Language of document : ECLI:EU:C:2024:414

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 16 de maio de 2024 (1)

Processos apensos C512/22 P e C513/22 P

Finanziaria d’investimento Fininvest S.p.A. (Fininvest)

contra

Silvio Berlusconi,

Banco Central Europeu (BCE) (C512/22 P)

e

Marina Elvira Berlusconi, Pier Silvio Berlusconi, Barbara Berlusconi, Eleonora Berlusconi e Luigi Berlusconi, como sucessores de Silvio Berlusconi,

Silvio Berlusconi

contra

Finanziaria d’investimento Fininvest S.p.A. (Fininvest),

Banco Central Europeu (BCE) (C513/22 P)

«Recurso de uma decisão do Tribunal Geral — Diretiva 2013/36/UE — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Avaliação das aquisições de participações qualificadas — Regulamento (UE) n.º 1024/2013 — Mecanismo Único de Supervisão — Poderes do Banco Central Europeu — Participação qualificada anterior — Oposição à aquisição pela sociedade financeira Fininvest de uma participação qualificada na Banca Mediolanum»






1.        O Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest (2), esclareceu o exercício da fiscalização jurisdicional das decisões proferidas pelo Banco Central Europeu (a seguir «BCE») no âmbito dos procedimentos administrativos destinados a apreciar as notificações de aquisição e alienação de participações qualificadas em instituições de crédito.

2.        Na sequência daquele acórdão, o Tribunal Geral, no seu Acórdão de 11 de maio de 2022 (3), negou provimento ao recurso interposto contra a Decisão do BCE de 25 de outubro de 2016 (4), que se opôs à aquisição por S. Berlusconi e pela Finanziaria d’investimento Fininvest SpA (Fininvest) da participação qualificada na Banca Mediolanum SpA.

3.        No âmbito dos presentes processos apensos, o Tribunal de Justiça deverá debruçar‑se sobre:

—      O conceito de aquisição ou aumento de uma participação qualificada numa instituição de crédito.

—      A aplicação do procedimento de autorização às participações qualificadas anteriores à entrada em vigor do Mecanismo Único de Supervisão (a seguir «MUS»).

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        As normas do direito da União aplicáveis no presente recurso são, no essencial, as que transcrevi nas conclusões que apresentei no processo Berlusconi e Fininvest (C‑219/17) (5). Deste modo, remeto para as mesmas, sem que seja necessário que as reproduza novamente.

5.        As disposições então transcritas correspondiam:

—      À Diretiva 2013/36/UE (6).

—      Ao Regulamento (UE) n.º 1024/2013 (7).

—      Ao Regulamento (UE) n.º 468/2014 (8).

B.      Direito nacional

6.        Remeto igualmente para a transcrição dos artigos do Texto Consolidado Bancário (9) e de outras disposições do direito italiano que efetuei nas conclusões que apresentei no processo Berlusconi e Fininvest (C‑219/17).

II.    Matéria de facto, tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

7.        Os antecedentes do litígio são pormenorizadamente descritos nos n.os 1 a 13 do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«A Finanziaria d’investimento Fininvest SpA (a seguir “Fininvest”) é uma sociedade gestora de participações sociais de direito italiano, cuja percentagem de 61,21 % do capital [era] detida por Silvio Berlusconi através de participações em quatro sociedades de direito italiano.

A Mediolanum era uma companhia financeira mista cotada na bolsa que, até 30 de dezembro de 2015, detinha 100 % do capital da Banca Mediolanum SpA. 

A Fininvest detinha 30,1 % do capital social da Mediolanum e a Fin. Prog. Italia detinha 26,5 % do capital desta sociedade.

Na sequência da entrada em vigor do Decreto Legislativo [53/2014 (10) ], a Banca d’Italia (Banco de Itália) deu início a um procedimento de avaliação dos recorrentes, a Fininvest e Silvio Berlusconi, na sua qualidade de acionistas qualificados de companhias financeiras mistas.

Por Decisão de 7 de outubro de 2014, o Banco de Itália considerou que o requisito de idoneidade exigido pelo decreto ministeriale [144/1998] […, deixou de estar preenchido por Silvio Berlusconi, devido à sua condenação, por sentença transitada em julgado, numa pena de prisão pelo crime de fraude fiscal na sequência do Acórdão n.º 35729/13 da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), de 1 de agosto de 2013 (a seguir “Decisão de 7 de outubro de 2014”).

Por este motivo, o Banco de Itália, por um lado, ordenou a suspensão dos direitos de voto dos recorrentes e a cessão das suas participações superiores a 9,99 % na Mediolanum e, por outro, indeferiu o pedido de autorização apresentado por estes últimos para a detenção de participações qualificadas na referida sociedade.

Os recorrentes recorreram da Decisão de 7 de outubro de 2014 no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália), que, por Acórdão de 5 de junho de 2015, negou provimento ao recurso.

Em 30 de dezembro de 2015, nos termos de uma operação de fusão inversa, a Mediolanum foi absorvida pela sua filial, a Banca Mediolanum.

Em 3 de março de 2016, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) deu provimento ao recurso interposto pelos recorrentes do Acórdão do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) e anulou a Decisão de 7 de outubro de 2014.

Na sequência da referida fusão […] e do Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016 […], o Banco de Itália e o Banco Central Europeu […] consideraram que era necessário um novo pedido de autorização, relativo a essa participação qualificada, em conformidade com os artigos 22.º e seguintes do [TCB].

Por carta de 14 de julho de 2016, o Banco de Itália convidou a Fininvest a apresentar um pedido de autorização de aquisição de uma participação qualificada no prazo de quinze dias. Uma vez que não foi apresentado nenhum pedido […], o Banco de Itália decidiu, em 3 de agosto de 2016, dar oficiosamente início a um procedimento administrativo contra a Fininvest, no termo do qual enviou ao BCE, em aplicação do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 1024/2013 […], uma proposta de decisão, datada de 23 de setembro de 2016, que continha um parecer desfavorável quanto à idoneidade dos adquirentes da participação em causa na Banca Mediolanum e convidava o BCE a opor‑se à aquisição.

Com a sua Decisão […] de 25 de outubro de 2016, o BCE opôs‑se à aquisição pelos recorrentes da participação qualificada na Banca Mediolanum, com o fundamento de que estes não preenchiam o requisito da idoneidade e de que existiam sérias dúvidas quanto à sua capacidade para assegurar, no futuro, uma gestão sã e prudente dessa instituição financeira […].

Em especial, o BCE considerou, em aplicação dos artigos 19.º e 25.º do TCB e do artigo 1.º do Decreto Ministerial n.º 144, que transpõe a Diretiva 2013/36, que, tendo em conta que Silvio Berlusconi, acionista maioritário e proprietário efetivo da Fininvest, era o adquirente indireto da participação na Banca Mediolanum e que tinha sido condenado, por sentença transitada em julgado, a uma pena de quatro anos de prisão por fraude fiscal, o requisito de idoneidade imposto aos titulares de participações qualificadas, na aceção do artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2013/36, conforme transposta, não estava preenchido. Baseou‑se igualmente no facto de S. Berlusconi ter cometido outras irregularidades e de ter sido objeto de outras condenações, tal como outros membros dos órgãos de direção da Fininvest.»

8.        Esta exposição pode ser completada acrescentando algumas das circunstâncias de facto que descrevi nas conclusões que apresentei no processo Berlusconi e Fininvest (C‑219/17):

—      Os conselhos de administração das duas sociedades decidiram proceder a uma fusão por «incorporação inversa» da sociedade Mediolanum pela Banca Mediolanum (11). Este projeto de fusão foi transmitido ao Banco de Itália em 26 de maio de 2015, para efeitos da sua autorização, em conformidade com o artigo 57.º do TUB.

—      Por [D]ecisão n.º 7969932/21, de 21 de julho de 2015, o Banco de Itália autorizou a fusão proposta. Uma nota, de 23 de julho de 2015, que remete para a referida decisão, confirmou a Decisão de 7 de outubro de 2014, precisando que a obrigação de alienação estabelecida por essa medida devia entender‑se «às ações da Banca Mediolanum que, em consequência [da] fusão, fossem atribuídas [à Fininvest] em permuta das ações da [sociedade] Mediolanum».

9.        Em 23 de dezembro de 2016, a Fininvest e S. Berlusconi interpuseram no Tribunal Geral um recurso de anulação da Decisão do BCE de 25 de outubro de 2016.

10.      O Tribunal Geral (Segunda Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, como medida de organização do processo, convidou as partes a apresentarem observações sobre as eventuais consequências a retirar do Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, para aquele processo.

11.      Em 21 de janeiro de 2019, à luz desse acórdão do Tribunal de Justiça, os recorrentes invocaram novos fundamentos de anulação, ao abrigo do artigo 84.º do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, sobre os quais o BCE e a Comissão Europeia se pronunciaram.

12.      Os recorrentes concluíram pedindo que o Tribunal Geral se dignasse a anular a decisão impugnada e condenar o BCE nas despesas, ao que este e a Comissão se opuseram.

13.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação na sua totalidade e condenou a Fininvest e S. Berlusconi a suportarem, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo BCE, devendo a Comissão suportar as suas próprias despesas.

III. Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

14.      Em 22 de julho de 2022, a Fininvest e S. Berlusconi (12) interpuseram dois recursos, com conteúdo similar, contra o acórdão recorrido.

15.      Nos seus recursos, a Fininvest e S. Berlusconi pedem:

—      A anulação do acórdão recorrido.

—      Em consequência, a anulação da Decisão do BCE de 25 de outubro de 2016.

—      A título subsidiário, a remessa do processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

—      A condenação do BCE nas despesas, incluindo as efetuadas em primeira instância.

16.      O BCE e a Comissão pediram que o Tribunal de Justiça se digne a negar provimento aos recursos da decisão do Tribunal Geral, por serem parcialmente inadmissíveis ou inoperantes e, em todo o caso, improcedentes, e que, se for caso disso, proceda à substituição de alguns dos fundamentos do acórdão recorrido. A Comissão pede, a título subsidiário, que seja negado provimento ao recurso de anulação interposto contra a decisão impugnada. Além disso, pedem a condenação de S. Berlusconi e da Fininvest nas despesas.

17.      Os dois recursos da decisão do Tribunal Geral foram apensados para efeitos das fases escrita e oral do processo e do acórdão.

18.      O Tribunal de Justiça decidiu que não era necessária a realização de uma audiência, mas sim a elaboração de conclusões relativas ao primeiro, segundo e nono fundamentos de recurso.

IV.    Quanto à admissibilidade dos recursos da decisão do Tribunal Geral

19.      O BCE contesta que a alegada reabilitação de S. Berlusconi, decidida em 11 de maio de 2018 (13), lhe permitisse requerer uma reapreciação da sua idoneidade, cuja falta determinou a decisão impugnada. Daqui conclui que os recorrentes não têm interesse em obter a anulação dessa decisão e do acórdão recorrido.

20.      Este meio de defesa não pode ser acolhido uma vez que existe o interesse, tanto de S. Berlusconi (atualmente, dos seus herdeiros), como da Fininvest, em que seja anulada uma decisão, bem como o acórdão que a confirma, que entendem ser lesiva dos seus interesses.

V.      Considerações preliminares: conceito de aquisição ou aumento de uma participação qualificada

21.      Antes de passar à análise dos fundamentos de recurso, recordo que o procedimento de autorização de participações qualificadas pretende assegurar que só têm acesso ao setor bancário pessoas singulares ou coletivas que não ponham em risco o seu bom funcionamento.

22.      Designadamente, a avaliação tem por objeto verificar que o proposto adquirente goza de boa reputação e possui a solidez financeira imperativa, de modo que a instituição cujas participações vão ser adquiridas continue a cumprir os seus requisitos prudenciais. A avaliação contribui também para evitar que a operação seja financiada com fundos resultantes de atividades ilícitas (14).

23.      O artigo 2.º, ponto 8, do Regulamento MUS faz remissão para a definição de «participação qualificada», constante do artigo 4.º, n.º 1, ponto 36, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 (15). Entende‑se como tal «uma participação direta ou indireta numa empresa que represente percentagem não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto ou que permita exercer uma influência significativa na gestão dessa empresa».

24.      O artigo 22.º, n.º 1, da Diretiva 2013/36 impõe a obrigação de comunicação às «[…] pessoas singulares ou coletivas que, individualmente ou em concertação, (“proposto adquirente”) decidam adquirir ou aumentar, direta ou indiretamente, uma participação qualificada numa instituição de crédito de modo a que a sua percentagem de direitos de voto ou de participação no capital atinja ou ultrapasse 20 %, 30 % ou 50 % ou que a instituição de crédito se transforme em sua filial […]» (16).

25.      Da leitura conjugada destas disposições conclui‑se que uma «participação qualificada» é a participação, direta ou indireta, numa instituição de crédito que:

—      represente percentagem não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto da empresa; ou

—      permita exercer uma influência significativa na gestão da empresa; ou

—      tenha como resultado que a instituição de crédito se transforme em filial do proposto adquirente.

26.      O artigo 22.º, n.º 1, da Diretiva 2013/36 obriga a comunicar as aquisições deste tipo de participações numa instituição de crédito e equipara às mesmas os aumentos, diretos ou indiretos, de tais participações, nos casos em que a percentagem de direitos de voto ou de participação no capital detida atinja ou ultrapasse 20 %, 30 % ou 50 %.

27.      Os critérios de apreciação das aquisições e dos aumentos de participações qualificadas são fixados nos artigos 22.º a 27.º da Diretiva 2013/36. As legislações nacionais não podem impor requisitos mais rigorosos (17).

28.      O artigo 23.º da Diretiva 2013/36 harmoniza os critérios materiais para apreciar a aquisição ou o aumento de uma participação qualificada (18). Com a finalidade de harmonizar a prática dos Estados‑Membros, as autoridades europeias de supervisão adotaram em 2016 Orientações Conjuntas (19).

29.      O procedimento para conceder este tipo de autorizações é regulado pelos artigos 4.º, n.º 1, alínea c), 6.º, n.º 4, e 15.º do Regulamento MUS, completados pelos artigos 85.º a 87.º do Regulamento‑Quadro do MUS. Este procedimento foi objeto de uma análise exaustiva pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest.

30.      O BCE tem competência exclusiva para avaliar e decidir a aquisição e o aumento de participações qualificadas em todas as instituições financeiras submetidas ao Mecanismo Único de Supervisão (20), independentemente de serem mais ou menos significativas e de estarem sob a supervisão direta do BCE ou das autoridades nacionais.

VI.    Quanto ao primeiro fundamento de recurso

A.      Argumentos das partes

31.      Os recorrentes contestam a argumentação que foi exposta pelo Tribunal Geral para julgar improcedente o primeiro fundamento de anulação invocado perante si. Dividem o seu primeiro fundamento de recurso em seis alegações, identificadas mediante as alíneas A), B), C), D), E) e F), no âmbito das quais fazem referência às seguintes questões:

—      Controlo conjunto sobre a Banca Mediolanum exercido pelos recorrentes. Apreciação errada das suas consequências.

—      Estatuto da Fininvest como titular de uma participação qualificada na Banca Mediolanum. Desvirtuação dos factos e erro manifesto de direito.

—      Substituição, pelo Tribunal Geral, da fundamentação da decisão pela sua própria fundamentação. Violação dos artigos 263.º e 264.º TFUE.

—      Novo conceito europeu de aquisição de uma participação qualificada. Não aplicação do direito nacional.

—      Criação pelo Tribunal Geral de um pressuposto não previsto no direito da União.

—      Distinção entre participação qualificada indireta e participação qualificada direta: violação do artigo 22.º da Diretiva 2013/36 e do artigo 22.º TCB.

32.      O BCE e a Comissão contestam os argumentos dos recorrentes e pedem que o presente fundamento seja julgado improcedente.

B.      Apreciação

1.      Quanto à primeira e segunda alegações

33.      As alegações constantes dos argumentos A) e B) deste primeiro fundamento de recurso baseiam‑se no seguinte:

—      O Tribunal Geral (n.º 81 do acórdão recorrido) admitiu que S. Berlusconi e a Fininvest detinham uma participação qualificada na Banca Mediolanum, que lhes permitia controlar conjuntamente a Mediolanum e a Banca Mediolanum antes da fusão inversa.

—      Assente esta premissa (ou seja, reconhecido o controlo exercido pela Fininvest sobre a Banca Mediolanum antes da fusão), o Tribunal Geral cometeu um erro de apreciação quanto às consequências de um facto que ele próprio tinha admitido: se o controlo era anterior à fusão, o BCE não devia ter iniciado um procedimento de autorização para a aquisição de uma participação qualificada. Essa participação qualificada já existia antes da entrada em vigor das normas relativas ao MUS.

—      O Tribunal Geral (n.º 70 do acórdão recorrido) considerou que a Fininvest e Silvio Berlusconi, por intermédio da Fininvest, dispunham de 30,16 % das participações da Mediolanum, que por sua vez detinha 100 % das participações da Banca Mediolanum. Entendeu igualmente (n.º 71 do acórdão recorrido) que, como a proporção de direitos de voto suscetíveis de serem exercidos indiretamente, por intermédio da Mediolanum, pela Fininvest era superior ao limiar de 20 %, a Fininvest e, por conseguinte, Silvio Berlusconi detinham de forma indireta uma participação qualificada na Banca Mediolanum.

—      Estas observações deveriam ter levado o Tribunal Geral a concluir que não se produziu uma aquisição em resultado da articulação entre a fusão e o Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016, dado que a Fininvest e S. Berlusconi já eram acionistas qualificados da Banca Mediolanum. A autorização do BCE não tinha, pois, sentido.

—      Ao não extrair as consequências lógicas da apreciação que fez dos factos, o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito.

—      No n.º 72 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou que, na sequência da Decisão de 7 de outubro de 2014 (pela qual o Banco de Itália suspendeu os direitos de voto dos recorrentes, recusou emitir uma autorização que lhes permitia deter uma participação qualificada na Mediolanum e ordenou‑lhes a cessão das suas participações na Mediolanum superiores a 9,99 %), a participação indireta dos recorrentes deixou de ser uma participação qualificada.

—      Essa conclusão é incorreta, dado que a participação qualificada se mantém plenamente enquanto não ocorrer a cessão das ações. Quanto aos direitos de voto, a Decisão de 7 de outubro de 2014 não implica, tecnicamente, a suspensão desses direitos, tendo em conta o artigo 24.º do TUB.

—      No n.º 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sustentou que, na sequência da fusão por incorporação da Mediolanum pela Banca Mediolanum, ocorrida em 30 de dezembro de 2015, a Fininvest tornou‑se titular direta de 9,99 % das ações da Banca Mediolanum.

—      Segundo os recorrentes, esta conclusão é, de novo, incorreta, uma vez que a participação qualificada da Fininvest na Mediolanum era, e continuou a ser a todo o momento, a mesma, ou seja, de 30,16 % do capital social.

—      No n.º 76 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou que, após a anulação da Decisão de 7 de outubro de 2014 pelo Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016, a Fininvest se tornou titular direta de 30,16 % das ações da Banca Mediolanum.

—      Uma vez mais, na opinião dos recorrentes, essa apreciação, que acarreta as duas anteriores, é incorreta. Anular a Decisão de 7 de outubro de 2014 pelo Acórdão de 3 de março de 2016, em nada se alterou a posição inicial das participações. A Fininvest não tinha, pois, recuperado, por efeito desse acórdão, a sua participação de 30,16 % na Banca Mediolanum, que nunca tinha perdido. Esse acórdão é neutro no que diz respeito ao montante da participação.

—      Em suma, a participação de 30,16 % da Fininvest nunca se reduziu a 9,99 % (pela decisão do Banco de Itália) e nunca se tornou uma participação qualificada [na sequência do Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional)]. Sempre foi uma participação qualificada de 30,16 %.

34.      Entendo que esta acusação é fundada, uma vez que, respeitando a exposição que o Tribunal Geral faz dos factos, este deveria ter declarado que o BCE não podia dar início ao procedimento de autorização de participações qualificadas.

35.      A minha posição decorre do artigo 15.º do Regulamento MUS e do artigo 22.º da Diretiva 2013/36. Ambos instituem uma fiscalização pelo BCE da aquisição ou aumento de participações qualificadas, a partir da data da entrada em vigor do MUS, ou seja, 4 de novembro de 2014.

36.      No entanto, essa fiscalização não é extensiva às participações qualificadas que poderiam ser denominadas como «históricas», ou seja, que existiam antes dessa data. Se uma participação qualificada histórica numa instituição financeira se mantém, e não aumenta, não é abrangida pela fiscalização do BCE.

37.      Este é, precisamente, o argumento de base que os recorrentes esgrimem ao afirmar, com razão, que o Tribunal Geral não tirou as consequências devidas do facto de ter considerado que a participação de S. Berlusconi e da Fininvest na Mediolanum e, através desta, na Banca Mediolanum era uma participação qualificada histórica, anterior à data da entrada em vigor do MUS, que se tinha mantido inalterada.

38.      Para o Tribunal Geral, esta participação histórica foi afetada por três acontecimentos, a saber: a) a Decisão de 7 de outubro de 2014, que ordenou a cessão das participações de S. Berlusconi e da Fininvest na Mediolanum superiores a 9,99 %; b) a incorporação da Mediolanum pela Banca Mediolanum, ocorrida em 30 de dezembro de 2015, que tornou a Fininvest titular direta de 9,99 % das ações da Banca Mediolanum; e c) a anulação da Decisão de 7 de outubro de 2014 pelo Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016, pela qual, a Fininvest e S. Berlusconi voltaram a dispor da totalidade das suas ações na Banca Mediolanum.

39.      No que respeita à fusão, o Tribunal Geral admite que S. Berlusconi sempre deteve uma participação na Banca Mediolanum, «por intermédio, em primeiro lugar, da Fininvest e, em seguida, da Mediolanum» (21). Acrescenta que a fusão por incorporação inversa tinha, porém, provocado uma alteração na estrutura jurídica dessa participação, que o BCE podia qualificar como aquisição, «mesmo que o montante da participação qualificada dos recorrentes não tenha sido alterado em relação ao que detinham anteriormente por intermédio da Mediolanum» (22).

40.      Como passarei a expor no âmbito da análise da quinta das alegações que constituem o presente fundamento, esta abordagem adotada no acórdão recorrido, que se baseia no conceito de alteração da estrutura jurídica da participação, não me parece correta.

41.      Em meu entender, também não o é o raciocínio adotado pelo Tribunal Geral no que diz respeito às consequências que atribui à Decisão de 7 de outubro de 2014, em concreto, no que respeita à redução para 9,99 % da participação qualificada da Fininvest e de S. Berlusconi na Banca Mediolanum.

42.      É certo que, através da sua Decisão de 7 de outubro de 2014, o Banco de Itália ordenou a cessão das ações detidas pela Fininvest na Mediolanum que ultrapassassem 9,99 %. A cessão devia ser realizada no prazo de trinta meses a contar da criação de um trust responsável pela sua venda. Porém, a cessão das ações não foi efetuada, porque o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), em primeiro lugar, ordenou a suspensão da execução da decisão do Banco de Itália e, em seguida, anulou‑a, com efeitos ex tunc, através do Acórdão de 3 de março de 2016.

43.      Desta sequência de atos, conclui‑se que as ações correspondentes à participação da Fininvest na Banca Mediolanum foram sempre detidas por aquela sociedade, não tendo sido transferidas para nenhum comprador.

44.      Portanto, ao contrário do que o Tribunal Geral concluiu (n.º 72 do acórdão recorrido), a participação qualificada da Fininvest e de S. Berlusconi na Banca Mediolanum não se reduziu a 9,99 %, mas manteve‑se intacta quando o MUS começou a funcionar e o BCE assumiu a competência para autorizar a aquisição e aumento de participações qualificadas. O único aspeto que foi limitado durante um curto período foram os direitos de voto associados às ações sujeitas à obrigação de cessão.

45.      Este primeiro erro levou o Tribunal Geral (n.º 73 do acórdão recorrido) a cometer outro erro, ao afirmar que, na sequência da fusão por incorporação da Mediolanum pela Banca Mediolanum, a Fininvest se tornou titular direta de 9,99 % das ações do referido banco.

46.      No entanto, como a Fininvest já era titular de uma participação de 30,16 % na Mediolanum, depois da fusão por incorporação continuou a ter a mesma participação qualificada, de forma direta, de 30,16 % (22 828 000 ações) na Banca Mediolanum, e não de 9,99 %, como o Tribunal Geral considerou.

47.      Estes dois erros levaram o Tribunal Geral a cometer mais um erro (n.º 76 do acórdão recorrido), ao defender que, após a anulação da Decisão de 7 de outubro de 2014 pelo Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016, a Fininvest se tornou titular direta de 30,16 % das ações da Banca Mediolanum.

48.      Ao contrário do que o Tribunal Geral sustenta, o referido Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) não provocou um aumento de 9,99 % para 30,16 % da participação da Fininvest na Banca Mediolanum: essa participação, repito, não se tinha reduzido em virtude da Decisão de 7 de outubro de 2014.

49.      Estes três erros do Tribunal Geral invalidam a conclusão a que este chegou no n.º 77 do acórdão recorrido (23).

50.      À luz do exposto, conclui‑se que a participação da Fininvest e de S. Berlusconi na Banca Mediolanum sempre foi uma participação qualificada de 30,16 %. Como não houve aumento da referida participação depois da entrada em vigor do MUS, a autorização do BCE não era necessária, por se tratar de uma participação qualificada «histórica».

51.      Por conseguinte, a primeira e segunda alegações [alíneas A) e B)] do primeiro fundamento de recurso devem ser julgadas procedentes uma vez que revelam a existência de um erro de direito no acórdão recorrido no que diz respeito aos pressupostos que habilitam o BCE a impor a exigência de autorização da aquisição ou de aumento de participações qualificadas em instituições de crédito.

2.      Quanto à terceira alegação [alínea C)]

52.      Os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter utilizado argumentos que não figuram na Decisão do BCE, violando, deste modo, os artigos 263.º e 264.º TFUE.

53.      Tal acusação limita‑se a esta mera formulação, sendo anunciado que será desenvolvida nas alegações posteriores. Carece, pois, de substância própria, pelo que deve ser julgada improcedente.

3.      Quanto à quarta alegação [alínea D)]

54.      Segundo os recorrentes, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao entender que o artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento MUS não comporta nenhuma remissão expressa para os direitos nacionais a fim de determinar o conceito de aquisição de uma participação qualificada numa instituição de crédito.

55.      Na minha opinião, o Tribunal Geral não violou o artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento MUS (24). É certo que esta disposição define a legislação que o BCE deve aplicar no exercício das suas atribuições de supervisão no quadro do MUS. Contudo, não faz remissão para os direitos nacionais para interpretar um conceito previsto numa norma da União, como o de aquisição de uma participação qualificada (25).

56.      No que diz respeito a este conceito, nem o artigo 15.º do Regulamento MUS, nem o artigo 22.º da Diretiva 2013/36 comportam nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros.

57.      O conceito de aquisição ou aumento de uma participação qualificada é, como o Tribunal Geral corretamente entendeu (26), um conceito autónomo do direito da União que deve ser interpretado de modo uniforme em todos os Estados‑Membros. A uniformidade desapareceria se cada Estado‑Membro o pudesse definir livremente.

58.      A jurisprudência constante do Tribunal de Justiça leva a esta conclusão: decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme (27).

59.      Em suma, a quarta alegação deve ser julgada improcedente.

4.      Quanto à quinta alegação [alínea E)]

60.      Os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter feito equivaler o conceito de «aquisição de uma participação qualificada» ao de «alteração da estrutura jurídica de uma participação». Em seu entender, este último conceito, que o Tribunal Geral emprega no acórdão recorrido (28), é alheio ao direito da União e não pode ser utilizado em casos como o do presente processo.

61.      A crítica feita pelos recorrentes a esta passagem do acórdão recorrido é fundada. A alteração da estrutura jurídica de uma participação é um conceito que não figura, nem na Diretiva 2013/36, nem no Regulamento MUS, para efeitos da apreciação da questão de saber se existe uma aquisição ou aumento de uma participação qualificada. As suas disposições não especificam que uma mudança da estrutura jurídica possa ser entendida como aquisição de uma participação.

62.      O que é relevante para efeitos da avaliação da aquisição ou aumento é, de acordo com o raciocínio que desenvolverei em seguida, o número de participações adquiridas (ou aumentadas) (29), e não a sua estrutura jurídica, conceito, de resto, de contornos incertos, que introduz uma certa insegurança quanto à sua aplicação.

63.      Em qualquer caso, se se aceitasse que as alterações da estrutura jurídica de uma participação são relevantes, sê‑lo‑iam apenas as posteriores à implementação do MUS, e não as anteriores, como já referi.

64.      Quanto às participações anteriores à implementação do MUS, a autorização do BCE só é necessária se a sua aquisição provocar um aumento do grau de controlo exercido pelo adquirente sobre a instituição de crédito. A alteração da estrutura jurídica da participação (se se admitir a relevância desse conceito novo, quod non) não necessita de autorização do BCE, se a participação qualificada se mantiver estável e não aumentar.

65.      Foi o que ocorreu no presente caso. A Fininvest deteve, a todo o momento, uma participação qualificada na Mediolanum e, por conseguinte, na Banca Mediolanum. A fusão por incorporação inversa da Mediolanum pela Banca Mediolanum constituiu uma reorganização interna da estrutura jurídica do grupo empresarial, mas nem o grau, nem a intensidade do controlo exercido pela Fininvest (e, indiretamente, por S. Berlusconi) sobre aquela instituição financeira variaram (30).

66.      Em operações como a operação controvertida, que mantêm o mesmo grau de controlo e influência pelas mesmas pessoas e entidades sobre a instituição de crédito, não se produz uma aquisição ou aumento de uma participação qualificada. Nessas condições, o BCE não deve desencadear o procedimento administrativo de autorização.

67.      A quinta alegação deve, pois, ser julgada procedente.

5.      Quanto à sexta alegação [alínea F)]

68.      Os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao declarar que o caráter direto ou indireto de uma participação é um elemento relevante para determinar se existiu uma aquisição da participação qualificada.

69.      Afirmam que o artigo 22.º da Diretiva 2013/36 e o artigo 22.º do TUB se referem unicamente à aquisição de uma participação qualificada, independentemente de ser direta ou indireta. Além disso, S. Berlusconi (cuja falta de idoneidade está na origem da Decisão do BCE) sempre teve, antes e depois da fusão e do Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016, uma participação indireta na instituição de crédito.

70.      Esta acusação também deve ser julgada procedente. Decorre do artigo 2.º, ponto 8, do Regulamento MUS, do artigo 4.º, n.º 1, ponto 36, do Regulamento 575/2013 e do artigo 22.º da Diretiva 2013/36 que o primeiro critério para determinar se existe aquisição ou aumento, diretos ou indiretos (31), de uma participação qualificada é quantitativo.

71.      Com efeito, a aquisição deve representar uma percentagem não inferior a 10 % do capital ou dos direitos de voto da empresa (32) e o aumento deve implicar um aumento de capital ou de direitos de voto que atinja ou ultrapasse 20 %, 30 % ou 50 %. Os outros dois critérios (influência significativa do adquirente na gestão da empresa e que a instituição de crédito se transforme em filial do adquirente) não são considerados neste caso.

72.      Mais concretamente, para efeitos do artigo 22.º da Diretiva 2013/36, a participação qualificada numa instituição de crédito pode ser adquirida ou aumentada, direta ou indiretamente, sem que o uso de qualquer um dos dois meios de aquisição (direto ou indireto) tenha influência no resultado.

73.      O que é determinante não é, pois, que a aquisição da participação qualificada seja direta ou indireta, mas que exista, sob qualquer uma das duas formas, e que, com ela, se consiga um determinado grau de controlo ou influência sobre a instituição de crédito.

74.      A partir desta premissa, o Tribunal Geral não interpreta corretamente o artigo 22.º, n.º 1, da Diretiva 2013/36, ao atribuir importância à passagem de uma participação indireta da Fininvest na Banca Mediolanum para uma participação direta, na sequência da fusão inversa por incorporação (33).

75.      Quanto ao artigo 22.º, n.º 1, da Diretiva 2013/36, o Tribunal Geral entende que, «[…] quando uma participação indiretamente detida por intermédio de duas sociedades se torna indiretamente detida por intermédio de uma única sociedade, a própria detenção de uma participação qualificada é alterada na sua estrutura jurídica, pelo que essa operação deve ser considerada como a aquisição de uma participação qualificada na aceção desta disposição» (34).

76.      Pois bem, esse raciocínio, que se apoia, uma vez mais, no conceito de alteração da estrutura jurídica da participação (conceito que já qualifiquei como improcedente neste contexto), não pode ser partilhado. A sua aplicação aos factos que o Tribunal Geral considera provados decorre do erro de abordagem inicial.

77.      Já assinalei que o Tribunal Geral reconhece que, na sequência da fusão, «[…] o montante da participação qualificada dos recorrentes não [foi] alterado em relação ao que detinham anteriormente por intermédio da Mediolanum» (35). Ou seja, a passagem de uma participação indireta para uma participação direta não alterou a situação de controlo da Fininvest sobre a Banca Mediolanum, dado que a Fininvest sempre deteve 30,16 % das ações.

78.      O mesmo argumento pode ser defendido a fortiori relativamente à participação de S. Berlusconi, que foi sempre uma participação qualificada indireta na Banca Mediolanum (36).

79.      Pois bem, se assim é (37), a irrelevância da passagem de uma modalidade de participação (direta) para outra (indireta) determina que, num caso como o caso ora em análise, não se tenha produzido uma (nova) aquisição ou aumento da participação qualificada. Nestas condições, não era necessária a intervenção do BCE.

80.      Em definitivo, a sexta (e última) alegação do primeiro fundamento de recurso deve ser julgada procedente.

VII. Quanto ao segundo fundamento de recurso

A.      Argumentos das partes

81.      Os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter julgado improcedente o seu segundo fundamento de anulação, mediante o qual alegavam que a aplicação dos artigos 22.º e 23.º da Diretiva 2013/36 às participações no capital social adquiridas há mais de vinte anos implicava uma violação do princípio da não retroatividade.

82.      Afirmam que, apesar de o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, ter declarado que a Diretiva 2013/36 não é aplicável à aquisição de participações qualificadas anteriores à sua entrada em vigor, na verdade, confirmou essa aplicação retroativa ao caso em apreço. Nesta mesma medida, o erro alegado no âmbito do primeiro fundamento de recurso é determinante daquele que é criticado no âmbito do segundo.

83.      O BCE e a Comissão contestam esta argumentação.

B.      Apreciação

84.      O Tribunal Geral confirma, com razão, que o âmbito de aplicação dos artigos 22.º e 23.º da Diretiva 2013/36 não engloba as aquisições de participações qualificadas anteriores à sua entrada em vigor e, por conseguinte, já detidas, mas apenas as decisões de projetos de aquisição de participações qualificadas após a sua entrada em vigor (38).

85.      Ora bem, como os recorrentes sustentam, essa declaração de princípio torna‑se inoperante se, como foi salientado na análise do primeiro fundamento de recurso, se aplicarem essas disposições da Diretiva 2013/36 a uma participação qualificada, como a da Fininvest na Banca Mediolanum, que não sofreu mudanças reais (no que respeita ao seu grau de controlo e influência sobre a instituição de crédito) antes e depois da entrada em vigor desta diretiva.

86.      Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso deve ser julgado procedente.

VIII. Quanto ao nono fundamento de recurso

A.      Argumentos das partes

87.      Os recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao declarar inadmissíveis os dois novos fundamentos de anulação invocados perante si, relativos à ilegalidade dos atos preparatórios adotados pelo Banco de Itália (39).

88.      O erro de direito tinha sido cometido na aplicação do artigo 84.º do Regulamento de Processo do Tribunal Geral em relação aos fundamentos novos, deduzidos na sequência do Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest.

89.      Trata‑se de um erro manifesto de apreciação relativamente à existência de um «novo elemento de direito», acompanhado da falta de lógica manifesta e da insuficiência da fundamentação no que respeita à falta de exame oficioso dos fundamentos novos. Invocam, como resultado disso, uma violação do princípio da proteção jurisdicional efetiva e do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

90.      No desenvolvimento deste fundamento de recurso, os recorrentes apresentam os seguintes argumentos:

—      Os novos fundamentos de anulação apresentavam um nexo material estreito com os que tinham sido invocados anteriormente.

—      O Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, inclui elementos de interpretação de alcance consideravelmente inovador, que vão além do seu alegado caráter confirmatório de jurisprudência anterior. Nesse acórdão, é feita a primeira interpretação erga omnes das competências do BCE nesta matéria, sendo decididas questões de uma novidade e complexidade absolutas.

—      A declaração de inadmissibilidade desses fundamentos novos viola o direito à proteção jurisdicional efetiva e plena dos recorrentes. Para assegurar essa proteção, o Tribunal Geral podia examinar aqueles fundamentos mesmo de forma oficiosa, em aplicação do artigo 84.º do seu Regulamento de Processo.

91.      O BCE e a Comissão contestam estes argumentos.

B.      Apreciação

92.      No Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, o Tribunal de Justiça declarou que:

—      O artigo 263.º TFUE se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais fiscalizem a legalidade de atos de abertura, de instrução ou de proposta não vinculativa adotados pelas autoridades nacionais competentes no âmbito do procedimento de autorização de aquisições ou aumentos de participações qualificadas (40).

—      Compete ao juiz da União, a título da sua competência exclusiva para fiscalizar a legalidade dos atos da União com base no artigo 263.º TFUE, pronunciar‑se sobre a legalidade da decisão final adotada pelo BCE e, a fim de garantir uma proteção judicial efetiva dos interessados, examinar os eventuais vícios que inquinem os atos instrutórios ou as propostas das autoridades nacionais suscetíveis de afetar a validade dessa decisão final (41).

93.      Na sequência da prolação desse acórdão, e após o convite feito pelo Tribunal Geral às partes para apresentarem observações sobre as suas consequências para o recurso (42), os recorrentes aduziram dois fundamentos de anulação novos, mediante os quais visavam atacar a legalidade dos atos preparatórios adotados pelo Banco de Itália (nomeadamente a decisão de abertura do procedimento e a proposta de decisão submetida ao BCE).

94.      O Tribunal Geral declarou inadmissíveis os dois fundamentos novos, ao entender que: a) não apresentavam um nexo estreito com os fundamentos de anulação invocados na petição; e b) o acórdão do Tribunal de Justiça não podia ser considerado um elemento de direito que se tenha revelado durante o processo na aceção do artigo 84.º, n.º 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (43).

95.      Os argumentos dos recorrentes afiguram‑se‑me procedentes.

96.      No que respeita à inexistência de um nexo estreito entre os novos fundamentos de anulação e os inicialmente expostos na petição, considero que o acórdão recorrido deveria ter incluído uma apreciação desse nexo.

97.      É certo que, na petição inicial, não era posta em causa a legalidade dos atos preparatórios adotados pelo Banco de Itália. Ora bem, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, a autorização de aquisições ou aumentos de participações qualificadas em instituições de crédito enquadra‑se num procedimento administrativo misto, no qual intervêm as autoridades nacionais e o BCE. Este último goza do poder decisório final, o que implica que a competência exclusiva para a apreciação da legalidade dos atos adotados no âmbito destes procedimentos pertence ao Tribunal Geral e ao Tribunal de Justiça.

98.      Por conseguinte, é inegável que existe um nexo, direto e estreito, entre os atos preparatórios das autoridades nacionais e o ato final do BCE, uma vez que são elementos do mesmo procedimento administrativo misto. O juízo de validade sobre o ato final (do BCE) pode estar condicionado pelos vícios materiais dos atos preparatórios (das autoridades nacionais), que os recorrentes perante o Tribunal Geral pretendiam invocar.

99.      Quanto à qualificação do Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, como novo elemento de direito que se revelou durante o desenvolvimento do processo, suscetível de justificar a dedução de novos fundamentos de anulação, o raciocínio do Tribunal Geral também não é correto.

100. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral:

—      Apoia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça (44), segundo a qual, um acórdão que confirma uma situação jurídica conhecida do recorrente no momento em que interpõe o seu recurso não pode ser considerado um elemento que permita invocar um novo fundamento.

—      Acrescenta que «[…] um acórdão proferido no decurso do processo não pode ser invocado como um elemento novo, uma vez que esse acórdão apenas dá, em princípio, uma interpretação ex tunc do direito da União […]» (45).

—      Assinala o valor declarativo, não constitutivo, e ex tunc da interpretação constante dos acórdãos proferidos a título prejudicial (46).

—      Afirma que «[a] interpretação dada pelo Tribunal de Justiça deve […] ser considerada conhecida dos recorrentes no momento da interposição do seu recurso» de anulação (47).

—      Indica que o Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, «não pode ser considerado um elemento de direito que se tenha revelado durante o processo na aceção do artigo 84.º, n.º 1, do Regulamento de Processo [do Tribunal Geral]» (48).

101. Não partilho deste raciocínio, nem da consequência que o Tribunal Geral dele extrai.

102. Noutros acórdãos, o próprio Tribunal Geral admitiu que, para a dedução de novos fundamentos de anulação, é relevante um acórdão do Tribunal de Justiça proferido durante o processo, quando contém precisões novas sobre as normas aplicáveis (49).

103. Os acórdãos que se limitam a reiterar jurisprudência anterior não justificam, certamente, a dedução de novos fundamentos. Não é esse o caso dos acórdãos do Tribunal de Justiça que incluam desenvolvimentos de jurisprudência anterior ou que contenham jurisprudência nova: nesses casos, esses acórdãos servem de base para a dedução de novos fundamentos no âmbito de recursos de anulação pendentes.

104. Nesta linha de raciocínio, pronunciou‑se o Tribunal de Justiça no contexto específico da Diretiva 2013/32/UE (50). Declarou que um acórdão seu é suscetível de estar abrangido pelo conceito de novo elemento, na aceção do artigo 33.º, n.º 2, alínea d), e do artigo 40.º, n.os 2 e 3, desta diretiva (51). Não obsta a esta conclusão o caráter ex tunc dos efeitos dos acórdãos proferidos no âmbito de processos de decisão prejudicial (52).

105. O Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, contém conclusões importantes (e inovadoras) sobre a fiscalização jurisdicional no âmbito dos procedimentos administrativos mistos criados no quadro da união bancária, entre os quais se destaca o de autorização de adquisições de participações qualificadas. Esse acórdão não pode ser considerado como meramente confirmatório de jurisprudência anterior.

106. Quando interpuseram os seus recursos, a Fininvest e S. Berlusconi não podiam saber antecipadamente que os atos preparatórios adotados pelo Banco de Itália no âmbito do procedimento de autorização de aquisições de participações qualificadas deviam ser exclusivamente impugnados perante o Tribunal Geral, e não perante os tribunais italianos.

107. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar inadmissíveis os dois novos fundamentos de anulação.

108. Nestas condições, a inadmissão implica uma violação do direito à proteção jurisdicional efetiva dos recorrentes, garantida pelo artigo 47.º da Carta, uma vez que os impediu de invocar os eventuais vícios de legalidade dos atos preparatórios da decisão final, para que o Tribunal Geral os examinasse.

109. Por conseguinte, cabe julgar procedente o nono fundamento de recurso, o que, juntamente com a procedência do primeiro (parcialmente) e segundo fundamento de recurso, determina a anulação do acórdão recorrido.

IX.    Quanto à decisão do recurso de anulação interposto no Tribunal Geral

110. Em conformidade com o artigo 61.º, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

111. No presente processo, o Tribunal de Justiça dispõe dos dados necessários para decidir definitivamente o recurso de anulação interposto contra a Decisão do BCE de 25 de outubro de 2016.

112. Pelos motivos expostos nos números precedentes, o primeiro fundamento de anulação invocado pelos recorrentes deve ser julgado procedente e a Decisão do BCE de 25 de outubro de 2016 deve ser anulada, na sua totalidade.

X.      Quanto às despesas

113. Em conformidade com o artigo 184.º, n.º 2, do seu Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

114. Nos termos do artigo 138.º, n.º 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo que tenha por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, por força do seu artigo 184.º, n.º 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

115. Os ora recorrentes requereram que o BCE seja condenado nas despesas. Se, como proponho, vier a ser dado provimento aos recursos, o BCE deverá ser condenado nas despesas e a Comissão suportará as suas próprias despesas.

XI.    Conclusão

116. À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça:

—      Dê provimento aos recursos da decisão do Tribunal Geral e anule o Acórdão do Tribunal Geral de 11 de maio de 2022, Fininvest e Berlusconi/BCE (T‑913/16, EU:T:2022:279).

—      Anule a Decisão do Banco Central Europeu ECB/SSM/2016 — 7LVZJ6XRIE7VNZ4UBX81/4, de 25 de outubro de 2016.

—      Condene o Banco Central Europeu nas despesas, devendo a Comissão Europeia suportar as suas próprias despesas.


1      Língua original: espanhol.


2      C‑219/17, EU:C:2018:1023; a seguir «Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest».


3      Acórdão do Tribunal Geral, Fininvest e Berlusconi/BCE (T‑913/16, EU:T:2022:279) (a seguir «acórdão recorrido»).


4      Decisão ECB/SSM/2016 — 7LVZJ6XRIE7VNZ4UBX81/4.


5      Conclusões de 27 de junho de 2018 (EU:C:2018:502).


6      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338).


7      Regulamento do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63) (a seguir «Regulamento MUS».


8      Regulamento do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (Regulamento‑Quadro do MUS) (JO 2014, L 141, p. 1).


9      Decreto Legislativo n. 385 — Testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia [Decreto Legislativo n.º 385 — Texto Consolidado das Leis em matéria Bancária e Creditícia), de 1 de setembro de 1993 (suplemento ordinário do GURI n.º 230, de 30 de setembro de 1993], conforme alterado pelo decreto legislativo n.72 (Decreto Legislativo n.º 72), de 12 de maio de 2015, que transpôs o conteúdo da Diretiva 2013/36 para o direito italiano (Decreto Legislativo n.º 72; a seguir «TCB»).


10      Decreto legislativo n. 53 — Attuazione della direttiva 2011/89/UE, che modifica le direttive 98/78/CE, 2002/87/CE, 2006/48/CE e 2009/138/CE, per quanto concerne la vigilanza supplementare sulle imprese finanziarie appartenenti a un conglomerato finanziario (Decreto Legislativo n.º 53, de Execução da Diretiva 2011/89/UE, que altera as Diretivas 98/78/CE, 2002/87/CE, 2006/48/CE e 2009/138/CE, no que se refere à Supervisão Complementar das Entidades Financeiras de um Conglomerado Financeiro), de 4 de março de 2014 (GURI n.º 76, de 1 de abril de 2014, p. 1790).


11      Tratava‑se de uma «fusão intragrupo, com permuta de participações de 1 por 1», com a finalidade de realizar a simplificação da sociedade e a racionalização organizativa do grupo bancário, dado que a sociedade Mediolanum detinha 100 % das ações da Banca Mediolanum.


12      Tendo S. Berlusconi falecido em 12 de junho de 2023, os herdeiros assumiram a sua posição processual no âmbito do presente recurso da decisão do Tribunal Geral.


13      O quarto fundamento de ambos os recursos faz alusão a essa reabilitação.


14      V. BCE, Guia sobre procedimentos relativos a participações qualificadas, 2023, https://www.bankingsupervision.europa.eu/ecb/pub/pdf/ssm.supervisory_guides230523_qualifyingholdingprocedure.pt.pdf.


15      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1).


16      O Regulamento (UE) 2023/1114 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de maio de 2023, relativo aos mercados de criptoativos e que altera os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 1095/2010 e as Diretivas 2013/36/UE e (UE) 2019/1937 (JO 2023, L 150. p. 40), nos artigos 41.º e 42.º, estabelece um procedimento de fiscalização (da aquisição e aumento de participações qualificadas num emitente de uma criptoficha referenciada a ativos) similar ao da Diretiva 2013/36.


17      Segundo o artigo 22.º, n.º 8, da Diretiva 2013/36, «[o]s Estados‑Membros não podem impor requisitos mais rigorosos do que os estabelecidos na presente diretiva para a comunicação às autoridades competentes nem para a aprovação por parte destas de aquisições diretas ou indiretas de direitos de voto ou de participações de capital».


18      Para esse efeito, o seu n.º 1 estabelece que as autoridades competentes devem, a fim de garantir uma gestão sã e prudente da instituição de crédito objeto do projeto de aquisição e tendo em conta a influência provável do proposto adquirente na referida instituição de crédito, avaliar a idoneidade deste último e a solidez financeira do projeto de aquisição de acordo com o seguinte conjunto de critérios: idoneidade do adquirente potencial; idoneidade e experiência dos novos membros do órgão de administração propostos; solidez financeira do proposto adquirente; influência na instituição; a capacidade da entidade financeira para continuar a cumprir os requisitos prudenciais; e risco de ligações com atos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.


19      Autoridade Bancária Europeia, Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma e Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, Orientações Conjuntas relativas à avaliação prudencial das aquisições e dos aumentos de participações qualificadas em entidades do setor financeiro (JC/GL/2016/01), (a seguir «Orientações Conjuntas»), Frankfurt, dezembro de 2016. Disponíveis em https://www.eiopa.europa.eu/system/files/2020‑10/jc_qh_gls_pt.pdf.


20      A Decisão (UE) 2019/1376 do Banco Central Europeu, de 23 de julho de 2019, relativa à delegação da competência para adotar decisões sobre a concessão do regime de passaporte, a aquisição de participações qualificadas e a revogação de autorizações de instituições de crédito (BCE/2019/23) (JO 2019, L 224, p. 1), especifica os critérios aplicáveis à delegação de poderes de decisão nos chefes de serviço do BCE relativamente à adoção de decisões delegadas sobre a aquisição de participações qualificadas (artigo 4.º).


21      N.º 79 do acórdão recorrido.


22      N.º 80 do acórdão recorrido. No n.º 81 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral reitera que os recorrentes já detinham um «acordo de acionistas, celebrado entre Fininvest e a Fin. Prog. Italia que lhes permitia controlar conjuntamente a Mediolanum e a Banca Mediolanum antes da fusão em causa […]».


23      Segundo o Tribunal Geral, «a participação indireta da Fininvest na Banca Mediolanum tornou‑se, na sequência da fusão em causa e do Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 3 de março de 2016, uma participação qualificada direta».


24      Essa disposição estabelece que, «[p]ara efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e com o objetivo de assegurar elevados padrões de supervisão, o BCE aplica toda a legislação aplicável da União e, no caso de diretivas, a legislação nacional que as transpõe. Caso a legislação aplicável da União seja constituída por regulamentos, e nos casos em que esses regulamentos concedam expressamente certas opções aos Estados‑Membros, o BCE deve aplicar também a legislação nacional relativa ao exercício dessas opções».


25      O BCE deve aplicar a legislação nacional (nos casos em que esta procede à transposição das diretivas ou acolhe alguma das opções que os regulamentos lhe concedem), mas isso não implica que o próprio conceito de aquisições e aumentos de participações qualificadas seja deixado ao poder discricionário dos Estados‑Membros.


26      N.º 49 do acórdão recorrido.


27      Acórdãos de 11 de abril de 2019, Tarola (C‑483/17, EU:C:2019:309, n.º 36); de 1 de outubro de 2019, Planet49 (C‑673/17, EU:C:2019:801, n.º 47); e de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.º 81).


28      Ao contrário do que o BCE e a Comissão sustentam, não se deve desvalorizar o uso desse conceito no acórdão recorrido, cuja argumentação é um elemento fundamental. Figura nos n.os 57, 78, 80, 81, 84 e 88 do acórdão recorrido. Com o mesmo, o Tribunal Geral não se limita a «descrever o contexto» ou a «empregar termos não jurídicos, mas essencialmente económicos», como, improcedentemente, afirma o BCE (n.º 20 da sua contestação).


29      Ou que a aquisição permita exercer uma influência significativa na gestão da empresa ou tenha como resultado que a instituição de crédito se transforme em filial do adquirente proposto.


30      N.os 80 e 81 do acórdão recorrido


31      O título II, capítulo 1, n.º 6, das Orientações Conjuntas prevê dois critérios para avaliar se uma participação é indireta: o controlo e a multiplicação. O critério relativo ao controlo implica que todas as pessoas singulares ou coletivas que exercem controlo sobre o titular existente de uma participação qualificada numa entidade supervisionada devem ser consideradas constituir adquirentes indiretos dessa participação qualificada. O critério relativo à multiplicação, aplicável como segundo passo, consiste na multiplicação das percentagens das participações na cadeia empresarial, começando com a participação detida diretamente na instituição de crédito e prosseguindo na cadeia empresarial enquanto o resultado da multiplicação continuar a ser 10 % ou mais.


32      O artigo 27.º da Diretiva 2013/36 indica que, «[p]ara determinar se são cumpridos os critérios para determinação das participações qualificadas a que se referem os artigos 22.º, 25.º e 26.º, são tidos em conta os direitos de voto a que se referem os artigos 9.º, 10.º e 11.º da Diretiva 2004/109/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO 2004, L 390, p. 38)] e as condições relativas à sua agregação previstas no artigo 12.º, n.os 4 e 5, da mesma diretiva».


33      N.º 77 do acórdão recorrido.


34      N.º 57 do acórdão recorrido.


35      N.º 80 do acórdão recorrido.


36      O Tribunal Geral reconhece este facto no n.º 79 do acórdão recorrido: «[…] embora Silvio Berlusconi detivesse uma participação indireta na Banca Mediolanum, por intermédio, em primeiro lugar, da Fininvest e, em seguida, da Mediolanum, passou a deter uma participação indireta na Banca Mediolanum unicamente por intermédio da Fininvest».


37      Os recorrentes, o BCE e a Comissão não estão de acordo quanto aos montantes de participação e ao seu caráter direto ou indireto, mas, no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, deve prevalecer a versão dos factos que o Tribunal Geral estabelece.


38      N.º 98 do acórdão recorrido.


39      N.os 237 a 266 do acórdão recorrido.


40      Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Berlusconi e Fininvest, dispositivo.


41      Ibidem, n.º 44.


42      N.º 19 do acórdão recorrido.


43      Segundo esta disposição, «[é] proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo».


44      No n.º 251 do acórdão recorrido, invoca os Acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, Espanha/Comissão (C‑114/17 P, EU:C:2018:753, n.º 39) e de 14 de outubro de 2014, Buono e o./Comissão (C‑12/13 P e C‑13/13 P, EU:C:2014:2284, n.os 58 e 60).


45      N.º 255 do acórdão recorrido.


46      N.º 252 do acórdão recorrido.


47      N.º 256 do acórdão recorrido.


48      N.º 257 do acórdão recorrido.


49      Acórdãos de 22 de março de 2018, Stavytskyi/Conselho (T‑242/16, EU:T:2018:166, n.º 125) e de 24 de setembro de 2019, Yanukovich/Conselho (T‑301/18, EU:T:2019:676, n.os 78 a 80), relacionado com o Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Azarov/Conselho (C‑530/17 P, EU:C:2018:1031).


50      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).


51      Acórdão de 8 de fevereiro de 2024, Bundesrepublik Deutschland (Admissibilidade de um pedido subsequente) (C‑216/22, EU:C:2024:122, n.º 40). Assim é, «[…] independentemente da questão de saber se esse acórdão foi proferido antes ou depois da adoção da decisão sobre o pedido anterior ou se o referido acórdão declara a incompatibilidade com o direito da União de uma disposição nacional em que essa decisão se baseou ou se limita à interpretação do direito da União, incluindo o que já estava em vigor no momento da adoção da referida decisão».


52      Ibidem, n.º 41: «É […] irrelevante a circunstância […] de os efeitos de um acórdão pelo qual o Tribunal de Justiça, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.º TFUE, interpreta uma norma do direito da União remontarem, em princípio, à data da entrada em vigor da norma interpretada».