Language of document : ECLI:EU:T:2008:595

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção alargada)

18 de Dezembro de 2008 (*)

«Auxílios de Estado – Regime de auxílios notificado pelo Reino Unido relativamente à reforma do imposto sobre as sociedades do Governo de Gibraltar – Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado comum – Selectividade regional – Selectividade material»

Nos processos T‑211/04 e T‑215/04,

Government of Gibraltar, representado por M. Llamas, barrister, J. Temple Lang, solicitor, bem como, inicialmente, por A. Petersen e K. Nordlander, e, em seguida, por K. Karl, advogados,

recorrente no processo T‑211/04,

apoiado por

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por M. Bethell, na qualidade de agente, assistido por D. Anderson, QC, e H. Davies, barrister, e, em seguida, por E. Jenkinson e E. O’Neill, na qualidade de agentes,

interveniente,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por M. Bethell, E. Jenkinson, na qualidade de agentes, assistidos por D. Anderson, QC, e H. Davies, barrister, e, em seguida, por E. Jenkinson, E. O’Neill e S. Behzadi‑Spencer, na qualidade de agentes,

recorrente no processo T‑215/04,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por N. Khan e V. Di Bucci, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, abogado del Estado,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2005/261/CE da Comissão, de 30 de Março de 2004, sobre o regime de auxílio que o Reino Unido pretende aplicar relativamente à reforma do imposto sobre as sociedades do Governo de Gibraltar (JO 2005, L 85, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção alargada),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili, J. Azizi, E. Cremona (relatora) e O. Czúcz, juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

I –  Regulamentação comunitária

1        O artigo 87.°, n.° 1, CE prevê:

«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

2        A Comunicação 98/C 384/03 da Comissão, sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO 1998, C 384, p. 3, a seguir «comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa das empresas»), precisa, no seu ponto 2, que se propõe fornecer esclarecimentos quanto à qualificação como auxílio nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, no caso das medidas fiscais.

3        Segundo o ponto 16 da comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa das empresas:

«O critério principal para a aplicação do n.° 1 do artigo [87.° CE] a uma medida fiscal é […] o facto de essa medida instituir, a favor de determinadas empresas do Estado‑Membro, uma excepção à aplicação do sistema fiscal. Por conseguinte, há que determinar em primeiro lugar o regime comum aplicável. Depois, é necessário examinar se a excepção ou as diferenciações no âmbito de tal regime se justificam ‘pela natureza ou pela economia do sistema’ fiscal, isto é, se emanam directamente dos princípios fundadores ou directores do sistema fiscal do Estado‑Membro em causa. Se assim não for, a medida constitui um auxílio estatal.»

4        O artigo 299.°, n.° 4, CE prevê que as disposições do Tratado são aplicáveis aos territórios europeus cujas relações externas sejam asseguradas por um Estado‑Membro.

II –  Estatuto de Gibraltar

5        Gibraltar é uma colónia (ou território ultramarino) da Coroa britânica desde 1713, e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é responsável pelas suas relações externas. Gibraltar não faz parte do Reino Unido.

6        À época dos factos do caso em apreço, os textos relativos à organização dos poderes públicos em Gibraltar eram a Gibraltar Constitution Order 1969 (Decreto de 1969 relativo à constituição de Gibraltar, a seguir «Constituição de 1969») e o Accompanying Despatch (despacho de acompanhamento) de 23 de Maio de 1969.

7        O poder executivo é aí exercido por um governador nomeado pela Rainha, da qual é representante, e, quanto a questões específicas de interesse local, pelo Conselho de Ministros de Gibraltar. Este é composto pelo Chief minister e pelos ministros, nomeados pelo governador de entre os membros eleitos da House of Assembly.

8        O poder legislativo é repartido entre a House of Assembly e o governador. A House of Assembly é composta pelo Speaker, pelo Attorney General, pelo Financial and Development Secretary e por quinze membros eleitos. As eleições para a constituição da House of Assembly realizam‑se de quatro em quatro anos.

9        Foram instituídos órgãos jurisdicionais próprios em Gibraltar. Todavia, há a possibilidade de se recorrer das decisões dos tribunais superiores de Gibraltar para o Judicial Committee of the Privy Council (Comissão Judicial do Conselho Privado) do Reino Unido.

10      Dado que o território de Gibraltar é um território europeu, na acepção do artigo 299.°, n.° 4, CE, cujas relações externas são asseguradas pelo Reino Unido, são‑lhe aplicáveis as disposições do Tratado. Enquanto, nos termos do artigo 28.° do Acto relativo às condições de adesão às Comunidades Europeias do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, que está anexo ao Tratado de Adesão destes (JO 1972, L 73, p. 5), os actos das instituições da Comunidade, relativos, designadamente, à «harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios não são aplicáveis a Gibraltar», a não ser que o Conselho disponha em sentido contrário, aplicam‑se‑lhe as regras de direito comunitário em matéria de concorrência, incluindo as relativas aos auxílios concedidos pelos Estados‑Membros.

 Factos na origem do litígio

I –  Antecedentes da reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar

11      Em 11 de Julho de 2001, a Comissão decidiu dar início ao procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, contra duas regulamentações aplicadas a Gibraltar, relativas ao imposto sobre as sociedades, que tinham por objecto, respectivamente, as «empresas isentas» (JO 2002, C 26, p. 13) e as «empresas elegíveis» (JO 2002, C 26, p. 9).

12      As empresas isentas não estavam instaladas em Gibraltar, enquanto as empresas elegíveis estavam presentes «de pedra e cal» (têm «a bricks and mortar presence») e operavam em diversos sectores.

13      Para poder beneficiar do estatuto de empresa isenta, uma empresa devia preencher diversos requisitos; entre estes requisitos figurava a proibição de exercer uma actividade comercial ou qualquer outra actividade em Gibraltar, excepto com outras empresas isentas ou com as empresas elegíveis. Os nacionais de Gibraltar e os residentes não podiam ser titulares ou beneficiários de qualquer participação numa empresa isenta, a não ser por intermédio de uma sociedade anónima e como accionista desta. Salvo algumas excepções limitadas, uma empresa isenta estava isenta do imposto sobre o rendimento em Gibraltar e apenas estava obrigada ao pagamento de um montante fixo anual de 225 libras esterlinas (GBP).

14      Os requisitos para se beneficiar do estatuto de empresa elegível eram, no essencial, idênticos aos necessários para se beneficiar do estatuto de empresa isenta. As empresas elegíveis pagavam um imposto a uma taxa que era negociada com as autoridades fiscais de Gibraltar e que variava entre 2% e 10% dos respectivos lucros.

15      Por acórdão de 30 de Abril de 2002, Government of Gibraltar/Comissão (T‑195/01 e T‑207/01, Colect., p. II‑2309), o Tribunal de Primeira Instância, por um lado, anulou a decisão que dá início ao procedimento formal de investigação em relação às sociedades isentas e, por outro, julgou improcedente o pedido de anulação da decisão que dá início ao procedimento formal de investigação em relação às empresas elegíveis.

16      Em 27 de Abril de 2002, sem prejuízo da questão de saber se os regimes fiscais relativos às empresas isentas e às empresas elegíveis constituíam ou não auxílios de Estado, o Governo de Gibraltar anunciou a sua intenção de revogar toda a sua legislação em matéria de fiscalidade das empresas e de instaurar um regime fiscal inteiramente novo para todas as sociedades de Gibraltar. Esta reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar constitui o objecto do presente litígio.

II –  Reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar

17      Por carta de 12 de Agosto de 2002, o Reino Unido notificou à Comissão, nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, a reforma do Governo de Gibraltar relativa ao imposto sobre as sociedades.

18      Esta reforma fiscal compreende um sistema de tributação aplicável a todas as sociedades estabelecidas em Gibraltar e um imposto adicional (ou de penalidade) («top‑up tax») aplicável apenas às sociedades de serviços financeiros e às empresas de serviços de utilidade pública, compreendendo estas últimas as empresas que operam nos sectores das telecomunicações, da electricidade e da água.

19      A reforma fiscal é executada através da seguinte legislação:

–        a Companies (Payroll Tax) Ordinance [regulamento sobre as sociedades (imposto sobre o número de trabalhadores)];

–        a Companies (Annual Registration Fee) Ordinance [regulamento sobre as sociedades (taxa anual de registo);

–        a Rates Ordinance (regulamento relativo às taxas de imposição);

–        a Companies (Taxation of Designated Activities) Ordinance (legislação relativa à imposição de certas actividades das empresas).

20      A legislação relativa à reforma fiscal será aplicada pelo Governo de Gibraltar depois de aprovada pela House of Assembly. No âmbito da reforma, a legislação sobre as empresas isentas e as empresas elegíveis será revogada com efeitos imediatos.

A –  Sistema de tributação introduzido pela reforma fiscal

21      O sistema de tributação introduzido pela reforma fiscal e aplicável a todas as empresas estabelecidas em Gibraltar compõe‑se de um imposto sobre o número de trabalhadores («payroll tax»), de um imposto sobre a ocupação de instalações para fins comerciais («business property occupation tax») e de uma taxa de registo («registration fee»):

–        imposto sobre o número de trabalhadores: todas as empresas de Gibraltar estarão sujeitas a um imposto sobre o número de trabalhadores, no valor de 3000 GBP por trabalhador e por ano; cada «empregador» em Gibraltar terá de pagar um imposto sobre o número de trabalhadores, pela totalidade dos seus «trabalhadores» «contratados em Gibraltar» a tempo inteiro ou parcial; a legislação relativa à reforma fiscal contém uma definição dos termos referidos;

–        imposto sobre a ocupação de instalações para fins comerciais («Business Property Occupation Tax», a seguir «BPOT»): todas as empresas que ocupam instalações em Gibraltar para fins comerciais deverão pagar um imposto sobre a ocupação das referidas instalações, a uma taxa equivalente a uma percentagem do montante devido a título do imposto predial geral de Gibraltar;

–        taxa de registo: todas as empresas de Gibraltar deverão pagar uma taxa de registo anual, cujo montante ascenderá a 150 GBP, para as empresas não destinadas a gerar rendimento, e a 300 GBP, para as empresas destinadas a gerar rendimento.

22      A tributação em imposto sobre o número de trabalhadores e em BPOT será limitada a 15% dos lucros. Resulta da instituição deste limite que as empresas apenas pagarão o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT se realizarem lucros e que o montante do imposto não excederá 15% dos referidos lucros.

B –  Imposto adicional (ou de penalidade)

23      Certas actividades, nomeadamente os serviços financeiros e os serviços de utilidade pública, estarão sujeitas a um imposto adicional (ou de penalidade) sobre os lucros gerados por estas actividades. O imposto adicional incide apenas sobre os lucros que podem ser atribuídos às referidas actividades.

24      Assim, para além do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, as sociedades de serviços financeiros estarão ainda sujeitas a um imposto adicional (ou de penalidade) sobre os lucros gerados pelas actividades de serviços financeiros, a uma taxa compreendida entre 4% e 6% dos lucros (calculados em conformidade com as normas contabilísticas reconhecidas internacionalmente); a tributação total destas empresas (imposto sobre o número de trabalhadores, BPOT e imposto adicional) será limitada a 15% dos lucros.

25      Para além do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, as empresas de serviços de utilidade pública estarão sujeitas a um imposto adicional (ou de penalidade) sobre os lucros gerados pelas suas actividades, à taxa de 35% sobre os lucros (calculados em conformidade com as normas contabilísticas reconhecidas internacionalmente). Estas empresas estarão autorizadas a deduzir o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT do montante devido a título do imposto adicional. Embora a tributação anual total das empresas de serviços de utilidade pública (imposto sobre o número de trabalhadores e BPOT) esteja também limitada a 15% dos lucros, o funcionamento do imposto adicional sobre os serviços de utilidade pública garantirá que a carga fiscal destas empresas seja sempre da ordem dos 35% dos seus lucros.

III –  Procedimento administrativo e decisão impugnada

26      Por ofício de 16 de Outubro de 2002, a Comissão informou as autoridades do Reino Unido da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, relativamente à reforma fiscal, e convidou os interessados a apresentarem as suas observações (JO C 300, p. 2). O Reino Unido apresentou as suas observações por ofício de 13 de Dezembro de 2002.

27      A Comissão recebeu observações da Confederación Española de Organizaciones Empresariales (Confederação Espanhola das Organizações Empresariais), da Ålands Landskapsstyrelse (executivo das Ilhas Åland da Finlândia), do Reino de Espanha e do Governo de Gibraltar. A Comissão transmitiu estas observações ao Reino Unido, que lhe comunicou os seus comentários por ofício de 13 de Fevereiro de 2003.

28      Em 30 de Março de 2004, a Comissão adoptou a Decisão 2005/261/CE sobre o regime de auxílio que o Reino Unido pretende aplicar relativamente à reforma do imposto sobre as sociedades do Governo de Gibraltar (JO 2005, L 85, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

29      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

As propostas notificadas pelo Reino Unido, tendo em vista a reforma do regime de fiscalidade das empresas em Gibraltar, constituem um regime de auxílio estatal incompatível com o mercado comum.

Consequentemente, essas propostas não podem ser aplicadas.

Artigo 2.°

O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é o destinatário da presente decisão.»

30      Em apoio da sua conclusão relativa ao carácter selectivo da reforma fiscal, a Comissão afirma, no essencial, nos considerandos 98 a 152 da decisão impugnada, que a referida reforma é selectiva tanto no plano regional como no plano material. No plano regional, é selectiva na medida em que prevê um sistema do imposto sobre as sociedades, segundo o qual as empresas em Gibraltar estão, em geral, sujeitas a uma taxa de imposição inferior à das empresas estabelecidas no Reino Unido (considerando 127 da decisão impugnada). A Comissão considera que os seguintes aspectos da reforma fiscal são selectivos no plano material: em primeiro lugar, a condição da realização de lucros, para que uma empresa seja sujeita ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, na medida em que esta condição favorece as empresas que não realizem lucro (considerandos 128 a 133 da decisão impugnada); em segundo lugar, a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros, no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, dado que este limite favorece as empresas que, no exercício fiscal em questão, apresentem lucros pouco elevados em relação ao número de efectivos e às instalações que ocupam (considerandos 134 a 141 da decisão impugnada); em terceiro lugar, o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT, uma vez que estes dois impostos favorecem, por natureza, as empresas que não estão realmente presentes em Gibraltar e que, consequentemente, não estão sujeitas ao imposto sobre as sociedades (considerandos 142 a 144 e 150 da decisão impugnada). A Comissão conclui que «[a]s medidas apresentadas implicam, por conseguinte, uma selectividade regional e material e [que] esta última decorre tanto de diversas características específicas do regime proposto como da análise do conjunto desse regime» (considerando 152 da decisão impugnada).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

31      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Junho de 2004, o Governo de Gibraltar, recorrente no processo T‑211/04, e o Reino Unido, recorrente no processo T‑215/04, interpuseram os presentes recursos de anulação da decisão impugnada.

32      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Outubro de 2004, o Reino Unido requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos do recorrente no processo T‑211/04.

33      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Outubro de 2004, o Reino de Espanha requereu a sua intervenção em apoio da Comissão nos processos T‑211/04 e T‑215/04.

34      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Dezembro de 2004, o recorrente no processo T‑211/04 solicitou, nos termos do artigo 116.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o tratamento confidencial, em relação aos intervenientes, do anexo A 2 da petição. O recorrente retirou este pedido, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Abril de 2005.

35      Por despachos do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Dezembro de 2004 e de 15 de Fevereiro de 2005, foram deferidos os pedidos de intervenção nos processos T‑211/04 e T‑215/04.

36      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Março de 2005, o Reino Unido pediu a apensação dos processos T‑211/04 e T‑215/04, para efeitos da fase oral e do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo. As partes em causa apresentaram as suas observações sobre este pedido, no prazo estabelecido.

37      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Março de 2005 e em 15 de Abril de 2005, respectivamente, os recorrentes nos processos T‑211/04 e T‑215/04 apresentaram um pedido de tratamento prioritário desses processos, ao abrigo do artigo 55.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

38      O Reino de Espanha apresentou o seu articulado de intervenção, em 29 de Abril de 2005, no processo T‑215/04, e em 20 de Junho de 2005, no processo T‑211/04. As partes principais nestes processos apresentaram as suas observações quanto a estes articulados, nos prazos estabelecidos. O Reino Unido não apresentou articulado de intervenção no processo T‑211/04.

39      Por decisões de 12 de Maio de 2005 e de 13 de Dezembro de 2006, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, com base no artigo 55.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, deferir o pedido de tratamento prioritário apresentado nos processos T‑211/04 e T‑215/04.

40      Em 6 de Junho de 2005, o Tribunal de Primeira Instância decidiu atribuir os processos T‑211/04 e T‑215/04 à Terceira Secção alargada.

41      Por despacho de 18 de Dezembro de 2006, os processos T‑211/04 e T‑215/04 foram apensos para efeitos da fase oral.

42      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção alargada) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, convidou as partes nos processos T‑211/04 e T‑215/04 a apresentarem‑lhe as suas observações escritas sobre as consequências a extrair do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2006, Portugal/Comissão (C‑88/03, Colect., p. I‑7115, a seguir «acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores»), à luz dos presentes processos. As partes deram cumprimento a esse pedido nos prazos fixados.

43      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 14 de Março de 2007.

44      O Tribunal de Primeira Instância considera que há que proceder à apensação dos dois processos, para efeitos do acórdão, tendo as partes manifestado o seu acordo quanto a este aspecto na audiência.

45      O recorrente no processo T‑211/04 conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão e o Reino de Espanha nas despesas.

46      O recorrente no processo T‑215/04 conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

47      Nos processos T‑211/04 e T‑215/04, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

48      Nos processos T‑211/04 e T‑215/04, o Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

49      Os recorrentes invocam, no essencial, três fundamentos. O primeiro é relativo a erros de direito e de apreciação no que diz respeito à aplicação do critério da selectividade regional; o segundo é relativo a erros de direito e de apreciação no que diz respeito à aplicação do critério da selectividade material; e o terceiro é relativo à violação de formalidades essenciais no âmbito do exame do terceiro aspecto da reforma fiscal qualificado como selectivo no plano material, designadamente, a própria natureza do imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT. Este último fundamento subdivide‑se em duas partes, a primeira, respeitante à violação do direito de audição, e a segunda, à violação do dever de fundamentação.

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação no que diz respeito à aplicação do critério da selectividade regional

A –  Argumentos das partes

50      Os recorrentes alegam que a Comissão, no caso em apreço, aplicou erradamente o critério da selectividade regional, ao considerar o território do Reino Unido e o seu regime fiscal das sociedades como o quadro de referência apropriado para avaliar a reforma fiscal de Gibraltar. No essencial, invocam quatro elementos para fundamentar a sua tese.

51      Em primeiro lugar, os recorrentes argumentam que o critério da selectividade regional não pode ser aplicado, ao caso em apreço, da maneira como foi aplicado pela Comissão, dado que Gibraltar não faz parte do Reino Unido, nem ao abrigo do direito nacional, nem do direito internacional, nem do direito comunitário. A jurisprudência, a comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa das empresas e a argumentação em que a Comissão se baseia na decisão impugnada respeitam a medidas fiscais aplicáveis a uma entidade territorial que faz parte de um Estado‑Membro. Gibraltar não pode ser equiparado a essa entidade.

52      Em segundo lugar, os recorrentes alegam que, mesmo que Gibraltar devesse ser considerado parte do Reino Unido para efeitos de aplicação das regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado, o Reino Unido não poderia constituir o quadro de referência apropriado, em razão da inexistência de sistema fiscal comum entre as duas entidades. A reforma fiscal de Gibraltar não é uma «derrogação», uma «excepção», nem uma «redução» do regime fiscal das sociedades do Reino Unido; este não é o sistema fiscal «normal» que se aplicaria em Gibraltar caso a reforma fiscal controvertida não fosse adoptada. Consequentemente, o critério da selectividade regional não pode ser aplicado.

53      A este respeito, os recorrentes sustentam, primeiro, que os poderes públicos do Reino Unido não desempenham nenhum papel na definição do contexto político e económico em Gibraltar. No plano político, os poderes públicos de Gibraltar compreendem poderes executivo, legislativo e jurisdicional que lhe são próprios e que são distintos dos do Reino Unido. No plano económico, Gibraltar não recebe nenhuma subvenção nem assistência financeira do Reino Unido. Os seus rendimentos provêem inteiramente dos impostos fixados por Gibraltar. Gibraltar adopta as políticas económicas que entende serem as que melhor se adaptam ao seu território, sem ter em conta as políticas económicas do Reino Unido. Cunha e imprime a sua própria moeda, determina a sua própria massa monetária e decide sozinho os seus empréstimos e despesas. A decisão impugnada contém erros de direito relativos à importância, para Gibraltar, do exercício do poder central do Reino Unido.

54      Os recorrentes sustentam, segundo, que Gibraltar e o Reino Unido constituem dois territórios fiscais totalmente separados e distintos. O Governo de Gibraltar e a House of Assembly concebem o regime fiscal aplicável neste território, tendo apenas em conta as condições particulares que caracterizam a economia deste território, sem nenhuma influência ou limitação pelas legislações ou pelas políticas adoptadas no Reino Unido. A legislação fiscal do Reino Unido nunca foi aplicada em Gibraltar e não se aplica aí mesmo na falta de legislação fiscal deste. Por conseguinte, não existe nenhuma norma com a qual os impostos aplicados em Gibraltar possam ser comparados ou da qual se possam desviar. A decisão impugnada contém erros de facto no que diz respeito à descrição de Gibraltar como um lugar onde as competências fiscais são descentralizadas, mas onde se mantém um regime central de referência (considerando 121 da decisão impugnada), à descrição da reforma fiscal como uma redução do imposto cobrado a nível nacional (considerando 109 da decisão impugnada) e à afirmação da Comissão de que «o sistema fiscal actualmente aplicado em Gibraltar se baseia em linhas gerais no modelo [do Reino Unido], com a excepção das vantagens concedidas à economia offshore» (considerando 112 da decisão impugnada).

55      De acordo com o Governo de Gibraltar, o critério da selectividade implica que a medida fiscal controvertida possa ser comparada com uma taxa de imposto que, na falta desta medida, se aplica à actividade visada na região em causa. Isso não significa necessariamente que o elemento de comparação utilizado deva ser uma taxa ou uma outra medida aplicável na mesma circunscrição fiscal. Ora, no caso em apreço, Gibraltar e o Reino Unido constituem duas circunscrições fiscais distintas; mesmo não havendo um regime específico de tributação das sociedades em Gibraltar, o regime fiscal do Reino Unido não se aplica aí. Esta ausência de aplicação não resulta de uma escolha efectuada pelo Reino Unido, de transferir as suas competências fiscais para Gibraltar ou de renunciar a elas, como a Comissão afirmou no considerando 114 da decisão impugnada. Com efeito, o Reino Unido não pode escolher aplicar as suas próprias leis fiscais aos seus territórios coloniais e nunca exerceu competências fiscais em Gibraltar.

56      Os recorrentes alegam, terceiro, que, contrariamente à tese defendida pela Comissão na decisão impugnada, a autonomia política e fiscal de que goza uma entidade infra‑estatal constitui um critério pertinente para apreciar o carácter selectivo de uma medida fiscal adoptada por esta entidade, na medida em que esta autonomia política e fiscal permite considerar a entidade infra‑estatal em questão como um quadro de referência apropriado.

57      Em terceiro lugar, nas suas observações escritas sobre as consequências a extrair do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, os recorrentes, embora mantendo que o critério da selectividade regional não se podia aplicar no caso em apreço, uma vez que Gibraltar não faz parte do Reino Unido e que não existe regime fiscal comum entre as duas entidades, sustentam, a título subsidiário, que o quadro de referência no caso em apreço é o território de Gibraltar, em aplicação do método de definição do referido quadro, exposto nos n.os 67 e 68 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra.

58      Em quarto lugar, os recorrentes alegam que a reforma fiscal, mesmo que se mostrasse ser regionalmente selectiva, é justificada pela sua natureza ou pela sua economia geral.

59      A Comissão defende que a questão pertinente no caso em apreço não é saber se Gibraltar faz ou não parte do Reino Unido, para efeitos de aplicação do direito interno ou do direito internacional, mas se faz parte do Reino Unido, para efeitos de aplicação do direito comunitário que estabelece a sua própria ordem jurídica. Segundo a Comissão, é o que acontece no caso em apreço.

60      A Comissão alega igualmente que a separação económica entre Gibraltar e o Reino Unido não tem incidência no caso em apreço. Este tipo de consideração nunca foi tido em conta nas decisões em matéria de auxílios de Estado, porque, mesmo quando existe uma verdadeira separação económica entre o poder central e a região autónoma, as regras relativas aos auxílios de Estado com finalidade regional aplicam‑se exclusivamente com base na existência de uma vantagem conferida a certas empresas em função do seu estabelecimento ou da sua actividade numa parte de um Estado‑Membro.

61      A Comissão contesta, seja como for, a autonomia económica e fiscal de Gibraltar em relação ao Reino Unido, invocada pelos recorrentes, e dá exemplos de apoio financeiro concedido pelo Reino Unido a Gibraltar.

62      Além disso, a Comissão defende, contrariamente à tese dos recorrentes, que as autoridades centrais do Reino Unido desempenham um papel fundamental na definição do contexto político e económico em Gibraltar, pelo facto de, designadamente, o Reino Unido ser responsável pela aplicação do direito comunitário em Gibraltar e por a estabilidade monetária deste provir inteiramente do Reino Unido (a divisa de Gibraltar é a libra esterlina, sob outro nome). Na mesma ordem de ideias, a Comissão alega que o conceito de «questões de interesse local específicas», no qual, segundo os recorrentes, se inclui a fiscalidade, tem pouco significado no contexto do direito comunitário, essencialmente por duas razões: primeiro, a Constituição de 1969 prevê que as autoridades centrais (na pessoa do governador) podem intervir, designadamente, para garantir a execução das obrigações internacionais em Gibraltar e, segundo, contrariamente ao Reino Unido, Gibraltar não participa na adopção dos actos comunitários que afectam as suas questões de interesse local específicas e que devem ser aplicados no seu território.

63      No que diz respeito aos argumentos dos recorrentes relativos à inexistência de regime fiscal comum entre Gibraltar e o Reino Unido, a Comissão considera, no essencial, que, a partir do momento em que está demonstrado que Gibraltar faz parte do Reino Unido para efeitos de aplicação das regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado, o quadro de referência apropriado só pode ser o constituído pelo regime fiscal do Reino Unido.

64      A Comissão observa que o artigo 87.° CE faz referência aos auxílios «concedidos pelos Estados», que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Alega que a questão determinante não é saber se o Reino Unido e Gibraltar fazem parte do mesmo território fiscal, mas se um regime fiscal aplicável a Gibraltar pode constituir um auxílio concedido por um Estado‑Membro. A Comissão considera que a resposta a esta questão deve ser afirmativa na medida em que as regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado se aplicam integralmente a Gibraltar, como reconhece o próprio Governo de Gibraltar. O Estado‑Membro que poderá planear conceder auxílios no território de Gibraltar só pode ser o Reino Unido, e a questão de saber se o regime de auxílios é selectivo no plano regional apenas pode ser apreciada por referência ao Reino Unido, na qualidade de Estado‑Membro responsável pelo respeito do direito comunitário em Gibraltar.

65      A Comissão sustenta igualmente que a inexistência de sistema fiscal comum (ou normal), que se aplicaria em Gibraltar no caso de o regime fiscal de Gibraltar não se aplicar, não exclui a aplicação do critério da selectividade regional. Esta inexistência de sistema fiscal comum é o resultado de uma escolha feita pelo Reino Unido. Este Estado‑Membro optou por estabelecer um vínculo constitucional particular com Gibraltar, escolhendo, assim, através do seu acto de adesão à Comunidade, submeter Gibraltar à regulamentação relativa aos auxílios de Estado. O Reino Unido conserva igualmente poderes suficientes em Gibraltar, para garantir que este adopte um sistema do imposto sobre as sociedades compatível com o Tratado. Por conseguinte, o quadro de referência só pode ser o fornecido pelo Reino Unido.

66      Além disso, a Comissão contesta a pertinência do grau de autonomia fiscal da entidade infra‑estatal, para efeitos de aplicação do conceito de auxílio de Estado. Considera que este argumento se baseia igualmente na aceitação do postulado de que Gibraltar faz parte do Reino Unido. Tendo em conta este postulado, a afirmação segundo a qual a aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado depende do grau de autonomia de que goza a região em causa é necessariamente destituída de fundamento (salvo em caso de delegação simétrica das competências fiscais evocada no considerando 115 da decisão impugnada).

67      Nas suas observações escritas sobre as consequências a extrair do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, a Comissão considera que o Tribunal de Justiça acolhe nele a sua tese segundo a qual o critério que permite determinar o quadro de referência para a apreciação da selectividade regional é a entidade que desempenha um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas, mas rejeita a sua tese segundo a qual esta entidade apenas pode ser o Estado‑Membro.

68      No entender da Comissão, a questão de saber se, no caso em apreço, o quadro de referência pode ou não ser Gibraltar depende das condições enunciadas no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, e não do estatuto constitucional de Gibraltar segundo o direito nacional.

69      A Comissão defende que a exigência de que a região «desempenh[e] um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no território sob sua jurisdição», evocada no n.° 66 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, pressupõe um quarto requisito prévio e distinto dos três requisitos enumerados no n.° 67 do mesmo acórdão, para efeitos da determinação do quadro de referência apropriado.

70      Este quarto requisito exige que a região em questão goze, no contexto político e económico em que operam as empresas estabelecidas no seu território, de um grau de autonomia que é comparável à influência exercida pelo governo central de um Estado‑Membro cuja Constituição não preveja a autonomia regional. A Comissão explica que a lógica subjacente a esta exigência, à luz das regras do Tratado relativas aos auxílios de Estado, é a de que, para determinar se certas empresas beneficiam de uma vantagem, é necessário comparar a sua situação com a de outras empresas que operam no mesmo contexto político e económico.

71      A Comissão considera que o Governo de Gibraltar não desempenha um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas estabelecidas em Gibraltar e que, consequentemente, o território de Gibraltar não pode constituir o quadro de referência apropriado. A partir do momento em que esta exigência prévia não está preenchida, é inútil ter em conta os três critérios enumerados no n.° 67 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra.

72      A título subsidiário, a Comissão examina os três critérios supramencionados e alega que Gibraltar não preenche dois deles, a saber, o critério relativo ao poder do Governo do Reino Unido de intervir directamente no domínio das medidas fiscais adoptadas pelas autoridades de Gibraltar e o critério relativo à existência de subvenções que compensam as consequências financeiras do seu regime fiscal para Gibraltar. Consequentemente, o território de Gibraltar não constitui o quadro de referência apropriado.

73      O Reino de Espanha sublinha que a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão não pode ser interpretada, explícita ou implicitamente, como uma manifestação de apoio aos fundamentos da decisão impugnada relativos à selectividade regional. Considera que importa distinguir o caso de Gibraltar dos relativos ao regime fiscal dos territórios autónomos do País Basco e de Navarra, em razão da existência, nestes territórios, de um quadro de harmonização fiscal.

74      Ao mesmo tempo, o Reino de Espanha considera que não é possível aplicar a Gibraltar um regime fiscal totalmente diferente do do Reino Unido, sem nenhum limite ou regra de coordenação, dado que tal implicaria que, em matéria de auxílios de Estado, o território de Gibraltar fosse tratado como um Estado‑Membro distinto, o que o Reino Unido considera uma violação substancial do estatuto internacional do referido território.

75      Nas suas observações escritas sobre as consequências a extrair do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, o Reino de Espanha sustenta que importa acrescentar um quarto requisito aos três requisitos já estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão, para determinar se a entidade infra‑estatal constitui o quadro de referência apropriado para a apreciação das medidas fiscais adoptadas por esta entidade. Segundo este quarto requisito, a medida fiscal em causa não é selectiva se estiver enquadrada por uma série de critérios de harmonização análogos aos que se impõem, por força do direito comunitário, às medidas fiscais adoptadas pelo Estado‑Membro de que depende a entidade infra‑estatal e que se destinam a preservar a livre circulação de pessoas, capitais, bens e serviços e a evitar a distorção do mercado interno.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

76      Há que lembrar que as regras do direito comunitário relativas aos auxílios concedidos pelos Estados‑Membros se aplicam a Gibraltar (acórdão Government of Gibraltar/Comissão, referido no n.° 15, supra, n.° 12). O artigo 87.°, n.° 1, CE constitui, portanto, o ponto de partida da análise do Tribunal de Primeira Instância.

77      Este artigo proíbe os auxílios de Estado que «favoreçam certas empresas ou certas produções», isto é, os auxílios selectivos (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, Colect., p. I‑10901, n.° 94).

78      No que respeita à apreciação da condição de selectividade, é jurisprudência assente que o artigo 87.°, n.° 1, CE impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objectivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C‑143/99, Colect., p. I‑8365, n.° 41; de 29 de Abril de 2004, GIL Insurance e o., C‑308/01, Colect., p. I‑4777, n.° 68; e de 3 de Março de 2005, Heiser, C‑172/03, Colect., p. I‑1627, n.° 40).

79      Tal análise impõe‑se igualmente em relação a uma medida adoptada não pelo legislador nacional mas por uma autoridade infra‑estatal, uma vez que uma medida adoptada por uma colectividade territorial, e não pelo poder central, é susceptível de constituir um auxílio se preencher os requisitos do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1987, Alemanha/Comissão, 248/84, Colect., p. 4013, n.° 17).

80      Resulta de quanto precede que, para apreciar a selectividade da medida em questão, há que analisar se, no quadro de um dado regime jurídico, a referida medida constitui uma vantagem para certas empresas em relação a outras que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável. A determinação do quadro de referência reveste importância acrescida no caso das medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem só pode ser afirmada em relação a uma imposição dita «normal». A taxa de imposto normal é a taxa em vigor na zona geográfica que constitui o quadro de referência. (acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, n.° 56).

81      No caso em apreço, cumpre examinar se o território do Reino Unido constitui o quadro de referência apropriado para a apreciação da selectividade regional da reforma fiscal. Uma resposta negativa a esta questão implica necessariamente que o território de Gibraltar constitui o quadro de referência apropriado para apreciar a reforma fiscal e invalida qualquer conclusão relativa à selectividade regional desta reforma.

82      Resulta designadamente dos considerandos 104 e 125 da decisão impugnada que a Comissão se baseou em dois elementos para concluir que o território do Reino Unido constituía o quadro de referência apropriado para apreciar o carácter regionalmente selectivo da reforma fiscal: em primeiro lugar, considerou, no essencial, que o quadro de referência só podia ser o do território do Estado‑Membro em causa, em razão do sistema geral do Tratado e das regras relativas aos auxílios de Estado em particular, e que o grau de autonomia da entidade infra‑estatal em relação ao governo central não era pertinente para efeitos da determinação do referido quadro; em segundo lugar, baseou a sua conclusão no papel desempenhado pelas autoridades do Reino Unido na definição do contexto político e económico em que as empresas operam em Gibraltar.

1.     Quanto à pertinência do grau de autonomia da entidade infra‑estatal em relação ao governo central do Estado‑Membro em causa, para efeitos da determinação do quadro de referência apropriado

83      No que diz respeito ao primeiro elemento em que a Comissão baseou a sua conclusão relativa à determinação do território do Reino Unido como quadro de referência apropriado no caso em apreço (v. n.° 82, supra), há que assinalar que, como a Comissão reconheceu nas suas observações escritas sobre as consequências a extrair do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, o Tribunal de Justiça rejeitou a sua análise nos n.os 57 e 58 do referido acórdão, nos seguintes termos:

«57   […] [O] quadro de referência não deve necessariamente ser definido nos limites do território do Estado‑Membro em causa, de modo que uma medida que concede uma vantagem numa parte apenas do território nacional não é, por esse simples facto, selectiva na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

58      Não se pode excluir que uma entidade infra‑estatal disponha de um estatuto de direito e de facto suficientemente autónomo em relação ao governo central de um Estado‑Membro, para que, pelas medidas que adopta, seja essa entidade, e não o governo central, que desempenha um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas. Em tal caso, é o território onde exerce a sua competência a entidade infra‑estatal, autora da medida, e não o território nacional no seu conjunto, que constitui o contexto pertinente para determinar se uma medida adoptada por essa entidade favorece certas empresas em relação a outras que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável, tendo em atenção o objectivo prosseguido pela medida ou o regime jurídico em causa.»

84      Por conseguinte, é suficiente examinar a procedência do segundo elemento invocado em apoio da conclusão da Comissão relativa à definição do Reino Unido como quadro de referência, a saber, o papel desempenhado pelas autoridades do Reino Unido na definição do contexto político e económico em que as empresas operam em Gibraltar (v. n.° 82, supra).

2.     Quanto ao papel do Reino Unido na definição do contexto político e económico em Gibraltar, enquanto critério de determinação do quadro de referência no caso em apreço

a)     Acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores

85      No acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra (n.° 65), o Tribunal de Justiça, a respeito da situação em que uma autoridade regional ou local adopta, no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central, uma taxa de imposto inferior à taxa nacional e que é aplicável unicamente às empresas presentes no território sob jurisdição dessa autoridade, afirmou o seguinte:

«66   Nesta […] hipótese, o quadro jurídico pertinente para apreciar a selectividade de uma medida fiscal poderia limitar‑se à zona geográfica em questão no caso de a entidade infra‑estatal, designadamente em razão do seu estatuto e dos seus poderes, desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no território sob sua jurisdição.

67      Para que se possa considerar que uma decisão tomada em tais circunstâncias foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos, importa, em primeiro lugar, como o advogado‑geral sublinhou no n.° 54 das suas conclusões, que essa decisão tenha sido adoptada por uma autoridade local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do governo central. Em seguida, deve ter sido adoptada sem que o governo central possa intervir directamente no seu conteúdo. Finalmente, as consequências financeiras de uma redução da taxa de imposto nacional aplicável às empresas presentes na região não devem ser compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do governo central.

68      Resulta do que precede que uma autonomia política e fiscal relativamente ao governo central, que seja suficiente no que respeita à aplicação das regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado, supõe, como sublinhou o Governo do Reino Unido, que a entidade infra‑estatal disponha não apenas da competência para adoptar, no território sob sua jurisdição, medidas de redução da taxa de imposto, independentemente de qualquer consideração relacionada com o comportamento do Estado central, mas que assuma, além disso, as consequências políticas e financeiras de tal medida.»

86      No caso em apreço, importa, portanto, examinar se a reforma fiscal preenche os três requisitos enunciados no n.° 67 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra. Assim, há que examinar, primeiro, se a reforma fiscal foi concebida por uma autoridade regional ou local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do governo central do Reino Unido; segundo, se a reforma fiscal foi concebida sem que o governo central do Reino Unido pudesse intervir directamente no seu conteúdo; e, terceiro, se as consequências financeiras, para Gibraltar, da introdução da reforma fiscal não são compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do governo central do Reino Unido.

87      A tese da Comissão segundo a qual o n.° 66 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, contém um quarto requisito, prévio e distinto dos três requisitos enumerados no n.° 67, a saber o requisito de que a entidade infra‑estatal desempenhe um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no território sob sua jurisdição, não pode ser acolhida. Com efeito, esta tese não encontra apoio nem no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, nem nas conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas neste processo (Colect. 2006, p. I‑7119, n.os 54 e 55).

88      Do mesmo modo, o Tribunal de Primeira Instância não pode aceitar a tese apresentada pelo Reino de Espanha, relativa à existência de um quarto requisito a acrescentar aos três requisitos já estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, que é referente ao enquadramento da medida fiscal controvertida por critérios de harmonização impostos pelo direito comunitário às medidas fiscais adoptadas pelo Estado‑Membro de que depende a entidade infra‑estatal em causa. À excepção do seu carácter vago no que diz respeito à identificação e ao conteúdo dos critérios de harmonização evocados, esta tese não encontra apoio no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, pelo que deve ser também rejeitada.

b)     Quanto à aplicação do primeiro e segundo requisitos enunciados no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores

89      Quanto ao primeiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, basta constatar que, como reconhecem as partes principais, as autoridades competentes de Gibraltar que conceberam a reforma fiscal são dotadas, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do governo central do Reino Unido e que, portanto, este primeiro requisito está preenchido.

90      Quanto ao segundo requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, há que examinar, no caso em apreço, se a reforma fiscal foi concebida sem que o governo central do Reino Unido pudesse intervir directamente no seu conteúdo.

91      A Comissão alega, no caso vertente, que este requisito não está preenchido, uma vez que, por força dos artigos 33.° e 34.° da Constituição de 1969, o Reino Unido tem o poder de intervir directamente, por intermédio do governador, no que respeita, designadamente, às matérias ligadas à «estabilidade financeira e económica», nas quais deve ser incluída a fiscalidade.

92      Quanto à alegação dos recorrentes segundo a qual o poder residual do Reino Unido de legiferar em Gibraltar nunca foi exercido em matéria fiscal, a Comissão retorque que o segundo requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, levanta a questão de saber se as autoridades centrais do Estado‑Membro têm a possibilidade de intervir, e não se o fazem na prática.

93      Importa sublinhar, em primeiro lugar, que, como resulta dos autos no presente caso e do acórdão Government of Gibraltar/Comissão, referido no n.° 15, supra (n.° 53), a fiscalidade das empresas pertence à categoria das questões de interesse local específicas. Não se contesta que a competência executiva para estas questões pertence ao Conselho de Ministros de Gibraltar. Este tem competência para redigir e apresentar ao poder legislativo de Gibraltar, para adopção, medidas fiscais aplicáveis no território de Gibraltar.

94      Cumpre assinalar, em segundo lugar, que, nos termos do artigo 32.° da Constituição de 1969, e com algumas reservas, o poder legislativo de Gibraltar tem competência para aprovar leis «para a paz, a ordem pública e a boa administração de Gibraltar». Não se contesta que esta competência inclua a adopção de medidas fiscais. Nos termos do artigo 33.°, n.° 1, da Constituição de 1969, o exercício do poder legislativo traduz‑se, em princípio, na votação de projectos de lei pela House of Assembly, com o assentimento da Rainha ou do governador em nome da Rainha. Não se contesta que os membros da House of Assembly sejam democraticamente eleitos pelo povo de Gibraltar, que representam exclusivamente. O artigo 33.°, n.° 2, da Constituição de 1969 prevê também a possibilidade de o governador recusar o seu assentimento aos referidos projectos de lei, ou de deixar a aprovação de determinadas leis à discrição da Rainha. Além disso, o artigo 34.° n.° 2, da Constituição de 1969 prevê que o governador tem a possibilidade de apresentar, sob certas condições, projectos de lei à House of Assembly e de aprovar, sob certas condições, os referidos projectos, dando‑lhes o seu assentimento nas matérias relativas a questões de interesse local específicas, no interesse da manutenção da estabilidade financeira e económica de Gibraltar.

95      Em terceiro lugar, resulta dos autos que o Reino Unido conserva, em última instância, um poder residual de legiferar em Gibraltar, mas que este poder apenas foi exercido de modo excepcional e nunca em matéria fiscal. Nenhuma legislação fiscal do Reino Unido se aplica ou se aplicou a Gibraltar.

96      Por último, a Comissão não contesta que, no caso em apreço, a reforma fiscal de Gibraltar foi concebida pelas autoridades de Gibraltar, sem a intervenção das autoridades do Reino Unido.

97      Importa considerar que os poderes atribuídos ao governador pelos artigos 33.° e 34.° da Constituição de 1969, que, de resto, nunca foram exercidos em matéria fiscal, não demonstram uma capacidade de intervenção «directa» do «governo central» do Reino Unido no conteúdo da reforma fiscal, na acepção do segundo requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra. Não obstante o facto de ser nomeado pela Rainha – que actua na qualidade de Rainha de Gibraltar – e de ser o seu representante em Gibraltar (artigo 18.° da Constituição de 1969), não resulta dos autos que o governador de Gibraltar pode ser equiparado ao governo central do Reino Unido e que a sua capacidade de intervenção no processo legislativo de Gibraltar pode ser qualificada como «intervenção directa» do «governo central» do Reino Unido, na acepção do n.° 67 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra.

98      De resto, importa considerar que o poder residual que o Reino Unido conserva para legiferar em Gibraltar e os diversos poderes de participação no processo legislativo concedidos ao governador ao abrigo da Constituição de 1969 devem ser interpretados à luz do estatuto de Gibraltar, enquanto colónia ou «território não autónomo», à luz do capítulo XI, artigo 73.°, da Carta das Nações Unidas, cujas relações externas são asseguradas pelo Reino Unido, na qualidade de «potência administrativa» na acepção desta disposição. As obrigações do Reino Unido, na sua qualidade de potência administrativa em relação a Gibraltar, são explicitadas no artigo 73.°, já referido, que dispõe, na sua parte pertinente:

«Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem‑estar dos habitantes desses territórios, e, para tal fim:

a.      Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu progresso político, económico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua protecção contra qualquer abuso;

b.      Promover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá‑los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes, e os diferentes graus do seu adiantamento;

[…]»

99      À luz do que precede, o poder residual do Reino Unido de legiferar em Gibraltar e os diversos poderes concedidos ao governador devem ser interpretados como meios que permitem ao Reino Unido assumir as suas responsabilidades para com a população de Gibraltar e executar as suas obrigações decorrentes do direito internacional, e não no sentido de que concedem uma capacidade de intervenção directa no conteúdo de uma medida fiscal adoptada pelas autoridades de Gibraltar, tanto mais que estes poderes residuais nunca foram exercidos em matéria fiscal.

100    Por conseguinte, importa considerar que o segundo requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, está preenchido no caso em apreço.

c)     Quanto à aplicação do terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores

101     Quanto à aplicação do terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, importa examinar, no caso vertente, se as eventuais consequências financeiras da introdução da reforma fiscal para Gibraltar não são compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do governo central do Reino Unido.

102    A Comissão sustenta que este requisito implica que a entidade infra‑estatal não possa dispor de nenhum auxílio, mesmo potencialmente, para compensar os efeitos das decisões adoptadas por esta entidade em matéria fiscal. Consequentemente, contesta que este requisito exija a existência de um vínculo entre todas as medidas regionais de redução do imposto, por um lado, e todas as subvenções provenientes do governo central ou de outra região, por outro. Segundo a Comissão, esta interpretação não é concordante com o pretenso quarto requisito, segundo o qual a entidade infra‑estatal deve desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no seu território. Com efeito, para apreciar se este requisito está preenchido, deverá ter‑se em conta todas as fontes de financiamento provenientes do governo central, visto que o dinheiro é fungível e que um pagamento que liberte Gibraltar de uma despesa pública lhe permite consagrar mais dinheiro a outro projecto ou reduzir os impostos. À luz desta interpretação, a Comissão contesta que o terceiro requisito esteja preenchido, no caso em apreço, em razão dos pretensos auxílios financeiros concedidos pelo Reino Unido a Gibraltar.

103    A este respeito, a Comissão invoca, designadamente, o financiamento pelo Reino Unido dos fundos de segurança social de Gibraltar, para que este pudesse pagar as pensões dos cidadãos espanhóis que residem actualmente em Espanha e que trabalharam em Gibraltar antes de as autoridades espanholas terem decidido fechar a fronteira entre Espanha e Gibraltar em 1969. Além disso, invoca as ajudas ao desenvolvimento concedidas pelo Reino Unido a Gibraltar, em diversas ocasiões, posteriormente à adesão do Reino Unido à Comunidade; o financiamento, pelo Reino Unido, de um regime de fornecimento de capital de risco às pequenas e médias empresas (PME) estabelecidas no Reino Unido e em Gibraltar; e a subvenção da exploração do aeroporto de Gibraltar pelo ministério da Defesa do Reino Unido.

104    Esta argumentação não pode ser acolhida.

105    A este respeito, cumpre recordar desde logo que a tese da existência de um quarto requisito contido no n.° 66 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, não tem fundamento (v. n.° 87, supra). Por conseguinte, a Comissão invoca‑o incorrectamente para fundamentar a sua argumentação.

106    Em seguida, importa assinalar que o emprego do verbo «compensar» pelo Tribunal de Justiça, no n.° 67 do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, implica a necessidade da existência de um nexo de causa e efeito entre a medida fiscal controvertida adoptada pela entidade infra‑estatal e os apoios financeiros provenientes de outras regiões ou do governo central do Estado‑Membro em causa. A interpretação proposta pela Comissão transforma em letra‑morta o terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, visto que é muito difícil conceber uma entidade infra‑estatal que não receba nenhum apoio financeiro, seja de que forma for, por parte do governo central.

107    Ora, cumpre assinalar que os auxílios financeiros do Reino Unido a Gibraltar, invocados pela Comissão, estão ligados a circunstâncias específicas e não apresentam nenhum nexo de causa e efeito com a reforma fiscal.

108    Com efeito, em primeiro lugar, como resulta dos autos, o financiamento pelo Reino Unido, desde 1985, dos fundos de segurança social de Gibraltar diz respeito aos pagamentos das pensões dos cidadãos espanhóis que trabalharam em Gibraltar antes de as autoridades espanholas terem decidido fechar a fronteira entre Espanha e Gibraltar, durante o período compreendido entre 1969 e 1985.

109    Em segundo lugar, como resulta do documento invocado pela Comissão em apoio da sua alegação, as ajudas ao desenvolvimento concedidas pelo Reino Unido a Gibraltar respeitavam ao período compreendido entre 1978 e 1986 e visavam projectos relativos ao desenvolvimento da infra‑estrutura em Gibraltar, projectos educativos e projectos de alojamento.

110    Em terceiro lugar, como resulta da decisão da Comissão de 4 de Fevereiro de 2003, relativa ao fundo de empréstimos e de capital de risco a favor das PME (auxílio N 620/2002, JO C 110, p. 14), o financiamento, pelo Reino Unido, de um regime de oferta de capital de risco às PME estabelecidas no Reino Unido e em Gibraltar, notificado pelo Reino Unido em 11 de Setembro de 2002, beneficia as PME já referidas e os investidores em causa.

111    Por último, no que respeita à subvenção da exploração do aeroporto de Gibraltar, os recorrentes alegaram na audiência, sem serem contestados pela Comissão, que este aeroporto tinha sido construído pelo exército do Reino Unido, durante a segunda guerra mundial, e permanecia um aeroporto militar do Reino Unido, igualmente posto à disposição dos passageiros civis.

112    Atendendo às considerações precedentes, e na falta de prova contrária apresentada pela Comissão, há que concluir que nenhum dos financiamentos acima mencionados se destina a compensar as eventuais consequências financeiras que a reforma fiscal acarreta para Gibraltar, na acepção do terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra.

113    Por conseguinte, na falta de um elemento susceptível de invalidar as afirmações dos recorrentes segundo as quais Gibraltar não recebe nenhum apoio financeiro do Reino Unido que compense as consequências financeiras da reforma fiscal, importa considerar que o terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.°42, supra, está preenchido no caso em apreço.

114    Tendo em conta o preenchimento dos três requisitos do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, cabe concluir que o papel desempenhado pelo Reino Unido na definição do contexto político e económico em que as empresas operam em Gibraltar não é suficiente para permitir considerar que o território do Reino Unido constitui o quadro de referência apropriado no caso em apreço. Por conseguinte, o segundo elemento apresentado em apoio da conclusão da Comissão relativa à definição do quadro de referência como sendo o território do Reino Unido (v. n.° 84, supra) também não é procedente.

115    Nestas circunstâncias, há que concluir que este quadro de referência corresponde exclusivamente aos limites geográficos do território de Gibraltar, sem que seja necessário examinar os argumentos dos recorrentes relativos à questão da pertença de Gibraltar ao Reino Unido e à inexistência de sistema fiscal comum entre Gibraltar e Reino Unido. Esta delimitação do quadro de referência implica que não pode ser efectuada nenhuma comparação entre o regime fiscal aplicável às empresas estabelecidas em Gibraltar e o regime aplicável às empresas estabelecidas no Reino Unido, para efeitos de demonstrar a existência de uma vantagem selectiva em benefício das primeiras.

116    Resulta de todas as considerações que precedem que a conclusão da Comissão na decisão impugnada, relativa à selectividade regional da reforma fiscal, padece de erro de direito e de apreciação.

117    O primeiro fundamento deve, por conseguinte, ser julgado procedente.

II –  Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação no que diz respeito à aplicação do critério da selectividade material

A –  Argumentos das partes

118    Os recorrentes contestam a legalidade das conclusões da Comissão na decisão impugnada, relativas à selectividade material de três aspectos do sistema fiscal introduzido pela reforma, a saber: em primeiro lugar, a condição da realização de lucros, para que uma empresa seja sujeita ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT (considerandos 128 a 133 da decisão impugnada); em segundo lugar, a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros, no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT (considerandos 134 a 141 da decisão impugnada); e, em terceiro lugar, a natureza do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT (considerandos 142 a 144 e 150 da decisão impugnada).

119    O Governo de Gibraltar considera que os três aspectos controvertidos, já referidos, são de aplicação geral a Gibraltar e não favorecem determinadas empresas nem a produção de bens específicos. Segundo o Governo de Gibraltar, a reforma constitui um regime fiscal completo, baseado nos critérios de emprego e de ocupação da propriedade, e não constitui uma derrogação a qualquer regime fiscal assente em benefícios. A Comissão não identificou o ponto de referência em relação ao qual a reforma concede uma vantagem selectiva. A Comissão confundiu e deformou os dois elementos da reforma, isto é, o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT, por um lado, e o limite de 15%, por outro, ao tratar um elemento como se constituísse a regra geral e o outro como se tratasse de uma excepção a essa regra geral, ou inversamente, e ao não os ter tratado como dois elementos de igual importância para o funcionamento do mecanismo fiscal proposto por Gibraltar. Neste mesmo sentido, o Reino Unido alega que, segundo o sistema fiscal introduzido pela reforma, o facto gerador do imposto é a contratação lucrativa de um trabalhador ou a utilização rentável de um bem imóvel.

120    Quanto à condição da realização de lucros para que uma empresa seja tributada a título do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, os recorrentes contestam o seu carácter selectivo no plano material, sustentando que as sociedades que não realizam lucros não são isentas de nenhuma carga fiscal que normalmente se aplica. A exigência de um lucro não constitui uma exoneração ou uma derrogação a um sistema comum de tributação e não pode, portanto, ser considerada selectiva.

121    Além disso, os recorrentes criticam a Comissão por não ter identificado os beneficiários da medida fiscal em causa, em conformidade com as exigências do artigo 87.°, n.° 1, CE. No caso em apreço, as sociedades beneficiárias da condição de realização de lucro, designadamente as que não realizam lucros durante um dado ano, poderiam unicamente ser identificadas em função de circunstâncias temporárias a que fazem face ou em função dos seus desempenhos actuais, o que criaria um grupo variável de sociedades susceptível de mudar de maneira significativa de um ano para outro. Ora, a jurisprudência exige que um grupo de empresas suficientemente definível e previsível seja favorecido por uma medida geral de tributação, como a exigência de realização de lucros, para que esta medida caiba no campo de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

122    Os recorrentes alegam, a título subsidiário, que a condição de realização de lucros se justifica pela natureza ou pela economia geral da reforma fiscal e escapa, portanto, à qualificação de auxílios de Estado. Mais concretamente, a reforma fiscal baseia‑se no princípio de que o imposto deve ser pago sobre os rendimentos e não sobre o capital social. A tributação das sociedades que não realizam lucros leva à tributação do seu capital social, contrariamente ao princípio de base da reforma fiscal.

123    Quanto ao limite máximo de 15% dos lucros aplicável em sede de imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, os recorrentes sustentam que este não é selectivo, pois não favorece determinadas categorias definidas de empresas nem a produção de determinadas categorias de bens. Este limite é de aplicação geral para todas as empresas de Gibraltar. Também a este respeito, é impossível prever se determinadas empresas beneficiam deste limite e, caso isso aconteça, de que empresas se trata. Este limite faz parte do regime comum de tributação do mesmo modo que a contratação de trabalhadores e a ocupação das instalações profissionais e não constitui uma derrogação do referido regime.

124    A título subsidiário, os recorrentes alegam que o limite de 15% dos lucros se justifica pela natureza e a economia geral do sistema. Com efeito, consideram que este limite é um factor de degressividade do sistema introduzido pela reforma fiscal e alegam que a Comissão não deveria qualificar como auxílio de Estado a exoneração fiscal de que é objecto o montante do imposto que ultrapassa o referido limite. O Governo de Gibraltar justifica igualmente a introdução do limite pela necessidade de evitar uma sobretributação das sociedades, que poderia levar a despedimentos e a uma instabilidade nos períodos cíclicos de flutuações do mercado ou de depressão.

125    Por último, quanto ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, os recorrentes sustentam que a Comissão, ao criticar a escolha da matéria colectável feita pelo Governo de Gibraltar, designadamente a mão‑de‑obra e a ocupação da terra, contesta, na realidade, a própria natureza do regime fiscal geral concebido pelo Governo de Gibraltar, invadindo assim as prerrogativas dos Estados‑Membros relativas à concepção das políticas fiscais que melhor lhes convêm. O facto de as sociedades que não empregam trabalhadores e não ocupam instalações comerciais em Gibraltar não serem tributáveis não constitui uma derrogação a um imposto «normal»; esta situação decorre simplesmente da natureza do regime fiscal geral de Gibraltar.

126    Segundo os recorrentes, resulta da decisão impugnada que, no entender da Comissão, o único método de tributação das sociedades que pode ser validamente considerado como geral é um sistema baseado na tributação do lucro das sociedades. A Comissão parece pretender demonstrar a existência de um regime «normal» de tributação de um ponto de vista comunitário, designadamente um regime assente na tributação dos lucros, para concluir que qualquer desvio a este é susceptível de ser considerado um auxílio de Estado. Este entendimento da Comissão torna ilusórios os poderes dos Estados‑Membros em matéria fiscal e está ferido de erro de direito e de falta de fundamentação.

127    A título subsidiário, os recorrentes afirmam que a utilização da mão‑de‑obra e da ocupação de instalações comerciais como matéria colectável se justifica pela natureza e pela economia geral do sistema fiscal que o Governo de Gibraltar pretende instaurar. A este respeito, o Reino Unido assinala que, para Gibraltar, é necessário instaurar um imposto simples e fácil de colectar por uma Administração Fiscal com efectivos limitados, enquanto o Governo de Gibraltar sublinha as características específicas da economia de Gibraltar, designadamente, os recursos salariais limitados, uma dependência significativa dos trabalhadores que migram quotidianamente de Espanha e um espaço territorial limitado.

128    A título liminar, a Comissão sustenta que a aplicação, potencialmente ampla, do critério da selectividade material como entendido na decisão impugnada é justificada à luz da jurisprudência, da qual resulta que medidas aparentemente abertas a todos os operadores económicos de um dado território apresentam, contudo, um carácter selectivo ao favorecerem de facto alguns desses operadores ou uma categoria específica desses operadores. A Comissão contesta igualmente, atendendo à jurisprudência, a pretensa necessidade de identificar de modo preciso e previsível os beneficiários da reforma fiscal.

129    Quanto ao carácter selectivo da condição de realização de lucro e do limite de 15% dos lucros, a Comissão contesta o argumento dos recorrentes segundo o qual terá atribuído mais importância a um dos elementos da reforma fiscal do que a outro. Ao invés, considera que esta reforma cria um sistema híbrido, no sentido de que o lucro efectuado por uma sociedade é um elemento capital na aplicação do que é em aparência um imposto sobre o número de trabalhadores e um BPOT.

130    A Comissão assinala que cada elemento do referido sistema tem por efeito suprimir, para determinadas empresas, a sujeição a imposto que resultaria normalmente do outro elemento. Mais concretamente, uma sociedade pode ser extremamente rentável, mas se adoptar a forma do que actualmente se designa por «empresa isenta», não necessitará de instalações nem de trabalhadores e, portanto, não será praticamente tributada. Inversamente, uma sociedade pode ter trabalhadores e ocupar instalações, mas se não realizar lucro, a reforma fiscal permite‑lhe igualmente não pagar imposto.

131    O carácter híbrido da reforma fiscal não permite discernir a natureza e o sistema geral da mesma. Se, tal como afirmam os recorrentes, a mão‑de‑obra e a terra são dois factores de produção rara em Gibraltar, importaria extrair daí a conclusão de que estes recursos limitados deveriam ser tributados sem isenções nem limites, de forma a garantir que sejam afectos ao uso mais eficaz. Em conformidade com esta pretensa lógica da reforma fiscal, o requisito de que a sociedade realize lucros antes de ser sujeita a qualquer imposto e a condição do limite de 15% dos lucros não são compreensíveis e, portanto, o carácter selectivo destes dois aspectos da reforma fiscal não pode ser justificado pela natureza e a economia geral da referida reforma fiscal.

132    A Comissão contesta também que o limite de 15% dos lucros possa ser justificado como ajustamento técnico destinado a garantir o carácter degressivo do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT.

133    Além disso, a Comissão contesta tanto a alegada necessidade de que o imposto incida sobre o rendimento, e não sobre o capital da sociedade, como a pretensa necessidade de que o nível de tributação não deve exceder o montante que o contribuinte está disposto a pagar.

134    No que diz respeito à primeira destas justificações, a Comissão exprime a sua incapacidade para compreender a razão pela qual o Governo de Gibraltar adoptou a solução de um imposto sobre o número de trabalhadores e um BPOT sujeitos ao limite de 15% dos lucros. Estes impostos têm por natureza um alcance restrito, e a sua capacidade para contribuir para as receitas fiscais cobradas às empresas de Gibraltar é ainda limitada pela regra dos 15%.

135    No que diz respeito à segunda destas justificações, a Comissão sustenta que as restrições impostas à cobrança das receitas fiscais, que se devem aos limites do imposto que os contribuintes estão dispostos a pagar, são atenuadas através da modulação do nível de tributação. Embora um montante de 3 000 GBP por ano e por trabalhador seja considerado um nível apropriado para um imposto cobrado sobre o recurso raro constituído pela mão‑de‑obra em Gibraltar, nada na reforma fiscal explica por que razão um empregador que utilize a mão‑de‑obra de modo ineficiente deverá ser favorecido pela isenção efectiva do imposto sobre o número de trabalhadores em troca de um imposto de 15% sobre os lucros.

136    Quanto ao carácter selectivo da natureza do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, a Comissão observa que o argumento segundo o qual pretende atacar a própria natureza do sistema fiscal que o Governo de Gibraltar quer instaurar se limita a suscitar a questão fundamental do caso em apreço, que é a de saber se a reforma fiscal é efectivamente um regime geral de tributação. A Comissão recorda que, segundo a decisão impugnada, a reforma fiscal é materialmente selectiva por natureza, uma vez que utiliza o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT como matéria colectável do imposto sobre as sociedades numa economia como a de Gibraltar, que comporta um importante sector offshore composto de sociedades sem trabalhadores nem instalações comerciais.

137    É inexacto considerar que estas sociedades só são identificáveis em razão de circunstâncias temporárias ou das vicissitudes do ciclo conjuntural. A Comissão sustenta que, embora, na sequência da reforma fiscal, o estatuto da empresa isenta esteja condenado a desaparecer, esta reforma mantém as mesmas características que tornam actualmente atraente a constituição de uma empresa isenta. Segundo a Comissão, não há nenhum elemento temporário na situação das sociedades que, por natureza, funcionam sem presença física e sem trabalhadores.

138    Além disso, a Comissão considera que as vantagens do regime não estão efectivamente abertas da mesma maneira a todas as empresas e contesta a justificação relativa à natureza e à economia geral do sistema. Precisa que esta pretensa justificação não pôde ser examinada na decisão impugnada, como se declara na mesma, por, em virtude da natureza híbrida da reforma fiscal, não ser possível detectar a existência de um regime geral. Considera que o facto de a reforma conduzir à fixação de taxas de imposto diferentes para diferentes tipos de empresas é contrário à possibilidade de a reforma ser justificada com base na sua natureza ou na sua economia geral. A Comissão contesta igualmente os outros argumentos apresentados pelos recorrentes para fundamentar esta justificação e conclui que nenhum elemento na natureza e na economia geral da reforma fiscal justifica a não tributação selectiva a título de imposto sobre as sociedades de um tão elevado número de sociedades com sede social em Gibraltar.

139    O Reino de Espanha apoia a posição da Comissão segundo a qual a reforma proposta por Gibraltar é selectiva no plano material. Considera, no essencial, que é selectivo o facto de as diferentes características da reforma fiscal não se aplicarem da mesma maneira a todos os sectores da actividade económica, o que tem por consequência a sujeição de determinados sectores, a priori identificáveis, a taxas globais de imposto inferiores a outros.

140    O Reino de Espanha alega também que a condição de realização de lucro é um elemento estranho à natureza do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, o que leva a concluir que esta condição se destina a introduzir um elemento de selectividade material no sistema fiscal proposto por Gibraltar. Contesta também a justificação do carácter pretensamente selectivo da reforma fiscal com base na natureza ou pela economia geral da reforma.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

141    No que respeita ao requisito relativo ao carácter selectivo da vantagem concedida por uma medida fiscal controvertida, importa recordar que o artigo 87.°, n.° 1, CE impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objectivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (v. a jurisprudência referida no n.° 78, supra).

142    A fiscalização jurisdicional das apreciações da Comissão a este respeito é, em princípio, completa, dado que o conceito de auxílio de Estado, tal como definido no Tratado, e do qual a condição de selectividade é um elemento constitutivo, tem carácter jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objectivos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colect., p. I‑3271, n.° 25; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T‑296/97, Colect., p. II‑3871, n.° 95, e de 17 de Outubro de 2002, Linde/Comissão, T‑98/00, Colect., p. II‑3961, n.° 40).

143    Ora, como a própria Comissão enuncia no n.° 16 da comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa das empresas, a qualificação pela Comissão de uma medida fiscal como selectiva supõe necessariamente, num primeiro tempo, que ela identifique e examine previamente o regime comum ou «normal» do sistema fiscal aplicável na zona geográfica que constitui o quadro de referência pertinente. É em relação a este regime fiscal comum ou «normal» que a Comissão deve, num segundo tempo, apreciar e estabelecer o eventual carácter selectivo da vantagem concedida pela medida fiscal em causa, demonstrando que esta medida derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objectivo prosseguido pelo sistema fiscal do Estado‑Membro em causa, numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Itália/Comissão, referido no n.° 77, supra, n.° 100; de 22 de Junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, Colect., p. I‑5479, n.° 120; e acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, n.° 56; conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Sloman Neptun (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1993, C‑72/91 e C‑73/91, Colect., pp. I‑887, I‑903, n.os 50 a 72).

144    No caso de a Comissão ter examinado e demonstrado, no âmbito das duas primeiras etapas da sua apreciação referidas no n.° 143, supra, a existência de derrogações do regime fiscal comum ou «normal», tendo por consequência uma diferenciação entre empresas, resulta de jurisprudência constante que esta diferenciação só é, contudo, selectiva se resultar da natureza e da economia do sistema de encargos em que se inscreve. Com efeito, nesta hipótese, a Comissão deve verificar, num terceiro tempo, se a medida estatal em questão não reveste carácter selectivo, embora ofereça uma vantagem às empresas que dela podem beneficiar (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, referido no n.° 78, supra, n.° 42; de 13 de Fevereiro de 2003, Espanha/Comissão, C‑409/00, Colect., p. I‑1487, n.° 52; e acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, n.° 52). Ora, a este respeito, atendendo ao carácter derrogatório e selectivo, a priori, das diferenciações previstas em relação ao regime fiscal comum ou «normal», incumbe ao Estado‑Membro demonstrar que estas diferenciações são justificadas pela natureza e pela economia geral do sistema fiscal na medida em que resultam directamente dos princípios fundadores ou directores do referido sistema. Neste contexto, deve fazer‑se uma distinção entre, por um lado, os objectivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objectivos (v., neste sentido, acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, n.° 81).

145    Importa, todavia, acrescentar que, no caso de não ter efectuado a primeira e segunda etapas do controlo do carácter selectivo de uma medida (v. n.° 143, supra), a Comissão não pode iniciar a terceira e última etapa da sua apreciação, sob pena de ultrapassar os limites deste controlo. Com efeito, esta posição seria susceptível de, por um lado, permitir à Comissão substituir‑se ao Estado‑Membro no que diz respeito à determinação do seu sistema fiscal e do seu regime comum ou «normal», incluindo no tocante aos seus objectivos, aos mecanismos inerentes para os atingir e à sua matéria colectável, e de, por outro, colocar, assim, o Estado‑Membro na impossibilidade de justificar as diferenciações em causa pela natureza ou pela economia do sistema fiscal notificado, dado que a Comissão não identificou previamente o seu regime comum ou «normal» nem demonstrou o carácter derrogatório das referidas diferenciações.

146    Ora, quanto à determinação do sistema fiscal em causa, há que observar que, no estado actual do desenvolvimento do direito comunitário, a fiscalidade directa está incluída na competência dos Estados‑Membros. Por conseguinte, apenas estes e as entidades infra‑estatais que disponham de uma autonomia suficiente em relação ao governo central, como definida no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores, referido no n.° 42, supra, podem conceber sistemas de imposto sobre as sociedades que considerem ser os que melhor se adaptam às necessidades das suas economias (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, C‑204/90, Colect., p. I‑249, n.° 23, e de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C‑374/04, Colect., p. I‑11673, n.° 50; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T‑67/94, Colect., p. II‑1, n.° 54; v., igualmente, conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Marks & Spencer (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2005, C‑446/03, Colect., pp. I‑10837, I‑10839, n.os 23 e 24). Além disso, como resulta também, no essencial, do n.° 13 da comunicação relativa aos auxílios de Estado no domínio da fiscalidade directa das empresas, a aplicação das regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado não prejudica o poder dos Estados‑Membros de escolherem a sua política económica e, portanto, o sistema fiscal e o seu regime comum ou «normal» que considerarem mais adequados e, nomeadamente, de repartirem como entenderem a carga fiscal pelos diferentes factores de produção e sectores económicos.

147    Há agora que verificar se, no caso em apreço, a Comissão cumpriu estes princípios quando apreciou o carácter selectivo da medida em causa.

1.     Considerandos pertinentes da decisão impugnada

148    Importa recordar que, na decisão impugnada, a Comissão concluiu que três aspectos do sistema fiscal introduzido pela reforma conferem vantagens selectivas às sociedades que deles beneficiam e são, portanto, susceptíveis de constituir auxílios de Estado, a saber: em primeiro lugar, a condição da realização de lucros, para que uma empresa seja sujeita ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT; em segundo lugar, a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT; e, em terceiro lugar, a própria natureza do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT.

149    Em primeiro lugar, quanto à condição da realização de lucros, no considerando 128 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que esta condição «equival[ia] a uma isenção para as empresas não rentáveis e constitu[ía] uma vantagem que as liberta[va] da obrigatoriedade de pagar o imposto sobre [o número de trabalhadores] e o [BPOT], que normalmente pesariam sobre os seus orçamentos».

150    A Comissão acrescentou que tal isenção do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT é selectiva porque se aplica apenas às empresas que não realizam lucros (considerando 129 da decisão impugnada).

151    Em resposta ao argumento do Reino Unido segundo o qual a isenção de empresas não rentáveis, mesmo admitindo‑se que seja selectiva, se justifica pela natureza ou pela economia geral do sistema, a Comissão precisou, no considerando 131 da decisão impugnada, o seguinte:

«Embora a isenção das empresas não rentáveis seja uma característica intrínseca de um regime baseado na tributação dos lucros, tal não acontece quando o imposto é calculado em função do número de trabalhadores ou da ocupação de instalações comerciais. Estes regimes foram concebidos de forma a estabelecerem uma base de imposição completamente diferente para as empresas. Por exemplo, faz parte da lógica interna de um sistema de imposto sobre [o número de trabalhadores] que cada trabalhador provoque uma obrigação fiscal correspondente, para a empresa empregadora, a título do imposto sobre [o número de trabalhadores] […] Mesmo que um imposto sobre [o número de trabalhadores] fosse introduzido como substituto de um imposto sobre os lucros (argumento que não foi apresentado pelo Reino Unido), continuaria a fazer parte da lógica do sistema do imposto sobre [o número de trabalhadores] tributar as empresas não rentáveis. Utilizar [o número de trabalhadores] como substitutos para a rentabilidade elimina a necessidade de determinar os lucros ou permite facilitar essa tarefa. Esta não é a situação em Gibraltar onde, no âmbito da reforma, a determinação dos lucros de uma empresa é um elemento das regras de cálculo do imposto sobre [o número de trabalhadores] e do imposto adicional.»

152    Por outro lado, em resposta à alegação do Reino Unido de que o sistema fiscal introduzido pela reforma se baseia na utilização rentável da mão‑de‑obra e, como tal, é coerente, a Comissão expôs, no considerando 132 da decisão impugnada, o seguinte:

«Tal sugere a existência de um sistema híbrido, em que são utilizadas duas matérias colectáveis distintas, conforme a situação das empresas. Nestas circunstâncias, torna‑se impossível detectar a natureza e a economia geral do regime e, assim, aplicar esta justificação. Especificamente, não se pode pensar que qualquer característica deste sistema é inerente ao regime geral, visto que tal resultaria em aceitar uma justificação automática deste sistema.»

153    Em segundo lugar, quanto à aplicação do limite máximo de 15% dos lucros no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, a Comissão afirmou que uma consequência da sua instituição «consist[ia] no facto de as empresas rentáveis cuja obrigação fiscal excedesse, caso contrário, este limiar, estarem isentas do imposto que teriam de pagar para além deste limite». Segundo a Comissão, «[e]sta redução do imposto constitui uma vantagem para as empresas que dela beneficiam, pois liberta‑as de um encargo que, caso contrário, oneraria os seus orçamentos» (considerando 134 da decisão impugnada).

154    A Comissão prosseguiu afirmando que este limite máximo de 15% era selectivo, visto que apenas um número limitado de empresas beneficiaria de um desagravamento fiscal graças à sua aplicação. Segundo a Comissão, «[o]s beneficiários são as empresas com grande intensidade de mão‑de‑obra, ou seja, as que, no exercício em questão, apresentem lucros pouco elevados em relação ao número de efectivos e às instalações que ocupam» e «[a] aplicação de um regime fiscal exclusivamente baseado nos impostos sobre [o número de trabalhadores] e sobre a ocupação de instalações comerciais poderia resultar num nível de imposição muito elevado para estas empresas» (considerando 135 da decisão impugnada).

155    No considerando 137 da decisão impugnada, a Comissão rejeitou o argumento do Reino Unido de acordo com o qual, mesmo que o limite máximo de 15% fosse selectivo, este se justificava pela natureza ou pela economia geral do regime a que pertencia, nos seguintes termos:

«Não há nada de intrínseco num regime fiscal baseado na utilização rentável da mão‑de‑obra e de instalações comerciais que exija que seja fixado um limite para a parte dos lucros que uma empresa deverá pagar por utilizar estes elementos tributáveis. A lógica inerente a um sistema deste tipo é a de que, quanto mais trabalhadores uma empresa empregar e quanto mais instalações ocupar, mais elevada será a sua obrigação fiscal.»

156    O considerando 137, já referido, deve ser conjugado com o considerando 136 da decisão impugnada, no qual a Comissão afirmou, designadamente: primeiro, que, «[e]nquanto os regimes convencionais de fiscalidade das empresas limitam a percentagem dos lucros consagrados ao pagamento de impostos, através da fixação das taxas de imposição (os sistemas de escalões incluem uma taxa máxima de imposto), a medida técnica equivalente a esta num sistema de imposto sobre [o número de trabalhadores] é a taxa de imposição por trabalhador, que, no caso de Gibraltar, corresponde a uma taxa única de 3000 libras esterlinas»; segundo, que «[a] introdução, num sistema de imposto sobre [o número de trabalhadores] e de imposto sobre a ocupação de instalações comerciais, de um limite máximo associado a um critério diferente, designadamente o nível dos lucros, não pode ser comparado com a aplicação de taxas variáveis num sistema progressivo de tributação dos lucros, que se justifica pela natureza e economia geral do sistema»; e, terceiro, que «[este] limite máximo não está directamente relacionado com os custos salariais ou com os encargos prediais, mas antes com a rentabilidade das empresas» e que «[esta] é um elemento externo a um imposto sobre [o número de trabalhadores] e a um imposto sobre a ocupação de instalações comerciais».

157    Em terceiro lugar, quanto ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, a Comissão concluiu pela existência de uma vantagem selectiva concedida por estes, com base nas seguintes considerações.

158    Antes de mais, no considerando 143 da decisão impugnada, a Comissão afirmou, no essencial, que um imposto sobre o número de trabalhadores e um imposto sobre a ocupação de instalações comerciais podem ser considerados selectivos, quando são aplicados na ausência de um sistema geral de imposto sobre os lucros das empresas e intervêm numa economia, como a de Gibraltar, caracterizada pela existência de um amplo sector offshore, sem nenhuma presença física, que escaparia a qualquer tipo de tributação num sistema de imposto sobre o número de trabalhadores e de imposto sobre a ocupação de instalações comerciais. Ainda que, formalmente, um sistema fiscal constituído pelos dois impostos já referidos seja aplicado sem descriminação a todas as empresas, beneficia, de facto, as actuais «empresas isentas» e constitui uma vantagem específica a favor das empresas que não estão realmente presentes em Gibraltar e que, consequentemente, não estão sujeitas ao imposto sobre as sociedades.

159    Em seguida, no considerando 144 da decisão impugnada, a Comissão acrescentou, designadamente, que «um sistema como o descrito, que visa apenas o número de trabalhadores ou a utilização comercial de bens imobiliários num contexto em que um número significativo de empresas não possui trabalhadores nem bens imobiliários, não reveste o mesmo carácter geral que o imposto sobre o lucro das sociedades, que visa a tributação do resultado da actividade económica na sua totalidade», e que «[este] pode, por conseguinte, ser considerado igualmente selectivo, pelo menos em circunstâncias iguais às presentes».

160    Por último, no considerando 150 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que a reforma fiscal preserva o tratamento fiscal favorável das sociedades que revestem a forma jurídica de empresa isenta na acepção da regulamentação fiscal anterior à reforma. Partindo da suposição de que, regra geral, estas sociedades não têm uma presença física em Gibraltar, a Comissão considera que as empresas isentas não pertencentes ao sector dos serviços financeiros continuarão a ser tributadas a uma taxa efectiva de zero, ao passo que as empresas isentas do sector dos serviços financeiros passarão a estar sujeitas a um imposto de 5% dos seus lucros, taxa que resulta do facto de lhes ser aplicado o imposto adicional (v. n.° 24, supra). Em contrapartida, o resto da economia de Gibraltar será sujeita a um limite superior de 15% ou 35% dos lucros realizados.

161    Em quarto e último lugar, importa assinalar que, no considerando 147 da decisão impugnada, a Comissão se baseou no seguinte quadro:

«Tabela 1: Dados sobre as empresas em Gibraltar

  

Taxa de imposição

 

Número

Actual

Pós‑reforma

Todas as empresas (repartição por sector)

29 000

  

Serviços financeiros

179

0‑35%

5‑15% (3)

Serviços de utilidade pública

23

35%

35%

Outros

28 798

0‑35%

0‑15%

Todas as empresas (repartição por rendimentos)

29 000

  

Com rendimentos

10 400

0‑35%

0‑15% (1)

Sem rendimentos

18 600

– – –

– – –

Empresas com rendimentos (repartição por estatuto)

10 400

  

Não isentas

1 400

0‑35%

0‑15% (1)

Isentas

9 000

0%

0‑5% (2) (3)

Não isentas com rendimentos (repartição por lucros)

1 400

  

Com lucros

540

0‑35%

0‑15% (1)

Sem lucros

500

– – –

– – –

Não isentas com rendimentos (repartição por estatuto)

1 400

  

Elegíveis

140

2‑10% (4)

0‑15%

Não elegíveis

1 260

35% (5)

0‑15%

Serviços de utilidade pública

23

35%

35%

Isentas com rendimentos (repartição por sector)

9 000

  

Serviços financeiros

70

0%

5% (2) (3)

Serviços não financeiros

8 930

0%

0% (2)


Notas:

(1)      Assumindo que o imposto adicional sobre os serviços financeiros seria fixado em 5%.

(2)      Excepto serviços de utilidade pública, que seriam tributados a 35%.

(3)      Assumindo que as empresas isentas não têm presença física em Gibraltar e que, por isso, não estão sujeitas ao imposto sobre [imposto sobre o número de trabalhadores] e sobre a ocupação de instalações comerciais.

(4)      A maioria das empresas elegíveis. Algumas estão sujeitas a taxas de imposição não abrangidas por este intervalo de variação.

(5)      Assumindo que são tributadas à taxa normal integral do imposto sobre as sociedades.»

162    A Comissão deduziu deste quadro, no considerando 148 da decisão impugnada, o seguinte:

«O quadro 1 revela como certos sectores claramente definidos da economia de Gibraltar seriam afectados pela execução da reforma em termos de nível de imposição. Embora a Comissão reconheça que com a reforma, a distinção formal entre a economia offshore e onshore será abolida, a comparação dos níveis de imposição permite ilustrar a natureza intrinsecamente selectiva do regime fiscal proposto. Diferentes tipos de empresas serão sujeitos a diferentes níveis de imposição, o que constitui mais um elemento de confirmação de que o regime proposto confere vantagens selectivas aos sectores que beneficiam de taxas mais baixas.»

2.     Quanto à concessão de vantagens selectivas pelos aspectos controvertidos da reforma

163    Quanto à determinação do sistema fiscal e do seu regime comum ou «normal» no caso em apreço, resulta dos autos e dos considerandos 5, 6, 10, 12 e 13 da decisão impugnada que Gibraltar decidiu abolir, através da reforma fiscal, o imposto sobre os lucros das empresas, com excepção do imposto adicional que incide sobre os serviços de utilidade pública e as empresas de serviços financeiros, e de o substituir pelos dois impostos controvertidos, designadamente, o imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT. Simultaneamente, decidiu limitar a tributação a título dos dois impostos, já referidos, a 15% dos lucros. Segundo as afirmações do Governo de Gibraltar no procedimento administrativo, os dois impostos controvertidos constituem assim o novo regime fiscal «geral» das sociedades, introduzido pela reforma fiscal.

164    Durante o procedimento administrativo e nos seus articulados apresentados no Tribunal de Primeira Instância, o Governo de Gibraltar alegou que a escolha da mão‑de‑obra e a ocupação de instalações a título comercial, como matéria colectável, era considerada essencial, atendendo às características da economia de Gibraltar, designadamente os recursos salariais limitados, uma dependência significativa dos trabalhadores que migram quotidianamente de Espanha, um número importante de pequenas empresas e a necessidade de instaurar impostos simples devido aos limites operacionais da Administração de Gibraltar. De resto, a Comissão não contestou a escassez dos dois factores de produção visados pelos impostos controvertidos, a saber, a mão‑de‑obra e a terra.

165    O Governo de Gibraltar afirmou também, durante o procedimento administrativo e o processo contencioso, que a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros, no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, se justificava pela vontade de basear o imposto no princípio da capacidade contributiva e de evitar uma sobretributação das sociedades que poderia levar a despedimentos, a uma grave instabilidade numa pequena economia como a de Gibraltar e a perdas subsequentes ao nível das receitas fiscais.

166    Está assente que o limite de 15% dos lucros introduz implicitamente uma condição prévia à tributação a título do imposto acima referido, designadamente a da realização de lucros antes da sujeição ao referido imposto. O Governo de Gibraltar alega que, durante o procedimento administrativo e o processo contencioso, a rentabilidade é uma condição sine qua non para a tributação a título de qualquer imposto, mas não constitui o elemento de base da tributação. Durante o procedimento e o processo referidos, sustentou também que a introdução deste limite se justificava pela vontade de basear o imposto no princípio da capacidade de pagamento das sociedades e na vontade de evitar que se transformasse num imposto sobre o capital das sociedades.

167    Por outro lado, nos seus articulados apresentados no Tribunal de Primeira Instância, o Governo de Gibraltar descreveu a reforma fiscal como assentando em dois pilares, a terra e o emprego como elementos de base da tributação, com uma limitação da dívida fiscal a 15% dos lucros, e alegou que se um dos dois pilares da reforma fosse suprimido, o mecanismo fiscal proposto por Gibraltar afundar‑se‑ia.

168    Em conclusão, o Governo de Gibraltar sustenta, no essencial, que todos os elementos acima referidos da reforma fiscal, designadamente o imposto sobre o número de trabalhadores, o BPOT, o limite de 15% dos lucros e a condição, implicitamente resultante da introdução do limite de 15% dos lucros, de realização de lucros como condição prévia da tributação a título do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, constituem um sistema fiscal completo que deve ser tratado como o regime fiscal comum ou «normal» introduzido pela reforma fiscal no território de Gibraltar. No âmbito deste regime, não há taxas «normais» de imposto e não há impostos «principais» e impostos «secundários» ou «derrogatórios». A carga fiscal de uma sociedade durante um dado ano é determinada em função dos dois elementos seguintes que interagem entre si: o número de trabalhadores empregados e a superfície de terra ocupada pela sociedade, por um lado, e os lucros realizados por esta, por outro.

169    O Reino Unido apoia, no essencial, a posição do Governo de Gibraltar relativa ao regime fiscal comum ou «normal» introduzido pela reforma, afirmando, designadamente, que, segundo esse sistema, o facto gerador do imposto é a contratação lucrativa de um trabalhador ou a utilização rentável de um bem imóvel (v. n.° 119, supra).

170    Atendendo às explicações fornecidas pelo Governo de Gibraltar e pelo Reino Unido, desde o procedimento administrativo, a Comissão não podia renunciar a cumprir o seu dever, como descrito no n.° 143, supra, de identificar previamente e, sendo caso disso, de pôr em causa a qualificação, pelas autoridades de Gibraltar, do regime comum ou «normal» do sistema fiscal notificado. Com efeito, na falta de identificação e de exame do referido regime, a Comissão não podia provar, suficientemente, que determinados elementos do sistema fiscal notificado revestiam um carácter derrogatório, e, portanto, a priori selectivo, em relação ao seu regime comum ou «normal». Do mesmo modo, nestas condições, é igualmente impossível à Comissão apreciar correctamente se eventuais diferenciações entre empresas, resultantes da aplicação de uma medida fiscal derrogatória do regime fiscal comum ou «normal», são susceptíveis de ser justificadas pela natureza ou pela economia do sistema fiscal do Estado‑Membro em causa, dado que a Comissão não identificou nem examinou previamente o seu regime comum.

171    Ora, não resulta de nenhum fundamento da decisão impugnada que a Comissão tenha conduzido o exame prévio indispensável, referido no n.° 170, supra, que consiste em determinar se os diferentes aspectos controvertidos do sistema fiscal introduzido pela reforma são susceptíveis de formar um regime fiscal comum ou «normal» completo.

172    Pelo contrário, quanto à condição de realização de lucro e do limite de 15%, a Comissão limitou‑se a constatar imediatamente o carácter derrogatório, e, portanto, selectivo, destes dois aspectos da reforma, em relação ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT (considerandos 128, 129, 134 e 135 da decisão impugnada), que considerou, assim, implícita mas necessariamente, formarem o regime comum ou «normal» introduzido pela reforma.

173    Além disso, em relação ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, resulta da decisão impugnada (v. n.os 157 a 160, supra) que a Comissão não seguiu nenhuma etapa da análise relativa à determinação da selectividade, ao não ter, em primeiro lugar, identificado e examinado o regime fiscal comum ou «normal» que estes dois impostos derrogam, em segundo lugar, demonstrado o seu eventual carácter derrogatório e, em terceiro lugar, apreciado a eventual justificação deste pretenso carácter derrogatório com base na natureza ou na economia geral do sistema fiscal introduzido pela reforma.

174    Com efeito, foi unicamente em resposta a argumentos do Reino Unido relativos à eventual justificação das pretensas diferenciações entre as empresas, resultantes da aplicação dos aspectos fiscais já referidos – isto é, no âmbito da terceira e última etapa da análise relativa à determinação da selectividade (v. n.° 144, supra) –, que a Comissão, por um lado, afirmou, nos considerandos 131, 136 e 137 da decisão impugnada, que a condição de realização de lucro e o limite de 15% são, no essencial, elementos estranhos à lógica inerente a um sistema fiscal assente no imposto sobre o número de trabalhadores e no BPOT e, por outro, evocou, no considerando 132 da decisão impugnada, de modo sucinto e vago, a «existência de um sistema híbrido», em relação ao qual é «impossível detectar a natureza e a economia geral», e afirmou que «não se pode pensar que qualquer característica deste sistema é inerente ao regime geral, visto que tal resultaria em aceitar uma justificação automática deste sistema». Ora, decorre das considerações dos n.os 145 e 146, supra, que, ao proceder desta forma, em relação à competência estatal em matéria fiscal, a Comissão ultrapassou os limites do seu controlo.

175    Por outro lado, além do facto de a Comissão não ter respeitado o âmbito de análise relativo à determinação da selectividade, como atrás se concluiu, nem as considerações reproduzidas na decisão impugnada, como referidas no n.° 174, supra, nem os argumentos invocados pela Comissão e pelo Reino de Espanha no decurso da instância são suficientes para pôr em causa a fundamentação da definição do regime comum ou «normal» do sistema fiscal notificado.

176    Em primeiro lugar, as afirmações da Comissão segundo as quais faz parte da lógica interna de um sistema de imposto baseado no imposto sobre o número de trabalhadores ou no BPOT tributar as empresas não rentáveis (considerando 131 da decisão impugnada), ou que a carga fiscal das sociedades tributáveis progrida de forma linear em relação à progressão linear da mão‑de‑obra contratada e da superfície de terra ocupada, sendo toda a limitação desta carga em função dos lucros realizados considerada derrogatória (considerandos 136 e 137 da decisão impugnada), não são, por si só, susceptíveis de pôr em causa o fundamento desta definição.

177    Com efeito, a este respeito, a Comissão não rebateu suficientemente o argumento do Governo de Gibraltar, segundo o qual a condição de realização de lucros é inerente à lógica de um sistema de tributação que incide no número de trabalhadores e na utilização da superfície de terra ocupada, na medida em que corresponde a um objectivo fundamental do referido sistema, a saber, o de não tributar as sociedades não rentáveis. Por conseguinte, a Comissão não demonstrou que esta não tributação não pode ser considerada parte integrante do regime comum ou «normal» do sistema fiscal notificado.

178    Além disso, por razões análogas, a Comissão também não demonstrou que as autoridades de Gibraltar não podem conceber no seu território, no exercício das suas competências em matéria fiscal, um regime fiscal comum ou «normal», que compreenda a aplicação geral de um limite de tributação de 15% dos lucros a fim de evitar que as empresas paguem uma parte excessiva dos seus lucros a título de imposto. A este respeito, a simples afirmação da Comissão de que, num sistema fiscal como o proposto pelas autoridades de Gibraltar, quanto mais trabalhadores uma empresa empregar e quanto mais instalações ocupar, mais elevada será a sua obrigação fiscal (considerando 137 da decisão impugnada), não é suficiente para pôr em causa o fundamento da escolha efectuada pelas referidas autoridades quanto aos elementos que constituem o regime comum ou «normal» do referido sistema fiscal.

179    Em segundo lugar, a qualificação pela Comissão, no considerando 132 da decisão impugnada e nos seus articulados, do sistema fiscal introduzido pela reforma como «híbrido» é apenas uma maneira de descrever o referido sistema, que é composto por diferentes elementos constitutivos. Com efeito, esta qualificação não demonstra, por si só, que este sistema não pode constituir um regime fiscal comum ou «normal» aplicável no território de Gibraltar, na medida em que, por um lado, este sistema se baseia, no essencial, em dois objectivos – a saber, o de tributar a utilização de dois factores de produção escassos em Gibraltar e o de respeitar a capacidade contributiva das sociedades – que foram determinados pelas autoridades de Gibraltar no exercício das suas competências em matéria fiscal, e em que, por outro, no estado actual do desenvolvimento do direito comunitário, não existe um padrão harmonizado relativamente ao regime «comum» ou «normal» de um sistema fiscal nacional.

180    Neste contexto, a Comissão e o Reino de Espanha não podem validamente alegar, de forma puramente hipotética, que, em certos casos, os dois objectivos atribuídos ao sistema fiscal e ao seu regime comum ou «normal» introduzidos pela reforma (v. n.° 179, supra) são incompatíveis entre si, como no caso de uma sociedade que realiza lucros elevados, mas que, por não estar fisicamente presente em Gibraltar, não é tributada a título do imposto sobre o número de trabalhadores e do BPOT, ou no caso de uma sociedade que é um importante empregador em Gibraltar, mas que, também ela, não é tributada nestes dois impostos porque não tem lucros. Com efeito, estes casos hipotéticos não bastam para demonstrar que o sistema fiscal e o seu regime comum ou «normal», já referidos, não podem cumprir dois objectivos diferentes, como determinados pelas autoridades de Gibraltar.

181    Esta apreciação não pode ser posta em causa pela afirmação vaga da Comissão, segundo a qual não se pode pensar que qualquer característica de um sistema é inerente ao regime geral, visto que tal equivaleria a aceitar uma justificação automática deste sistema (considerando 132 da decisão impugnada). A este respeito, basta recordar que este entendimento não respeita as diferentes etapas de análise, como enunciadas nos n.os 143 e 144, supra, e, por conseguinte, ultrapassa os limites do controlo que incumbe à Comissão em relação à competência estatal em matéria fiscal (v. n.os 145 e 146, supra).

182    Em terceiro lugar, há que relembrar que a Comissão, nos seus articulados, levantou a questão relativa à razão pela qual Gibraltar adoptou a solução de introduzir um imposto sobre o número de trabalhadores e um BPOT sujeitos a um limite de 15% dos lucros, atendendo ao alcance restrito do imposto daí decorrente. A este respeito, constatou no considerando 144 da decisão impugnada que o sistema fiscal constituído pelos dois impostos já referidos «não reveste o mesmo carácter geral que o imposto sobre o lucro das sociedades, que visa a tributação do resultado da actividade económica na sua totalidade». Além disso, censurou o Governo de Gibraltar por não ter fornecido explicações sobre a questão de saber por que razão o limite de 15% reflecte a capacidade contributiva das empresas e interrogou‑se sobre a razão da adopção deste limite, não obstante a vontade do Governo de Gibraltar de tributar a utilização dos seus recursos escassos. Por último, sugeriu que a capacidade contributiva das sociedades tributadas podia ser respeitada através da modulação do nível do imposto sobre o número de trabalhadores, de um ano para o outro, em função da conjuntura local.

183    Ora, cumpre concluir que, com estas questões e hipóteses vagas e de ordem geral, a Comissão não logrou pôr em causa o fundamento da qualificação feita pelas autoridades de Gibraltar do regime comum ou «normal» do sistema fiscal notificado e dos seus elementos constitutivos.

184    Por conseguinte, resulta dos n.os 170 a 183, supra, que, por não ter respeitado o quadro de análise relativo à determinação da selectividade, as considerações da Comissão reproduzidas na decisão impugnada não são suficientes para pôr em causa a definição do regime comum ou «normal» do sistema fiscal, como elaborada pelas autoridades de Gibraltar. Deles resulta também que, não tendo respeitado o referido quadro de análise, a Comissão ultrapassou os limites do seu controlo relativamente à extensão da competência das autoridades de Gibraltar para determinar o seu sistema fiscal e o seu regime comum ou «normal». Com efeito, resulta do raciocínio exposto, designadamente, nos considerandos 131, 132, 136, 137 e 144 da decisão impugnada, que, ao não utilizar como ponto de partida da sua análise da selectividade material o regime que os recorrentes qualificaram, no caso em apreço, como regime comum ou «normal», e ao não ter identificado o referido regime nem examinado o seu fundamento, a Comissão, em vez de exercer o controlo referido nos n.os 143 e 144, supra, impôs a sua própria lógica quanto ao conteúdo e ao funcionamento do sistema fiscal notificado.

185    Atendendo às considerações que precedem, deve concluir‑se que não se pode considerar que qualquer dos três aspectos controvertidos do sistema fiscal tal como notificado confira uma vantagem selectiva na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que a Comissão não demonstrou suficientemente que constituem derrogações do regime comum ou «normal» introduzido pela reforma em Gibraltar, que originem diferenciações entre empresas no que respeita à carga fiscal.

186    Por último, importa assinalar que a comparação dos pretensos efeitos do sistema fiscal introduzido pela reforma com os efeitos do sistema fiscal anterior a este, como efectuada pela Comissão no quadro 1 e no considerando 150 da decisão impugnada, não pode, no caso em apreço, ser considerada para efeitos de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Com efeito, a este respeito, é indiferente que a situação do presumido beneficiário da medida controvertida tenha melhorado ou se tenha agravado em relação ao direito anterior ou, pelo contrário, não tenha conhecido evolução no tempo (v. acórdão Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, referido no n.° 78, supra, n.° 41). O que importa é saber se o sistema fiscal em causa, examinado independentemente do antigo, favorece ou não certas empresas, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1988, Grécia/Comissão, 57/86, Colect., p. 2855, n.° 10).

187    Resulta de todas as considerações precedentes que a Comissão não provou a existência de vantagens selectivas resultantes dos três aspectos controvertidos da reforma fiscal. Por consequência, a Comissão, ao qualificar como auxílios de Estado os referidos aspectos controvertidos, cometeu um erro de direito na aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

188    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado procedente.

189    Dado que o primeiro e segundo fundamentos devem ser julgados procedentes, há que anular a decisão impugnada na sua totalidade, sem que seja necessário examinar o fundamento relativo à violação de formalidades essenciais.

 Quanto às despesas

190    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

191    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervierem no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, na qualidade de interveniente no processo T‑211/04, e o Reino de Espanha, na qualidade de interveniente nos processos T‑211/04 e T‑215/04, suportarão as suas próprias despesas.

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      Os processos T‑211/04 e T‑215/04 são apensos para efeitos do acórdão.

2)      A Decisão 2005/261/CE da Comissão, de 30 de Março de 2004, sobre o regime de auxílio que o Reino Unido pretende aplicar relativamente à reforma do imposto sobre as sociedades do Governo de Gibraltar, é anulada.

3)      A Comissão suportará as despesas do Governo de Gibraltar e as do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte no processo T‑215/04, bem como as suas próprias despesas.

4)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, na qualidade de interveniente no processo T‑211/04, suportará as suas próprias despesas.

5)      O Reino de Espanha, na qualidade de interveniente nos processos T‑211/04 e T‑215/04, suportará as suas próprias despesas.

Jaeger

Tiili

Azizi

Cremona

 

      Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Dezembro de 2008.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Jaeger

Índice


Quadro jurídico

I –  Regulamentação comunitária

II –  Estatuto de Gibraltar

Factos na origem do litígio

I –  Antecedentes da reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar

II –  Reforma do imposto sobre as sociedades pelo Governo de Gibraltar

A –  Sistema de tributação introduzido pela reforma fiscal

B –  Imposto adicional (ou de penalidade)

III –  Procedimento administrativo e decisão impugnada

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação no que diz respeito à aplicação do critério da selectividade regional

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1.  Quanto à pertinência do grau de autonomia da entidade infra‑estatal em relação ao governo central do Estado‑Membro em causa, para efeitos da determinação do quadro de referência apropriado

2.  Quanto ao papel do Reino Unido na definição do contexto político e económico em Gibraltar, enquanto critério de determinação do quadro de referência no caso em apreço

a)  Acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores

b)  Quanto à aplicação do primeiro e segundo requisitos enunciados no acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores

c)  Quanto à aplicação do terceiro requisito do acórdão relativo ao regime fiscal dos Açores

II –  Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação no que diz respeito à aplicação do critério da selectividade material

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1.  Considerandos pertinentes da decisão impugnada

2.  Quanto à concessão de vantagens selectivas pelos aspectos controvertidos da reforma

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.