Language of document : ECLI:EU:C:2018:244

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

12 de abril de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial – Ambiente – Diretiva 92/43/CEE – Conservação dos habitats naturais – Zonas especiais de conservação – Artigo 6.°, n.° 3 – Rastreio para determinar a necessidade de se proceder ou não a uma avaliação das incidências de um plano ou de um projeto numa zona especial de conservação – Medidas que podem ser tomadas para este efeito»

No processo C‑323/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela High Court (Supremo Tribunal, Irlanda), por Decisão de 10 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de maio de 2017, no processo

People Over Wind,

Peter Sweetman

contra

Coillte Teoranta,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, C. Toader (relator) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da People Over Wind e P. Sweetman, por O. Clarke, solicitor, O. Collins, BL, e J. Devlin, SC,

–        em representação de Coillte Teoranta, por J. Conway, solicitor, S. Murray, BL, e D. McGrath, SC,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Hermes e E. Manhaeve, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7, a seguir «Diretiva Habitats»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a People Over Wind, organização não governamental de proteção do ambiente, e Peter Sweetman à Coillte Teoranta (a seguir «Coillte»), sociedade do Estado irlandês e que exerce a sua atividade no setor florestal, a respeito das obras necessárias para a instalação de um cabo que ligará um parque eólico à rede elétrica.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do décimo considerando da Diretiva Habitats:

«Considerando que qualquer plano ou programa suscetível de afetar de modo significativo os objetivos de conservação de um sítio designado ou a designar no futuro deve ser objeto de avaliação adequada;».

4        O artigo 2.° desta diretiva dispõe:

«1.      A presente diretiva tem por objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável.

2.      As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

3.      As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais.»

5        O artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada “Natura 2000”. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.»

[…]»

6        O artigo 6.° da mesma diretiva enuncia:

«1.      Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.

3.      Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.      Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adotadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

 Direito irlandês

7        A High Court (Supremo Tribunal, Irlanda) precisa que a autorização do desenvolvimento é regulamentada pelos Planning and Development Acts (Leis do ordenamento do território e do urbanismo) bem como pelos regulamentos adotados ao abrigo destas leis. A autoridade competente é a autoridade local encarregada do ordenamento do território e está previsto o recurso para a An Bord Pleanála (Comissão Nacional de Recursos em Matéria do Ordenamento do Território, Irlanda).

8        Determinados tipos de projetos são classificados como «projetos isentos» e, salvo determinadas exceções, não estão sujeitos à autorização nos termos das leis do ordenamento do território e do urbanismo. Assim, constitui um exemplo de projeto isento «a realização, por qualquer prestador autorizado a fornecer um serviço de exploração de eletricidade, de um projeto que consista na instalação subterrânea de condutas, tubos, cabos ou outros equipamentos para efeitos da prestação».

9        No entanto, os «projetos isentos» podem ser sujeitos a outros tipos de autorização ou a um procedimento de adoção. O European Communities (Birds and Natural Habitats) Regulations 2011 [Regulamento de 2011 adotado no âmbito das Comunidades Europeias (Aves e Habitats Naturais) a seguir «Regulamento de 2011]» aplica‑se a projetos diferentes dos projetos sujeitos à autorização de desenvolvimento, na aceção das leis do ordenamento do território e do urbanismo. Por outro lado, um projeto que se enquadre na categoria dos «projetos isentos» deve, no entanto, ser sujeito a autorização nos termos das Leis do ordenamento do território e do urbanismo, caso seja necessária uma avaliação adequada nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats.

10      Nos termos da Regulation 42 do Regulamento de 2011:

«1.      A autoridade pública deverá proceder a um rastreio relativo à avaliação adequada de um plano ou de um projeto relativamente ao qual é recebido um pedido de autorização ou que uma autoridade pública pretenda realizar ou adotar, e que não esteja diretamente relacionado com a gestão do sítio como Sítio Europeu ou não seja necessário para essa gestão, a fim de avaliar, tendo em vista os melhores conhecimentos científicos e os objetivos de conservação do sítio, se esse plano ou esse projeto, individualmente ou em combinação com outros planos ou projetos, é suscetível de afetar o Sítio Europeu de forma significativa.

2.      A autoridade pública deve proceder a um rastreio relativo à avaliação adequada nos termos do n.° 1 antes de ser concedida a aprovação de um plano ou de um projeto, ou de ser tomada uma decisão no sentido de realizar ou adotar um plano ou um projeto.

[…]

6.      A autoridade pública deve determinar que é necessária uma avaliação adequada de um plano ou de um projeto sempre que o plano ou o projeto não esteja diretamente relacionado com a gestão do sítio como Sítio Europeu ou não seja necessário para essa gestão e se não for possível excluir, com base em informações científicas objetivas na sequência do rastreio efetuado ao abrigo do presente regulamento, que o plano ou projeto, individualmente ou em combinação com outros planos ou projetos, afeta o Sítio Europeu de forma significativa.

7.      A autoridade pública deve determinar que não é necessária uma avaliação adequada de um plano ou de um projeto sempre que o plano ou o projeto não esteja diretamente relacionado com a gestão do sítio como Sítio Europeu ou não seja necessário para essa gestão e se for possível excluir, com base em informações científicas objetivas na sequência do rastreio ao abrigo do presente regulamento, que o plano ou o projeto, individualmente ou em combinação com outros planos ou projetos, afeta o Sítio Europeu de forma significativa.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      O litígio no processo principal tem por objeto a avaliação das potenciais incidências da instalação de um cabo de ligação de um parque eólico à rede elétrica, em duas zonas especiais de preservação, ao abrigo da rede ecológica europeia Natura 2000, incluindo a do rio Barrow e do rio Nore (Irlanda). Esta zone constitui um habitat para a subespécie irlandesa do mexilhão perlífero de água doce (margaritifera durrovensis, a seguir «mexilhão perlífero do rio Nore»). Esta espécie figura no anexo II da Diretiva «Habitats». Segundo as estimativas citadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a população adulta subsistente deste mexilhão perlífero é de apenas 300 indivíduos, depois de ter atingido 20 000 indivíduos em 1991. O ciclo de vida de cada indivíduo situa‑se entre os 70 e 100 anos, mas o mexilhão perlífero do rio Nore não se reproduz desde 1970. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta dos estudos de monitorização recentes que esta espécie está em vias de extinção devido ao elevado nível de sedimentação do leito do rio Nore, à qual a referida espécie é particularmente vulnerável, impedindo o repovoamento com sucesso do referido rio com mexilhões jovens.

12      A autorização para o desenvolvimento do parque eólico em causa no processo principal, com exceção da sua ligação à rede, foi anteriormente objeto de vários procedimentos. Essa autorização, concedida em 2013 pela Comissão Nacional de Recursos em Matéria de Ordenamento do Território, foi sujeita a diversas condições. Assim, nos termos da condição 17 relativa a essa autorização, «[a] construção do projeto será gerida de acordo com um plano de gestão da obra que deverá ser submetido à autoridade encarregada do ordenamento e autorizado por esta por escrito antes de se dar início à execução do projeto. Este plano deve fornecer os pormenores sobre as práticas de construção previstas para o projeto, incluindo […] k) os meios para garantir que o escoamento das águas de superfície seja controlado de forma a que nenhuns lodos ou outros poluentes entrem nos cursos de água […]».

13      Na sequência da concessão dessa autorização, o dono da obra abordou a questão da ligação à rede elétrica do parque eólico em causa por meio de cabo, constituindo essa ligação o objeto do litígio no processo principal.

14      Os recorrentes no processo principal consideram que os poluentes resultantes da instalação do referido cabo de ligação, como o lodo e os sedimentos, terão efeitos nefastos no mexilhão perlífero do rio Nore.

15      A Coillte alega que a instalação em causa no processo principal é um «projeto isento» de autorização, no sentido da legislação aplicável em matéria de desenvolvimento. Todavia, admite que, no caso de o projeto necessitar de uma avaliação adequada das incidências ambientais, a autorização em matéria de ordenamento do território deveria ser obtida junto da autoridade local encarregada desse ordenamento.

16      Para determinar a necessidade de realizar essa avaliação adequada, essa a sociedade contratou consultores encarregados de efetuar a referida avaliação (a seguir «rastreio»).

17      O relatório do rastreio redigido pelos consultores concluiu, nomeadamente:

«a)      Não havendo de medidas de proteção, existe o risco de libertação de partículas sólidas em suspensão nas águas ao longo da rota prevista, incluindo nos locais de perfuração direcional.

b)      No que diz respeito ao [mexilhão perlífero do rio Nore], se as obras previstas para a instalação dos cabos derem origem à libertação de sedimentos finos ou poluentes, como o betão, na zona da população do mexilhão perlífero por via de ribeiras ou de riachos, haverá um impacto negativo sobre a população do mexilhão perlífero. A sedimentação de gravilha pode impedir um fluxo suficiente de água através dessa gravilha, privando de oxigénio os [mexilhões perlíferos do rio Nore] mais jovens.»

18      Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que foram também analisadas «medidas de proteção» nesse relatório.

19      Em seguida, com base no referido relatório, foi formulada à Coillte a seguinte recomendação, pelo «gestor de programa»:

«Como foi exposto pormenorizadamente no relatório […] de rastreio para determinar a necessidade de uma avaliação adequada, com base nas conclusões deste relatório e à luz dos melhores conhecimentos científicos, as obras de ligação à rede não afetarão de forma significativa os sítios europeus pertinentes à luz dos objetivos de conservação dos sítios europeus, considerados só por si ou em combinação com o parque eólico de Cullenagh [(Irlanda)] e o outros planos ou projetos, e não é necessária uma avaliação adequada. Concluiu‑se deste modo com base na distância entre a ligação à rede de Cullenagh prevista e os sítios europeus, e com base nas medidas de proteção que foram integradas na conceção das obras do projeto.»

20      Considerando os fundamentos e a recomendação acima mencionados, a Coillte, na qualidade de autoridade pública referida no artigo 42.° do Regulamento de 2011, decidiu que não era necessária, no caso em apreço, nenhuma avaliação adequada na aceção do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats.

21      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a decisão de que a avaliação adequada não era necessária assenta nas «medidas de proteção» referidas no relatório de rastreio. Esse órgão jurisdicional precisa que as medidas de proteção propostas e tomadas em consideração pelos redatores desse relatório não são tão estritas como as exigidas pela condição 17, alínea k), da autorização concedida para o desenvolvimento do parque eólico em causa.

22      Tendo em conta as considerações precedentes, a High Court (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Se, ou em que circunstâncias, podem ser tidas em consideração medidas de atenuação quando se procede ao rastreio da necessidade de uma avaliação adequada nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats

 Quanto à questão prejudicial

23      A título preliminar, importa recordar que o artigo 6.° da Diretiva Habitats impõe aos Estados‑Membros um conjunto de obrigações e de procedimentos específicos destinados a assegurar, como resulta do artigo 2.°, n.° 2, desta diretiva, a manutenção ou, sendo necessário, o restabelecimento dos habitats naturais e, em particular, das zonas especiais de conservação, num estado de conservação favorável (Acórdãos de 11 de abril de 2013, Sweetman e o., C‑258/11, EU:C:2013:220, n.° 36 e jurisprudência referida, bem como de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.° 31).

24      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições do artigo 6.° da Diretiva Habitats devem ser interpretadas como um conjunto coerente à luz dos objetivos de conservação visados por esta diretiva. Com efeito, os n.os 2 e 3 deste artigo destinam‑se a assegurar o mesmo nível de proteção dos habitats naturais e dos habitats das espécies, enquanto o n.° 4 do dito artigo apenas constitui uma disposição derrogatória da segunda frase do referido n.° 3 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de janeiro de 2016, Grüne Liga Sachsen e o., C‑399/14, EU:C:2016:10, n.° 52 e jurisprudência referida).

25      Assim, o artigo 6.° da referida diretiva classifica as medidas em três categorias, a saber, as medidas de conservação, as medidas de prevenção e as medidas de compensação, respetivamente previstas nos n.os 1, 2 e 4 desse artigo. Resulta da redação do artigo 6.° da Diretiva Habitats que esta disposição não contém nenhuma referência a qualquer conceito de «medida de atenuação» (v., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.os 57 e 58 e jurisprudência referida).

26      Conclui‑se que, como resulta da fundamentação do pedido de decisão prejudicial, há que compreender as medidas que o órgão jurisdicional de reenvio qualifica de «medidas de atenuação», e que a Coillte denomina de «medidas de proteção», como designando as medidas destinadas a evitar ou reduzir os efeitos prejudiciais do projeto previsto no sítio em causa.

27      Assim, através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que, para determinar se é ou não necessário proceder a uma avaliação adequada das incidências de um projeto no sítio em causa, é possível, aquando da fase de rastreio, tomar em consideração as medidas destinadas a evitar ou a reduzir os efeitos prejudiciais do referido projeto no sítio em questão.

28      Nos termos do décimo considerando da Diretiva Habitats, qualquer plano ou programa suscetível de afetar de modo significativo os objetivos de conservação de um sítio designado ou a designar no futuro deve ser objeto de avaliação adequada. Este considerando está plasmado no artigo 6.°, n.° 3, desta diretiva, que prevê, designadamente, que um plano ou projeto suscetível de afetar o sítio em causa de forma significativa não pode ser autorizado sem uma avaliação prévia das suas incidências no mesmo (Acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.° 22).

29      Como recordou o Tribunal de Justiça, o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats prevê duas fases. A primeira, referida na primeira frase desta disposição, exige que os Estados‑Membros efetuem uma avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projeto num sítio protegido quando exista a probabilidade que este plano ou este projeto afete esse sítio de maneira significativa. A segunda fase dessa disposição, referida na segunda frase desta mesma disposição, que ocorre após a referida avaliação adequada, sujeita a autorização desse plano ou projeto à condição de que este não afete a integridade do sítio em causa, sem prejuízo das disposições do artigo 6.°, n.° 4, desta diretiva (Acórdão de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.os 44 e 46 e jurisprudência referida).

30      Importa acrescentar que o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats integra também o princípio da precaução e permite prevenir de forma eficaz os atos contra a integridade dos sítios protegidos, que resultem dos planos ou dos projetos previstos. Um critério de autorização menos estrito do que o enunciado nesta disposição não pode garantir de forma igualmente eficaz a realização do objetivo de proteção dos sítios pretendida pela referida disposição (Acórdão de 26 de abril de 2017, Comissão/Alemanha, C‑142/16, EU:C:2017:301, n.° 40 e jurisprudência referida).

31      No caso em apreço, as partes no processo principal e a Comissão estão de acordo quanto ao facto de que as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio dizem unicamente respeito à fase de rastreio. Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as medidas destinadas a evitar ou a reduzir os efeitos prejudiciais de um plano ou de um projeto no sítio em causa podem ser tomadas em consideração na fase do rastreio, para determinar se é necessário proceder a uma avaliação adequada das incidências desse plano ou desse projeto no sítio.

32      O artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats enuncia claramente que a obrigação de proceder a uma avaliação depende dos dois requisitos cumulativos seguintes: o plano ou projeto em questão não deve estar ligado ou ser necessário à gestão do sítio, e deve ser suscetível de afetar este último de forma significativa.

33      Decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o órgão jurisdicional de reenvio considera preenchido o primeiro destes requisitos.

34      Quanto ao segundo requisito, segundo jurisprudência constante, o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats sujeita a exigência de uma avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projeto à condição de haver uma probabilidade ou um risco de esse plano ou projeto afetar o sítio em causa de modo significativo. Tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, tal risco existe quando não se possa excluir, com base em elementos objetivos, que esse plano ou esse projeto afeta o sítio em causa de modo significativo (Acórdão de 26 de maio de 2011, Comissão/Bélgica, C‑538/09, EU:C:2011:349, n.° 39 e jurisprudência referida). A apreciação desse risco deve ser efetuada, designadamente, à luz das características e das condições ambientais específicas do sítio a que diz respeito esse plano ou esse projeto (v., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.° 45 e jurisprudência referida).

35      Como alegam os recorrentes no processo principal e a Comissão, a circunstância de que, como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, sejam tomadas em consideração as medidas destinadas a evitar ou a reduzir os efeitos prejudiciais no sítio em causa, aquando da apreciação da necessidade de realizar uma avaliação adequada, pressupõe que é verosímil que o sítio seja afetado de forma significativa e que, por conseguinte, há que proceder a essa avaliação.

36      Esta conclusão é corroborada pelo facto de que deve ser efetuada uma análise completa das medidas que podem evitar ou reduzir eventuais efeitos significativos no sítio em causa não na fase de rastreio, mas precisamente na da avaliação adequada.

37      A tomada em consideração de tais medidas a partir da fase de rastreio pode prejudicar o efeito útil da Diretiva Habitats, em geral, bem como na fase de avaliação, em especial, uma vez que esta última fase perderia o seu objeto e existiria o risco de eludir essa fase de avaliação, que constitui uma garantia essencial prevista por esta diretiva.

38      A este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça insiste na circunstância de a avaliação efetuada nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats não poder apresentar lacunas e dever incluir constatações e conclusões completas, precisas e definitivas, por forma a dissipar toda e qualquer dúvida cientificamente razoável quanto aos efeitos das obras projetadas no sítio protegido em causa (Acórdão de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.° 50 e jurisprudência referida).

39      Além disso, é nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats que as pessoas como os recorrentes no processo principal têm designadamente o direito de participar no procedimento de adoção de uma decisão relativa a um pedido de autorização de um plano ou de um projeto que pode ter efeitos importantes no ambiente (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.° 49).

40      Tendo em conta todas as considerações expostas, há que responder à questão submetida que o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que, para se determinar se é necessário proceder, posteriormente, à avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projeto no sítio em causa, não há, na fase de rastreio, que tomar em consideração as medidas destinadas a evitar ou a reduzir os efeitos prejudiciais desse plano ou desse projeto nesse sítio.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, deve ser interpretado no sentido de que, para se determinar se é necessário proceder, posteriormente, à avaliação adequada das incidências de um plano ou de projeto no sítio em causa, não há, na fase de rastreio, que tomar em consideração as medidas destinadas a evitar ou a reduzir os efeitos prejudiciais desse plano ou desse projeto nesse sítio.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.