Language of document : ECLI:EU:T:2015:429

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

24 de junho de 2015 (*)

«Auxílios de Estado — Imposição no setor do leite — Auxílios concedidos pela Itália aos produtores de leite — Regime de auxílios ligado ao reembolso da imposição no setor do leite — Decisão condicional — Incumprimento de uma condição que teria permitido reconhecer a compatibilidade do auxílio com o mercado interno — Auxílio de minimis — Auxílio existente — Auxílio novo — Alteração de um auxílio existente — Processo de fiscalização dos auxílios de Estado — Dever de fundamentação — Ónus da prova»

No processo T‑527/13,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino e P. Grasso, avvocati dello Stato,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por D. Grespan, D. Nardi e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão 2013/665/UE da Comissão, de 17 de julho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.33726 (11/C) [ex SA.33726 (11/NN)] concedido pela Itália (prorrogação do pagamento da imposição no setor do leite em Itália) (JO L 309, p. 40),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: S. Papasavvas, presidente, N. J. Forwood (relator) e E. Bieliūnas, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de janeiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Para permitir que os produtores de leite italianos pagassem a imposição suplementar de 1 386 475 000 euros devida à União Europeia pela ultrapassagem da quota leiteira atribuída à República Italiana durante o período de 1995/1996 a 2001/2002, este Estado‑Membro pediu ao Conselho da União Europeia autorização para instituir um regime de auxílios de Estado ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, terceiro parágrafo, CE.

2        Com a Decisão 2003/530/CE, de 16 de julho de 2003, relativa à compatibilidade com o mercado comum de um auxílio que a República Italiana tenciona conceder aos seus produtores de leite (JO L 184, p. 15, a seguir «decisão do Conselho»), o Conselho autorizou esse Estado‑Membro a «assegura[r] o pagamento à [União] do montante total devido por esses produtores em virtude da imposição suplementar no setor do leite e dos produtos lácteos durante o período de 1995/1996 a 2001/2002» (artigo 1.° da decisão do Conselho). Autorizou igualmente que se «[permitisse aos interessados] liquidar a sua dívida [para com a República Italiana] através de um pagamento diferido sem juros ao longo de alguns anos» (artigo 1.° da decisão do Conselho).

3        Esta declaração de compatibilidade ficou sujeita a duas séries de condições. Em primeiro lugar, o Conselho incumbiu as autoridades italianas de declararem o montante correspondente à imposição suplementar devida pelos produtores de leite ao Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), por um lado, e de deduzirem das despesas financiadas pelo FEOGA o saldo da sua dívida para com a União e os respetivos juros, por outro (artigo 2.° da decisão do Conselho). Em segundo lugar, exigiu que os produtores de leite amortizassem integralmente a sua dívida para com a República Italiana em prestações anuais iguais, por um lado, e durante um período que não excedesse 14 anos, a contar de 1 de janeiro de 2004, por outro (artigo 1.° da decisão do Conselho).

4        Neste contexto, as autoridades italianas aprovaram o decreto‑legge n.° 49, riforma della normativa in tema di applicazione del prelievo supplementare nel settore del latte e dei prodotti lattiero‑caseari (Decreto‑Lei n.° 49, que reforma a regulamentação relativa à aplicação da imposição suplementar no setor do leite e produtos lácteos), de 28 de março de 2003 (GURI n.° 75, de 31 de março de 2003, p. 4), e o decreto ministeriale del 30 luglio 2003, disposizioni per il versamento del prelievo supplementare, dovuto e non versato per i periodi dal 1995/1996 al 2001/2002 di cui all’art. 10, comma 34, della legge n.° 119/2003 (Decreto Ministerial, de 30 de julho de 2003, relativo ao pagamento da imposição suplementar, devida e não paga, respeitante ao período compreendido entre 1995/1996 e 2001/2002, previsto no artigo 10.°, parágrafo 34, da Lei n.° 119/2003) (GURI n.° 183, de 8 de agosto de 2003, p. 33). As disposições conjugadas destes dois atos previram, em substância, que o montante da imposição suplementar assumido pela República Italiana lhe seria integralmente reembolsado pelos produtores de leite, sem juros, em prestações anuais iguais, durante um período não superior a catorze anos (a seguir «sistema de escalonamento dos pagamentos»).

5        Após ter alterado estas disposições por várias vezes, nomeadamente para permitir que os interessados requeressem o pagamento escalonado da sua dívida por um prazo máximo de trinta anos, prorrogando, em seguida, por seis meses o pagamento da prestação anual com vencimento em 30 de junho de 2010, as autoridades italianas aprovaram a legge n.° 10, Conversione in legge, con modificazioni, del decreto‑legge 29 dicembre 2010, n.° 225, recante proroga di termini previsti da disposizioni legislative e di interventi urgenti in materia tributaria e di sostegno alle imprese e alle famiglie (Lei n.° 10, de conversão em lei, com alterações, do Decreto‑Lei n.° 225, de 29 de dezembro de 2010, que prorroga os prazos previstos nas disposições legislativas e intervenções urgentes em matéria fiscal e de apoio às empresas e às famílias), de 26 de fevereiro de 2011 (GURI n.° 47, de 26 de fevereiro de 2011, suplemento ordinário n.° 53), que entrou em vigor no dia seguinte. Esta lei introduziu o n.° 12‑K no artigo 1.° do decreto‑legge n.° 225, que prevê que, «[p]ara fazer face à grave crise no setor do leite, foram prorrogados para 30 de junho de 2011 os prazos de pagamento dos montantes com vencimento em 31 de dezembro de 2010, referidos nos planos de pagamento previstos no Decreto‑Lei n.° 49» e regulamentação posterior (a seguir «prorrogação do pagamento»).

6        As autoridades italianas informaram a Comissão Europeia de que o «equivalente‑subvenção» desta medida tinha sido imputado no auxílio de minimis previsto para este Estado‑Membro no anexo do Regulamento (CE) n.° 1535/2007 da Comissão, de 20 de dezembro de 2007, relativo à aplicação dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE] aos auxílios de minimis no setor da produção de produtos agrícolas (JO L 337, p. 35). Segundo essas autoridades, este dispositivo aproveitou a 1 291 produtores de leite sobre os 11 271 beneficiários do sistema de escalonamento dos pagamentos, ou seja, uma proporção de 11,45%. Além disso, o auxílio individual obtido a este título situava‑se num intervalo entre 0,08 e 694,19 euros. Por fim, para 1 187 dos 1 291 produtores de leite em causa, o auxílio manteve‑se abaixo dos 100 euros e, para 559 deles, abaixo dos 12 euros.

7        Com a Decisão C (2011) 10055 final, de 11 de janeiro de 2012, relativa ao auxílio estatal SA.33726 (11/C) [ex SA.33726 (11/NN)] — Diferimento do pagamento da imposição sobre o leite em Itália, cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 10 de fevereiro de 2012 (JO C 37, p. 30), a Comissão deu início ao procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. Em primeiro lugar, indicou, em substância, que tinha dúvidas sobre a qualificação do diferimento do pagamento à luz do artigo 107.° TFUE e sobre a compatibilidade desta medida com o mercado interno. Em segundo lugar, afirmou que esse diferimento do pagamento implicava uma violação de uma das condições previstas na decisão do Conselho, que a violação transformava o conjunto do sistema de escalonamento dos pagamentos instituído pelas autoridades italianas num novo auxílio, visto que era aplicável aos produtores de leite que tinham beneficiado do diferimento do pagamento, e que a compatibilidade desse novo auxílio com o mercado interno também não estava demonstrada.

8        Na Decisão 2013/665/UE, de 17 de julho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.33726 (11/C) [ex SA.33726 (11/NN)] concedido pela Itália (prorrogação do pagamento da imposição no setor do leite em Itália) (JO L 309, p. 40, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão considerou, após a troca de correspondência com as autoridades italianas no procedimento administrativo, que ambas as medidas em causa, a saber, a prorrogação do pagamento, por um lado, e o sistema de escalonamento dos pagamentos, por outro, constituíam um auxílio novo, ilegal e incompatível com o mercado interno (artigo 1.° da decisão impugnada). Consequentemente, a Comissão ordenou à República Italiana que procedesse à cobrança imediata e efetiva das quantias concedidas aos produtores de leite que tiveram direito à prorrogação do pagamento, acrescidas de juros (artigos 2.° e 3.° da decisão impugnada).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de setembro de 2013, a República Italiana interpôs o presente recurso.

10      A República Italiana conclui pedindo, em substância, ao Tribunal Geral que se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada na íntegra;

–        a título subsidiário, anular a decisão impugnada na parte em ordena a cobrança dos auxílios individuais concedidos, ao abrigo do regime de auxílios previamente autorizado pela decisão do Conselho, aos produtores de leite italianos que tiveram direito à prorrogação do pagamento;

–        condenar a Comissão nas despesas.

11      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Italiana nas despesas.

 Questão de direito

12      Em apoio dos seus pedidos, a República Italiana invoca dois fundamentos. O primeiro é relativo a uma violação do artigo 3.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1535/2007. O segundo é relativo a uma violação do artigo 3.°, n.° 2, do mesmo regulamento, à violação do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), à violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento n.° 659/1999 (JO L 140, p. 1) e a falta de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento

13      A República Italiana sustenta que a decisão impugnada viola o artigo 3.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1535/2007, segundo o qual «[o]s auxílios de minimis não podem ser cumulados com auxílios estatais relativos às mesmas despesas elegíveis se dessa cumulação resultar uma intensidade de auxílio superior à fixada, em função das circunstâncias específicas de cada caso, pela regulamentação [da União].» Com efeito, segundo a República Italiana, a Comissão concluiu que a concessão da prorrogação do pagamento violava esta disposição, partindo da premissa de que o sistema de escalonamento dos pagamentos previamente autorizado pelo Conselho constituía o nível de auxílio máximo passível de ser concedido aos produtores de leite. Ora, nada na decisão do Conselho proíbe as autoridades italianas de instituírem, se necessário, novas medidas de apoio a seu favor. Assim, a Comissão considerou erradamente que a disposição em causa se opunha a que fosse concedido um novo auxílio aos produtores de leite. Por outro lado, a própria Comissão reconheceu que tal auxílio devia ser considerado de minimis.

14      A Comissão contesta a procedência desta argumentação.

15      O artigo 3.° do Regulamento n.° 1535/2007 prevê, no seu n.° 1, que se «[c]onsider[a] que os auxílios que preenchem as condições previstas nos n.os 2 a 7 do presente artigo não preenchem todos os critérios estabelecidos no n.° 1 do artigo [107.° TFUE], pelo que estão isentos da obrigação de notificação prevista no n.° 3 do artigo [108.° TFUE]».

16      A este respeito, importa salientar que, embora incumba à Comissão provar que certa medida preenche os requisitos necessários para ser qualificada de auxílio de Estado, cabe depois ao Estado‑Membro que concedeu ou pensa conceder esse auxílio demonstrar que tal medida escapa a essa qualificação ou que é compatível com o mercado interno.

17      A este título, é jurisprudência constante que incumbe, nomeadamente, ao Estado‑Membro fornecer à Comissão todos os elementos que permitam a esta instituição verificar se as condições da derrogação solicitada estão preenchidas (acórdãos de 28 de abril de 1993, Itália/Comissão, C‑364/90, Colet., EU:C:1993:157, n.° 20, e de 29 de abril 2004, Itália/Comissão, C‑372/97, Colet., EU:C:2004:234, n.° 81), demonstrando que a medida em causa pode ser considerada compatível com o mercado interno nos termos das disposições do artigo 107.°, n.° 3, TFUE (acórdãos de 15 de dezembro de 1999, Freistaat Sachsen e o./Comissão, T‑132/96 e T‑143/96, Colet., EU:T:1999:326, n.° 140, e de 15 de junho de 2005, Regione Autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, Colet., EU:T:2005:219, n.° 129) ou até mesmo que essa medida escapa à qualificação de auxílio de Estado prevista no artigo 107.°, n.° 1, TFUE (acórdãos de 29 de abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, Colet., EU:C:2004:246, n.° 43, e de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, Colet., EU:C:2011:732, n.os 143 a 152).

18      Quando o Estado‑Membro em causa não apresenta prova de que a derrogação que requer é fundada e, por maioria de razão, quando não cumpre a sua obrigação de apresentar as informações pertinentes a este respeito, o que, como recorda o artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1535/2007, vale em especial para os casos em que os Estados‑Membros alegam que os auxílios concedidos a empresas do setor agrícola são de minimis, a Comissão pode concluir que a concessão dessa derrogação não se justifica (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C‑382/99, Colet., EU:C:2002:363, n.os 77 a 80).

19      No presente caso, a decisão impugnada estabelece que a prorrogação do pagamento constitui um auxílio de Estado (considerandos 28 a 32) e que não pode ser considerada de minimis (considerandos 33 a 42), contrariamente ao que as autoridades italianas sustentavam (considerandos 14 à 20).

20      Esta conclusão assenta em três séries de considerações.

21      Em primeiro lugar, a Comissão considerou que, embora os auxílios individuais ligados à prorrogação do pagamento possam, quando analisados de forma isolada, ser vistos como de minimis, a República Italiana não lhe apresentou os elementos da prova da justeza da sua alegação, segundo a qual os produtores de leite que tiveram direito a essa prorrogação não receberam outros auxílios de minimis que os levassem a beneficiar de um montante total de auxílio superior ao limiar previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1535/2007 (considerandos 34 e 35, primeira a terceira frases, da decisão impugnada), cujo segundo parágrafo dispõe que, «[s]empre que o montante total de auxílio concedido ao abrigo de uma medida de auxílio exceder o limiar [de 7 500 euros por período de três exercícios fiscais] referido no primeiro parágrafo, o montante do auxílio não pode beneficiar do disposto no presente regulamento, nem sequer quanto à fração que não excede esse limiar».

22      Em segundo lugar, a Comissão considerou, a título complementar, como mostra a utilização do termo «igualmente» (considerando 35, terceira frase, da decisão impugnada), que esses auxílios não eram as únicas medidas a ter em conta para efeitos da verificação da observância do limiar em causa. Com efeito, considerou que a prorrogação do pagamento violou a decisão do Conselho, que tal violação determinava a ilegalidade de uma parte dos auxílios individuais concedidos aos produtores de leite ao abrigo do sistema de escalonamento dos pagamentos autorizado pelo Conselho e que também era necessário ter em conta estes últimos no âmbito da referida verificação (considerando 35, da terceira frase in fine até à quinta frase, e considerando 50 da decisão impugnada).

23      Em terceiro lugar, ainda a título complementar, como mostra a utilização da expressão «[a]cresce que» (considerando 36 da decisão impugnada), a Comissão explicou que, por cumular‑se com o sistema de escalonamento dos pagamentos, a prorrogação do pagamento levava a conceder aos produtores de leite auxílios de uma «intensidade» superior ao nível aplicável nas circunstâncias específicas do caso concreto (considerandos 36 a 42 da decisão impugnada), em violação do artigo 3.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1535/2007.

24      Ora, a República Italiana critica esta terceira consideração, baseada no artigo 3.°, n.° 7, do Regulamento n.° 1535/2007, sem, contudo, adiantar argumentos que permitam invalidar a análise realizada pela Comissão em paralelo à luz do n.° 2 deste artigo (v. n.° 21 supra).

25      Com efeito, limita‑se, no âmbito do presente fundamento, a salientar que, na decisão impugnada, a Comissão admitiu que se podia considerar que os auxílios individuais ligados à prorrogação do pagamento são de minimis, quando analisados isoladamente (n.° 46 da petição). A Comissão acrescentou, contudo, que esses auxílios deviam ser analisados em conjugação com os demais auxílios de minimis de que os produtores de leite puderam beneficiar, e não de forma isolada (v. n.° 21 supra).

26      Em seguida, a própria República Italiana admite, no seu segundo fundamento, que o artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1535/2007 proíbe a possibilidade de qualificar globalmente de auxílio de minimis o cúmulo de vários auxílios, todos eles de minimis, se o montante total exceder o limiar aí previsto (n.° 53 da petição).

27      Por fim, a República Italiana afirma, no segundo fundamento, que, «como demonstrado no primeiro fundamento de recurso, os pressupostos previstos no [artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1535/2007] não estão preenchidos», que, «[c]om efeito, não ficou provado que a medida controvertida tenha conduzido a um montante total do auxílio concedido superior ao limiar referido [neste artigo]» e que «pelo contrário, existem dados que mostram exatamente o inverso» (n.° 52 da petição). Contudo, no âmbito do presente recurso, a recorrente não adianta, nem demonstra ter adiantado no âmbito do procedimento administrativo, argumentos ou elementos de prova que permitam considerar, ou simplesmente verificar, que não concedeu outros auxílios de minimis superiores ao limiar fixado nesta disposição, como acertadamente assinala a Comissão. Pelo contrário, na resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral a título das medidas de organização do processo, e, em seguida, na audiência, limita‑se a alegar, no essencial, que o valor dos auxílios decorrentes da prorrogação do pagamento é de tal forma ínfimo que há que presumir que o limiar em causa não foi ultrapassado. Ora, tal argumento não pode prosperar, na falta de informações relativas aos demais auxílios de que os produtores de leite em causa puderam beneficiar e tendo em conta as exigências probatórias decorrentes da jurisprudência (v. n.os 17 e 18 supra) e as disposições conjugadas do artigo 3.°, n.os 1 e 2, e do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1535/2007.

28      Uma vez que a Comissão concluiu, no âmbito da análise recordada no n.° 21 supra, que não se podia considerar que os auxílios relacionados com a prorrogação do pagamento foram concedidos em conformidade com o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1535/2007, pelo facto de as autoridades italianas não terem feito prova bastante de que respeitaram essa disposição, é indiferente que a Comissão tenha considerado, acertada ou erradamente, na análise recordada no n.° 23 supra, que a concessão destes auxílios também violava o artigo 3.°, n.° 7, deste regulamento.

29      Por conseguinte, o presente fundamento só pode ser julgado inoperante.

 Quanto ao segundo fundamento

30      A República italiana invoca duas séries de argumentos no âmbito do segundo fundamento.

31      Sustenta, em primeiro lugar, que a decisão impugnada viola o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1535/2007. Antes de mais, não ficou demonstrado que os produtores de leite que beneficiaram da prorrogação do pagamento obtiveram, devido ao cúmulo desta medida com outras, um montante total de auxílio superior ao limiar previsto neste artigo. Em seguida, este artigo é exclusivamente aplicável aos casos em que o cúmulo de diferentes medidas que constituam, cada uma, um auxílio de minimis, conduz a um montante total de auxílio superior ao limiar que ele prevê. Por fim, mesmo supondo que o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1535/2007 é aplicável a qualquer situação de cúmulo de auxílios, independentemente da sua natureza de minimis, o referido artigo não constitui uma base jurídica que permita à Comissão exigir que o Estado‑Membro que concedeu um auxílio de minimis recupere, não apenas este auxílio, quando ilegalmente concedido, mas também o montante de um auxílio anterior que originou a decisão de autorização.

32      Em segundo lugar, a decisão impugnada padece de erro de direito, e, no mínimo, de fundamentação insuficiente, na medida em que a Comissão exige que a República italiana recupere, não apenas os auxílios individuais relacionados com a prorrogação do pagamento, mas igualmente uma parte dos auxílios concedidos anteriormente ao abrigo do sistema de escalonamento dos pagamentos. Com efeito, dado o alcance limitado dessa prorrogação, a Comissão devia tê‑la analisado separadamente, enquanto auxílio novo na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999, em vez de considerar que afetava a própria substância do regime de auxílios previamente autorizado pelo Conselho e, por conseguinte, decidir que todo este regime de auxílios existente devia ser qualificado de auxílio novo e ilegal relativamente aos produtores de leite que beneficiaram da prorrogação do pagamento. Por outro lado, a Comissão devia ter concluído que este auxílio novo estava dispensado da obrigação de notificação prevista pelo Tratado FUE, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 794/2004.

33      Na réplica, a República italiana acrescenta, no essencial, que os argumentos invocados pela Comissão na contestação confirmam a procedência desses argumentos.

34      A Comissão considera, no essencial, que estas duas séries de argumentos são, respetivamente, improcedentes e inoperantes.

35      Em primeiro lugar, durante todo o procedimento administrativo, as autoridades italianas não conseguiram provar a procedência da sua alegação de que os auxílios relacionados com a prorrogação dos pagamentos não conduziram a uma ultrapassagem do limiar fixado pelo artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1535/2007, não tendo assim a Comissão cometido um erro ao não aplicar esta disposição.

36      Em segundo lugar, a República italiana fez uma leitura errada da decisão impugnada. Com efeito, decorre claramente dos motivos e da parte decisória deste ato — bem como a decisão de abertura do processo previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE que o precedeu — que a Comissão analisou duas medidas distintas e, depois, qualificou cada uma delas de auxílio ilegal novo e incompatível com o mercado interno. A primeira delas era o «auxílio relacionado com a prorrogação dos pagamentos» (considerando 13, primeiro e segundo travessão, considerando 45 e considerando 57 da decisão impugnada). A segunda era o «novo [auxílio] determinado pela violação da decisão [do Conselho]» (considerando 13, terceiro travessão, e considerando 57 da decisão impugnada).

37      No que diz respeito a esta segunda medida, a Comissão considerou acertadamente que as autoridades italianas violaram uma das condições enunciadas na decisão do Conselho ao concederem uma prorrogação de pagamento aos produtores de leite, que esta era condição sine qua non da autorização concedida pelo Conselho e que a sua violação tornava todo o sistema de escalonamento dos pagamentos contrário à referida decisão porque se aplicava aos produtores de leite que beneficiaram da prorrogação. A Comissão concluiu acertadamente que, nesta medida, este sistema devia ser qualificado de regime de auxílios novo, ilegal e incompatível com o mercado interno e que os auxílios individuais concedidos a este título deviam ser recuperados ao mesmo tempo que os ligados à prorrogação do pagamento. No âmbito dessa análise não era necessário verificar se a prorrogação do pagamento afetava a substância do sistema de escalonamento dos pagamentos ou se o seu caráter de minimis dispensava a obrigação de notificação prevista pelo tratado FUE. Por último, a Comissão fundamentou de forma suficiente a sua decisão a respeito de todos estes aspetos.

38      Atendendo aos argumentos trocados pelas partes durante o processo, é necessário precisar o alcance do fundamento antes de analisar o argumento relativo à fundamentação da decisão impugnada e, posteriormente, os argumentos relativos ao mérito.

 Quanto ao alcance do fundamento

39      Em primeiro lugar, importa constatar que, apesar de cada um dos argumentos invocados pela República italiana no âmbito do presente fundamento se basear na violação de uma disposição diferente, os mesmos têm em comum o facto de criticarem a decisão impugnada por não assentar em nenhuma base jurídica válida na medida em que qualifica o sistema de escalonamento dos pagamentos de auxílio novo e ilegal (artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada) e em que exige que a República italiana recupere esse auxílio [artigo 2.°, n.° 1 e n.° 4, alínea a) a d), da decisão impugnada].

40      Em segundo lugar, esta crítica foi formulada desde a fase da petição, ainda que as expressões «referências normativas» e «base de apoio positivo na qual a decisão [da Comissão] podia em princípio basear‑se» apenas aparecerem, como tais, na réplica, em resposta aos argumentos avançados pela Comissão em sua defesa.

41      Assim, a República italiana observa, na sua primeira série de argumentos, que «a não aplicação da medida contestada por parte da administração competente, por outras palavras [a] imputação da responsabilidade pelo pagamento dos juros correspondentes ao período de atraso no pagamento […], equivale, por si só, à consequência máxima prevista pelo tratado para os auxílios não autorizados, concretamente, a supressão do auxílio concedido», que «a supressão do auxílio de minimis também não deve conduzir à anulação do auxílio legalmente concedido» e que «não existem elementos suscetíveis de demonstrar que os beneficiários do auxílio existente, que também beneficiaram da medida contestada, são obrigados a restituir, não apenas o montante correspondente à medida contestada, mas também aquele que receberam a título do auxílio existente» (n.os 54 a 56 da petição).

42      De igual modo, na sua segunda série de argumentos, a República italiana sustenta que «[t]ambém não pode considerar‑se que a extensão da decisão de recuperação ao auxílio existente pode legitimamente decorrer da existência de uma alteração substancial deste auxílio que permita ver as duas medidas como um auxílio novo único, não notificado à Comissão e, portanto, ilegal», que «[t]al conclusão é manifestamente resultado de uma desvirtuação do conceito de ‘alteração do auxílio existente’» e que, «[d]e qualquer modo, a Comissão está longe de ter fundamentado de forma suficiente o facto de estarem preenchidas as condições factuais de aplicação deste conceito» (n.os 57 e 58 da petição).

43      Em terceiro e último lugar, e de qualquer modo, é jurisprudência constante que deve ser julgado admissível um fundamento ou argumento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, direta ou implicitamente, e que com ele apresente um nexo estreito (acórdãos de 30 de setembro de 1982, Amylum/Conselho, 108/81, Colet., EU:C:1982:322, n.° 25, e de 14 de março de 2007, Aluminium Silicon Mill Products/Conselho, T‑107/04, Colet., EU:T:2007:85, n.° 60).

44      Nestas condições, importa considerar que os argumentos da República italiana, segundo os quais a defesa da Comissão confirma que a «[sua] decisão é desprovida de referências normativas que permitam justificá‑la», uma vez que «o artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1535/2007 […] constituía, tudo ponderado, a única base de apoio positiva na qual a decisão podia, em princípio, fundar‑se», por um lado, que «é impossível considerar [a prorrogação do pagamento] como um elemento de um auxílio novo, que fizesse igualmente com o que os beneficiários perdessem o direito ao auxílio autorizado pelo Conselho», e que a Comissão não «demonstr[ou] que tinham sido respeitados os critérios correspondentes ao conceito de alteração de um auxílio», por outro (n.os 16, 17, 21 e 23 da réplica), são uma ampliação, relativamente à contestação, dos argumentos apresentados na petição.

 Quanto ao argumento relativo à fundamentação da decisão impugnada

45      É jurisprudência constante que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao Tribunal fiscalizar o seu mérito. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato possam ter em receber explicações. Não se exige contudo que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada não somente tendo em conta o teor do ato mas também o seu contexto jurídico e factual (acórdãos de 13 de março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, EU:C:1985:113, n.° 19, e de 21 de julho de 2011, Alcoa Trasformazioni/Comissão, C‑194/09 P, Colet., EU:C:2011:497, n.° 96). Assim sendo, basta que a instituição autora do ato exponha os factos e as considerações jurídicas que assumem uma importância essencial na sistemática da decisão (acórdãos de 14 de julho de 1972, Cassella Farbwerke Mainkur/Comissão, 55/69, Colet., EU:C:1972:76, n.os 22 e 23, e de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colet., EU:T:2003:57, n.° 280).

46      No caso vertente, na decisão impugnada, a Comissão expôs em sete ocasiões, de forma clara e inequívoca, as razões pelas quais considerou, quer no momento da abertura do processo previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, quer no termo deste, por um lado, que a prorrogação do pagamento ocorrera em violação das condições impostas pelo Conselho na sua decisão de declaração de compatibilidade do sistema de escalonamento dos pagamentos com o mercado interno e, por outro, que essa violação «transformava» todo o regime de auxílios existente num auxílio novo ilegal ou «criava» esse auxílio, relativamente às empresas que beneficiaram da referida prorrogação (considerando 13, terceiro travessão, considerando 28, considerando 35, terceiro a quinto períodos, considerando 42 in fine, considerando 45, segundo período, considerando 50 e considerando 57 da decisão impugnada).

47      Estes motivos expõem de forma bastante as considerações de facto e de direito com importância essencial na sistemática da decisão impugnada. Além disso, permitiram à República italiana compreender as justificações que fundaram o raciocínio da instituição, tendo em conta o contexto em que se produziu o raciocínio e as regras jurídicas que regulam a matéria em causa, e depois contestá‑las utilmente perante o juiz da União, como demonstra o conteúdo da petição e da réplica. Por último, os referidos motivos são suficientes para permitir ao Tribunal fiscalizar o fundamento deste raciocínio.

48      Por conseguinte, importa analisar os argumentos relativos ao fundamento da decisão impugnada.

 Quanto aos argumentos relativos ao fundamento da decisão impugnada

49      Em primeiro lugar, tendo em conta o raciocínio no qual a decisão impugnada se baseia, recordado pela Comissão perante o Tribunal, há que efetuar quatro constatações.

50      Em primeiro lugar, é pacífico que, até ao momento em que a Comissão entendeu que o sistema de escalonamento dos pagamentos devia ser considerado um auxílio novo, esta medida constituía um regime de auxílios existente, ainda que na decisão impugnada esta qualificação apenas seja implicitamente referida, no considerando 4 e no considerando 13, terceiro travessão, nos termos dos quais o auxílio «aprovado pelo Conselho» foi «transformado» em «auxílio novo» devido à prorrogação dos pagamentos.

51      Em segundo lugar, é pacífico que a declaração de compatibilidade de que beneficiava este regime de auxílios existente não era absoluta, uma vez que o Conselho fazia depender a autorização daqueles do respeito de determinadas condições.

52      Em terceiro lugar, não foi contestado que a prorrogação do pagamento violou uma destas condições e que constitui, isoladamente, um auxílio novo. Com efeito, no seu primeiro fundamento, a República italiana alega que a decisão do Conselho e a regra de minimis lhe permitiam conceder esse auxílio novo. No seu segundo fundamento, contesta, a título subsidiário, as consequências jurídicas que a Comissão associa ao desrespeito da decisão do Conselho, concretamente, a aplicação da qualificação de auxílio novo a todo o sistema de escalonamento dos pagamentos, na medida que o mesmo se aplicava aos produtores que beneficiaram da prorrogação do pagamento, bem como a exigência dirigida às autoridades italianas no sentido de que recuperassem os auxílios individuais concedidos a esse título. Em contrapartida, a República italiana não põe em causa a existência desta violação.

53      Em quarto lugar, não é contestado, nem de resto contestável, que incumbia à Comissão vigiar a execução do regime de auxílios autorizado pelo Conselho, nomeadamente assegurando o respeito das condições que permitiram a este último declará‑lo compatível com o mercado interno e, se necessário, retirando as consequências da sua inobservância, como recordou a própria decisão do Conselho (considerandos 8 e 9, e artigo 3.°).

54      Com efeito, o Tratado organiza o exame permanente e o controlo dos auxílios sob a responsabilidade da Comissão, sendo a esta instituição que os artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE reservam o papel central de se pronunciar sobre a compatibilidade destas medidas com o mercado interno, em derrogação ao princípio geral de incompatibilidade que enunciam, ao mesmo tempo que investe o Conselho de um poder com caráter excecional e que, enquanto tal, deve ser objeto de interpretação estrita (acórdãos de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, C‑110/02, Colet., EU:C:2004:395, n.os 29 a 31, e de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, Colet., EU:C:2013:812, n.° 48). Ora, esta exceção apenas permite ao Conselho decidir, se circunstâncias excecionais o justificarem, que um auxílio instituído ou a instituir por um Estado‑Membro deve ser declarado compatível com o mercado interno. Por conseguinte, incumbe à Comissão, e apenas a ela, garantir a boa execução dos auxílios ou dos regimes de auxílios existentes, quer estes tenham sido autorizados por ela ou pelo Conselho.

55      Em segundo lugar, atendendo aos argumentos invocados pela República italiana, importa determinar se, no caso vertente, a Comissão exerceu esta competência da forma prevista pelo Tratado e de acordo com as regras que preveem as modalidades de aplicação deste.

56      A este respeito, o artigo 108.° TFUE e o Regulamento n.° 659/1999 dão à Comissão a possibilidade de retirar várias consequências do desrespeito de uma decisão que declarou um auxílio ou um regime de auxílios compatível com o mercado interno, sob reserva do respeito de certas condições.

57      Por um lado, resulta do artigo 108.°, n.° 2, segundo parágrafo, TFUE, e do artigo 23.° do Regulamento n.° 659/1999, que, quando a Comissão considera que o Estado‑Membro não cumpre essa decisão, pode recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia, por derrogação ao disposto nos artigos 258.° TFUE e 259.° TFUE (acórdãos de 12 de outubro de 1978, Comissão/Bélgica, 156/77, Colet., EU:C:1978:180, n.° 22, e de 4 de fevereiro de 1992, British Aerospace e Rover/Comissão, C‑294/90, Colet., EU:C:1992:55, n.° 11).

58      É certo que estas disposições apenas preveem expressamente esta faculdade no caso de a decisão alegadamente desrespeitada ter sido adotada pela Comissão. Deve, contudo, considerar‑se que a referida faculdade pode ser usada no caso em que, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, terceiro parágrafo, TFUE um auxílio ou um regime de auxílios foi declarado compatível com o mercado interno pelo Conselho. Com efeito, não pode admitir‑se que a Comissão não possa recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça da União Europeia para uma declaração no sentido de que um Estado‑Membro não respeitou uma decisão tomada a título da fiscalização dos auxílios de Estado no caso em que o Conselho utiliza excecionalmente a competência que a Comissão normalmente exerce. O espírito e a sistemática do artigo 108.° TFUE normalmente implicam, pelo contrário, que, nesse caso, os meios de ação da Comissão não estejam limitados ao processo mais complexo previsto pelo artigo 258.° TFUE (v., por analogia, acórdão de 2 julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colet., EU:C:1974:71, n.os 16 e 17). Por conseguinte, neste caso, deve poder utilizar‑se o meio processual previsto no artigo 108.°, n.° 2, segundo parágrafo, TFUE, que constitui uma variante da ação por incumprimento, adaptada especialmente aos problemas específicos que os auxílios de Estado apresentam (acórdãos de 14 de fevereiro de 1990, França/Comissão, C‑301/87, Colet., EU:C:1990:67, n.° 23, e de 12 de dezembro de 1996, Air France/Comissão, T‑358/94, Colet., EU:T:1996:194, n.° 60).

59      Quando a Comissão procede deste modo, o artigo 108.°, n.° 2, segundo parágrafo, TFUE e o artigo 23.° do Regulamento n.° 659/1999 apenas lhe impõem a obrigação de demonstrar de forma juridicamente bastante que o Estado‑Membro em causa não cumpriu a totalidade ou parte das condições que permitiram à Comissão ou ao Conselho declarar o auxílio ou o regime de auxílios em causa compatível com o mercado interno.

60      Por outro lado, resulta da jurisprudência que, se a Comissão considerar que um Estado‑Membro que foi autorizado a executar um auxílio ou um regime de auxílios posteriormente violou a sua obrigação de respeito das condições desta autorização, ela não tem, contudo, em qualquer dos casos a obrigação de submeter diretamente a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

61      Em particular, quando, como no caso vertente, o incumprimento que a Comissão considera ter sido cometido está relacionado com a concessão de um novo auxílio, o Tribunal de Justiça decidiu que a Comissão pode fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 108.° TFUE para fiscalizar a compatibilidade do auxílio com o mercado interno. Neste contexto, a Comissão deve tomar em consideração todos os elementos pertinentes, incluindo, sendo caso disso, o contexto já apreciado numa decisão anterior e as condições que puderam ser impostas ao Estado‑Membro em causa nessa decisão. Além disso, pode ter em conta qualquer novo elemento de facto suscetível de alterar a análise anteriormente efetuada. Na falta desses elementos, a Comissão pode basear a sua nova decisão nas apreciações feitas na decisão anterior e na inobservância das condições impostas por esta (acórdãos de 3 de outubro de 1991, Itália/Comissão, C‑261/89, Colet., EU:C:1991:367, n.os 2 a 4, 17 e 20 a 23, e British Aerospace e Rover/Comissão, n.° 57 supra, EU:C:1992:55, n.os 11 a 14; v. igualmente, neste sentido, acórdão de 13 de setembro de 1995, TWD/Comissão, T‑244/93 e T‑486/93, Colet., EU:T:1995:160, n.os 51 a 52, 56 e 59 a 60, e, em sede de recurso, acórdão de 15 de maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, Colet., EU:C:1997:241, n.os 25 a 27).

62      Contudo, se a Comissão exercer os seus poderes de fiscalização, incumbe‑lhe fazê‑lo no respeito, por um lado, dos processos previstos pelo tratado e das regras adotadas com vista à sua aplicação (acórdãos British Aerospace e Rover/Comissão, n.° 57 supra, EU:C:1992:55, n.° 14, e TWD/Comissão, n.° 61 supra, EU:T:1995:160, n.os 57 e 58) e, por outro, dos requisitos essenciais aos quais o exercício desses poderes está subordinado.

63      No caso vertente, tendo em conta as considerações acima efetuadas nos n.os 49 a 53 e a sistemática do Regulamento n.° 659/1999, como esclarecida pela jurisprudência, a Comissão podia recorrer a várias vias processuais.

64      Em primeiro lugar, uma vez que o sistema de escalonamento dos pagamentos tinha sido autorizado por decisão do Conselho e, por conseguinte, constituía um regime de auxílios existente na aceção do artigo 1.°, alínea b), do Regulamento n.° 659/1999, por um lado, e que a prorrogação do pagamento ocorreu em violação de uma das condições desta autorização, por outro, a Comissão podia, no âmbito da análise permanente dos regimes de auxílios existentes prevista pelo artigo 108.°, n.° 1, TFUE, verificar se, devido a essa violação, o referido regime ainda era compatível com o mercado interno e, sendo caso disso, constatar a incompatibilidade em causa. A este respeito, para ser exaustivo, na medida em que no caso em apreço a República italiana não contestou a proporcionalidade da decisão impugnada e em que, por conseguinte, não há que analisar esta questão, importa observar que a decisão adotada no fim deste processo deve respeitar os princípios gerais do direito e em particular o princípio da proporcionalidade aplicável a todos os atos das instituições da União (acórdãos de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, Colet., EU:C:2010:377, n.os 36 e 37, e de 17 de julho de 2014, Westfälisch‑Lippischer Sparkassen‑ und Giroverband/Comissão, T‑457/09, Colet., EU:T:2014:683, n.os 346 e 347).

65      Consequentemente, a Comissão podia recorrer ao «[p]rocesso aplicável aos regimes de auxílios existentes», previsto no Capítulo V do Regulamento n.° 659/1999. É, no entanto, pacífico que a decisão impugnada foi tomada com base no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, como decorre dos seus vistos e dos seus motivos (considerandos 4, 8, 13, 28, 33, 35, 37, 45 e 57 da decisão impugnada) e como a Comissão confirmou em resposta a uma questão escrita colocada pelo Tribunal.

66      Em segundo lugar, uma vez que a prorrogação do pagamento se deu em violação da decisão do Conselho, a Comissão podia, em conformidade com o artigo 108.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TFUE, determinar se havia que considerar que o sistema de escalonamento dos pagamentos autorizado pelo Conselho tinha sido aplicado de forma abusiva devido a essa violação. Para tal, podia recorrer ao «[p]rocesso aplicável aos auxílios utilizados de forma abusiva», previsto no Capítulo IV do Regulamento n.° 659/1999.

67      Com efeito, embora o artigo 1.°, alínea g), do Regulamento n.° 659/1999 se limite a qualificar de «auxílio utilizado de forma abusiva», «[p]ara efeitos do presente regulamento», o «auxílio [que foi] utilizado pelo [seu] beneficiário» em violação, nomeadamente, de uma «decisão condicional», fundada no artigo 7.°, n.° 4, deste regulamento, e a permitir que Comissão ordene a supressão ou alteração deste auxílio (v., neste sentido, acórdão de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, Colet., EU:T:2005:166, n.os 84 a 86 e 95 a 97), decorre da jurisprudência que o conceito de «auxílio aplicado de forma abusiva», que consta do artigo 108.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TFUE, deve ter um alcance mais amplo do que a definição que o artigo 1.°, alínea g), do Regulamento n.° 659/1999 dá dele, na medida em que o incumprimento, por parte de um Estado‑Membro, das condições impostas na aprovação de um auxílio também constitui uma forma de aplicação abusiva (acórdão de 15 de março de 2012, Ellinika Nafpigeia/Comissão, T‑391/08, EU:T:2012:126, n.° 165, não contestado quanto a este ponto no recurso que deu origem ao acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ellinika Nafpigeia/Comissão, C‑246/12 P, EU:C:2013:133).

68      No entanto, é pacífico que a Comissão, como confirmou em resposta a uma questão escrita colocada pelo Tribunal, não fundou a sua decisão nestas disposições, tendo ao invés considerado que o sistema de escalonamento dos pagamentos se tornara um auxílio novo devido à prorrogação do pagamento e porque se aplicava aos produtores de leite que beneficiaram dessa prorrogação. Ora, esta qualificação e a qualificação de auxílio aplicado de forma abusiva são mutuamente exclusivas, na medida em que apenas um auxílio já existente pode dar lugar a uma aplicação abusiva, como recorda o considerando 15 do Regulamento n.° 659/1999.

69      Em terceiro lugar, uma vez que a violação imputada à República italiana consistia na concessão de uma medida que podia ser qualificada de auxílio novo, a Comissão podia recorrer ao «[p]rocesso aplicável aos auxílios ilegais», previsto no Capítulo III do Regulamento n.° 659/1999, para analisar esta medida, como decidiu fazer no caso vertente.

70      Neste contexto, a Comissão devia, contudo, respeitar as condições materiais que lhe permitiam qualificar isoladamente a prorrogação dos pagamentos e todo o sistema de escalonamento dos pagamentos preexistente, de auxílio ou de regime de auxílios novo e ilegal.

71      A este respeito, o artigo 1.°, alínea b) e c), do Regulamento n.° 659/1999 qualifica de auxílio existente quaisquer «regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho», e de auxílio novo «quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente».

72      Em conformidade com o Tratado e com as disposições do Capítulo II do Regulamento n.° 659/1999 relativas ao «[p]rocesso aplicável aos auxílios notificados», essas alterações devem ser notificadas à Comissão antes da sua execução, com exceção dos casos de dispensa de notificação previstos no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 794/2004, e podem, no termo do processo final de análise, ser objeto de uma declaração de incompatibilidade, ou «decisão negativa», baseada no artigo 7.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999.

73      Na falta de notificação, as referidas alterações constituem auxílios ilegais e podem ser objeto, no termo do «[p]rocesso aplicável aos auxílios ilegais», regulado pelo Capítulo III do Regulamento n.° 659/1999, não apenas de uma «decisão negativa», como prevê o artigo 13.° deste regulamento, mas igualmente de uma «decisão de recuperação», ao abrigo do artigo 14.° daquele regulamento.

74      Em qualquer uma destas hipóteses, não são «quaisquer auxílios existentes alterados», mas sim, em conformidade com o texto inequívoco do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento n.° 659/1999 e nos termos de uma jurisprudência constante, apenas a alteração enquanto tal que é suscetível de ser qualificada de auxílio novo (acórdãos de 30 de abril de 2002, Government of Gibraltar/Comissão, T‑195/01 e T‑207/01, Colet., EU:T:2002:111, n.os 109 e 110, e de 16 de dezembro de 2010, Países Baixos e NOS/Comissão, T‑231/06 e T‑237/06, Colet., EU:T:2010:525, n.° 177; v. igualmente, nesse sentido, acórdão de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, Colet., EU:C:2010:291, n.os 42 a 49). Por seu lado, a medida anterior, que foi regularmente executada, é vista como um auxílio existente ou um regime de auxílios existente (acórdãos de 9 de agosto de 1994, Namur‑Les assurances du crédit, C‑44/93, Colet., EU:C:1994:311, n.° 13, e de 17 de junho de 1999, Piaggio, C‑295/97, Colet., EU:C:1999:313, n.° 48).

75      Não obstante, caso a alteração afete a própria essência do auxílio existente ou do regime de auxílios existente, esta medida transforma‑se na íntegra em auxílio novo ou em regime de auxílios novo. Não estamos contudo perante tal alteração substancial quando o elemento novo for claramente destacável da medida preexistente (acórdãos Government of Gibraltar/Comissão, n.° 74 supra, EU:T:2002:111, n.os 111 e 114, e de 25 de março de 2009, Alcoa Trasformazioni/Comissão, T‑332/06, EU:T:2009:79, n.° 128; v. igualmente, neste sentido, em sede de recurso, acórdão Alcoa Trasformazioni/Comissão, n.° 45 supra, EU:C:2011:497, n.os 111 e 112) ou quando o mesmo for de ordem puramente formal ou administrativa e não for suscetível de influenciar a apreciação da compatibilidade desta medida com o mercado interno (acórdão de 20 de março de 2014, Rousse Industry/Comissão, C‑271/13 P, EU:C:2014:175, n.os 31 a 38).

76      Daqui decorre que a possibilidade de a Comissão qualificar de auxílio novo e, eventualmente, ilegal, não apenas a alteração de um auxílio existente, mas igualmente a totalidade do auxílio existente que é objeto desta alteração, está sujeita, quanto à sua substância, à condição de esta instituição demonstrar que a referida alteração afeta a própria substância da medida preexistente. Além disso, caso o Estado‑Membro defenda, no procedimento administrativo, que essa alteração é claramente destacável da medida preexistente, ou que reveste um caráter puramente formal ou administrativo e não é suscetível de influenciar a apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno, a Comissão tem de justificar as razões pelas quais lhe parece que esses argumentos são infundados.

77      No caso vertente, há que fazer três considerações a esse respeito.

78      Antes de mais, os considerandos da decisão impugnada que podem ser relacionados com a questão de saber se a prorrogação do pagamento afetava a própria substância do sistema de escalonamento dos pagamentos limitam‑se a indicar que «[a] Comissão não partilha [do] ponto de vista» das autoridades italianas, segundo o qual «a prorrogação de pagamento deve ser avaliada como uma medida isolada», pelo facto de estar «diretamente relacionada com o» auxílio previamente autorizado pelo Conselho e «não [podendo] considerar‑se, por conseguinte, que a prorrogação não tem nenhuma relação» com aquele (considerandos 38 e 39). Ora, ainda que seja incontestável a existência de um «nexo direto» e de uma «relação» entre a prorrogação do pagamento e o sistema de escalonamento dos pagamentos, tal não implica, por si só, que a segunda destas medidas altere substancialmente a primeira.

79      Em seguida, a Comissão apreciou esta questão no quadro da análise de uma questão distinta, que tinha por objeto saber se o auxílio decorrente da prorrogação do pagamento devia ou não ser apreciado separadamente dos outros auxílios de que os produtores de leite podiam ter beneficiado para efeitos da verificação do respeito do limite de minimis previsto no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999.

80      Por último, a própria Comissão confirma, na contestação (n.os 24, 32, 35 e 39) e na tréplica (n.° 10), que nunca procurou verificar se a prorrogação do pagamento alterava substancialmente o sistema de escalonamento dos pagamentos ou se, pelo contrário, era destacável, uma vez que considerava esta questão «desprovida de pertinência» e «inoperante».

81      Ao fazê‑lo, a Comissão não se limitou a desrespeitar o conceito de «auxílio novo» ao requalificar um regime de auxílios existente de auxílio novo ilegal sem respeitar as condições substantivas enunciadas pelo Regulamento n.° 659/1999 e pela jurisprudência nesta matéria, como alega a República italiana.

82      A Comissão, consequentemente, também ordenou erradamente que fossem recuperados junto dos produtores de leite que beneficiaram de uma prorrogação do pagamento, não apenas este auxílio novo e ilegal, mas igualmente os auxílios individuais concedidos ao abrigo do referido regime de auxílios existente, como também alega a República italiana.

83      Nenhum dos elementos apresentados pela Comissão é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

84      Em particular, a Comissão não pode argumentar que a inobservância por parte das autoridades italianas de uma das condições constantes da declaração de compatibilidade proferida pelo Conselho conduz, em substância, à «requalificação» do regime de auxílios existente, que até então beneficiava dessa aprovação sujeita a condição, em auxílio novo e ilegal.

85      Com efeito, como resulta da jurisprudência acima recordada nos n.os 57 a 62 e 74 a 75, quando a Comissão identifica uma violação de uma decisão que declarou um auxílio ou um regime de auxílios compatível com o mercado interno sob reserva de determinadas condições, pode, pedir diretamente ao Tribunal de Justiça que declare a existência desse incumprimento, ou, se o mesmo consiste na concessão de um auxílio novo, fazer uso dos poderes que lhe permitem fiscalizar essa concessão desde que respeite as respetivas exigências processuais e materiais. Se a Comissão optar por utilizar os seus poderes de fiscalização, em princípio deve limitar‑se à análise do auxílio novo. Apenas nos casos em que demonstrar que o referido auxílio novo alterou a própria substância de um auxílio existente ou de um regime de auxílios existente é que a Comissão pode, excecionalmente, declarar que a totalidade da medida preexistente, alterada desse modo, é incompatível com o mercado interno, declarar que a mesma é ilegal se a referida modificação não tiver sido previamente levada ao seu conhecimento e, por conseguinte, ordenar a supressão ou alteração do auxílio ou do regime de auxílios assim alterado.

86      Em contrapartida, a Comissão não pode considerar que o incumprimento de uma condição imposta no momento da aprovação de um regime de auxílios existente implica ipso facto a «requalificação» desta medida como auxílio novo, e ainda menos considerar esta última como ilegal ab initio e ordenar a sua recuperação como se se tratasse de um auxílio ilegalmente executado e não de um auxílio previamente autorizado.

87      Com efeito, como recorda a jurisprudência, qualquer auxílio existente é abrangido pela decisão de autorização da qual foi objeto, exceto se Comissão considerar que a mesma foi abusivamente aplicada (v., acórdão de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colet., EU:C:2004:240, n.° 47 e jurisprudência aí referida) ou se a sua substância tiver sido alterada por um auxílio novo (v., n.os 74 e 75 supra). Sob reserva destes dois casos, esse auxílio deve, portanto, ser considerado legal até a Comissão declarar a sua incompatibilidade com o mercado interno (acórdão de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, Colet., EU:C:2013:525, n.os 40 e 41; v., igualmente, neste sentido, acórdão de 4 de março de 2009, Tirrenia di Navigazione e o./Comissão, T‑265/04, T‑292/04 e T‑504/04, EU:T:2009:48, n.° 75).

88      Em seguida, é com o objetivo de permitir à Comissão — ou excecionalmente ao Conselho — «considerar o auxílio compatível com o mercado [interno]» que esta instituição «pode acompanhar a sua decisão positiva de condições» e de obrigações, como resulta da própria letra do artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999 e da jurisprudência anterior à adoção desse regulamento (acórdãos TWD/Comissão, n.° 61 supra, EU:T:1995:160, n.° 55, e TWD/Comissão, n.° 61 supra, EU:C:1997:241, n.° 25). No caso vertente, «desde que [fossem] respeitadas determinadas condições [da decisão do Conselho]» esta instituição «consider[ou] compatível» «o auxílio que a República Italiana tenciona[va] conceder aos [seus] produtores de leite» (considerando 8 da decisão do Conselho e considerando 10 da decisão impugnada). Atendendo ao objetivo prosseguido por essas condições, o seu posterior incumprimento apenas podia conduzir a Comissão a pôr em causa, recorrendo a uma das diferentes vias processuais previstas pelo Tratado FUE e pelo Regulamento n.° 659/1999, a declaração de compatibilidade com o mercado interno atribuída à medida em causa, e não a sua qualificação de auxílio existente, sob reserva da exceção recordada no n.° 85 supra.

89      Além disso, dado que, em conformidade com o artigo 108.°, n.° 1, TFUE, os auxílios existentes podem continuar a ser prestados enquanto a Comissão não declarar a sua incompatibilidade (acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colet., EU:C:1994:100, n.° 20, e de 29 de novembro de 2012, Kremikovtzi, C‑262/11, Colet., EU:C:2012:760, n.° 49), esta declaração só pode produzir efeitos para o futuro (v., neste sentido, acórdãos de 15 de setembro de 1998, Ryanair/Comissão, T‑140/95, Colet., EU:T:1998:201, n.° 86, respeitante à violação de uma decisão de aprovação condicional de um auxílio pago em frações sucessivas, e de 6 de março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão, T‑127/99, T‑129/99 e T‑148/99, Colet., EU:T:2002:59, n.° 172).

90      Se assim não fosse, um regime de auxílios regularmente executado e os auxílios individuais legalmente concedidos ao abrigo deste, antes que o Estado‑Membro em causa violasse as suas obrigações, seriam retroativamente considerados auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno. Esse resultado equivaleria a uma revogação da decisão de autorização da execução destas medidas. Ora, como resulta do considerando 10 e do artigo 9.° do Regulamento n.° 659/1999, o legislador só previu essa sanção na hipótese específica em que uma decisão tomada a título da fiscalização dos auxílios de Estado se baseia em informações inexatas.

91      Importa por último observar, por um lado, que o Regulamento n.° 659/1999 foi adotado, nomeadamente, para assegurar a segurança jurídica em matéria processual, em particular no que respeita ao tratamento dos auxílios existentes e dos auxílios ilegais (considerandos 3, 4, 11, 14 e 17 do Regulamento n.° 659/1999). Por outro lado, este regulamento prevê um conjunto de regras que permitem à Comissão assegurar o respeito das decisões adotadas em sede de fiscalização dos auxílios de Estado, e, nomeadamente, tratar de casos como o presente e deles retirar todas as consequências jurídicas (v. n.os 57, 64, 66 a 67 e 69 a 75 supra). Neste contexto, admitir a teoria avançada pela Comissão no presente processo equivaleria a permitir que esta contornasse os processos que o legislador instituiu para garantir, no respeito do princípio da segurança jurídica, a efetividade da fiscalização dos auxílios de Estado.

92      Face ao exposto, o presente fundamento deve ser julgado procedente.

93      Por conseguinte, importa em primeiro lugar julgar improcedente o pedido principal da República italiana e, em segundo lugar, julgar procedente o seu pedido subsidiário, anulando o artigo 1.°, n.° 2 da decisão impugnada e os seus artigos 2.° a 4.° na medida em que dizem respeito, por um lado, ao regime de auxílios previsto no artigo 1.°, n.° 2, e, por outro, aos auxílios individuais concedidos em aplicação deste.

 Quanto às despesas

94      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso vertente, na medida em que ambas as partes foram parcialmente vencidas, suportarão, cada uma, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      O artigo 1.°, n.° 2, da Decisão 2013/665/UE da Comissão, de 17 de julho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.33726 (11/C) [ex SA.33726 (11/NN)] concedido pela Itália (prorrogação do pagamento da imposição no setor do leite em Itália), é anulado.

2)      Os artigos 2.° a 4.° desta decisão são anulados, na medida em que dizem respeito, por um lado, ao regime de auxílios previsto no seu artigo 1.°, n.° 2, e, por outro, aos auxílios individuais concedidos em aplicação desse regime de auxílios.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A República italiana e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Papasavvas

Forwood

Bieliūnas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de junho de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.