Language of document : ECLI:EU:C:2022:908

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Secção de recebimento dos recursos de decisões do Tribunal Geral)

16 de novembro de 2022 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Recebimento de recursos de decisões do Tribunal Geral — Artigo 170.o‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Pedido que expõe a importância de uma questão para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União — Recebimento do recurso»

No processo C‑337/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 23 de maio de 2022,

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Gája, D. Hanf, E. Markakis e V. Ruzek, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Nowhere Co. Ltd, estabelecida em Tóquio (Japão),

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Secção de recebimento dos recursos de decisões do Tribunal Geral)

composto por: L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, D. Gratsias (relator) e I. Jarukaitis, juízes,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a proposta do juiz‑relator e ouvida a advogada‑geral T. Ćapeta,

profere o presente

Despacho

1        Através do presente recurso, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) requer a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de março de 2022, Nowhere/EUIPO — Ye (APE TEES) (T‑281/21, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:139), por meio do qual este último, por um lado, anulou a Decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 10 de fevereiro de 2021 (processo R 2474/2017‑2), relativa a um processo de oposição entre a Nowhere Co. Ltd e J. Ye (a seguir «decisão controvertida»), e, por outro, negou provimento ao recurso interposto pela Nowhere quanto ao restante.

 Quanto ao pedido de recebimento do recurso

2        Por força do disposto no artigo 58.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o exame dos recursos interpostos das decisões do Tribunal Geral respeitantes a uma decisão de uma câmara de recurso independente do EUIPO está subordinado ao seu recebimento prévio pelo Tribunal de Justiça.

3        De acordo com o disposto no artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, deste Estatuto, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é recebido, no todo ou em parte, segundo as regras estabelecidas no Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando suscite uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União.

4        Nos termos do artigo 170.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Processo, nas situações previstas no artigo 58.o‑A, primeiro parágrafo, do referido Estatuto, o recorrente deve juntar à petição um pedido de recebimento do recurso em que expõe a questão importante que o recurso suscita para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União e que deve conter todos os elementos necessários que permitam ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre esse pedido.

5        Em conformidade com o disposto no artigo 170.o‑B, n.os 1 e 3, deste Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decide do pedido de recebimento do recurso o mais rapidamente possível por meio de despacho fundamentado.

 Argumentação da recorrente

6        Em apoio do seu pedido de recebimento do recurso, o EUIPO alega que o fundamento único do seu recurso suscita questões importantes para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

7        A este respeito, em primeiro lugar, o EUIPO recorda o conteúdo do seu fundamento único e das seis partes que o compõem.

8        Primeiro, o EUIPO indica que, através do seu fundamento único, alega que o Tribunal Geral violou o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1). Por um lado, o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 28 a 31 do acórdão recorrido, que, sendo o direito material aplicável ratione temporis determinado pela data da apresentação do pedido de registo e tendo o pedido de registo da marca impugnada sido apresentado antes de ter expirado o período de transição previsto nos artigos 126.o e 127.o (a seguir «período de transição») de Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7; a seguir «Acordo de Saída»), que foi adotado em 17 de outubro de 2019 e entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, a Câmara de Recurso devia ter tomado em consideração as marcas anteriores britânicas não registadas invocadas pela parte recorrente na primeira instância. Por outro lado, o Tribunal Geral rejeitou erradamente, no n.o 46 do seu acórdão, a tese segundo a qual a data pertinente para a resolução do litígio em causa é a data da adoção da decisão controvertida.

9        Segundo, o EUIPO expõe que, através da primeira parte do fundamento único, acusa o Tribunal Geral de ter confundido, nos n.os 28 a 31 do acórdão recorrido, a questão preliminar da determinação da lei aplicável ratione temporis com a questão processual e substantiva da validade do direito anterior à data da adoção da decisão sobre a oposição.

10      Terceiro, o EUIPO indica que, através da segunda parte do fundamento único, alega que, nos n.os 29 e 30 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se baseou, erradamente, numa jurisprudência não aplicável ao caso em apreço, uma vez que esta diz respeito ao potencial desaparecimento do direito anterior depois de ser adotada a decisão que foi objeto do recurso interposto no Tribunal Geral, sendo que semelhante desaparecimento não tem impacto na legalidade desta decisão.

11      Quarto, o EUIPO menciona que, através da terceira parte do fundamento único, acusa o Tribunal Geral de se ter, erradamente, baseado na inexistência, no Acordo de Saída, de uma disposição relativa às oposições apresentadas antes de expirado o período de transição, em vez de ter aplicado a regra geral segundo a qual o direito anterior deve estar válido no momento em que a decisão final sobre a oposição é adotada.

12      Quinto, o EUIPO indica que, através da quarta parte do fundamento único, alega que o Tribunal Geral violou a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à distinção entre as ações de contrafação e os procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia, conforme foi nomeadamente enunciada no n.o 47 do Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Fédération Cynologique Internationale (C‑561/11, EU:C:2013:91), bem como nos n.os 61 e 62 do Acórdão de 21 de julho de 2016, Apple and Pear Australia e Star Fruits Diffusion/EUIPO (C‑226/15 P, EU:C:2016:582), por ter, erradamente, presumido que a recusa de registar a marca da União Europeia impugnada garantia a proteção dos direitos anteriores contra a utilização ilícita dessa marca, durante o período compreendido entre a data de apresentação desta marca e o final do período de transição. Por conseguinte, segundo o EUIPO, este erro de direito levou o Tribunal Geral a concluir, erradamente, no n.o 42 do acórdão recorrido, por um lado, que existia um conflito entre o referido pedido de marca da União Europeia e os direitos britânicos anteriores em causa durante este período e, por outro, que a recorrente em primeira instância tinha um interesse legítimo no sucesso da sua oposição.

13      Sexto, o EUIPO expõe que, através da quinta parte do seu fundamento único, acusa o Tribunal Geral de não ter tomado em consideração a vontade do legislador da União, que se encontra refletida no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, nem o princípio da territorialidade dos direitos de propriedade intelectual quando considerou, no n.o 45 do acórdão recorrido, que uma eventual transformação do pedido de marca da União Europeia impugnada em pedidos de marcas nacionais não teria impacto no interesse da recorrente em primeira instância no sucesso da oposição nem na existência de um conflito entre os direitos britânicos anteriores e a marca da União Europeia visada por este pedido, nem entre estes direitos e as eventuais marcas nacionais decorrentes da transformação da referida marca.

14      Sétimo, o EUIPO refere que, através da sexta parte do seu fundamento único, acusa o Tribunal Geral de não ter interpretado, nos n.os 30, 31, 34 e 36 a 39 do acórdão recorrido, o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 à luz dos seus termos, do seu contexto e dos seus objetivos, contrariamente ao que é exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e, nomeadamente, de ter violado o objetivo, visado por esta disposição, de proteção dos interesses dos titulares dos direitos anteriores através da preservação da função essencial destes direitos em relação a conflitos com eventuais marcas posteriores da União Europeia.

15      Em segundo lugar, o EUIPO alega que o presente recurso suscita a questão do impacto do desaparecimento ex nunc do direito anterior, durante o procedimento administrativo, na finalidade do processo de oposição, no interesse que o autor da oposição tem no sucesso desta e na obrigação que sobre este impende ou não de tomar este direito em consideração, sendo esta questão importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União, na aceção do artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

16      A este respeito, primeiro, o EUIPO alega que o presente recurso suscita uma questão horizontal, ou seja, a de saber se o requisito fundamental do interesse em agir e em prosseguir o processo perante o juiz da União, nomeadamente enunciado no n.o 42 do Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322), e recordado nos n.os 63 a 68 das Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Commission (C‑560/18 P, EU:C:2019:1052) é pertinente para interpretar disposições, como o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, que regulam os procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia. Por outro lado, esta questão diz respeito à finalidade do processo de oposição, à luz da função essencial do direito anterior, constituindo esta última um dos fundamentos dos direitos de propriedade intelectual e do regime da marca da União Europeia.

17      Segundo, o EUIPO afirma que a questão suscitada pelo presente recurso excede os próprios fundamentos do presente recurso, pelo que é necessário que o Tribunal de Justiça proceda a uma clarificação em relação tanto aos particulares como às autoridades nacionais competentes. Com efeito, desde logo, esta questão não está exclusivamente relacionada com a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União, alargando‑se a quaisquer outros casos de desaparecimento ex nunc do direito anterior durante o procedimento administrativo, em especial no âmbito das frequentes hipóteses de caducidade deste direito, da respetiva perda ou da renúncia a este durante este procedimento. Em seguida, a referida questão não se limita à interpretação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 ou ao desaparecimento das marcas anteriores não registadas, antes se alargando a todos os motivos relativos de recusa e de nulidade, previstos nos artigos 8.o e 53.o deste regulamento, bem como ao desaparecimento de qualquer direito anterior invocado a título destes motivos, podendo esse direito anterior ser um direito cujo âmbito não é apenas local, uma marca da União Europeia, uma marca nacional, um direito de autor ou ainda um desenho, um modelo ou uma patente. Por último, esta mesma questão não diz apenas respeito aos procedimentos que correm no EUIPO, mas a todos os procedimentos administrativos ou aos processos judiciais nacionais que digam respeito aos motivos relativos de recusa e aos motivos de declaração de nulidade que assentem em direitos anteriores, em conformidade com as legislações nacionais que transpuseram a Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2015, L 336, p. 1), em especial o seu artigo 5.o

18      Terceiro, o EUIPO considera que a questão suscitada pelo presente recurso diz respeito à problemática já examinada pelo Tribunal de Justiça respeitante à diferença fundamental entre os procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia e as ações de contrafação, que o Tribunal Geral não tomou em consideração no acórdão recorrido.

19      Quarto, o EUIPO alega que a referida questão se refere ao princípio fundamental da territorialidade dos direitos de propriedade intelectual, que o Tribunal Geral violou quando concluiu pela existência de um potencial conflito entre os direitos britânicos anteriores e as marcas nacionais decorrentes de uma eventual transformação do pedido de marca da União Europeia impugnada.

20      Quinto, o EUIPO considera que esta mesma questão é objeto de tratamento divergente na jurisprudência do Tribunal Geral. Com efeito, até recentemente, resultava de forma constante dos Acórdãos do Tribunal Geral, nomeadamente dos Acórdãos de 13 de setembro de 2006, MIP Metro/IHMI — Tesco Stores (METRO) (T‑191/04, EU:T:2006:254, n.os 30 a 34 e jurisprudência referida), e de 2 de junho de 2021, Style & Taste/EUIPO — The Polo/Lauren Company (Representação de um jogador de polo) (T‑169/19, EU:T:2021:318, n.os 22 a 32 e jurisprudência referida), bem como do Despacho de 20 de julho de 2021, Coravin/EUIPO — Cora (CORAVIN) (T‑500/19, não publicado, EU:T:2021:493, n.os 32 a 47 e jurisprudência referida), que o direito anterior deve estar válido no momento em que o EUIPO se pronuncia sobre a oposição ou sobre o pedido de declaração de nulidade. Em contrapartida, o Tribunal Geral afastou‑se desta jurisprudência numa série de acórdãos proferidos no contexto da saída do Reino Unido da União, nomeadamente nos Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Grupo Textil Brownie/EUIPO — The Guide Association (BROWNIE) (T‑598/18, EU:T:2020:22), e de 23 de setembro de 2020, Bauer Radio/EUIPO — Weinstein (MUSIKISS) (T‑421/18, EU:T:2020:433), dos quais, em substância, resulta que só a validade deste direito anterior na data da apresentação do pedido de marca da União Europeia é pertinente. Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral ignorou a existência destas linhas jurisprudenciais divergentes e não explicou a abordagem consagrada no acórdão, o que, em si mesmo, suscita uma questão importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

21      Sexto, o EUIPO afirma que o presente recurso diz respeito ao princípio fundamental da unidade da marca da União Europeia, o qual reflete a vontade do legislador da União de prever um regime unitário das marcas da União, como alternativa às marcas nacionais, para as empresas que pretendam desenvolver a sua atividade a nível da União, e suscita a questão da repartição das competências entre o poder legislativo e o poder judicial, tendo o Tribunal Geral substituído por uma nova regra a regra geral segundo a qual o direito anterior deve estar válido no momento em que é adotada a decisão final do EUIPO sobre a oposição.

22      Sétimo, o EUIPO sustenta que a abordagem que o Tribunal Geral seguiu no acórdão recorrido comporta um risco de insegurança jurídica e de falta de reciprocidade, porque viola os efeitos do artigo 50.o, n.o 3, TUE e dos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída e impõe‑lhe a obrigação de examinar um motivo relativo de recusa à luz de um território no qual a marca da União Europeia impugnada não beneficiará de nenhuma proteção. Com efeito, semelhante abordagem pode assim criar um desequilíbrio injusto em benefício dos direitos britânicos, cuja proteção na União é melhor do que aquela de que as marcas da União Europeia beneficiam no Reino Unido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

23      A título preliminar, importa salientar que é ao recorrente que cabe demonstrar que as questões suscitadas pelo seu recurso são importantes para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União (Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 20 e jurisprudência referida).

24      Além disso, conforme resulta do artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, lido em conjugação com os artigos 170.o‑A, n.o 1, e 170.o‑B, n.o 4, do Regulamento de Processo, o pedido de recebimento do recurso deve conter todos os elementos necessários que permitam ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre o recebimento do recurso e precisar, em caso de recebimento parcial deste último, os fundamentos ou as partes do recurso sobre os quais deve incidir a resposta. Com efeito, na medida em que o mecanismo de recebimento prévio dos recursos previsto no artigo 58.o‑A deste Estatuto visa limitar a fiscalização do Tribunal de Justiça às questões que revestem importância para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União, apenas os fundamentos que suscitem essas questões e sejam formulados pelo recorrente devem ser examinados pelo Tribunal de Justiça no âmbito do recurso (Despachos de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 21, e de 7 de junho de 2022, Magic Box Int. Toys/EUIPO, C‑194/22 P, não publicado, EU:C:2022:463, n.o 14).

25      Assim, um pedido de recebimento do recurso deve, em todo o caso, referir com clareza e precisão os fundamentos em que se baseia o recurso, identificar com a mesma precisão e clareza a questão de direito suscitada por cada fundamento, precisar se essa questão é importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União e expor especificamente as razões por que a referida questão é importante à luz do critério invocado. No que diz respeito, em particular, aos fundamentos do recurso, o pedido de recebimento do recurso deve precisar a disposição do direito da União ou a jurisprudência que foi violada pelo acórdão ou despacho recorrido, expor sucintamente em que consiste o erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral e indicar em que medida esse erro influenciou o resultado do acórdão ou do despacho recorrido. Quando o erro de direito invocado resulte da inobservância da jurisprudência, o pedido de recebimento do recurso deve expor, de forma sucinta, mas clara e precisa, primeiro, onde é que se situa a contradição alegada, identificando tanto os números do acórdão ou do despacho recorrido que o recorrente põe em causa como os da decisão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral que terão sido violados, e, segundo, as razões concretas pelas quais essa contradição suscita uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União (Despacho de 10 de dezembro de 2021 EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 22 e jurisprudência referida).

26      No caso em apreço, decorre dos n.os 28 a 31 do acórdão recorrido, citados pelo EUIPO, que, segundo o Tribunal Geral, resulta de jurisprudência deste, «que passou a ser assente», que, à semelhança da jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual é a data da apresentação do pedido de registo da marca contra a qual é deduzida uma oposição que é determinante para identificar o direito material aplicável, a existência de um motivo relativo de recusa deve ser apreciada no momento da apresentação desse pedido de registo. Por conseguinte, a circunstância de a marca anterior poder perder o estatuto de marca num Estado‑Membro num momento posterior à apresentação do pedido de registo da marca da União Europeia, designadamente na sequência de uma eventual saída do Estado‑Membro em causa da União, não é, em princípio, pertinente. Daqui o Tribunal Geral concluiu, por um lado, que tendo o pedido de registo da marca impugnada sido apresentado antes de o período de transição ter expirado, ou mesmo antes da entrada em vigor do Acordo de Saída, as marcas anteriores não registadas invocadas em apoio da oposição deduzida contra este pedido eram, desde que tivessem sido utilizadas na vida comercial no Reino Unido, em princípio, suscetíveis de constituir de base a essa oposição e que, por outro, a Câmara de Recurso as devia ter tomado em consideração quando procedeu à sua apreciação, o que, no entanto, só recusou fazer porque o período de transição já tinha expirado no momento em que a referida decisão foi adotada.

27      Por outro lado, no n.o 42 do acórdão recorrido, também citado pelo EUIPO, o Tribunal Geral considerou que, ainda que se admitisse que, depois de terminado o período de transição, já não poderia ocorrer um conflito entre as marcas em causa, não deixa de ser certo que, em caso de registo da marca pedida, esse conflito podia, no entanto, ter existido durante o período compreendido entre a data de apresentação do pedido de marca da União Europeia e o termo do período de transição. Daqui o Tribunal Geral concluiu, conforme o EUIPO referiu, que a recorrente em primeira instância tinha um interesse legítimo em que a sua oposição tivesse sucesso relativamente a este período.

28      Por conseguinte, no contexto da saída do Reino Unido da União e do termo do período de transição durante o procedimento administrativo que correu no EUIPO, o Tribunal Geral, conforme o EUIPO recorda, declarou, no n.o 46 do acórdão recorrido, que nenhum dos argumentos apresentados por este último era suscetível de sustentar a sua posição segundo a qual a data de adoção da decisão impugnada, único elemento no caso em apreço posterior ao termo do período de transição, é a data pertinente para a resolução do presente litígio e que, por conseguinte, havia que julgar procedente o fundamento único e anular a decisão controvertida, em conformidade com o primeiro pedido da recorrente em primeira instância.

29      Há que salientar, em primeiro lugar, que o EUIPO descreve com precisão e clareza o seu fundamento único, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, precisando, desde logo, que o Tribunal Geral confundiu a questão preliminar da determinação da lei aplicável ratione temporis com a questão processual e substantiva da validade do direito anterior à data da adoção da decisão sobre a oposição, em seguida, que o Tribunal Geral violou a distinção, consagrada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre as ações de contrafação e os procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia, quando presumiu que a recusa de registo do pedido de marca da União Europeia impugnada garantia a proteção dos direitos anteriores contra a utilização ilícita desta marca no decurso do período compreendido entre a apresentação deste pedido e o termo do período de transição, e, por último, que o Tribunal Geral, contrariamente à jurisprudência do Tribunal de Justiça, não tomou em consideração o objetivo, visado no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, de proteção dos interesses dos titulares de direitos anteriores através da preservação da função essencial destes direitos relativamente a conflitos com marcas da União Europeia posteriores.

30      Em especial, no que se refere, nomadamente, aos argumentos segundo os quais o Tribunal Geral violou a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à distinção entre as ações de contrafação e os procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia, conforme esta decorre dos Acórdãos de 21 de fevereiro de 2013, Fédération Cynologique Internationale (C‑561/11, EU:C:2013:91, n.o 47), e de 21 de julho de 2016, Apple and Pear Australia e Star Fruits Diffusion/EUIPO (C‑226/15 P, EU:C:2016:582, n.os 61 e 62), a jurisprudência constante do Tribunal Geral sobre os efeitos do desaparecimento do direito anterior no decurso dos processos de oposição e de declaração de nulidade perante o EUIPO, conforme esta decorre dos Acórdãos de 13 de setembro de 2006, MIP Metro/IHMI — Tesco Stores (METRO) (T‑191/04, EU:T:2006:254, n.os 30 e 34), e de 2 de junho de 2021, Style & Taste/EUIPO — The Polo/Lauren Company (Representação de um jogador de polo) (T‑169/19, EU:T:2021:318, n.os 22 a 32 e jurisprudência referida), bem como o objetivo do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, que visa proteger a função essencial da marca anterior, há que constatar que o EUIPO identificou tanto os números em causa do acórdão recorrido como os números das decisões e as disposições pretensamente violados.

31      Em segundo lugar, o EUIPO acusa, em especial, o Tribunal Geral de ter concluído, no n.o 31 do acórdão recorrido, que as marcas britânicas anteriores não registadas em causa eram, em princípio, suscetíveis de servir de fundamento à oposição em causa da recorrente em primeira instância e que a Câmara de Recurso devia assim tê‑las tomado em consideração quando procedeu à sua apreciação, não obstante o período de transição já ter expirado no momento em que a decisão controvertida foi adotada, e, no n.o 42 deste acórdão, de ter especificado, em resposta a um argumento do EUIPO, que esta recorrente tinha um interesse legítimo no sucesso da sua oposição no que se refere ao período compreendido entre a data da apresentação do pedido de marca da União Europeia impugnada e a data em que expirou o período de transição. Conforme o EUIPO recorda, foi com base, nomeadamente, nestas considerações que o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida. Deste modo, resulta claramente do pedido de recebimento do recurso que a interpretação pretensamente errada dos requisitos processuais e materiais aplicáveis aos processos de oposição que correm no EUIPO, adotada pelo Tribunal Geral, teve um impacto determinante no resultado do acórdão recorrido.

32      Em terceiro lugar, em conformidade com o ónus da prova que recai sobre o autor de um pedido de recebimento de um recurso, o recorrente desse recurso deve demonstrar que, independentemente das questões de direito que invoca no seu recurso, este último suscita uma ou várias questões importantes para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União, ultrapassando o alcance deste critério o âmbito do acórdão que é objeto do recurso e, em definitivo, o do seu recurso (Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 27).

33      Esta demonstração implica, em si mesma, que se determine tanto a existência como a importância dessas questões, através de elementos concretos e próprios do caso concreto, e não simplesmente através de argumentos de ordem geral (Despacho de 10 de dezembro de 2021 EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 28).

34      Ora, no caso em apreço, o EUIPO identifica a questão suscitada pelo seu fundamento único, que consiste, em substância, em determinar a data e as circunstâncias que devem ser consideradas para apreciar o interesse legítimo do titular de um direito anterior no sucesso de uma oposição a um pedido de marca da União Europeia e a obrigação do EUIPO de tomar em consideração o referido direito anterior, quando, por um lado, o litígio intentado no Tribunal Geral diga respeito a uma decisão adotada no termo de um processo de oposição que assenta num direito anterior que só é protegido no Reino Unido e, por outro lado, o período de transição já tinha expirado quando aquela decisão foi adotada. De forma mais geral, segundo o EUIPO, esta questão diz respeito ao impacto do desaparecimento ex nunc do direito anterior no decurso de um processo de oposição ou de declaração de nulidade perante o EUIPO no final desse processo.

35      Por outro lado, o EUIPO expõe as razões concretas pelas quais essa questão é importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

36      Em especial, o EUIPO precisa que a referida questão se refere à aplicabilidade aos procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia do requisito fundamental do interesse em agir e em prosseguir o processo, bem como aos princípios que constituem pilares do direito de propriedade intelectual, a saber, o princípio da territorialidade, o princípio do caráter unitário da marca da União Europeia e o conceito fundamental da função essencial da marca, no contexto do fim do período de transição. Além disso, tal questão diz respeito à diferença essencial, consagrada pela jurisprudência, entre, por um lado, os procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia e, por outro, às ações de contrafação.

37      A este respeito, desde logo, o EUIPO sublinha o caráter horizontal da questão de saber se o requisito relativo ao interesse em agir e em prosseguir o procedimento, aplicado no âmbito dos processos jurisdicionais que correm perante o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça, é pertinente no âmbito dos procedimentos administrativos relativos às marcas da União Europeia e se, em definitivo, o interesse legítimo no sucesso de uma ação administrativa deve ser tomado em consideração para efeitos da interpretação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 e, por extensão, para efeitos da interpretação de outras disposições deste regulamento respeitantes a semelhantes procedimentos.

38      Em seguida, o EUIPO refere que é necessário que o Tribunal de Justiça indique tanto aos utilizadores do sistema de marcas da União Europeia como aos órgãos jurisdicionais nacionais, nomeadamente atendendo ao facto de que a questão suscitada diz respeito não só ao efeito da saída do Reino Unido da União mas também a todas as situações, frequentes em matéria de propriedade intelectual, de desaparecimento de um direito anterior no decurso do processo judicial, nomeadamente, em caso de extinção ou de caducidade desse direito. A este respeito, no que se refere à questão de saber se o direito anterior deve estar válido no momento em que é adotada a decisão final do EUIPO ou unicamente na data da apresentação do pedido de registo da marca da União Europeia impugnada, o EUIPO expõe a jurisprudência contraditória do Tribunal Geral na matéria e sublinha o nexo entre esta questão e a do desaparecimento ex nunc de semelhante direito anterior no decurso de um processo judicial, sublinhando que invocou esta última questão no âmbito de um processo que se encontra neste momento pendente no Tribunal de Justiça.

39      Por último, o EUIPO salienta, em substância, que a questão que suscita diz respeito ao princípio fundamental do caráter unitário da marca da União Europeia, pretendido pelo legislador da União quando introduziu esta marca na ordem jurídica da União, num contexto no qual, atendendo a que não existem regras específicas no Regulamento n.o 207/2009 nem no Acordo de Saída, o Tribunal Geral enunciou, no acórdão recorrido, uma regra que, ignorando os efeitos do artigo 50.o, n.o 3, TUE e dos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída, obriga o EUIPO a examinar um motivo relativo de recusa em relação a um território no qual, seja como for, a marca da União Europeia requerida não beneficiará de nenhuma proteção. O EUIPO acrescenta que, além dos riscos que podem advir desta abordagem no que se refere ao princípio da segurança jurídica, a referida abordagem também apresenta riscos no que se refere ao princípio da reciprocidade, uma vez que pode criar um desequilíbrio entre a proteção dos direitos britânicos anteriores na União e a proteção das marcas da União Europeia no Reino Unido.

40      Assim, resulta do pedido de recebimento do recurso de decisão do Tribunal Geral que a questão suscitada pelo presente recurso ultrapassa o âmbito do acórdão recorrido e, em última análise, o âmbito deste recurso.

41      Atendendo a todos os elementos apresentados pelo EUIPO, há que constatar que o pedido de recebimento do recurso por si apresentado demonstra de forma juridicamente bastante que o presente recurso suscita uma questão importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

42      Atendendo às considerações que precedem, há que receber o recurso da decisão do Tribunal Geral na íntegra.

 Quanto às despesas

43      Nos termos do artigo 170.o‑B, n.o 4, do Regulamento de Processo, quando o recurso da decisão do Tribunal Geral for recebido, total ou parcialmente, à luz dos critérios enunciados no artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o processo segue os seus trâmites em conformidade com os artigos 171.o a 190.o‑A do referido regulamento.

44      Em aplicação do artigo 137.o do referido regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas no acórdão ou despacho que ponha termo à instância.

45      Por conseguinte, tendo sido julgado procedente o pedido de recebimento do recurso, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Secção de recebimento dos recursos de decisões do Tribunal Geral) decide:

1)      O recurso do acórdão do Tribunal Geral é recebido.

2)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.