Language of document : ECLI:EU:C:2024:407

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

16 de maio de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva (UE) 2019/1158 — Conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores — Família monoparental — Igualdade de tratamento em relação às famílias biparentais — Extensão da licença de maternidade — Artigo 5.o — Licença parental — Inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial»

No processo C‑673/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Social n.o 1 de Sevilla (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Sevilha, Espanha), por Decisão de 28 de setembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de outubro de 2022, no processo

CCC

contra

Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS),

Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, A. Prechal (relatora), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de juíza da Sétima Secção, e M. L. Arastey Sahún, juíza,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS) e do Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS), por M. Sánchez Jiménez e A. R. Trillo García, na qualidade de letrados,

–        em representação do Governo Espanhol, por I. Herranz Elizalde, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín e E. Schmidt, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o da Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho (JO 2019, L 188, p. 79).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CCC à Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS) (Tesouraria Geral da Segurança Social, Espanha) e ao Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) (Instituto Nacional da Segurança Social, Espanha) a respeito da recusa de estes últimos prorrogarem por dezasseis semanas a licença de maternidade de CCC que forma uma família monoparental com o seu filho.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 92/85/CEE

3        O artigo 8.o, sob a epígrafe «Licença de maternidade», da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO 1992, L 348, p. 1), prevê:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as trabalhadoras referidas no artigo 2.o beneficiem de uma licença de maternidade de, pelo menos, 14 semanas consecutivas, a gozar antes e/ou depois do parto em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.

2.      A licença de maternidade prevista no n.o 1 deve incluir uma licença de maternidade obrigatória de, pelo menos, duas semanas, repartidas antes e/ou depois do parto, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.»

 Diretiva 2019/1158

4        O considerando 37 da Diretiva 2019/1158 tem a seguinte redação:

«Não obstante o requisito de avaliar se as condições de acesso e as regras pormenorizadas da licença parental são adaptadas às necessidades específicas dos progenitores em situações particularmente desfavorecidas, os Estados‑Membros são incentivados a avaliar se as condições de acesso e as regras pormenorizadas do exercício do direito à licença de paternidade, à licença de cuidador e aos regimes de trabalho flexíveis deverão ser adaptadas a necessidades específicas, tais como as de pais solteiros, pais adotivos, pais com deficiência, pais de crianças com deficiência ou vítimas de doença prolongada, ou pais em circunstâncias especiais, como as relacionadas com nascimentos múltiplos e nascimentos prematuros.»

5        Nos termos do artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Licença de paternidade”, dispensa de trabalho remunerada para os pais, ou para um segundo progenitor equivalente, se e na medida em que for reconhecido pela legislação nacional, por ocasião do nascimento de um filho, com a finalidade de prestar cuidados;

b)      “Licença parental”, dispensa de trabalho dos progenitores por motivos de nascimento ou adoção de um filho, a fim de cuidar dessa criança;

[…]»

6        O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Licença de paternidade», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os pais ou, na medida em que seja reconhecido pela legislação nacional, um segundo progenitor equivalente, tenham o direito a uma licença de paternidade de 10 dias úteis. Essa licença de paternidade deve ser gozada por ocasião do nascimento da criança do trabalhador. Os Estados‑Membros podem decidir se autorizam que a licença também seja gozada parcialmente antes ou só após o nascimento da criança, bem como se pode ser gozada através de formas flexíveis.

2.      O direito à licença de paternidade não pode estar sujeito a períodos de trabalho ou a um requisito de antiguidade.

3.      O direito à licença de paternidade é atribuído independentemente do estado civil ou da situação familiar do trabalhador, conforme definidos no direito nacional.»

7        O artigo 5.o da mesma diretiva, intitulado «Licença parental», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que cada trabalhador tem um direito individual a uma licença parental de quatro meses, a gozar antes de a criança atingir uma determinada idade, até aos oito anos no máximo, fixada por cada Estado‑Membro ou por convenções coletivas. Essa idade deve ser fixada de modo a assegurar que cada progenitor possa exercer efetivamente e em condições de igualdade o seu direito à licença parental.

2.      Os Estados‑Membros devem garantir que, pelo menos, dois meses da licença parental não possam ser transferidos.

[…]

8.      Os Estados‑Membros avaliam a necessidade de adaptar as condições de acesso e as regras de aplicação da licença parental às necessidades dos progenitores adotivos, progenitores com deficiência e progenitores com filhos portadores de deficiência ou com doença prolongada.»

8        O artigo 20.o, n.o 1, da Diretiva 2019/1158 prevê:

«Os Estados‑Membros adotam as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 2 de agosto de 2022. […]»

 Direito espanhol

 Estatuto dos Trabalhadores

9        O artigo 48.o, n.o 4, do Estatuto de los Trabajadores (Estatuto dos Trabalhadores), na sua versão resultante do Real Decreto Legislativo 2/2015, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo n.o 2/2015, que aprova o texto consolidado da Lei relativa ao Estatuto dos Trabalhadores), de 23 de outubro de 2015 (BOE n.o 255, de 24 de outubro de 2015, p. 100224) (a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»), prevê:

«O nascimento, que abrange o parto e a guarda de uma criança com menos de doze meses, suspende o contrato de trabalho da mãe biológica durante dezasseis semanas, entre as quais as seis primeiras semanas após o parto são obrigatoriamente gozadas a tempo inteiro, a fim de garantir a proteção da saúde da mãe.

O nascimento suspende o contrato de trabalho do progenitor que não seja a mãe biológica durante dezasseis semanas, entre as quais as seis primeiras semanas após o parto são obrigatoriamente gozadas a tempo inteiro, a fim de cumprir as obrigações de cuidados previstas no artigo 68.o do Código Civil.

[…]

Uma vez decorridas as seis primeiras semanas após o parto, a suspensão do contrato de cada um dos progenitores para prestar cuidados a dar à criança, pode ser repartida segundo a vontade dos progenitores, por períodos de férias semanais a gozar de forma acumulada ou interrompida, e exercida a partir do termo da suspensão obrigatória posterior ao parto até que a criança atinja a idade de doze meses. Todavia, a mãe biológica pode antecipar o seu exercício até quatro semanas antes da data prevista para o parto. […]

[…]»

 Lei Geral da Segurança Social

10      O artigo 177.o, sob a epígrafe «Situações protegidas», do texto refundido de la Ley General de la Seguridad Social (texto consolidado da Lei Geral da Segurança Social), aprovada pelo Real Decreto Legislativo 8/2015 (Decreto Real Legislativo n.o 8/2015), de 30 de outubro de 2015 (BOE n.o 261, de 31 de outubro de 2015, p. 103291), na sua versão aplicável à data dos factos no processo principal (a seguir «Lei Geral da Segurança Social»), prevê:

«Para efeitos da prestação concedida por ocasião do nascimento da criança para dela cuidar, prevista na presente secção, são consideradas situações protegidas o nascimento, a adoção, a guarda para efeitos de adoção e de colocação em família de acolhimento, nos termos do Código Civil ou das leis civis das comunidades autónomas que regem a referida colocação (na condição de que, neste último caso, a sua duração não seja inferior a um ano), durante os períodos de férias concedidos para essas situações, em conformidade com o disposto nos n.os 4, 5 e 6 do artigo 48.o do [Estatuto dos Trabalhadores], e no artigo 49.o, alínea a), b) e c), do [texto refundido de la Ley del Estatuto Básico del Empleado Público (texto consolidado da Lei relativa ao Estatuto de Base dos Funcionários Públicos)]».

11      O artigo 178.o da Lei Geral da Segurança Social, sob a epígrafe «Beneficiários», dispõe:

«1.      As pessoas abrangidas pelo presente regime geral, independentemente do seu sexo, que gozem as licenças referidas no artigo anterior têm direito ao subsídio pago por ocasião do nascimento da criança para dela cuidarem, desde que preencham a condição geral exigida no artigo 165.o, n.o 1, e as demais condições fixadas por via regulamentar, e justifiquem os seguintes períodos mínimos de contribuição:

a)      Se o trabalhador ou trabalhadora com menos de 21 anos na data de nascimento, ou na data da decisão administrativa de colocação em família de acolhimento ou de guarda para efeitos da adoção ou da decisão judicial que declare a adoção, não é exigido qualquer período mínimo de contribuição.

b)      Se o trabalhador ou a trabalhadora tiver completado 21 anos e tiver menos de 26 anos na data do nascimento, ou na data da decisão administrativa de colocação em família de acolhimento ou de guarda para efeitos da adoção ou da decisão judicial que declare a adoção, a duração mínima de contribuição exigida é de 90 dias ao longo dos sete anos imediatamente anteriores ao início da licença. Considera‑se preenchida a condição acima referida se, a título subsidiário, o interessado demonstrar ter 180 dias de contribuição ao longo da sua vida ativa, antes dessa data.

c)      Se o trabalhador ou a trabalhadora tiver completado 26 anos na data do nascimento, ou na data da decisão administrativa de colocação em família de acolhimento ou de guarda para efeitos da adoção ou da decisão judicial que declare a adoção, a duração mínima de contribuição exigida é de 180 dias ao longo dos sete anos imediatamente anteriores ao início da licença. Considera‑se esta condição preenchida se, a título subsidiário, o interessado puder demonstrar ter 360 dias de contribuição ao longo da sua vida profissional anterior a essa data.

2.      Em caso de nascimento, a idade indicada no número anterior será a idade atingida pelo interessado no momento do início da licença, sendo a data do parto tomada como ponto de referência para verificar o atestado do período mínimo de contribuição eventualmente exigido.

[…]»

12      O artigo 179.o desta lei comporta as regras aplicáveis para determinar a prestação financeira que deve ser paga.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em 5 de novembro de 2021, a demandante no processo principal deu à luz uma criança, com a qual forma uma família monoparental. Enquanto trabalhadora inscrita no regime geral da segurança social espanhola, pediu ao INSS para poder beneficiar da prestação de maternidade.

14      Por Decisões de 10 e 14 de dezembro de 2021, o INSS concedeu‑lhe o subsídio previsto por este regime para a duração da sua licença de maternidade compreendida entre 5 de novembro de 2021 e 24 de fevereiro de 2022.

15      Em 22 de fevereiro de 2022, a demandante no processo principal pediu ao INSS uma prorrogação dessa licença por dezasseis semanas devido à sua situação familiar de progenitor isolado. Em apoio desse pedido, alegou que a regulamentação espanhola que regula a licença parental cria uma discriminação das crianças nascidas em famílias monoparentais em relação às que nascem em famílias biparentais, uma vez que as primeiras não beneficiam, como as segundas, do período de dezasseis semanas durante o qual, nas famílias biparentais, o progenitor que não a mãe biológica cuida das crianças.

16      O INSS e a TGSS indeferiram o referido pedido com o fundamento de que o artigo 177.o da Lei Geral da Segurança Social determina os progenitores que beneficiam da licença parental de forma individual e tendo em conta o respeito das condições exigidas para a concessão das prestações em causa. Assim, nas famílias biparentais, o reconhecimento do direito a uma licença parental não é automático, uma vez que cada progenitor deve preencher, a título individual, as condições legais para o reconhecimento das referidas prestações. Por conseguinte, a concessão automática, a favor da mãe biológica de uma criança nascida no seio de uma família monoparental, da duração total de uma licença parental de que poderiam beneficiar os progenitores numa família biparental (a saber, as dezasseis semanas da sua própria licença a que se juntam as dezasseis semanas que seriam reconhecidas ao progenitor diferente da mãe biológica) constitui uma discriminação das famílias biparentais nas quais não é reconhecido automaticamente o direito a uma licença parental de dezasseis semanas a cada um dos progenitores.

17      Na sequência do indeferimento do pedido da recorrente no processo principal, esta intentou uma ação contra o INSS e a TGSS no Juzgado de lo Social n.o 1 de Sevilla (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Sevilha, Espanha), o órgão jurisdicional de reenvio, a fim de obter a prorrogação da sua licença de maternidade com subsídios para cobrir um período de 32 semanas.

18      Este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a conformidade da legislação espanhola em matéria de licença parental com a Diretiva 2019/1158, uma vez que esta legislação não tem em conta a situação específica dos progenitores de famílias monoparentais, que são prejudicados em relação aos progenitores de famílias biparentais no que concerne à conciliação entre vida profissional e a vida familiar e ao tempo passado a cuidar da criança.

19      Questiona particularmente se a referida regulamentação é conforme com esta diretiva, uma vez que exclui qualquer possibilidade de prorrogar o período de licença parental para uma mãe que forma uma família monoparental com o seu filho e cria, por conseguinte, uma desigualdade de tratamento entre ela e as famílias biparentais que têm, pelo menos, a possibilidade de beneficiar de uma licença parental com uma duração máxima de 32 semanas, entre as quais dez semanas se destinam exclusivamente a cumprir a obrigação que incumbe aos dois progenitores de cuidarem da criança. A inexistência de disposições na regulamentação espanhola que prevejam medidas ou condições de flexibilização para as famílias monoparentais traduzir‑se‑ia numa redução, para estas famílias, do tempo passado a cuidar da criança em relação ao tempo que os progenitores de uma família biparental podem consagrar ao seu filho quando preencham as condições exigidas a este respeito.

20      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as famílias monoparentais podem ser abrangidas pelo artigo 5.o, n.o 8, da Diretiva 2019/1158, lido em conjugação com o considerando 37 desta diretiva, que permite adaptar as condições de acesso e as regras de aplicação da licença parental às necessidades dos progenitores adotivos, progenitores com deficiência e progenitores com filhos portadores de deficiência ou com doença prolongada. Pergunta igualmente sobre se as regras mínimas da União que se impõem aos Estados‑Membros incluem a obrigação de prever um quadro jurídico adaptado às necessidades específicas das famílias monoparentais no que concerne à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar.

21      Nestas condições, o Juzgado de lo Social n.o 1 de Sevilla (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Sevilha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A omissão do legislador espanhol, no artigo 48.o, n.o [4], do [Estatuto dos Trabalhadores] e nos artigos 177.o, 178.o e 179.o [da Lei Geral da Segurança Social], de aprovar uma regulamentação que implique uma avaliação das necessidades específicas da família monoparental, no âmbito da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar com repercussões no período de prestação de cuidados ao filho ou filha recém‑nascidos, em comparação com o menor nascido numa família biparental em que ambos os progenitores têm uma expectativa de acesso ao descanso remunerado, caso ambos preencham as condições de acesso à prestação atribuída pela Segurança Social, é conforme com a [Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores e que revoga a Diretiva 2010/18/UE do Conselho], que impõe uma especial ponderação, entre outras circunstâncias, do nascimento do filho ou filha numa família monoparental, a fim de determinar as condições de acesso e as regras pormenorizadas da licença parental?

2)      Na falta de previsão normativa específica pelo legislador espanhol, devem os requisitos de gozo do descanso laboral com fundamento no nascimento de um filho ou filha, as condições de acesso à prestação monetária da Segurança Social, o regime de gozo da licença parental e, em especial, a eventual prorrogação da duração dessa licença por ausência de outro progenitor ou progenitora, diferente da mãe biológica que preste cuidados à criança, ser interpretados de uma forma flexível ao abrigo da norma comunitária?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

22      A título preliminar, importa recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. As questões relativas ao direito da União gozam, assim, de uma presunção de pertinência (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

23      Todavia, como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento» da causa a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio [Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑508/19, EU:C:2022:201, n.o 61 e jurisprudência referida].

24      Assim, é indispensável que o órgão jurisdicional nacional explicite, nessa decisão, o quadro factual e regulamentar em que se inscreve o litígio no processo principal e forneça um mínimo de explicações sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido. Esses requisitos cumulativos que dizem respeito ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça [Acórdão de 4 de junho de 2020, C.F. (Fiscalização tributária), C‑430/19, EU:C:2020:429, n.o 23 e jurisprudência referida].

25      Além disso, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas, o Tribunal de Justiça pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 28 e jurisprudência referida).

26      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que interprete as regras do direito da União que regem a licença parental, previstas na Diretiva 2019/1158 e, particularmente, o artigo 5.o, n.o 8, desta diretiva, lido em conjugação com o considerando 37 desta.

27      Todavia, em primeiro lugar, quanto à aplicação ratione materiae do artigo 5.o da Diretiva 2019/1158, relativo à licença parental, há que salientar que o litígio no processo principal diz respeito a um pedido de prorrogação da licença de maternidade por dezasseis semanas devido ao estatuto de progenitor isolado da recorrente no processo principal. Além disso, o artigo 48.o, n.o 4, do Estatuto dos Trabalhadores e os artigos 177.o a 179.o da Lei Geral da Segurança Social, cuja conformidade com o artigo 5.o que visa o direito à licença parental é questionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, parecem regular a licença de maternidade ou de paternidade.

28      Ora, os conceitos de «licença parental», de «licença de paternidade» e de «licença de maternidade» têm um sentido preciso e distinto no direito da União. Com efeito, a licença parental está definida no artigo 5.o da Diretiva 2019/1158, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea b), desta, como uma dispensa de trabalho por quatro meses dos progenitores por motivos de nascimento ou adoção de um filho, a fim de cuidar dessa criança, a gozar antes de a criança atingir uma determinada idade, até aos oito anos no máximo. Quanto à licença de paternidade, esta refere‑se, ao abrigo do artigo 4.o desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), desta, a uma dispensa de trabalho remunerada de dez dias úteis para os pais, ou para um segundo progenitor equivalente, se e na medida em que for reconhecido pela legislação nacional, que deve ser gozada por ocasião do nascimento de um filho, com a finalidade de prestar cuidados. Por último, como enuncia o artigo 8.o da Diretiva 92/85, uma licença de maternidade é uma licença para as trabalhadoras grávidas ou que deram à luz de, pelo menos, catorze semanas consecutivas, repartidas antes e/ou depois do parto.

29      Além disso, o Tribunal de Justiça já esclareceu que a licença parental e a licença de maternidade prosseguem finalidades diferentes. Assim, se a licença parental é concedida aos progenitores para que possam cuidar da criança e pode ser gozada até uma determinada idade deste, que pode ir até aos oito anos, a licença de maternidade visa garantir a proteção da condição biológica da mulher e as especiais relações entre esta última e o seu filho no decurso do período que se segue à gravidez e ao parto, evitando que essas relações sejam perturbadas pela acumulação das tarefas resultantes do exercício simultâneo de uma atividade profissional (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2016, Rodríguez Sánchez, C‑351/14, EU:C:2016:447, n.o 44 e jurisprudência referida).

30      Assim, tendo em conta o litígio no processo principal que concerne a um pedido de prorrogação de uma licença de maternidade, impõe‑se constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não explica por que razão pede uma interpretação do artigo 5.o da Diretiva 2019/1158 relativa à licença parental, bem como a relação que existe entre esta disposição e as disposições do direito nacional que invoca que regulam a licença de maternidade ou a licença de paternidade.

31      Em 4 de outubro de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça enviou um pedido de informações ao órgão jurisdicional de reenvio no qual o convidava a esclarecer se o pedido da recorrente no processo principal visava uma licença de maternidade, uma licença de paternidade ou uma licença parental. Caso esse pedido dissesse respeito a uma licença parental, convidava‑se o órgão jurisdicional de reenvio a esclarecer o papel e a natureza da intervenção do INSS no âmbito desse pedido. Caso este pedido tivesse por objeto uma licença de maternidade ou uma licença de paternidade, convidava‑se o órgão jurisdicional de reenvio a esclarecer em que medida a interpretação do artigo 5.o da Diretiva 2019/1158, relativo à licença parental, era necessária para a resolução do litígio no processo principal.

32      Em resposta a este pedido de informações, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que a natureza da licença parental prevista no artigo 5.o da Diretiva 2019/1158 e a da licença de maternidade remunerada regulada pelos artigos 177.o e seguintes da Lei Geral da Segurança Social apresentavam uma semelhança evidente e que a licença de maternidade conferia uma proteção jurídica privilegiada da maternidade. Além disso, esclareceu que o seu pedido de decisão prejudicial visa determinar se a legislação espanhola em matéria de segurança social é conforme com a Diretiva 2019/1158, uma vez que esta legislação não regula nem prevê a situação particular das famílias monoparentais, independentemente da questão da remuneração das licenças em causa. O órgão jurisdicional de reenvio alega também que é necessária uma resposta às suas questões a fim de evitar uma recusa sistemática do direito à prorrogação pedida devido a uma aplicação estrita da regulamentação espanhola suscetível de prejudicar os direitos das crianças nascidas em famílias monoparentais em relação às nascidas em famílias biparentais, as quais têm a possibilidade, em direito espanhol, de beneficiar de um período de 32 semanas de licença parental.

33      No entanto, esta resposta do órgão jurisdicional de reenvio não clarifica a relação entre, por um lado, o litígio no processo principal relativo a um pedido de prorrogação de uma licença de maternidade, regulada pelo artigo 48.o, n.o 4, do Estatuto dos Trabalhadores e pelos artigos 177.o a 179.o da Lei Geral da Segurança Social e, por outro, a interpretação do artigo 5.o da Diretiva 2019/1158 que confere a cada progenitor um direito individual a uma licença parental e precisa as respetivas modalidades. O artigo 5.o desta diretiva não concerne à licença de maternidade e não regula, portanto, a questão da prorrogação desta licença devido ao facto de uma mãe formar uma família monoparental com o seu filho, o que não pode ser posto em causa pelas alegadas semelhanças entre a licença parental e a licença de maternidade, bem como pelo risco de uma aplicação estrita da regulamentação espanhola que não tem em conta a situação particular das famílias monoparentais.

34      Por conseguinte, não está demonstrado que o artigo 5.o da Diretiva 2019/1158 se aplique ratione materiae ao litígio no processo principal. A interpretação desta disposição não é necessária para permitir que o órgão jurisdicional de reenvio decida o litígio no processo principal.

35      Em segundo lugar, relativamente à aplicação ratione temporis da Diretiva 2019/1158, cumpre salientar que, por força do artigo 20.o, n.o 1, desta diretiva, os Estados‑Membros estavam obrigados a transpô‑la para o seu direito interno até 2 de agosto de 2022. No presente caso, a recorrente no processo principal pediu, em 22 de fevereiro de 2022, uma prorrogação da sua licença de maternidade a partir de 24 de fevereiro de 2022 por um período de dezasseis semanas.

36      Assim, tanto a data deste pedido como o possível período de prorrogação da licença de maternidade em causa no processo principal são anteriores à data do termo do prazo de transposição previsto pela Diretiva 2019/1158. Além disso, nenhum elemento nos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça permite concluir que o artigo 48.o, n.o 4, do Estatuto dos Trabalhadores e os artigos 177.o a 179.o da Lei Geral da Segurança Social foram adotados tendo em vista antecipar a obrigação de transposição das disposições desta diretiva relativas à licença parental.

37      Por conseguinte, não tendo expirado o prazo de transposição da Diretiva 2019/1158 e não tendo esta diretiva sido transposta para o direito nacional na data dos factos no processo principal, não cabe proceder a uma interpretação das suas disposições para efeitos do processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2001, Mazzoleni e ISA, C‑165/98, EU:C:2001:162, n.o 17).

38      Assim, há que concluir que as disposições do direito da União cuja interpretação é pedida não são aplicáveis ratione materiae nem ratione temporis às circunstâncias do processo principal e, por conseguinte, que as questões submetidas no âmbito do presente processo revestem caráter hipotético.

39      Daqui decorre que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Social n.o 1 de Sevilla (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Sevilha, Espanha) por Decisão de 28 de setembro de 2022 é inadmissível.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.