Language of document : ECLI:EU:T:2024:302

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada)

8 de maio de 2024 (*)

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Exceção de ilegalidade — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

No processo T‑393/21,

Max Heinr. Sutor OHG, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por A. Glos, M. Rätz, H.‑U. Klöppel e M. Meisgeier, advogados,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. Kerlin, C. De Falco e T. Wittenberg, na qualidade de agentes, assistidos por B. Meyring, T. Klupsch e S. Ianc, advogados,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, G. De Baere, D. Petrlík (relator), K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 9 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão (1)

1        Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Max Heinr. Sutor OHG, pede a anulação da Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril para 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução (a seguir «decisão impugnada»), na parte em que lhe diz respeito.

[OMISSIS]

III. Pedidos das partes

25      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        anular a decisão e a comunicação impugnadas;

–        condenar o CUR nas despesas.

26      O CUR conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas;

–        a título subsidiário, em caso de anulação, manter os efeitos da decisão impugnada até à sua substituição ou, pelo menos, durante um período de seis meses a contar da data em que o acórdão transitar em julgado.

IV.    Questão de direito

27      A título preliminar, há que recordar que, com o seu recurso, a recorrente pede também a título cautelar a anulação da comunicação impugnada, na hipótese de o Tribunal Geral lhe conferir um conteúdo autónomo em relação ao da decisão impugnada em resposta ao sexto fundamento. Segundo a recorrente, nessa comunicação, o CUR explica a sua decisão de não deferir o pedido de revisão dos seus dados relativos às contribuições ex ante para os períodos de contribuição entre 2018 e 2020.

28      A este respeito, não se pode deixar de observar que, apesar do título do pedido de anulação da comunicação impugnada, tal como formulado pela recorrente, a argumentação desta última se limita, na realidade, a contestar a legalidade da decisão impugnada. A recorrente não apresenta, assim, nenhuma argumentação autónoma e direcionada relativamente à comunicação impugnada. Nestas condições, há que concluir que o sexto fundamento e o recurso no seu conjunto incidem, na realidade, apenas sobre a decisão impugnada.

29      A recorrente invoca catorze fundamentos de recurso, relativos:

–        o primeiro, à violação do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63;

–        o segundo, à violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 70.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, lido em conjugação com o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59;

–        o terceiro, à violação do princípio da igualdade de tratamento;

–        o quarto, à violação da liberdade de empresa protegida pelo artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»);

–        o quinto, à violação da sua liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.o TFUE, em conjugação com o artigo 54.o TFUE;

–        o sexto, à violação do artigo 17.o, n.os 3 e 4, do Regulamento Delegado 2015/63;

–        o sétimo, à violação do direito de ser ouvido previsto no artigo 41.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a), da Carta;

–        o oitavo, à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 41.o, n.o 1, e n.o 2, alínea c), da Carta, bem como no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE;

–        o nono, à violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 47.o, n.o 1, da Carta;

–        o décimo, a título subsidiário, à exceção de ilegalidade dos artigos 4.o a 7.o e 9.o, bem como do anexo I do Regulamento Delegado 2015/63 por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE;

–        o décimo primeiro, a título subsidiário, à exceção de ilegalidade dos artigos 4.o a 7.o e 9.o, bem como do anexo I do Regulamento Delegado 2015/63 por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 47.o, n.o 1, da Carta.

–        o décimo segundo, a título subsidiário, à exceção de ilegalidade do artigo 14.o, n.o 2, e do artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63, por violação do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59 e do princípio da igualdade de tratamento;

–        o décimo terceiro, a título subsidiário, à exceção de ilegalidade do artigo 14.o, n.o 2, e do artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63 por violação da liberdade de empresa protegida pelo artigo 16.o da Carta;

–        o décimo quarto, a título subsidiário, à exceção de ilegalidade do artigo 14.o, n.o 2, e do artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63 por violação da liberdade de estabelecimento protegida pelo artigo 49.o TFUE, em conjugação com o artigo 54.o TFUE.

30      Na réplica, a recorrente indicou que desistia do décimo e do décimo primeiro fundamentos.

31      Antes de mais, há que examinar os fundamentos pelos quais a recorrente invoca a ilegalidade do artigo 14.o, n.o 2, e do artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63 e, em seguida, os fundamentos diretamente relacionados com a legalidade da decisão impugnada.

A.      Quanto às exceções de ilegalidade suscitadas contra o artigo 3.o, ponto 11, o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), e o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63

32      Com a epígrafe dos décimo segundo, décimo terceiro e décimo quarto fundamentos, a recorrente suscita exceções de ilegalidade contra o artigo 14.o, n.o 2, e o artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63. No entanto, resulta dos fundamentos da petição que a recorrente contesta também, em substância, a legalidade do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do referido regulamento delegado.

33      Assim, mais concretamente, a recorrente sustenta, com o décimo segundo fundamento, que o artigo 3.o, ponto 11, o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), e o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 violam o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59 e o princípio da igualdade de tratamento. Com o décimo terceiro fundamento, a recorrente alega que estas disposições do Regulamento Delegado 2015/63 também violam a liberdade de empresa protegida pelo artigo 16.o da Carta. Com o décimo quarto fundamento, a recorrente sustenta que as referidas disposições violam a liberdade de estabelecimento protegida pelos artigos 49.o e 54.o TFUE.

34      A recorrente suscitou estas exceções de ilegalidade na hipótese de o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 dever ser interpretado no sentido de que não permite a exclusão dos passivos fiduciários do cálculo dos passivos que servem para determinar as contribuições ex ante.

35      Assim, há que examinar, num primeiro momento, se o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 deve ser interpretado no sentido de que não permite essa exclusão. Se for esse o caso, há que apreciar, num segundo momento, se o artigo 14.o, n.o 2, e o artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63 são conformes com o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, com o princípio da igualdade de tratamento, com o artigo 16.o da Carta e com os artigos 49.o e 54.o TFUE.

1.      Quanto ao âmbito do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63

36      Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63, são excluídos do cálculo das contribuições ex ante, «no caso das empresas de investimento, os passivos contraídos em virtude da detenção de ativos ou numerário pertencentes a clientes, […] desde que esses clientes estejam protegidos ao abrigo da legislação em matéria de insolvência aplicável».

37      A recorrente alega que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que permite excluir o montante dos seus passivos fiduciários do cálculo do seu passivo aquando da determinação da sua contribuição ex ante, uma vez que esses passivos preenchem os requisitos previstos pela referida disposição.

38      O CUR contesta os argumentos da recorrente.

39      Resulta da jurisprudência que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2015/63 não confere um poder discricionário ao CUR para excluir certos passivos para efeitos de ajustamento ao risco das contribuições ex ante, mas enumera, pelo contrário, com precisão as condições em que um passivo é objeto de tal exclusão (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2019, Iccrea Banca, C‑414/18, EU:C:2019:1036, n.o 93). Do mesmo modo, a tomada em conta dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da proporcionalidade não pode justificar nenhum outro resultado, uma vez que o Regulamento Delegado 2015/63 distinguiu situações com particularidades significativas, diretamente relacionadas com os riscos apresentados pelos passivos em causa (Acórdão de 3 de dezembro de 2019, Iccrea Banca, C‑414/18, EU:C:2019:1036, n.o 95).

40      A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, as disposições que instituem uma derrogação devem ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2019, State Street Bank International, C‑255/18, EU:C:2019:967, n.os 39 e 40). Assim, uma vez que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2015/63 institui uma derrogação à regra geral prevista no artigo 103.o, n.o 2, da Diretiva 2014/59, ao permitir excluir certos passivos do cálculo das contribuições ex ante, constitui uma disposição que deve ser objeto de interpretação estrita.

41      Neste contexto, importa salientar que o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 prevê três requisitos cumulativos para a exclusão dos passivos em causa do cálculo das contribuições ex ante, a saber, primeiro, o facto de esses passivos deverem ser detidos por uma empresa de investimento, segundo, o facto de deverem decorrer da detenção de ativos ou numerário pertencentes a clientes e, terceiro, o facto de esses clientes deverem ser protegidos ao abrigo da legislação em matéria de insolvência aplicável.

42      Quanto ao primeiro requisito, a recorrente sustenta que deve ser considerada uma empresa de investimento na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63.

43      O conceito de «empresas de investimento» é definido no artigo 3.o, ponto 2, do Regulamento Delegado 2015/63 como «empresas de investimento, tal como definidas no artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2014/59 […]».

44      É pacífico entre as partes que, no momento da adoção da decisão impugnada, o artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2014/59 definia o conceito de «empresa de investimento» por remissão para «uma empresa de investimento na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 […]» que, por seu turno, definia o conceito de «empresa de investimento» por remissão para «uma pessoa na aceção do artigo 4.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva 2004/39/CE que está sujeita aos requisitos previstos pela referida diretiva, com exceção de: a) Instituições de crédito […]».

45      Decorre da própria redação destas disposições que a derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do regulamento delegado não se aplicava, no momento da adoção da decisão impugnada, às entidades que eram simultaneamente instituições de crédito e empresas de investimento, como é o caso da recorrente. A este respeito, não se contesta que a recorrente é uma instituição de crédito que dispõe de uma licença bancária enquanto instituição na aceção do artigo 2.o em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, ponto 13, do Regulamento n.o 806/2014 e com o artigo 2.o, n.o 1, ponto 2, da Diretiva 2014/59.

46      Esta conclusão não é posta em causa pela afirmação da recorrente de que dispõe de uma autorização para prestar os serviços e realizar as atividades de investimento referidas no anexo I, secção A, pontos 1 a 7, da Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva 2002/92/CE e a Diretiva 2011/61/UE (JO 2014, L 173, p. 349).

47      Com efeito, como alega o CUR, se a Comissão tivesse pretendido que o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 abrangesse simultaneamente as instituições de crédito e as empresas de investimento, ou mesmo as instituições de crédito que são também empresas de investimento, teria feito referência, nessa disposição, às «instituições», e não às «empresas de investimento». Aliás, a Comissão procedeu assim nas alíneas a), b) e f) desta disposição ao utilizar o termo «instituição». Em contrapartida, quando a Comissão pretendeu limitar a aplicação de uma exceção ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento delegado a certas entidades, recorreu a formulações mais precisas, como as formulações «contraparte[s] centra[is]», «centra[is] de depósito de títulos» e «empresas de investimento» utilizados, respetivamente, na alínea c), na alínea d) e na alínea e) desta disposição.

48      Por último, no que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual a remissão feita pelo artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2014/59 para o artigo 4.o, n.o 1, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), constitui um erro de referência que o CUR deveria ter corrigido, a recorrente não fornece nenhum elemento tangível em apoio dessa afirmação.

49      A este respeito, importa recordar que a definição de «empresa de investimento», como está atualmente prevista pelo artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2014/59, foi alterada pelo artigo 63.o, ponto 1, da Diretiva (UE) 2019/2034 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, relativa à supervisão prudencial das empresas de investimento e que altera as Diretivas 2002/87/CE, 2009/65/CE, 2011/61/UE, 2013/36/UE, 2014/59/UE e 2014/65/UE (JO 2019, L 314, p. 64). Esta definição faz agora referência ao artigo 4.o, n.o 1, ponto 22, do Regulamento (UE) 2019/2033 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, relativo aos requisitos prudenciais aplicáveis às empresas de investimento e que altera os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 (UE) n.o 575/2013 (UE) n.o 600/2014 e (UE) n.o 806/2014 (JO 2019, L 314, p. 1), que remete, por seu turno, no que respeita ao conceito de «empresa de investimento», para o artigo 4.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva 2014/65, o qual define este conceito como sendo aplicável a qualquer pessoa coletiva que preste serviços de investimento a terceiros, sem excluir dessa definição as instituições de crédito.

50      No entanto, é pacífico entre as partes que esta alteração da definição de «empresa de investimento» constante do artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da Diretiva 2014/59 só era aplicável a partir de 26 de junho de 2021, em conformidade com o artigo 67.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2019/2034, lido à luz do considerando 39 da mesma diretiva.

51      Decorre do exposto que o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63, na versão aplicável no momento da adoção da decisão impugnada, em 14 de abril de 2021, deve ser interpretado no sentido de que não permite excluir os passivos detidos por instituições de crédito, como a recorrente, do cálculo dos passivos que servem para determinar a sua contribuição ex ante.

52      Nestas condições, os passivos fiduciários da recorrente não preenchem o primeiro requisito previsto no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63.

53      Dado que os três requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 têm caráter cumulativo, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada na sua totalidade, sem que seja necessário examinar se os dois outros requisitos estão preenchidos.

54      Por conseguinte, há que examinar as exceções de ilegalidade formuladas pela recorrente no âmbito dos décimo segundo, décimo terceiro e décimo quarto fundamentos.

2.      Quanto ao décimo segundo fundamento, relativo à ilegalidade do artigo 3.o, ponto 11, do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), e do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63, na parte em que são contrários ao artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59 e ao princípio da igualdade de tratamento

55      O presente fundamento articula‑se em torno de duas partes, relativas, a primeira, à ilegalidade do artigo 3.o, ponto 11, do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), e do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 devido à violação do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59 e, a segunda, à violação do princípio da igualdade de tratamento por essas mesmas disposições.

56      A título preliminar, refira‑se que o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 impõe às instituições a obrigação de fornecer ao CUR pelo menos as informações referidas no anexo II desse regulamento delegado, entendendo‑se que, de acordo com o segundo travessão desse anexo, as instituições estão obrigadas a apresentar ao CUR os dados relativos ao «[t]otal do passivo», o qual é definido no artigo 3.o, ponto 11, do referido regulamento delegado como sendo o passivo total tal como definido na secção 3 da Diretiva 86/635/CEE do Conselho, de 8 de dezembro de 1986, relativa às contas anuais e às contas consolidadas dos bancos e outras instituições financeiras (JO 1986, L 372, p. 1), ou tal como definido em conformidade com as normas internacionais de relato financeiro a que se refere o Regulamento (CE) n.o 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, relativo à aplicação das normas internacionais de contabilidade (JO 2002, L 243, p. 1).

a)      Quanto à primeira parte, relativa à violação do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59

57      Resulta dos n.os 39 a 53, supra, que o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 não prevê a exclusão dos passivos fiduciários do cálculo das contribuições ex ante e, por conseguinte, inclui os referidos passivos nesse cálculo. Os artigos 3.o, ponto 11, e 14.o, n.o 2, desse mesmo regulamento delegado, também não preveem a referida exclusão.

58      A recorrente sustenta, em substância, que as disposições supramencionadas do Regulamento Delegado 2015/63 violam o artigo 103.o, n.o 7, alínea a), da Diretiva 2014/59 pelo facto de não terem em conta, para a determinação do perfil de risco das instituições, a inexistência de risco dos passivos fiduciários.

59      O CUR contesta os argumentos da recorrente.

60      A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, a Comissão está habilitada a adotar atos delegados para especificar a noção de «ajustamento das contribuições [ex ante] em proporção do perfil de risco das instituições».

61      No entanto, no contexto de um poder delegado na aceção do artigo 290.o TFUE, a Comissão dispõe, no exercício das competências que lhes são conferidas, de um amplo poder de apreciação quando é chamada, designadamente, a efetuar apreciações e avaliações complexas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de maio de 2017, Dyson/Comissão, C‑44/16 P, EU:C:2017:357, n.o 53 e jurisprudência referida).

62      É o que acontece com a fixação dos critérios de adaptação das contribuições ex ante ao perfil de risco em virtude do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59.

63      A este respeito, importa recordar que a natureza específica destas contribuições consiste, como resulta dos considerandos 105 a 107 da Diretiva 2014/59 e do considerando 41 do Regulamento n.o 806/2014, em assegurar, numa lógica baseada na garantia, que o setor financeiro fornece recursos financeiros suficientes ao MUR para que este último possa desempenhar as suas funções, ao mesmo tempo que incentiva a adoção, pelas instituições em causa, de modelos de funcionamento de menor risco (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 113).

64      Neste contexto, e como resulta do considerando 114 da Diretiva 2014/59, o legislador da União encarregou a Comissão de especificar, por ato delegado, o modo como as contribuições das instituições para os mecanismos de financiamento de resolução deverá ser ajustado em proporção com o seu perfil de risco.

65      Nesta mesma ótica, o considerando 107 da referida diretiva precisa que, a fim de assegurar um cálculo justo das contribuições ex ante e de prestar incentivos ao funcionamento de acordo com um modelo de menor risco, as contribuições para os mecanismos nacionais de financiamento deverão tomar em consideração os riscos de crédito, liquidez e mercado que as instituições apresentem.

66      Decorre do exposto que a Comissão devia elaborar regras de ajustamento das contribuições ex ante em função do perfil de risco das instituições, prosseguindo dois objetivos conexos, a saber, por um lado, assegurar a tomada em consideração dos diferentes riscos gerados pelas atividades das instituições, bancárias ou mais amplamente financeiras, e, por outro, incentivar estas mesmas instituições a seguir um modelo de funcionamento de menor risco.

67      Ora, como resulta dos documentos relativos à adoção do Regulamento Delegado 2015/63, nomeadamente os documentos «JRC technical work supporting Commission second level legislation on risk based contributions to the (single) resolution fund» [Estudo técnico do JRC em apoio da legislação de segundo nível da Comissão sobre as contribuições baseadas no risco para o Fundo (Único) de Resolução] e «Commission Staff Working Document: estimates of the application of the proposed methodology for the calculation of contributions to resolution financing arrangements» [Documento de trabalho dos serviços da Comissão: estimativas da aplicação do método proposto para o cálculo das contribuições para os mecanismos de financiamento das resoluções], a elaboração destas regras implicava apreciações e avaliações complexas por parte da Comissão, visto que esta devia examinar os diferentes elementos à luz dos quais os diversos tipos de risco eram apreendidos nos setores bancário e financeiro.

68      Tendo em conta o que precede, a Comissão dispunha de um amplo poder de apreciação para adotar, nos termos do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, as regras que precisavam a noção de «ajustamento das contribuições [ex ante] em proporção do perfil de risco das instituições».

69      Nestas condições, no que respeita ao método de adaptação das contribuições anuais de base nos termos do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício do poder de apreciação concedido à Comissão não enferma de erro manifesto ou desvio de poder ou ainda se esta não excedeu manifestamente os limites desse poder (v., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60).

70      Nestas circunstâncias, cabe à recorrente demonstrar que as disposições mencionadas no n.o 57, supra, enfermam de erro manifesto ou desvio de poder ou que ultrapassam manifestamente os limites do poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, ao não prever a exclusão dos passivos fiduciários do cálculo da sua contribuição ex ante.

71      A este respeito, a recorrente alega que a Comissão violou o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, uma vez que os passivos fiduciários são desprovidos de risco, facto que é pertinente para efeitos do cálculo das contribuições ex ante por duas razões. Em primeiro lugar, segundo a recorrente, a liquidez dos clientes que ela detém a título fiduciário, está protegida em caso de insolvência ao abrigo do direito alemão em matéria de insolvência. Em segundo lugar, a recorrente sustenta que, uma vez que está obrigada a transferir os fundos dos clientes para as instituições de produtos, em caso de insolvência de uma instituição deste tipo, esses fundos estão também protegidos pelo sistema de garantia de depósitos na aceção da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149).

72      Antes de mais, importa recordar que o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59 prevê oito elementos que a Comissão deve ter em conta para efeitos do ajustamento das contribuições ex ante em função do perfil de risco das instituições. Ora, embora «a exposição da instituição ao risco» figure entre esses elementos, pelo que a Comissão está obrigada a tê‑la em conta na adoção de um ato delegado como o Regulamento Delegado 2015/63, este elemento constitui apenas um critério entre os oito que a Comissão deve ter em conta na elaboração desse ato.

73      Em seguida, nada no artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59 indica que a Comissão é obrigada a atribuir uma importância preponderante a um ou vários dos referidos elementos mencionados no n.o 72, supra, como a exposição da instituição ao risco. Por outro lado, esta disposição não precisa de que modo a Comissão deve ter em conta essa exposição.

74      Por último, e em todo o caso, a recorrente não demonstrou que os passivos fiduciários eram desprovidos de qualquer risco em caso de resolução.

75      Com efeito, no que respeita, antes de mais, ao argumento da recorrente de que os passivos fiduciários não apresentam risco em caso de resolução, uma vez que a liquidez dos clientes detida fiduciariamente está protegido pelo direito alemão em caso de insolvência, há que observar que a recorrente não contestou a afirmação do CUR de que esse direito não confere uma proteção especial aos fundos dos clientes enquanto estes se encontrarem na conta transitória.

76      A esse respeito, o CUR explicou, sem que a recorrente o conteste, que o facto de deter esses fundos numa conta transitória aumenta o risco associado aos passivos fiduciários, uma vez que esses fundos não estão imediatamente separados dos outros fundos da recorrente e não estão, portanto, protegidos pelo direito alemão em caso de insolvência.

77      Quanto a este aspeto, resulta, aliás, da petição e foi também confirmado pela recorrente na audiência que, no que diz respeito à recorrente, esses fundos são transferidos para contas fiduciárias coletivas junto das instituições de produtos no dia 15 ou 30 do mês, o que implica que os fundos podem permanecer na conta transitória durante um prazo máximo de quinze dias sem estarem protegidos pelo direito alemão em caso de insolvência.

78      Do mesmo modo, a recorrente alega erradamente que os passivos fiduciários não apresentam nenhum risco a partir do momento em que os fundos dos clientes são transferidos da conta transitória para as instituições de produtos, uma vez que, em caso de insolvência de uma dessas instituições, esses fundos são protegidos pelo sistema de garantia de depósitos.

79      A este respeito, a recorrente não contestou o argumento do CUR de que, para que os fundos dos clientes sejam protegidos pelo sistema de garantia de depósitos, é necessário que as instituições de produtos em causa tenham a sua sede num Estado‑Membro e que os clientes não invistam mais de 100 000 euros nessas instituições, pelo que a referida proteção está limitada tanto no plano territorial como no plano quantitativo.

80      Tendo em conta o que precede, a recorrente não demonstrou que o artigo 3.o, ponto 11, o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), e o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 eram contrários ao artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento

81      A recorrente sustenta, em substância, que a não exclusão dos passivos fiduciários do cálculo da contribuição ex ante no artigo 3.o, ponto 11, no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), e no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 é contrária ao princípio da igualdade de tratamento, visto que as instituições de crédito, como ela própria, se encontram numa situação comparável à das empresas de investimento previstas no referido artigo 5.o, n.o 1, alínea e), desse mesmo regulamento delegado, mas são tratadas de maneira diferente.

82      O CUR contesta esta argumentação.

83      Há que recordar que o princípio da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Fussl Modestraße Mayr, C‑555/19, EU:C:2021:89, n.o 95).

84      Tendo a recorrente invocado a violação do princípio da igualdade de tratamento, cabe‑lhe identificar com precisão as situações comparáveis que considera terem sido tratadas de maneira diferente ou as situações diferentes que considera terem sido tratadas de maneira igual [Acórdão de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (France) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 311].

85      Segundo jurisprudência constante, o caráter comparável de tais situações é apreciado tendo em conta todos os elementos que as caracterizam. Esses elementos devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio em que o ato em causa foi adotado (v. Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Fussl Modestraße Mayr, C‑555/19, EU:C:2021:89, n.o 99 e jurisprudência referida).

86      No que respeita ao objeto e à finalidade da Diretiva 2014/59, do Regulamento n.o 806/2014 e do Regulamento Delegado 2015/63, importa recordar que estes atos pertencem ao domínio do MUR, cuja criação visa, em conformidade com o considerando 12 do Regulamento n.o 806/2014, assegurar uma abordagem neutra no tratamento das instituições em situação de insolvência, aumentar a estabilidade das instituições dos Estados‑Membros que participam no MUR e impedir a propagação das crises a Estados‑Membros que não participam nesse mecanismo, facilitando assim o funcionamento do mercado interno no seu todo.

87      Por outro lado, no que respeita, mais especificamente, às disposições da Diretiva 2014/59, do Regulamento n.o 806/2014 e do Regulamento Delegado 2015/63 que instituem as contribuições ex ante, resulta do n.o 63, supra, que estas têm por objetivo assegurar, numa lógica baseada na garantia, que o setor financeiro fornece recursos financeiros suficientes ao MUR para que este possa desempenhar as suas funções e incentivar as instituições a adotarem modelos de funcionamento menos arriscados.

88      É à luz destes princípios e objetivos que importa examinar, em primeiro lugar, se as instituições de crédito autorizadas a exercer também atividades de investimento, como a recorrente, se encontram numa situação comparável à das empresas de investimento referidas no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 (a seguir «empresas de investimento») no que respeita à tomada em consideração dos passivos fiduciários para efeitos do cálculo das contribuições ex ante.

89      A este respeito, há que salientar que as contribuições ex ante visam financiar medidas de resolução cuja adoção está sujeita à condição, que resulta do artigo 18.o, n.o 1, alínea c), e n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, de que tal medida seja necessária para o interesse público, isto é, que permita alcançar, nomeadamente, o objetivo — mencionado no artigo 14.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento — de evitar os efeitos adversos significativos que a liquidação de uma instituição teria na estabilidade financeira, em especial evitando o contágio, inclusive das infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina do mercado.

90      Ora, como indica o considerando 4 da Diretiva 2019/2034, as instituições de crédito e as empresas de investimento não apresentam um risco comparável no que diz respeito aos efeitos adversos que a sua insolvência poderá ter na estabilidade financeira, uma vez que, ao contrário das instituições de crédito, as empresas de investimento não detêm grandes carteiras de empréstimos de retalho ou a empresas e não aceitam depósitos. Com efeito, o facto de deter grandes carteiras de depósitos e de empréstimos de retalho e a empresas implica um risco para a estabilidade financeira quando os particulares ou as empresas devedoras não conseguem, em grande escala, reembolsar esses empréstimos às instituições de crédito em causa ou quando é retirado um número significativo de depósitos.

91      Isto é tanto mais assim quanto a clientela das instituições de crédito e das empresas de investimento é diferente. Com efeito, como alega o CUR, sem ser contraditado nesse ponto, a clientela das empresas de investimento é composta por pessoas que recorrem a determinados serviços específicos ligados aos instrumentos financeiros, conclusão que é confirmada pela definição do conceito de «cliente» dessas empresas, que figura no artigo 4.o, n.o 1, ponto 9, da Diretiva 2014/65. Em contrapartida, como resulta do artigo 4.o, n.o 1, ponto 1, do Regulamento n.o 575/2013, as instituições de crédito, incluindo as autorizadas a exercer também atividades de investimento, recebem do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e concedem créditos por sua própria conta, pelo que oferecem os seus serviços a um círculo mais vasto de pessoas.

92      Nestas condições, a probabilidade de essa instituição de crédito ser objeto de resolução, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea c), e n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, é mais elevada do que a de uma empresa de investimento ser objeto de resolução, pelo que estas duas categorias de instituições não se encontram, a este respeito, numa situação comparável.

93      Do mesmo modo, a situação dessas instituições não é comparável no que respeita ao tratamento dos passivos fiduciários.

94      Quanto a este aspeto, a recorrente não contestou fundadamente que, nos termos do artigo 84.o, n.o 2, da Wertpapierhandelsgesetz (Lei do mercado de valores mobiliários), de 9 de setembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 2708), as empresas de investimento, que não estão autorizadas a efetuar operações de depósito, são obrigadas a separar imediatamente os fundos recebidos dos clientes em contas fiduciárias abertas em instituições de crédito. Em contrapartida, uma instituição de crédito, como a recorrente, não está obrigada a proceder desse modo no âmbito do exercício das atividades de investimento, dado que, como resulta das considerações enunciadas nos n.os 76 a 77, supra, não está obrigada a transferir imediatamente os referidos fundos da conta transitória para as instituições de produtos.

95      Nestas condições, a recorrente não demonstrou que os passivos fiduciários detidos pelas empresas de investimento estavam expostos a um nível de risco comparável ao dos passivos fiduciários detidos pelas instituições de crédito autorizadas para exercer também atividades de investimento, como ela própria. Por conseguinte, a recorrente não pode alegar que a situação das instituições de crédito autorizadas a exercer também atividades de investimento, de que faz parte, é comparável à das empresas de investimento e que, por conseguinte, esses dois tipos de instituições devem ser tratadas da mesma maneira no que respeita à exclusão dos passivos fiduciários para efeitos do cálculo das contribuições ex ante.

96      Em segundo lugar, a recorrente alega que o artigo 3.o, ponto 11, e o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 estabelecem uma desigualdade de tratamento entre os estabelecimentos com sede na Alemanha e os que têm a sua sede em Estados‑Membros que invocaram a derrogação prevista no artigo 10.o, n.o 1, terceiro período, da Diretiva 86/635.

97      A esse respeito, há que lembrar que, em conformidade com o artigo 70.o, n.o 2, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 e com o artigo 103.o, n.o 2, da Diretiva 2014/59, o CUR calcula uma contribuição anual de base para cada instituição, como se indica no n.o 17, supra. Essa contribuição é proporcional ao montante do passivo da instituição em causa, excluindo os fundos próprios e os depósitos cobertos, em relação ao passivo total, excluindo os fundos próprios e os depósitos cobertos, de todas as instituições autorizadas no território dos Estados‑Membros que participam no MUR — no que diz respeito à parte dessa contribuição calculada com base na União — e de todas as instituições autorizadas no território do Estado‑Membro em que a instituição em causa tem a sua sede — relativamente à parte dessa contribuição calculada na base nacional.

98      No que respeita à determinação dos passivos que devem ser tidos em conta para efeitos desse cálculo, importa recordar que o artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63 define o «total do passivo» como o «total do ativo tal como definido na secção 3 da Diretiva 86/635/[…] ou tal como definido em conformidade com as normas internacionais de relato financeiro a que se refere o Regulamento […] n.o 1606/2002 […]».

99      Por outro lado, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 86/635, que faz parte da secção 3 desta diretiva, os fundos que uma instituição de crédito administra em seu nome próprio, mas por conta de outrem, devem constar, regra geral, no balanço da referida instituição quando esta é titular dos ativos correspondentes.

100    Assim sendo, o artigo 10.o, n.o 1, terceiro período, da Diretiva 86/635 dispõe que os Estados‑Membros podem autorizar as instituições em causa a incluírem esses fundos nas rubricas extrapatrimoniais, desde que exista um regime especial que permita excluir os referidos fundos do total do ativo em caso de liquidação judicial da instituição de crédito.

101    A este respeito, as partes afirmaram que, por força das disposições adotadas pela República Federal da Alemanha para dar cumprimento ao artigo 10.o da Diretiva 86/635, os passivos fiduciários de uma instituição de crédito autorizada a exercer atividades de investimento com sede nesse Estado, como a recorrente, deviam constar do seu balanço.

102    As partes indicaram também que certos Estados‑Membros fizeram uso da faculdade proporcionada pelo artigo 10.o, n.o 1, terceiro período, da Diretiva 86/635 para permitir que as instituições com sede nesses Estados incluíssem em rubricas extrapatrimoniais os fundos geridos no seu próprio nome, mas por conta de outrem.

103    Daqui resulta, segundo a recorrente, que, se uma instituição tiver a sua sede num Estado‑Membro que tenha feito uso da faculdade proporcionada pelo artigo 10.o, n.o 1, terceiro período, da Diretiva 86/635 pode incluir os passivos relativos a essas atividades fiduciárias em rubricas extrapatrimoniais, pelo que tais passivos não são tidos em conta no cálculo da sua contribuição anual de base. Em contrapartida, os passivos fiduciários das instituições com sede nos Estados‑Membros que não utilizaram a possibilidade de incluir os ativos e passivos fiduciários extrapatrimoniais, como a Alemanha, são tidos em conta para efeitos deste cálculo.

104    Assim, a consequência descrita no n.o 103, supra, decorre da aplicação conjunta do artigo 70.o, n.o 2, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 e do artigo 103.o, n.o 2, da Diretiva 2014/59, lidos à luz da secção 3 da Diretiva 86/635 e, nomeadamente, do seu artigo 10.o, n.o 1, terceiro período, que define o conceito de «passivo» das instituições e consagra a possibilidade de os Estados‑Membros optarem por regras diferentes no que respeita à inclusão dos passivos fiduciários no balanço das instituições.

105    Ora, a recorrente não contestou a validade destas disposições à luz do princípio da igualdade de tratamento.

106    Por outro lado, se a argumentação da recorrente fosse entendida no sentido de que sustenta, na realidade, que o artigo 3.o, ponto 11, e o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 violam o princípio da igualdade de tratamento pelo facto de não terem em conta a diferença existente entre as regras contabilísticas dos diferentes Estados‑Membros no que respeita à inclusão dos passivos fiduciários no balanço das instituições, há que salientar que o princípio da igualdade de tratamento não pode habilitar a Comissão, quando adota atos delegados nos termos do artigo 290.o TFUE, a agir além da delegação conferida pelo legislador da União com base nesta última disposição. Por conseguinte, não cabe à Comissão sanar modalidades nacionais divergentes de aplicação do direito da União, a menos que lhe seja conferida uma habilitação para esse efeito através de um ato legislativo.

107    No caso em apreço, nem a Diretiva 2014/59 nem o Regulamento n.o 806/2014 habilitaram a Comissão a harmonizar as regras contabilísticas nacionais relativas à inclusão dos passivos fiduciários no balanço das instituições.

108    Nestas condições, a recorrente não pode acusar a Comissão de ter violado o princípio da igualdade de tratamento por não ter sanado as divergências existentes no que respeita às regras contabilísticas nacionais relativas à inclusão desses passivos neste balanço.

109    Em qualquer caso, mesmo admitindo que a Comissão tivesse podido estabelecer, no artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63, uma definição de passivos diferente da que consta da secção 3 da Diretiva 86/635, daí não decorreria que o artigo 3.o, ponto 11, deste regulamento delegado viola o princípio da igualdade de tratamento.

110    Com efeito, como resulta da jurisprudência, a proibição de uma discriminação não visa as eventuais disparidades de tratamento que possam resultar, de um Estado‑Membro para outro, das divergências existentes entre as legislações dos diferentes Estados‑Membros, desde que estas afetem igualmente todas as pessoas a quem são aplicáveis (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2009, Horvath, C‑428/07, EU:C:2009:458, n.o 55, e de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou, C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 35).

111    É certo que este princípio foi desenvolvido no quadro da interpretação das disposições do direito da União para efeitos de apreciação da compatibilidade da legislação nacional com o princípio da não discriminação, mas não poderia ser de outra forma no que toca à apreciação da validade da disposição do direito da União que atribui aos Estados‑Membros uma margem de apreciação ao abrigo da qual adotam as referidas legislações diferentes (Acórdão de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou, C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 36).

112    No caso em apreço, a recorrente não sustentou, e muito menos demonstrou, que a legislação alemã em causa não afetava da mesma maneira todas as pessoas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação.

113    Além disso, a adoção de uma regulamentação da União num domínio de ação específico pode ter repercussões diferentes para certos operadores económicos, tendo em conta a sua situação individual ou as regras nacionais às quais, de resto, estão sujeitos, não podendo essa consequência ser considerada uma violação do princípio da igualdade de tratamento se a referida regulamentação se basear em critérios objetivos e adaptados aos objetivos por ela prosseguidos (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou, C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 34 e jurisprudência referida).

114    A este respeito, a recorrente não apresentou ao Tribunal Geral nenhum elemento do qual resulte que o artigo 3.o, ponto 11, do Regulamento Delegado 2015/63, na parte em que remete para a secção 3 da Diretiva 86/635, não se baseia em critérios objetivos e adaptados aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento Delegado 2015/63.

115    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da recorrente.

116    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que está sujeita a uma desigualdade de tratamento em relação às instituições de crédito que fazem o seu balanço segundo as normas internacionais de contabilidade, quando a recorrente não pode fazer o seu balanço segundo essas normas, uma vez que, segundo a regulamentação alemã aplicável, só as sociedades‑mãe têm o direito de fazer o seu balanço exclusivamente segundo essas normas.

117    A este respeito, por um lado, importa salientar que essa alegada desigualdade de tratamento é a consequência da aplicação de uma regra que tem a sua origem na legislação alemã aplicável, e não no artigo 3.o, ponto 11, no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), ou no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 cuja validade a recorrente contesta.

118    Por outro lado, e em qualquer caso, como a própria recorrente reconhece, esta poderia ter elaborado a contabilidade segundo as normas internacionais de contabilidade, mas optou por não o fazer por razões de ordem administrativa e financeira. Nestas condições, a recorrente não pode invocar uma desigualdade de tratamento com base neste fundamento.

119    Decorre do exposto que a recorrente não demonstrou que o artigo 3.o, ponto 11, o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), ou o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 violam o princípio da igualdade de tratamento.

120    Por conseguinte, há que julgar o décimo segundo fundamento improcedente.

[OMISSIS]

B.      Quanto aos fundamentos relativos à legalidade da decisão impugnada

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63

144    A recorrente alega que, ao recusar excluir do cálculo das contribuições ex ante o montante dos seus passivos fiduciários, o CUR violou o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63. A argumentação desenvolvida em apoio deste fundamento articula‑se em torno de duas partes.

a)      Quanto à primeira parte, relativa à não tomada em consideração do facto de a recorrente preencher todos os requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63

145    A recorrente alega que, ao recusar excluir do cálculo das contribuições ex ante o montante dos seus passivos fiduciários, a decisão impugnada viola o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63.

146    O CUR contesta esta argumentação.

147    Como resulta dos n.os 39 a 52, supra, há que interpretar o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 no sentido de que não permite excluir os passivos fiduciários da recorrente do cálculo da sua contribuição ex ante.

148    Nestas condições, o CUR não cometeu nenhum erro de direito quando não excluiu o montante desses passivos do cálculo da contribuição ex ante da recorrente.

149    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à aplicação por analogia do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63

150    A recorrente sustenta que, na hipótese de o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 dever ser interpretado no sentido de que não permite a exclusão dos seus passivos fiduciários do cálculo da sua contribuição ex ante, o objetivo deste regulamento delegado, bem como os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, exigem que esta disposição seja aplicada por analogia à sua situação.

151    O CUR contesta esta argumentação.

152    Antes de mais, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a aplicação do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 a situações equiparáveis às que são por ele abrangidas, mesmo que não preencham todas as condições previstas nessa disposição, é incompatível com o texto da referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2019, Iccrea Banca, C‑414/18, EU:C:2019:1036, n.o 92).

153    Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2015/63 não confere um poder discricionário às autoridades competentes para excluir certos passivos para efeitos de ajustamento ao risco das contribuições ex ante referidas no artigo 103.o, n.o 2, da Diretiva 2014/59, mas enumera, pelo contrário, com precisão, as condições em que certos passivos podem ser excluídos do cálculo das contribuições ex ante (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2019, Iccrea Banca, C‑414/18, EU:C:2019:1036, n.o 93).

154    Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, o CUR não cometeu nenhum erro de direito quando não lhe aplicou por analogia o artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63.

155    A tomada em conta dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade não pode justificar nenhum outro resultado, uma vez que o Regulamento Delegado 2015/63 distinguiu situações com particularidades significativas, diretamente relacionadas com os riscos apresentados pelos passivos em causa (Acórdão de 3 de dezembro de 2019, Iccrea Banca, C‑414/18, EU:C:2019:1036, n.o 95).

156    Em qualquer caso, à luz das considerações expostas nos n.os 83 a 120, supra, a recorrente não pode alegar que a não aplicação por analogia do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 é contrária ao princípio da igualdade de tratamento.

157    Impõe‑se a mesma conclusão no que respeita ao princípio da proporcionalidade.

158    A este respeito, resulta da jurisprudência que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização desses objetivos, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdãos de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 165, e de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 142; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 51).

159    No que respeita, antes de mais, ao caráter adequado da tomada em consideração dos passivos fiduciários da recorrente no cálculo da sua contribuição ex ante, a recorrente não contesta que a inclusão dos seus passivos fiduciários no cálculo dessa contribuição participa na realização dos objetivos das contribuições ex ante, descritos no n.o 63, supra, ao fornecer recursos financeiros suficientes ao MUR para que este possa desempenhar as suas funções e ao encorajar as instituições a adotarem modelos de funcionamento menos arriscados.

160    A este respeito, a recorrente limitou‑se a formular afirmações não fundamentadas.

161    Com efeito, por um lado, a recorrente sustenta que a tomada em consideração dos seus passivos fiduciários no cálculo da sua contribuição ex ante faz recair sobre ela um encargo inaceitável e claramente desproporcionado em relação à sua dimensão. Ora, à luz das considerações enunciadas nos n.os 39 a 52, supra, tal argumento não pode ser acolhido, uma vez que a exclusão dos passivos enunciada no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63 não depende da dimensão das instituições em causa, mas do cumprimento dos requisitos enunciados nessa disposição, que não têm relação com a sua dimensão.

162    Por outro lado, a recorrente alega que a inclusão do montante dos seus passivos fiduciários no cálculo do seu passivo aquando da fixação da sua contribuição ex ante é contrária aos critérios fixados no artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59. A este respeito, basta observar que a recorrente não faz prova bastante do nexo entre este argumento e o princípio da proporcionalidade.

163    Em seguida, quanto ao caráter necessário da tomada em consideração dos passivos fiduciários da recorrente no cálculo da sua contribuição ex ante à luz dos objetivos mencionados no n.o 63, supra, há que observar que esta invoca, em substância, dois argumentos.

164    Primeiro, a recorrente sustenta que a tomada em consideração dos seus passivos fiduciários não é necessária, uma vez que os fundos dos clientes já são recolhidos sob a forma de depósitos pelas instituições de produtos e protegidos pelo seu sistema de garantia de depósitos e que existem garantias suficientes para que esses clientes sejam protegidos pelo direito aplicável em matéria de insolvência. Na sua opinião, a tomada em consideração dos seus passivos fiduciários conduziria a uma eventual dupla tomada em consideração desses passivos no âmbito do cálculo da sua contribuição ex ante.

165    A este respeito, a recorrente não explica, no entanto, que método concreto de cálculo das contribuições ex ante seria menos gravoso para as instituições, ao mesmo tempo que adequado para atingir, de maneira igualmente eficaz, os objetivos referidos no n.o 63, supra, compensando, nomeadamente, a diminuição dos meios financeiros disponíveis no FUR causada por essa exclusão.

166    Além disso, e em todo o caso, a recorrente não invocou nenhum elemento suscetível de pôr em causa a afirmação do CUR, referida no n.o 79, supra, segundo a qual, para que os fundos dos clientes sejam protegidos pelo sistema de garantia de depósitos, é necessário que as instituições de produtos em causa tenham a sua sede num Estado‑Membro e que os clientes não depositem mais de 100 000 euros nessas instituições.

167    Por último, quanto ao argumento da recorrente de que a tomada em consideração dos seus passivos fiduciários conduziria a uma pretensa dupla tomada em consideração desses passivos no âmbito do cálculo da sua contribuição ex ante, basta observar que a recorrente não apresenta nenhum argumento que indique que a Comissão pretendeu, através do artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento Delegado 2015/63, eliminar totalmente qualquer forma de dupla contagem dos passivos.

168    Segundo, a recorrente alega que a tomada em consideração dos seus passivos fiduciários no cálculo da sua contribuição ex ante não preenche o critério da necessidade, pois, em caso de insolvência, os seus clientes teriam direito à separação dos ativos fiduciários por ela geridos, o que demonstra que existem garantias suficientes de proteção desses clientes.

169    Por um lado, esta argumentação deve ser rejeitada pelos mesmos fundamentos que os enunciados no n.o 165, supra.

170    Por outro lado, e em todo o caso, a recorrente não demonstrou que os ativos e a liquidez dos seus clientes seriam cobertos em caso de insolvência por garantias comparáveis às que cobrem os ativos e a liquidez dos clientes das empresas de investimento, como se indica nos n.os 75 a 77, supra.

171    Por último, a recorrente não apresentou ao Tribunal Geral nenhum elemento concreto destinado a demonstrar que a inclusão dos seus passivos fiduciários no cálculo da sua contribuição ex ante acarretaria inconvenientes manifestamente desproporcionados em relação aos objetivos mencionados no n.o 63, supra.

172    Nestas condições, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e, por conseguinte, o fundamento na sua totalidade.

[OMISSIS]

2.      Quanto à fundamentação da determinação do nívelalvo anual

240    A título preliminar, importa recordar que a falta ou insuficiência de fundamentação constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o Tribunal Geral pode, ou mesmo deve, ter também em conta outras faltas de fundamentação além das invocadas pela recorrente, nomeadamente quando estas se manifestam no decurso do processo.

241    No caso, o Tribunal Geral considera que lhe cabe examinar oficiosamente se o CUR violou o seu dever de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

242    Para o efeito, as partes foram ouvidas, através de uma medida de organização do processo e durante a audiência, sobre todas as eventuais faltas de fundamentação de que estaria viciada a decisão impugnada no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

243    Feita esta precisão, importa recordar que, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, no termo do período inicial de oito anos a partir de 1 de janeiro de 2016 (a seguir «período inicial»), os meios financeiros disponíveis no FUR devem atingir o nível‑alvo final, que corresponde a pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros que participam no MUR (a seguir «nível‑alvo final»).

244    Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, durante o período inicial, as contribuições ex ante devem ser escalonadas ao longo do tempo da forma mais equilibrada possível até que seja atingido o nível‑alvo final referido no n.o 243, supra, mas tendo devidamente em conta a fase do ciclo económico e o impacto que as contribuições pró‑cíclicas podem ter na posição financeira das instituições.

245    O artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 especifica que, todos os anos, as contribuições devidas por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros que participam no MUR não excedem 12,5 % do nível‑alvo final.

246    No que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 dispõe que o CUR determina o seu montante com base no nível‑alvo anual, tendo em conta o nível‑alvo final, e com base no valor médio dos depósitos cobertos registado no ano precedente, calculado trimestralmente, de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros que participam no MUR.

247    Do mesmo modo, segundo o artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, o CUR calcula a contribuição ex ante para cada instituição com base no nível‑alvo anual, que deve ser estabelecido tendo em conta o nível‑alvo final e de acordo com a metodologia prevista no Regulamento Delegado 2015/63.

248    No caso em apreço, como resulta do considerando 48 da decisão impugnada, o CUR fixou, para o período de contribuição de 2021, o montante do nível‑alvo anual em 11 287 677 212,56 euros.

249    Nos considerandos 36 e 37 da decisão impugnada, o CUR explicou, em substância, que o nível‑alvo anual devia ser determinado com base numa análise da evolução dos depósitos cobertos nos anos anteriores, de toda a evolução pertinente da situação económica, bem como numa análise dos indicadores relativos à fase do ciclo de atividades e dos efeitos que as contribuições pró‑cíclicas teriam na situação financeira das instituições. Posteriormente, o CUR considerou adequado fixar um coeficiente que se baseava nesta análise e nos meios financeiros disponíveis no FUR (a seguir «coeficiente»). O CUR aplicou esse coeficiente a um oitavo do montante médio dos depósitos cobertos em 2020, para obter o nível‑alvo anual.

250    O CUR expôs os trâmites seguidos para fixar o coeficiente nos considerandos 38 a 47 da decisão impugnada.

251    No considerando 38 da decisão impugnada, o CUR constatou uma tendência constante para o aumento dos depósitos cobertos de todas as instituições dos Estados‑Membros que participam no MUR. Em particular, o montante médio desses depósitos, calculado trimestralmente, ascendia a 6,689 biliões de euros para o ano de 2020.

252    Nos considerandos 40 e 41 da decisão impugnada, o CUR apresentou a evolução previsível dos depósitos cobertos para os restantes três anos do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Estimou que as taxas anuais de crescimento dos depósitos cobertos até ao final do período inicial se situariam entre 4 % e 7 %.

253    Nos considerandos 42 a 45 da decisão impugnada, o CUR apresentou uma avaliação da fase do ciclo de atividades e do potencial efeito pró‑cíclico que as contribuições ex ante poderiam ter na situação financeira das instituições. Para isso, indicou ter tido em conta vários indicadores, como a previsão de crescimento do produto interno bruto da Comissão e as projeções do Banco Central Europeu a este respeito ou o fluxo de crédito do setor privado em percentagem do produto interno bruto.

254    No considerando 46 da decisão impugnada, o CUR concluiu que, embora fosse razoável esperar a continuação do crescimento dos depósitos cobertos na União Bancária, o ritmo deste crescimento seria inferior ao de 2020. A esse respeito, o CUR indicou, no considerando 47 da decisão impugnada, ter adotado uma «abordagem prudente» no que respeita às taxas de crescimento dos depósitos cobertos para os próximos anos até 2023.

255    À luz destas considerações, o CUR fixou, no considerando 48 da decisão impugnada, o valor do coeficiente em 1,35 %. Em seguida, calculou o montante do nível‑alvo anual, multiplicando o montante médio dos depósitos cobertos em 2020 por este coeficiente e dividindo o resultado deste cálculo por oito, em conformidade com a seguinte fórmula matemática, que consta do considerando 48 da referida decisão:

«Alvo0 [montante do nível‑alvo anual] = Total depósitos cobertos2020 * 0,0135 * ⅛ = 11 287 677 212,56 euros»

256    Na audiência, o CUR indicou, no entanto, que tinha determinado o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 da seguinte forma.

257    Primeiro, com base numa análise prospetiva, o CUR fixou o montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros que participam no MUR, previsto até ao final do período inicial, em cerca de 7,5 biliões de euros. Para chegar a esse montante, o CUR teve em conta o montante médio dos depósitos cobertos em 2020, ou seja, 6,689 biliões de euros, uma taxa de crescimento anual dos depósitos cobertos de 4 %, bem como o número de períodos de contribuição restantes até ao final do período inicial, a saber, três.

258    Segundo, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calculou 1 % desses 7,5 biliões de euros para obter o montante estimado do nível‑alvo final que devia ser atingido no final do período inicial, a saber, cerca de 75 mil milhões de euros.

259    Terceiro, o CUR deduziu deste último montante os recursos financeiros já disponíveis no FUR em 2021, ou seja, cerca de 42 mil milhões de euros, para obter o montante que faltava receber durante os períodos de contribuição restantes antes do final do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Este montante ascendia a cerca de 33 mil milhões de euros.

260    Quarto, o CUR dividiu este último montante por três para o repartir uniformemente pelos três referidos períodos de contribuição restantes. O nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 foi assim fixado no montante mencionado no n.o 248, supra, ou seja, cerca de 11,287 mil milhões de euros.

261    O CUR afirmou também na audiência que tinha tornado públicos os elementos de informação nos quais se tinha baseado o método descrito nos n.os 257 a 260, supra, e que permitiam à recorrente compreender o método de determinação do nível‑alvo anual. Em particular, especificou que tinha publicado no seu sítio Internet, em maio de 2021, ou seja, após a adoção da decisão impugnada, mas antes da interposição do presente recurso, uma ficha descritiva denominada «Fact Sheet 2021» (a seguir «ficha descritiva»), que indicava o montante estimado do nível‑alvo final. Do mesmo modo, o CUR afirmou que o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR também estava disponível no seu sítio Internet, bem como através de outras fontes públicas, muito antes da adoção da decisão impugnada.

262    No que respeita ao conteúdo do dever de fundamentação, resulta da jurisprudência que a fundamentação de uma decisão adotada por uma instituição ou um órgão da União deve ser, nomeadamente, desprovida de contradições, para permitir aos interessados conhecer os fundamentos reais dessa decisão, com vista a defender os seus direitos perante o órgão jurisdicional competente, e a este último exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169 e jurisprudência referida; de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 20 e 45 a 47, e de 16 de dezembro de 2015, Grécia/Comissão, T‑241/13, EU:T:2015:982, n.o 56).

263    Do mesmo modo, quando o autor da decisão impugnada fornece determinadas explicações relativas aos fundamentos da mesma no decurso do processo perante o juiz da União, essas explicações devem ser coerentes com as considerações expostas na referida decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 45 a 47, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 54 e 55).

264    Com efeito, embora as considerações expostas na decisão impugnada não sejam coerentes com essas explicações fornecidas durante o processo judicial, a fundamentação da decisão em causa não cumpre as funções recordadas nos n.os 217 a 218, supra. Em especial, tal incoerência impede, por um lado, os interessados de conhecerem os fundamentos reais da decisão impugnada, antes da interposição do recurso, e de prepararem a sua defesa à luz dos mesmos e, por outro, o juiz da União de identificar os fundamentos que serviram de base jurídica efetiva dessa decisão e de examinar a sua conformidade com as regras aplicáveis.

265    Por último, há que recordar que, quando o CUR adota uma decisão que fixa as contribuições ex ante, deve dar a conhecer às instituições envolvidas o método de cálculo dessas contribuições (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 122).

266    O mesmo deve ocorrer com o método de determinação do nível‑alvo anual, cujo montante reveste uma importância essencial na sistemática de tal decisão. Com efeito, como resulta do artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, o método de cálculo das contribuições ex ante consiste na repartição do referido montante entre todas as instituições em causa, pelo que um aumento ou uma redução desse mesmo montante implica um aumento ou uma redução correspondente da contribuição ex ante de cada uma dessas instituições.

267    Resulta do exposto que, embora o CUR esteja obrigado a fornecer às instituições, através da decisão impugnada, explicações sobre o método de determinação do nível‑alvo anual, estas explicações devem ser coerentes com as explicações fornecidas pelo CUR durante o processo judicial e relativas ao método efetivamente aplicado.

268    Ora, tal não sucede no presente processo.

269    Com efeito, importa, antes de mais, salientar que a decisão impugnada expôs, no considerando 48, uma fórmula matemática que apresentou como base da determinação do nível‑alvo anual. Ora, verifica‑se que essa fórmula não integra os elementos do método efetivamente aplicado pelo CUR, como explicitado na audiência. Com efeito, como resulta dos n.os 257 a 260, supra, de acordo com este método, o CUR obteve o montante do nível‑alvo anual deduzindo do nível‑alvo final os meios financeiros disponíveis no FUR, com o objetivo de calcular o montante ainda por cobrar até ao final do período inicial, e dividindo este último montante por três. Ora, estas duas etapas do cálculo não estão expressas na referida fórmula matemática.

270    Por outro lado, esta conclusão não pode ser posta em causa pela afirmação do CUR de que publicou, em maio de 2021, a ficha descritiva, que continha um intervalo que indicava os eventuais montantes do nível‑alvo final e, no seu sítio Internet, o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR. Com efeito, independentemente da questão de saber se a recorrente tinha efetivamente conhecimento desses montantes, estes não são, por si só, suscetíveis de lhe permitir compreender que as duas operações mencionadas no n.o 269, supra, tinham sido efetivamente executadas pelo CUR, precisando‑se, além disso, que a fórmula matemática prevista no considerando 48 da decisão impugnada nem sequer as mencionava.

271    Incoerências semelhantes afetam também a maneira como foi fixado o coeficiente de 1,35 %, que desempenha, no entanto, um papel primordial na fórmula matemática referida no n.o 255, supra. Com efeito, esse coeficiente pode ser entendido no sentido de que se baseia, entre outros parâmetros, no crescimento previsível dos depósitos cobertos durante os restantes anos do período inicial. Ora, como o CUR reconheceu em sede de audiência, este coeficiente foi fixado para poder justificar o resultado do cálculo do montante do nível‑alvo anual, ou seja, depois de o CUR ter calculado esse montante em aplicação das quatro etapas referidas nos n.os 257 a 260, supra, e, nomeadamente, pela divisão por três do montante resultante da dedução dos meios financeiros disponíveis no FUR do nível‑alvo final. Ora, esta diligência não resulta de modo nenhum da decisão impugnada.

272    Além disso, importa recordar que, segundo a ficha descritiva, o montante do nível‑alvo final estimado se situava num intervalo compreendido entre 70 e 75 mil milhões de euros. Ora, este intervalo é incoerente com o intervalo da taxa de crescimento dos depósitos cobertos compreendido entre 4 % e 7 % que figura no considerando 41 da decisão impugnada. Com efeito, o CUR indicou na audiência que, para a determinação do nível‑alvo anual, tinha tido em conta a taxa de crescimento dos depósitos cobertos de 4 % — que era a taxa mais baixa do segundo intervalo — e que tinha, assim, obtido o nível‑alvo final estimado de 75 mil milhões de euros — que constituía o valor mais elevado do primeiro intervalo. Assim, verifica‑se que existe uma discordância entre estes dois intervalos. Com efeito, por um lado, o intervalo relativo à taxa de evolução dos depósitos cobertos inclui também valores superiores à taxa de 4 %, cuja aplicação conduziu, contudo, a um montante estimado do nível‑alvo final superior aos incluídos no intervalo relativo a esse nível‑alvo. Por outro lado, é impossível para a recorrente compreender a razão pela qual o CUR incluiu no intervalo relativo ao referido nível‑alvo montantes inferiores a 75 mil milhões de euros. Efetivamente, para tal, teria sido necessário aplicar uma taxa inferior a 4 %, que, todavia, não está incluída no intervalo relativo à taxa de crescimento dos depósitos cobertos. Nestas circunstâncias, a recorrente não estava em condições de determinar a maneira como o CUR tinha utilizado o intervalo relativo à taxa de evolução desses depósitos para chegar ao cálculo do nível‑alvo final estimado.

273    Daqui resulta que, no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, o método efetivamente aplicado pelo CUR, conforme explicitado na audiência, não corresponde ao descrito na decisão impugnada, pelo que nem as instituições nem o Tribunal Geral podiam identificar, com base na decisão impugnada, os fundamentos reais à luz dos quais foi fixado este nível‑alvo.

274    Tendo em conta o que precede, há que concluir que a decisão impugnada enferma de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual. Por conseguinte, há que anular a decisão impugnada com base neste fundamento.

C.      Conclusão

275    Na sequência de um exame oficioso efetuado pelo Tribunal Geral, há que concluir que a decisão impugnada enferma de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual. Uma vez que estes vícios são, por si só, suscetíveis de fundamentar a anulação dessa decisão, esta última deve ser anulada, na parte em que diz respeito à recorrente.

[OMISSIS]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

decide:

1)      É anulada a Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução, na parte em que diz respeito à Max Heinr. Sutor OHG.

2)      Mantêmse os efeitos da Decisão SRB/ES/2021/22, no que diz respeito à Max Heinr. Sutor OHG, até à entrada em vigor, num prazo razoável que não poderá exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão do CUR que fixe a contribuição ex ante para o Fundo Único de Resolução dessa instituição para 2021.

3)      O CUR suportará, além das suas próprias despesas, as despesas da Max Heinr. Sutor OHG.

Kornezov

De Baere

Petrlík

Kecsmár

 

      Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de maio de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.


1Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.