia adotou o Regulamento de Execução 2018/1722 que mantém um direito antidumping definitivo sobre as referidas importações (1).

Em 21 de junho de 2019, a Fertilizer Europe, uma associação europeia de fabricantes de adubos, apresentou à Comissão um pedido de início de um reexame da caducidade dessas medidas antidumping, com base no artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento (UE) 2016/1036 (2) (a seguir «pedido inicial»). Em 20 de agosto de 2019, a pedido da Comissão, forneceu informações adicionais, que foram incluídas numa versão consolidada do pedido inicial.

A Comissão considerou que existiam elementos de prova suficientes para dar início a um reexame da caducidade e proceder a um inquérito. Na sequência desse inquérito, a Comissão decidiu prorrogar as medidas em causa por um período de cinco anos, através da adoção do Regulamento de Execução (UE) 2020/2100 que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações do produto em causa originário da Rússia (3) («regulamento impugnado»).

A AO Nevinnomysskiy Azot e a AO Novomoskovskaya Aktsionernaya Kompania NAK «Azot», duas sociedades com sede na Rússia que produzem e exportam o produto em causa, interpuseram recurso de anulação do regulamento impugnado.

Com o seu acórdão proferido em Secção alargada, o Tribunal Geral dá provimento a esse recurso, anulando assim o regulamento impugnado. Nesta ocasião, fornece esclarecimentos sobre o conteúdo de um pedido de reexame da caducidade de medidas antidumping, apresentado por produtores da União ou em seu nome com base no artigo 11.°, n.° 2, do regulamento de base, bem como sobre a natureza das informações adicionais suscetíveis de serem apresentadas por um denunciante durante os três meses anteriores à data de caducidade das medidas antidumping em causa.

Apreciação do Tribunal Geral

Em apoio do seu recurso, as recorrentes alegam, nomeadamente, que a Comissão deu erradamente início ao processo de reexame da caducidade das medidas, apesar da falta de elementos de prova suficientes para o fazer, ignorando assim as exigências do artigo 11.°, n.° 2, do regulamento de base.

A este respeito, resulta desta disposição que um pedido de reexame deve ser apresentado pelos produtores da União, ou em seu nome, o mais tardar três meses antes da data de caducidade das medidas antidumping (a seguir «prazo legal»). Além disso, esse pedido deve conter, o mais tardar nessa data, elementos de prova suficientes de que a caducidade das medidas poderá dar origem a uma continuação ou reincidência do dumping e do prejuízo, a fim de justificar o início do reexame.

Segundo o Tribunal Geral, as exigências assim definidas a título do prazo legal respondem a um duplo objetivo. Com efeito, esse regime contribui, por um lado, para garantir a segurança das situações jurídicas, permitindo aos operadores no mercado saber, em tempo útil, se as medidas antidumping podem ser mantidas. Por outro lado, permite à Comissão avaliar os elementos de prova contidos no pedido de reexame, tal como apresentado no prazo legal, e verificar o seu caráter suficiente e relevante, antes de decidir se deve ou não dar início ao reexame. Para o efeito, é‑lhe permitido receber ou pedir informações adicionais após o prazo legal e no decurso dos três meses anteriores à data de caducidade das medidas antidumping em causa, conduzindo a uma versão consolidada do pedido. Contudo, essas informações suplementares só podem completar ou corroborar elementos de prova suficientes transmitidos no prazo legal, pelo que não podem constituir novas informações ou mesmo sanar o caráter insuficiente dos elementos de prova transmitidos no referido prazo.

Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que a Comissão errou ao considerar que os três meses anteriores à data de caducidade das medidas antidumping estavam incluídos no prazo legal e que a condição relativa ao caráter suficiente dos elementos de prova só tinha que estar preenchida no momento em que foi tomada a decisão de dar início ao reexame da caducidade.

Por último, o Tribunal considera que a interpretação assim dada ao artigo 11.°, n.° 2, do regulamento de base não pode ser posta em causa pelas outras disposições do regulamento de base relativas aos processos e à condução dos inquéritos aplicáveis no quadro do inquérito inicial, como o artigo 5.°, n.os 3 e 9, do referido regulamento.

Com efeito, o artigo 5.°, n.° 9, do regulamento de base, nos termos do qual a Comissão dá início a um processo «[s]e se afigurar que existem elementos de prova suficientes para justificar» esse início, diz respeito aos prazos relativos à abertura dos inquéritos antidumping iniciais, de modo que não pode ser aplicado aos processos de reexame da caducidade, em conformidade com o artigo 11.°, n.° 5, do referido regulamento.

Por outro lado, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do regulamento de base, «[a] Comissão examina, na medida do possível, a exatidão e a pertinência dos elementos de prova apresentados na denúncia para determinar se existem ou não elementos de prova suficientes que justifiquem o início de um inquérito». Ora, nada nessa disposição indica que os critérios de prova nela enunciados se aplicam a outros processos para além do início de inquéritos antidumping iniciais nem que esses critérios também podem ser aplicáveis aos inquéritos de reexame da caducidade das medidas na sequência de um pedido de reexame apresentado por produtores da União ou em seu nome.

À luz destas considerações, no caso presente, deduz‑se que o pedido inicial, apresentado pela Fertilizer Europe dentro do prazo legal, devia preencher o requisito do caráter suficiente dos elementos de prova contidos num pedido de reexame e que as informações adicionais fornecidas após o prazo legal, mas durante os três meses anteriores à data de caducidade das medidas antidumping, só podiam completar ou corroborar esses elementos de prova.

No caso, o Tribunal Geral refere que existem diferenças substanciais entre os elementos de prova apresentados no pedido inicial para o cálculo das margens de dumping e os apresentados nas informações adicionais. Com efeito, embora os primeiros se baseassem num valor normal calculado, os que constavam das informações adicionais diziam respeito a um valor normal determinado com base nos preços internos reais no mercado russo.

Daí resulta que estes últimos, de resto baseados num método de cálculo e em dados diferentes, bem como numa base legal distinta e que visa circunstâncias diferentes, não podem, portanto, ser considerados um simples esclarecimento dos elementos de prova contidos no pedido inicial. Trata‑se de novos elementos de prova, que alteraram substancialmente a determinação das margens de dumping apuradas no pedido inicial e alteraram o conteúdo essencial deste último. Uma vez que estes elementos de prova foram apresentados após o termo do prazo legal, a Comissão não podia invocá‑los para decidir dar início ao reexame da caducidade.

Ora, resulta expressamente destas considerações que o regulamento impugnado não pode ser lido no sentido de que demonstra que o pedido inicial continha elementos de prova suficientes de que a caducidade das medidas poderia conduzir à continuação do dumping. Em contrapartida, resulta daí que, sem as informações adicionais, integradas na versão consolidada do pedido inicial, a Comissão não teria necessariamente procedido ao início do reexame da caducidade das medidas antidumping. Nestas condições, o Tribunal considera que o pedido que a Comissão fez à interveniente para obter um valor normal com base nos preços reais no mercado interno russo não pode ser entendido no sentido de que tinha por objetivo completar os elementos de prova que figuravam no pedido inicial, que se baseavam unicamente em cálculos de margens de dumping estabelecidos com o valor normal calculado, antes se destinava a sanar uma falta de informação. Além disso, não cabe ao Tribunal Geral substituir a apreciação da Comissão, tal como resulta do aviso de início e do regulamento impugnado, pela sua própria apreciação do caráter suficiente dos elementos de prova contidos no pedido inicial. Faltavam, portanto, as condições a reunir para permitir a abertura do referido reexame, pelo que há que anular o regulamento impugnado por violação do artigo 11.°, n.° 2, do regulamento de base.


1      Regulamento de Execução (UE) 2018/1722, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento de Execução (UE) n.° 999/2014 que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de nitrato de amónio originário da Rússia, na sequência de um reexame intercalar parcial nos termos do artigo 11.°, n.° 3, do Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2018, L 287, p. 3).


2      Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 21, a seguir «regulamento de base»).


3      Regulamento de Execução (UE) 2020/2100, de 15 de dezembro de 2020, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de nitrato de amónio originário da Rússia na sequência de um reexame da caducidade nos termos do artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2020, L 425, p. 21).