Language of document : ECLI:EU:C:2023:844

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva 2012/13/UE — Direito à informação em processo penal — Artigo 6.o — Direito a ser informado da acusação contra si deduzida — Artigo 6.o, n.o 4 — Alteração das informações prestadas — Alteração da qualificação da infração penal — Obrigação de informar o acusado em tempo útil e de lhe dar a oportunidade de apresentar os seus argumentos a respeito da nova qualificação prevista — Exercício efetivo dos direitos de defesa — Equidade do processo — Diretiva (UE) 2016/343 — Reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal — Artigo 3.o — Presunção de inocência — Artigo 7.o, n.o 2 — Direito de não se autoincriminar — Artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Exigência de imparcialidade do juiz penal — Requalificação da infração penal por iniciativa do juiz penal ou sob proposta do acusado»

No processo C‑175/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), por Decisão de 8 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo penal contra

BK,

sendo interveniente:

Spetsializirana Prokuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Rousseva e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 25 de maio de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (JO 2012, L 142, p. 1), bem como do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra BK por factos inicialmente qualificados de corrupção na acusação deduzida pelo Ministério Público, mas que o órgão jurisdicional de reenvio pretende qualificar de fraude ou de tráfico de influências.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2012/13

3        Os considerandos 3, 9, 14 e 27 a 29 da Diretiva 2012/13 enunciam:

«(3)      A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais pressupõe a confiança mútua dos Estados‑Membros nos respetivos sistemas de justiça penal. A dimensão do reconhecimento mútuo depende estreitamente de certos parâmetros, entre os quais figuram os regimes de garantia dos direitos dos suspeitos e dos acusados e a definição de normas mínimas comuns necessárias para facilitar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo.

[…]

(9)      O artigo 82.o, n.o 2, [TFUE] prevê o estabelecimento de regras mínimas aplicáveis nos Estados‑Membros para facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação policial e judiciária nas matérias penais com dimensão transfronteiriça. Aquele artigo refere‑se aos “direitos individuais em processo penal” como um dos domínios em que podem ser estabelecidas regras mínimas.

[…]

(14) A presente diretiva […] [e]stabelece normas mínimas comuns a aplicar no domínio da informação a prestar aos suspeitos ou acusados de terem cometido uma infração penal no que se refere aos seus direitos e sobre a acusação contra eles formulada, com o objetivo de reforçar a confiança mútua entre os Estados‑Membros. A presente diretiva alicerça‑se nos direitos estabelecidos na Carta, nomeadamente nos artigos 6.o, 47.o e 48.o, que por sua vez assentam nos artigos 5.o e 6.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] conforme interpretados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. […]

[…]

(27)      As pessoas que forem acusadas de terem cometido uma infração penal deverão receber todas as informações necessárias sobre a acusação contra elas formulada a fim de lhes permitir preparar a sua defesa e garantir a equidade do processo.

(28)      Deverão ser prontamente prestadas aos suspeitos ou acusados informações acerca do ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados de ter cometido, pelo menos antes da sua primeira entrevista oficial pela polícia ou outra autoridade competente, e sem prejudicar as investigações em curso. Deverá ser dada, com detalhes suficientes, uma descrição dos factos constitutivos do ato criminoso de que as pessoas sejam suspeitas ou acusadas de terem cometido, incluindo, caso se conheça, a hora e o local, e a eventual qualificação jurídica da alegada infração, tendo em conta a fase do processo penal em que essa descrição for dada, a fim de salvaguardar a equidade do processo e permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

(29)      Caso, no decurso do processo penal, os detalhes da acusação sejam de tal modo alterados que a posição dos suspeitos ou acusados seja substancialmente afetada, tal deverá ser‑lhes comunicado caso seja necessário para salvaguardar a equidade do processo e para, em tempo útil, lhes permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.»

4        O artigo 1.o da Diretiva 2012/13, com a epígrafe «Objeto», tem a seguinte redação:

«A presente diretiva estabelece regras relativas ao direito à informação dos suspeitos ou acusados sobre os seus direitos em processo penal e sobre a acusação contra eles formulada. Estabelece igualmente regras relativas ao direito à informação das pessoas submetidas a um mandado de detenção europeu sobre os seus direitos.»

5        O artigo 3.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Direito a ser informado sobre os direitos», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados de uma infração penal recebam prontamente informações sobre pelo menos os seguintes direitos processuais, tal como aplicáveis nos termos do direito nacional, a fim de permitir o seu exercício efetivo:

a)      O direito de assistência de um advogado;

b)      O direito a aconselhamento jurídico gratuito e as condições para a sua obtenção;

c)      O direito de ser informado da acusação, nos termos do artigo 6.o;

d)      O direito à interpretação e tradução;

e)      O direito ao silêncio.»

6        O artigo 6.o da referida diretiva, com a epígrafe «Direito à informação sobre a acusação», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados recebam informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados ter cometido. Estas informações são prestadas prontamente e com os detalhes necessários, a fim de garantir a equidade do processo e de permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

[…]

3.      Os Estados‑Membros asseguram que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do acusado.

4.      Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados sejam prontamente informados das alterações nas informações prestadas nos termos do presente artigo caso tal seja necessário para salvaguardar a equidade do processo.»

 Diretiva (UE) 2016/343

7        A Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1), tem nomeadamente por objeto, nos termos do seu artigo 1.o, alínea a), estabelecer «normas mínimas comuns» respeitantes a «certos aspetos do direito à presunção de inocência em processo penal».

8        O artigo 3.o desta diretiva, com a epígrafe «Presunção de inocência», dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido se presume inocente enquanto a sua culpa não for provada nos termos da lei.»

9        O artigo 7.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Direito de guardar silêncio e direito de não se autoincriminar», prevê, no seu n.o 2:

«Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido têm o direito de não se autoincriminar.»

 Direito búlgaro

10      O artigo 287.o, n.o 1, do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «NPK»), prevê:

«O Ministério Público deduz uma nova acusação quando, no decurso do inquérito penal, constate que existem razões para proceder a uma alteração substancial da parte factual da acusação ou que é aplicável uma norma que prevê penas para infrações penais mais graves.»

11      Nos termos do artigo 301.o, n.o 1, ponto 2, do NPK, ao proferir a sentença, o órgão jurisdicional competente aprecia e decide a questão de saber se o ato constitui uma infração penal e a sua qualificação jurídica.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      Em 26 de fevereiro de 2021, a Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada, Bulgária) deduziu acusação contra BK perante o órgão jurisdicional de reenvio por alegados atos de corrupção no exercício das suas funções como investigador da polícia.

13      Segundo a acusação, BK pediu uma quantia em dinheiro a dois suspeitos para praticar dois atos no exercício das suas funções. Por um lado, propôs emitir um parecer favorável sobre os pedidos dos suspeitos no sentido de que lhes fossem restituídos veículos que possivelmente foram utilizados como instrumentos de um crime, e restituir esses veículos após autorização do procurador. Por outro lado, BK também propôs aos dois suspeitos não os acusar pela infração penal de que eram suspeitos.

14      A Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada) qualificou esses factos de corrupção por um investigador da polícia sob a forma de extorsão e com abuso de poder. As sanções aplicáveis pela prática dessa infração penal correspondem a uma pena privativa da liberdade de três a quinze anos, uma multa de 25 000 levs búlgaros (BGN) (cerca de 12 500 euros), a confiscação de metade dos bens da pessoa condenada e perda de direitos.

15      BK opôs‑se a esta qualificação. Alegou, a este respeito, que os atos que lhe são imputados não podem ser considerados atos praticados no exercício das suas funções, uma vez que não são da competência do investigador da polícia mas sim do procurador. Por conseguinte, segundo BK, tais atos deveriam ser qualificados de fraude.

16      O órgão jurisdicional de reenvio salientou, a este respeito, que a forma de fraude invocada, praticada quando o autor obtém uma vantagem patrimonial em prejuízo da vítima, aproveitando o erro, a inexperiência ou o desconhecimento desta, é punível com uma pena privativa de liberdade que pode ir até cinco anos.

17      A Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada) manteve, no entanto, a qualificação de corrupção. O órgão jurisdicional de reenvio precisou que, de acordo com as regras processuais nacionais, cabe exclusivamente ao procurador definir os termos da acusação, sem que o órgão jurisdicional competente lhe possa dirigir qualquer instrução a esse respeito.

18      Por conseguinte, no âmbito do processo principal, tanto as partes como o órgão jurisdicional de reenvio concentraram a sua atenção na prova ou na refutação de factos constitutivos do crime de corrupção. O referido órgão jurisdicional está pois obrigado a pronunciar‑se sobre a acusação, conforme deduzida pelo procurador, mais concretamente, uma acusação por corrupção. No entanto, caso se pronuncie no sentido da absolvição pelo crime de corrupção, tem a possibilidade de ponderar uma requalificação dos factos.

19      Segundo as explicações do órgão jurisdicional de reenvio, a jurisprudência nacional interpreta o artigo 301.o, n.o 1, ponto 2, do NPK, lido em conjugação com o artigo 287.o, n.o 1, do NPK, no sentido de que o órgão jurisdicional competente tem o poder de declarar o acusado culpado com base numa qualificação diferente da que inicialmente constava da acusação, desde que, por um lado, essa nova qualificação não implique uma alteração substancial dos factos constantes da acusação e que, por outro, não implique uma pena mais severa do que a aplicável à infração penal pela qual o procurador deduziu acusação.

20      Assim, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, em aplicação desta jurisprudência, como sugerido por BK, no âmbito do litígio no processo principal, pode optar pela qualificação de fraude, uma vez que esta infração penal é punida com uma pena mais leve do que a aplicável em caso de corrupção.

21      Este órgão jurisdicional acrescenta que também poderia ponderar requalificar os factos que foram objeto da acusação de tráfico de influências. Com efeito, poder‑se‑ia considerar que BK terá exigido dos suspeitos um montante em dinheiro para influenciar as decisões do procurador no exercício das suas funções, com vista a que este restituísse os veículos e não deduzisse acusação. A sanção aplicável ao crime de tráfico de influências também é mais leve do que a prevista para o crime de corrupção, a saber, uma pena privativa de liberdade que pode ir até seis anos ou uma multa que pode ascender a 5 000 BGN (cerca de 2 500 euros).

22      O órgão jurisdicional de reenvio assinala, todavia, uma falta de garantias no que respeita à proteção dos direitos de defesa nos casos em que o órgão jurisdicional competente decide condenar o acusado com base numa qualificação dos factos diferente da que inicialmente constava da acusação deduzida pelo procurador. Em especial, esse órgão jurisdicional não está obrigado a informar previamente o acusado nem a permitir que este apresente os seus argumentos a respeito da nova qualificação prevista. Na prática, o acusado apenas toma conhecimento desta nova qualificação na sentença condenatória.

23      Assim, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a respeito da compatibilidade desta prática com o direito da União. Mais precisamente, no âmbito da sua primeira questão, o órgão jurisdicional pergunta se a prolação de uma sentença condenatória com base numa qualificação dos factos da qual o acusado não foi previamente informado é compatível com o artigo 6.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2012/13.

24      A segunda questão diz respeito às exigências decorrentes do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

25      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a obrigação que lhe pode incumbir, em função da resposta à primeira questão, de informar o acusado da possibilidade de vir a adotar uma qualificação dos factos diferente da inicialmente proposta pelo procurador, pode pôr em causa a sua imparcialidade e a equidade do processo. A este respeito, o órgão jurisdicional tem em mente duas situações.

26      Por um lado, se o órgão jurisdicional competente informar o acusado de que, por sua iniciativa, poderá vir a adotar outra qualificação, como é o caso da qualificação de tráfico de influências no litígio no processo principal, esse órgão jurisdicional assume, na prática, a função de acusador. Ora, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, é legítimo duvidar da imparcialidade de um órgão jurisdicional que, por sua própria iniciativa, sugere uma nova qualificação jurídica e, em seguida, profere uma sentença condenatória baseada nessa qualificação, mesmo que esse órgão jurisdicional tenha dado previamente ao acusado a oportunidade de se defender a este respeito.

27      Por outro lado, se o órgão jurisdicional competente informar o acusado da possibilidade de vir a optar pela qualificação dos factos que o próprio acusado sugeriu, como é o caso da qualificação de fraude no litígio no processo principal, daí pode resultar, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma violação do direito de não se autoincriminar e das regras do processo equitativo.

28      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, no entanto, que, no âmbito do litígio no processo principal, BK não admitiu a sua responsabilidade pelo crime de fraude, tendo‑se antes limitado a indicar que, tal como apresentados pelo procurador, os factos deviam ser qualificados de fraude e não de corrupção.

29      Nestas condições, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os n.os 3 e 4 do artigo 6.o da Diretiva 2012/13 opõem‑se a que a jurisprudência interprete disposições de direito nacional — os artigos 301.o, n.o 1, ponto 2, [do NPK] em conjugação com o artigo 287.o, n.o 1, do [NPK] — no sentido de que o órgão jurisdicional pode, na sentença, efetuar uma alteração da qualificação jurídica da conduta que constava da acusação, desde que a conduta não seja mais [gravemente] punida, se o [acusado] não tiver sido devidamente notificado da nova qualificação jurídica, antes de proferida a sentença, e não tiver tido a possibilidade de se defender da mesma?

2)      Em caso de resposta afirmativa[,] o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta proíbe o [órgão jurisdicional] de informar os [acusados] de que a decisão do processo poderá vir a ser proferida com base noutra qualificação jurídica da conduta e, além disso, de conferir-lhes a possibilidade de preparar a sua defesa relativamente à mesma, por a iniciativa da alteração da qualificação jurídica não provir do Ministério Público?»

30      Por carta de 5 de agosto de 2022, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária) informou o Tribunal de Justiça de que, na sequência de uma alteração legislativa que entrou em vigor em 27 de julho de 2022, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) foi extinto e de que determinados processos penais pendentes neste último órgão jurisdicional, incluindo o processo principal, foram transferidos a partir dessa data para o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia).

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2012/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal adote uma qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação que seja diferente da inicialmente adotada pelo Ministério Público, se essa nova qualificação não for suscetível de conduzir à aplicação de uma pena mais severa, sem informar previamente o acusado da nova qualificação prevista e, portanto, sem lhe dar a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva à luz da nova infração penal cuja prática lhe é assim imputada.

32      Como resulta do artigo 1.o da Diretiva 2012/13, esta diretiva, que foi adotada com base no artigo 82.o, n.o 2, TFUE, estabelece regras mínimas comuns em matéria de informação dos suspeitos ou acusados de terem cometido uma infração penal sobre os seus direitos e sobre a acusação contra eles deduzida.

33      Decorre de uma leitura conjugada dos artigos 3.o e 6.o da Diretiva 2012/13 que o direito a ser informado, referido no artigo 1.o desta diretiva, diz respeito a, pelo menos, dois direitos diferentes. Por um lado, os suspeitos ou acusados devem, em conformidade com o artigo 3.o desta diretiva, ser informados sobre, pelo menos, os diferentes direitos processuais que este artigo refere, entre os quais figura o direito de assistência de um advogado, o direito a aconselhamento jurídico gratuito e as condições para a sua obtenção, o direito de ser informado da acusação, o direito à interpretação e tradução, bem como o direito ao silêncio. Por outro lado, o artigo 6.o da referida diretiva define regras relativas ao direito a ser informado sobre a acusação (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro, C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 43).

34      Estas regras visam, como confirmam os considerandos 27 a 29 da Diretiva 2012/13, garantir a equidade do processo e permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 89).

35      Ora, este objetivo determina, nomeadamente, que o acusado receba informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a respeito da natureza e qualificação jurídica da infração penal, em tempo útil, num momento que lhe permita preparar eficazmente a sua defesa, como prevê o artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 90).

36      O referido objetivo e o bom desenrolar do processo pressupõem que o acusado, ou o seu advogado, seja rigorosamente informado dos factos que lhe são imputados e da qualificação jurídica dos mesmos, para poder participar de forma útil nas audiências sobre o mérito da acusação, com respeito pelo princípio do contraditório e da igualdade das armas, de modo que faça valer efetivamente a sua posição (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.os 92 e 93).

37      No caso em apreço, resulta da formulação da primeira questão e das informações constantes do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre o alcance da obrigação, que impende sobre um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal, de informar o acusado a respeito da alteração da qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação.

38      A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de as informações relativas à acusação transmitidas à defesa poderem ser objeto de alterações posteriores, nomeadamente no que respeita à qualificação jurídica dos factos imputados. Tais alterações devem, no entanto, ser comunicadas ao acusado ou ao seu advogado num momento em que estes ainda possam efetivamente reagir, antes da fase de deliberação. Esta possibilidade está prevista no artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, que prevê que os acusados sejam prontamente informados de quaisquer alterações das informações prestadas nos termos deste artigo no decurso do processo, caso tal seja necessário para salvaguardar a equidade do processo [Acórdão de 21 de outubro de 2021, ZX (Regularização da acusação), C‑282/20, EU:C:2021:874, n.o 29 e jurisprudência referida].

39      O considerando 29 desta diretiva refere ainda a este respeito que, caso, no decurso do processo penal, os detalhes da acusação sejam de tal modo alterados que a posição dos suspeitos ou acusados seja substancialmente afetada, tal deverá ser‑lhes comunicado caso seja necessário para salvaguardar a equidade do processo e para, em tempo útil, lhes permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

40      Neste contexto, importa sublinhar a importância fulcral para o exercício efetivo dos direitos de defesa da comunicação da qualificação jurídica da infração penal. Com efeito, esta comunicação ao acusado, ou ao seu advogado, é indispensável para que este possa compreender o que lhe é imputado, organizar a sua defesa em conformidade e, se for caso disso, contestar a sua responsabilidade, demonstrando a inexistência de um ou vários elementos constitutivos da infração penal de que é acusado.

41      Por conseguinte, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos pelo órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal é suscetível de ter uma incidência determinante no exercício dos direitos de defesa e na equidade do processo na aceção do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13.

42      É o que sucede, por um lado, quando a nova infração penal contém elementos constitutivos novos, sobre os quais o acusado ainda não teve oportunidade de apresentar argumentos.

43      Nessa situação, para garantir a equidade do processo, como exigido pelo artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, é manifestamente necessário que o órgão jurisdicional penal que decide quanto ao mérito informe em tempo útil o acusado, ou o seu advogado, da nova qualificação prevista, num momento que lhe permita preparar eficazmente a sua defesa, e dê a essa pessoa a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva sobre esse ponto.

44      No caso em apreço, resulta dos autos que se encontram à disposição do Tribunal de Justiça que o órgão jurisdicional de reenvio pondera não acolher a qualificação da infração penal de corrupção por um investigador da polícia sob a forma de extorsão e com abuso de poder, inicialmente adotada pelo Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada), e substituí‑la pela qualificação de fraude ou tráfico de influências. Ora, estas duas infrações penais têm elementos constitutivos sobre os quais BK ainda não teve oportunidade de apresentar argumentos.

45      Por outro lado, mesmo que a nova infração penal não tenha novos elementos constitutivos relativamente à infração penal pela qual a acusação foi anteriormente deduzida, e mesmo tendo o acusado tido a oportunidade de, no decurso do processo, apresentar os seus argumentos sobre todos os elementos constitutivos desta nova infração, a requalificação da infração penal pelo órgão jurisdicional penal que decide quanto ao mérito pode, no entanto, ter uma incidência não negligenciável no exercício dos direitos de defesa. Com efeito, não se pode excluir que o acusado a quem é comunicada a nova qualificação prevista organize a sua defesa de forma diferente.

46      Importa ainda sublinhar que, neste contexto, é totalmente irrelevante que a nova qualificação não possa conduzir à aplicação de uma pena mais severa. Com efeito, o caráter equitativo do processo exige que o acusado possa exercer plenamente os direitos de defesa. Ora, a maior ou menor severidade da pena aplicada não tem nenhuma relação com a questão de saber se esses direitos puderam ser exercidos.

47      Daqui decorre que, quando pretender proceder à requalificação da infração penal, órgão jurisdicional que decide de um processo penal quanto ao mérito está obrigado a informar em tempo útil o acusado, ou o seu advogado, a respeito da nova qualificação prevista, num momento e em condições que permitam que essa pessoa prepare eficazmente a sua defesa e de modo que a mesma possa exercer os seus direitos de defesa de forma concreta e efetiva tendo em conta essa qualificação, para salvaguardar a equidade do processo na aceção do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13. A necessidade de conceder um prazo ao acusado para que, nesse contexto, prepare ou reveja a sua defesa, assim como a duração desse prazo são elementos que devem ser determinados pelo órgão jurisdicional em causa em função das circunstâncias relevantes a este respeito.

48      A interpretação constante do ponto precedente é confirmada pelos objetivos da Diretiva 2012/13. Com efeito, como resulta dos seus considerandos 3, 9 e 14, ao estabelecer normas mínimas comuns em matéria de informação dos suspeitos ou acusados de uma infração penal sobre os seus direitos e sobre a acusação contra eles deduzida, esta diretiva tem por objetivo reforçar a confiança mútua entre os Estados‑Membros e, por conseguinte, facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais em matéria penal.

49      Ora, e como, no essencial, a advogada‑geral salientou nos n.os 59 a 71 das suas conclusões, a interpretação adotada no n.o 47 do presente acórdão, que assume a forma de uma regra clara e simples de aplicação da obrigação de o órgão jurisdicional que decide do mérito num processo penal informar o acusado em tempo útil quando esse órgão tencionar requalificar a infração, contribui para o respeito dos direitos de defesa e para a equidade do processo penal nos Estados‑Membros. Assim sendo, esta interpretação reforça a confiança mútua entre esses Estados e, por conseguinte, facilita o reconhecimento mútuo das sentenças e das decisões judiciais em matéria penal, em conformidade com os objetivos prosseguidos por esta diretiva.

50      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal adote uma qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação que seja diferente da inicialmente adotada pelo Ministério Público sem informar em tempo útil o acusado da nova qualificação prevista num momento e em condições que lhe permitam preparar eficazmente a sua defesa, e, portanto, sem lhe oferecer a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva à luz dessa nova qualificação. Neste contexto, é irrelevante que a referida qualificação não possa conduzir à aplicação de uma pena mais severa do que a infração penal pela qual a pessoa em causa estava inicialmente acusada.

 Quanto à segunda questão

51      Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, se necessário, incumbe ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão. Com efeito, a circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões [Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Ministre de la Transition écologique et Premier ministre (Responsabilidade do Estado pela poluição do ar), C‑61/21, EU:C:2022:1015, n.o 34].

52      No caso em apreço, resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que este tem dúvidas, caso o órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal proceda à requalificação da infração penal, sobre a imparcialidade deste último, quando a nova qualificação for adotada por sua iniciativa, e sobre o respeito do direito de o acusado não se autoincriminar, quando a nova qualificação tiver sido proposta pelo acusado.

53      Importa recordar, a este respeito, que o artigo 3.o e o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 garantem, respetivamente, a presunção de inocência e o direito de não se autoincriminar.

54      Por conseguinte, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 51 do presente acórdão, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 3.o e 7.o da Diretiva 2016/343 e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal adote, por sua própria iniciativa ou na sequência de uma sugestão do acusado, uma qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação que seja diferente da inicialmente adotada pelo Ministério Público, incluindo no caso de esse órgão jurisdicional ter informado em tempo útil o acusado da nova qualificação prevista, num momento e em condições que lhe permitiram preparar eficazmente a sua defesa, oferecendo‑lhe assim a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva à luz da nova qualificação assim adotada.

55      Em primeiro lugar, importa sublinhar que uma norma nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal proceda à requalificação da infração penal não é, por si só, suscetível de pôr em causa a presunção de inocência garantida no artigo 3.o da Diretiva 2016/343, ou a imparcialidade desse órgão jurisdicional na aceção do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, mesmo quando a nova qualificação tiver sido adotada por sua iniciativa.

56      A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu que o direito de um Estado‑Membro pode conferir aos órgãos jurisdicionais penais que decidem quanto ao mérito o poder de requalificar os factos que lhes sejam regularmente submetidos, desde que se certifiquem de que os acusados tiveram oportunidade de exercer os seus direitos de defesa sobre este ponto de forma concreta e efetiva, tendo sido informados, em tempo útil, do fundamento da acusação, ou seja, dos factos materiais cuja autoria lhes é imputada e nos quais a acusação se baseia, mas também da qualificação jurídica dada a esses factos, e isto de forma detalhada (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro, C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 55).

57      Com efeito, a circunstância de um órgão jurisdicional que decide do mérito da causa requalificar a infração penal, sem intervenção nesse sentido do Ministério Público, indica que esse órgão jurisdicional considera que os factos que foram objeto da acusação poderiam, se provados, corresponder a essa nova qualificação, e não que o referido órgão jurisdicional já tomou posição a respeito da responsabilidade do acusado.

58      Em segundo lugar, no que respeita ao direito de não se autoincriminar, previsto no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, o facto de o acusado sugerir uma nova qualificação dos factos que lhe são imputados não implica, por si só, que reconheça a sua responsabilidade à luz da nova qualificação.

59      De resto, no âmbito do litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou que, embora BK tenha indicado que os factos, tal como apresentados pela Spetsializirana prokuratura (Procuradoria Especializada), deviam ser qualificados de fraude e não de corrupção, não significa que tenha admitido a sua responsabilidade pelo crime de fraude.

60      Em todo o caso, nenhuma norma do direito da União proíbe os acusados de admitirem a prática de infrações penais.

61      Tendo em conta o acima exposto, há que responder à segunda questão que os artigos 3.o e 7.o da Diretiva 2016/343, bem como o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal adote, por sua própria iniciativa ou na sequência de uma sugestão do acusado, uma qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação que seja diferente da inicialmente adotada pelo Ministério Público, desde que esse órgão jurisdicional tenha informado em tempo útil o acusado da nova qualificação prevista, num momento e em condições que lhe tenham permitido preparar eficazmente a sua defesa, e dessa forma lhe tenha oferecido a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva à luz da nova qualificação assim adotada.

 Quanto às despesas

62      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma jurisprudência nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal adote uma qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação que seja diferente da inicialmente adotada pelo Ministério Público sem informar em tempo útil o acusado da nova qualificação prevista num momento e em condições que lhe permitam preparar eficazmente a sua defesa, e, portanto, sem lhe oferecer a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva à luz dessa nova qualificação. Neste contexto, é irrelevante que a referida qualificação não possa conduzir à aplicação de uma pena mais severa do que a infração penal pela qual a pessoa em causa estava inicialmente acusada.

2)      Os artigos 3.o e 7.o Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, bem como o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma legislação nacional que permite que um órgão jurisdicional que decide quanto ao mérito num processo penal adote, por sua própria iniciativa ou na sequência de uma sugestão do acusado, uma qualificação jurídica dos factos que foram objeto da acusação que seja diferente da inicialmente adotada pelo Ministério Público, desde que esse órgão jurisdicional tenha informado em tempo útil o acusado da nova qualificação prevista, num momento e em condições que lhe tenham permitido preparar eficazmente a sua defesa, e dessa forma lhe tenha oferecido a oportunidade de exercer os direitos de defesa de forma concreta e efetiva à luz da nova qualificação assim adotada.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.