Language of document : ECLI:EU:T:2005:425

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

28 de Novembro de 2005 (*)

«Recurso de anulação – Questão prévia de inadmissibilidade – Directiva 2003/112/CE – Legitimidade»

No processo T‑94/04,

Secretariado Europeu do Ambiente (SEA), com sede em Bruxelas (Bélgica),

Pesticides Action Network Europe, com sede em Londres (Reino Unido),

International Union of Food, Agricultural, Hotel, Restaurant, Catering, Tobacco and Allied Workers’ Associations (IUF), com sede em Genebra (Suíça),

European Federation of Trade Unions in the Food, Agricultural and Tourism sectors and allied branches      (EFFAT), com sede em Bruxelas,

Stichting Natuur en Milieu, com sede em Utrecht (Holanda),

Svenska Naturskyddföreningen, com sede em Estocolmo (Suécia),

representados por P. Van den Biesen, G. Vandersanden e B. Arentz, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Doherty, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Syngenta Ltd, com sede em Guildford (Reino Unido), representada por C. Simpson, solicitor e D. Abrahams, barrister,

parte interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Directiva 2003/112/CE da Comissão, de 1 de Dezembro de 2003, que altera a Directiva 91/414/CEE do Conselho, com o objectivo de incluir a substância activa paraquato (JO L 321, p. 32),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij e I. Pelikánová, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Quadro Jurídico

 Directiva 91/414/CEE

1        O artigo 4.° da Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 230, p. 1), prevê as condições e o processo de direito comum aplicáveis para efeitos da concessão, revisão e retirada da autorização de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos. A este respeito, o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da directiva, estabelece que apenas podem ser autorizados os produtos cujas substâncias activas estejam inscritas no anexo I.

2        Os requisitos necessários para efeitos da inscrição das substâncias activas no anexo I são estabelecidos pelo artigo 5.° da Directiva 91/414/CEE. Esta inscrição apenas é possível se, considerando o estado de conhecimentos científicos e técnicos, se conseguir determinar que os produtos fitofarmacêuticos que contêm a substância activa em causa, preenchem certos requisitos relativos à inexistência de perigo para a saúde humana e animal, bem como para o ambiente.

3        O artigo 8.°, n.° 2, da directiva prevê que, em derrogação das disposições do artigo 4.° da Directiva 91/414, os Estados‑Membros podem, durante um período transitório, autorizar a colocação no mercado, no seu território, de produtos fitofarmacêuticos que contenham substâncias activas não constantes do anexo I, que se encontrem já no mercado dois anos após a data de notificação da directiva, a saber, 26 de Julho de 1993.

4        As substâncias activas incluídas nos produtos que beneficiam da derrogação prevista pelo artigo 8.°, n.° 2, da directiva, constituem objecto de um exame gradual, no quadro de um programa de trabalho da Comissão.

 Regulamento n.° 3600/92/CEE

5        O artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 3600/92/CEE da Comissão, de 11 de Dezembro de 1992, que estabelece normas de execução para a primeira fase do programa de trabalho referido no artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 91/414 (JO L 366, p. 10), prevê que a Comissão estabelece a lista de substâncias activas a analisar e designa um Estado‑Membro relator para a avaliação de cada substância activa.

6        Decorre dos artigos 6.° e 7.° do Regulamento n.° 3600/92/CEE que o Estado‑Membro designado como relator deve avaliar a substância activa em causa e enviar à Comissão um relatório de avaliação do processo que inclua uma recomendação de incluir a substância activa no anexo I da Directiva 91/414 ou de adopção de outras medidas, como a sua retirada do mercado.

7        A Comissão atribui a missão de examinar o processo e o relatório ao Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal instituído pelo artigo 58.° do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que estabelece os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1).

8        O artigo 7.°, n.° 3‑A, do Regulamento n.° 3600/92, inserido pelo Regulamento (CE) n.° 1199/97 da Comissão, de 27 de Junho de 1997, que altera o Regulamento n.° 3600/92 (JO L 170, p. 19), prevê que a Comissão apresentará ao Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal um projecto de decisão que pode assumir diversas formas. Se for proposta a inscrição da substância activa no anexo I da Directiva 91/414, tratar‑se‑á de um projecto de directiva. Se o projecto de decisão visar a adopção de medidas negativas contra a substância activa e inclusivamente a retirada das autorizações dos produtos fitofarmacêuticos que contenham essa substância, a Comissão pode propor um projecto de decisão dirigido aos Estados‑Membros.

 Antecedentes do litígio

9        Os recorrentes são seis. O primeiro é o Secretariado Europeu do Ambiente (SEA), uma associação de direito belga cujo objecto estatutário consiste, em especial, em promover a protecção e a conservação do ambiente no quadro dos países da União Europeia. O SEA participa em diferentes órgãos consultivos da Comissão, nomeadamente no grupo permanente «Fitossanitário» e no comité consultivo «Agricultura e Ambiente». É igualmente membro do European Habitats Forum e, a este título, beneficia de um estatuto de parte interessada e de observador no quadro da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7).

10      O segundo recorrente, a Pesticide Action Network Europe, é uma sociedade de direito britânica, cujo objecto é a promoção de soluções alternativas duradouras à utilização de pesticidas. Participou na Stakeholders’ Conference on the Development of a Thematic Strategy on the Sustainable Use of Pesticides (Conferência das partes interessadas sobre o desenvolvimento de uma estratégia temática relativa ao uso duradouro de pesticidas) organizada pela Comissão em 4 de Novembro de 2002.

11      O terceiro recorrente, a International Union of Food, Agricultural, Hotel, Restaurant, Catering, Tobacco and Allied Workers’ Associations (IUF), é uma federação internacional de sindicatos nacionais representantes de trabalhadores empregados em diversos sectores, como o sector da agricultura e das plantações. De acordo com os seus estatutos, a IUF tem como objecto principal defender os interesses gerais e específicos dos trabalhadores de todos os Estados empregados nos sectores que abrange. A IUF faz parte da Confederação Europeia dos Sindicatos, reconhecida pela União Europeia como a única organização sindical interprofissional representativa ao nível europeu.

12      A European Federation of Trade Unions in the Food, Agricultural and Tourism sectors and allied branches (EFFAT) é uma associação de direito belga que constitui um dos ramos regionais da IUF. A EFFAT participa em diversos órgãos consultivos instituídos pela Comissão como o grupo permanente «Fitossanitário» e o comité consultivo «Agricultura e Ambiente».

13      O quinto recorrente, a Stichting Natuur en Milieu (a seguir «Natuur en Milieu») é uma fundação de direito neeralandês que, de acordo com os seus estatutos, tem como objecto principal «proporcionar que os seus membros manifestem as suas opiniões» e oferecer uma natureza viva e um ambiente saudável às gerações actuais e futuras. Esta fundação é membro do SEA.

14      O sexto recorrente, a Svenska Naturskyddföreningen (a seguir «Naturskyddföreningen»), é uma associação de direito sueca cujo objecto estatutário é, em especial, mobilizar a opinião pública e influenciar o processo decisório, no que diz respeito à protecção da natureza e do ambiente e trabalhar para a protecção e conservação das zonas com interesse ecológico. A Naturskyddföreningen é, por outro lado, proprietária de uma quinta, a Osaby, no sudeste da Suécia, cuja actividade agrícola é totalmente orgânica. Segundo os recorrentes, o local onde Osaby se situa e o carácter completamente exclusivo dos biótopos que aí são preservadas constituem um habitat perfeitamente viável para espécies anfíbias como o Triturius cristatus e a Rana arvalis protegidas pela Directiva 92/43.

15      Em Julho de 1993, diversas empresas, nomeadamente a Syngenta Ltd., notificaram à Comissão a sua intenção de inscrever o paraquato no anexo I da Directiva 91/414.

16      O n.° 83 do anexo I do Regulamento n.° 3600/92 refere o paraquato como fazendo parte das substâncias da primeira fase do programa de trabalho da Comissão referido no artigo 8.°, n.° 2 da Directiva 91/414.

17      O Regulamento (CE) n.° 933/94 da Comissão de 27 de Abril de 1994 que estabelece a lista de substâncias activas dos produtos fitofarmacêuticos e designa os Estados‑Membros relatores para aplicação do Regulamento n.° 3600/92 (JO L 107, p. 8) designou o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte como Estado‑Membro relator para o paraquato.

18      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte apresentou à Comissão, em 31 de Outubro de 1996, os relatórios de avaliação e as correspondentes recomendações, de acordo com as disposições do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 3600/92. Este relatório de avaliação foi examinado pelos Estados‑Membros e pela Comissão, no quadro do comité permanente da cadeia alimentar e da saúde animal.

19      Em 12 de Junho de 2003, o SEA, a Pesticide Action Network Europe e a Naturskyddföreningen pediram aos ministros europeus responsáveis pelo ambiente e à Comissão a não inclusão do paraquato no anexo I da Directiva 91/414. Por outro lado, em 25 de Setembro de 2003, a EFFAT fez o mesmo pedido aos membros das instituições europeias.

 Acto impugnado

20      Em 1 de Dezembro de 2003, a Comissão adoptou a Directiva 2003/112/CE que altera a Directiva 91/414, com vista a inscrever a substância activa paraquato (JO L 321, p. 32, a seguir a «acto impugnado»).

21      Decorre do artigo 1.° e do anexo do acto impugnado que o paraquato foi incluído no anexo I da Directiva 91/414. Por outro lado, resulta do anexo do acto impugnado que o paraquato apenas pode ser usado como herbicida e que são proibidas certas técnicas de fertilização com produtos que contêm esta substância.

22      O artigo 2.° do acto impugnado prevê, designadamente, que os Estados‑Membros adoptarão e publicarão até 30 de Abril de 2005, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao acto impugnado. Os Estados‑Membros informarão imediatamente a Comissão e aplicarão estas disposições a partir de 1 de Maio de 2005.

23      O artigo 3.° do acto impugnado impõe, designadamente, aos Estados‑Membros, o reexame de todas as autorizações concedidas para cada produto fitossanitário que contenha paraquato, a fim de garantir o respeito das condições aplicáveis a esta substância activa fixadas no anexo I da Directiva 91/414.

24      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1 do acto impugnado, os Estados‑Membros assegurarão que os detentores de autorizações apresentem um relatório, o mais tardar até 31 de Março de 2008, sobre as consequências das medidas destinadas a atenuar os riscos que devem ser aplicadas no quadro de um programa de gestão e sobre a aplicação das evoluções das fórmulas do paraquato. Esta disposição prevê, igualmente, que os Estados‑Membros submetam, imediatamente, essas informações à Comissão. O artigo 4.°, n.° 2, do acto impugnado estabelece que a Comissão deve submeter ao comité permanente da cadeia alimentar e da saúde animal um relatório sobre a aplicação da directiva impugnada, indicando se os requisitos exigidos para a inscrição no anexo I continuam a ser preenchidas e pode propor todas as modificações que considere necessárias, incluindo, se for caso disso, a retirada da inscrição nesse anexo.

25      O artigo 5.°, n.° 1 do acto impugnado estabelece que 1 de Novembro de 2004 será o dia da entrada em vigor desse acto.

26      Por fim, o artigo 6.° do acto impugnado dispõe que os Estados‑Membros são os seus destinatários.

 Tramitação processual e pedidos das partes

27      Por petição apresentada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Fevereiro de 2004, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

28      Por requerimento separado apresentado na secretaria do Tribunal em 18 de Maio de 2004, a recorrida suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal. Os recorrentes apresentaram as suas observações quanto a essa questão prévia em 30 de Julho de 2004.

29      Por requerimento apresentado na secretaria do Tribunal em 9 de Junho de 2004, a Syngenta, Ltd. requereu a sua intervenção no presente processo em apoio da recorrida. Por despacho de 14 de Outubro de 2004, o Presidente da Segunda Secção do Tribunal admitiu essa intervenção. A parte interveniente não apresentou as suas alegações no prazo fixado.

30      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acto impugnado;

–        condenar a Comissão nas despesas.

31      A recorrida conclui pedindo ao Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

32      Em virtude do artigo 114.°, n.° 1 do Regulamento do Processo, se uma parte o requerer, o Tribunal pode decidir quanto à inadmissibilidade sem entrar no mérito da causa. De acordo com o n.° 3 do mesmo artigo, salvo decisão em contrário do Tribunal, segue‑se a fase oral do processo. No caso concreto, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos do processo, não havendo lugar à abertura de fase oral.

 Quanto à inadmissibilidade baseada na natureza do acto impugnado

33      A Comissão observa que o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, não faz qualquer referência à possibilidade de uma pessoa singular ou colectiva impugnar uma directiva. Assim, ao solicitar ao Tribunal que anule a directiva impugnada, os recorrentes pedem ao juiz comunitário que ignore a letra do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. De todo o modo, o recurso contra a directiva impugnada é inadmissível em virtude da natureza normativa das directivas.

34      A este respeito, o Tribunal declara que, contrariamente ao que defende a Comissão, o facto de o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, não prever, expressamente, a admissibilidade de recursos de anulação interpostos por particulares de uma directiva não é suficiente para declarar inadmissíveis tais recursos (v. despacho do Tribunal de 6 de Maio de 2003, Vannieuwenhuyze‑Morin/Parlamento e Conselho, T‑321/02, Colect., p. II‑1997, n.° 21, e a jurisprudência citada). Com efeito, as instituições comunitárias não podem excluir, pela simples escolha da forma do acto em causa, a protecção jurisdicional que esta disposição do Tratado oferece aos particulares (v. despacho do Tribunal de 14 de Janeiro de 2002, Association contre l’heure d’été/Parlamento e Conselho, T‑84/01, Colect., p. II‑99, n.° 23 e a jurisprudência citada).

35      Da mesma forma, a Comissão erra ao defender que o carácter normativo do acto impugnado impede que o mesmo seja objecto de um recurso de anulação interposto por particulares. Com efeito, resulta da jurisprudência que, em certas circunstâncias, mesmo um acto normativo aplicável à generalidade dos operadores económicos pode dizer respeito, directa e individualmente, a alguns deles (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C‑358/89, Colect., p. I‑2501, n.° 13; de 18 de Maio de 1994, Cordorniu/Conselho, C‑309/89, Colect., p. I‑1853, n.° 19, e de 22 de Novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho, C‑451/98, Colect., p. I‑8949, n.° 46; Acórdão do Tribunal de 6 de Dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T‑43/98, Colect., p. II‑3519, n.° 47).

36      Nestas condições, a questão prévia de a inadmissibilidade baseada na natureza do acto impugnado não procede.

 Quanto à inadmissibilidade baseada na falta de legitimidade dos recorrentes

 Argumentos das partes

37      A Comissão contesta que o acto impugnado diga directa e individualmente respeito aos recorrentes. Quanto à questão de saber se a directiva impugnada diz individualmente respeito aos recorrentes, sustenta que um acto regulamentar só pode dizer individualmente respeito a uma pessoa singular ou colectiva, se a atingir em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou em razão de uma situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outra pessoa e, por isso, a individualize de modo análogo ao do destinatário (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2004, Comissão/Jégo‑Quéré, C‑263/02 P, Colect., p. I‑3425, n.° 45, e a jurisprudência citada). Ora, tal não acontece no caso concreto.

38      Os recorrentes alegam que o acto impugnado lhes diz directa e individualmente respeito.

39      Quanto à condição de lhes dizer individualmente respeito, alegam, em primeiro lugar, que são especialmente afectados pelo acto impugnado, na medida em que a actividade de cada um deles é a defesa dos interesses superiores que estão em jogo, no caso concreto, a protecção do ambiente e da saúde pública. O SEA, o Natuur en Milieu e o Naturskyddföreningen desenvolvem a sua actividade na protecção do ambiente e na preservação da natureza, incluindo a vida selvagem no quadro da Directiva 92/43. O IUF e o EFFAT, por seu turno, protegem os interesses dos trabalhadores, designadamente, trabalhadores agrícolas, incluindo a sua saúde. O acto impugnado afecta especialmente os seus interesses já que conduz, em violação do direito comunitário, a «uma regressão» em termos de protecção dos referidos interesses. Acrescentam que o acto impugnado afecta particularmente o Naturskyddföreningen, uma vez que os direitos dos proprietários estão em causa no caso concreto.

40      Em segundo lugar, alegam que o SEA e o EFFAT têm um estatuto especial de consultores junto da Comissão e das outras instituições europeias nos respectivos domínios de competência, que o Natuur en Milieu, o Naturskyddföreningen e o IUF gozam de um estatuto idêntico junto de outras autoridades nacionais e supranacionais e que, de acordo com o seu objecto estatutário, alguns dos recorrentes pediram expressamente à Comissão que não inscrevesse o paraquato no anexo I da Directiva 91/414.

41      Em terceiro lugar, alegam, no essencial, que na ordem jurídica neerlandesa, o Natuur en Milieu é considerado ser directa e individualmente prejudicado pela violação das regras de direito que protegem os interesses do ambiente e da fauna selvagem, o mesmo acontecendo no âmbito do direito sueco, quanto ao Naturskyddföreningen.

42      Em quarto lugar, os recorrentes alegam que a admissibilidade do seu recurso é imposta pela exigência de uma protecção jurisdicional efectiva, pelo respeito do princípio da igualdade de armas e pela proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a aplicação às instituições e órgãos da Comunidade Europeia das disposições da Convenção de Århus sobre o acesso à informação, a participação do público e o acesso à justiça no domínio do ambiente (COM/2003/0622 final, a seguir a «proposta de regulamento Århus »).

43      Em primeiro lugar, quanto à necessidade de lhes ser assegurada uma protecção jurisdicional efectiva, os recorrentes sustentam que a anulação do acto impugnado impede o desencadeamento de uma quantidade de processos de autorização complexos, longos e dispendiosos nos diferentes Estados‑Membros. De acordo com eles, se tivessem de se dirigir aos órgãos jurisdicionais nacionais, ficariam na obrigação de controlar a eventual apresentação de pedidos de autorização em todos os Estados‑Membros, de estudar o sistema jurídico dos Estados em que fosse apresentado um pedido de autorização de colocação no mercado e de encetar os processos nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Acresce que, em virtude do princípio do reconhecimento mútuo, previsto no artigo 10.° da Directiva 91/414, os recorrentes que quisessem opor‑se à colocação no mercado de produtos com paraquato deveriam intervir em todos os processos nacionais. Por fim, defendem que, contrariamente ao que pretende a Comissão, não se trata de uma questão de pura comodidade, uma vez que é praticamente impossível que um órgão jurisdicional nacional se pronuncie quanto à validade do acto impugnado. Daqui decorre que, do ponto de vista da eficácia das vias de recurso abertas aos recorrentes, de acordo com os artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir a «CEDH»), aplicáveis ao Tribunal em virtude do artigo 6.°, n.° 2, UE, os recorrentes podem integrar o presente recurso no Tribunal de Primeira Instância.

44      Em seguida, quanto ao princípio da igualdade de armas, os recorrentes alegam, antes de mais, que um recurso de um acto impugnado, por parte de um produtor de paraquato, como a Syngenta, é admissível, com fundamento no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, como resulta do despacho do Tribunal de 24 de Janeiro de 2001, Iberotam e o./Comissão (T‑112/00 e T‑122/00, Colect., p. II‑97, n.° 79). Ora, o princípio da igualdade de armas, consagrado pelos artigos 6.°, 13.° e 14.° da CDEH, exige que as partes para as quais um acto adoptado pela Comissão tenha efeitos opostos, possam dispor das mesmas oportunidades em matéria de vias de recurso. A este respeito, acrescentam que o Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1969, Eridania e o./Comissão (10/68 e 18/68, Colect., p. 459), segundo o qual a legitimidade dos particulares não pode resultar do simples facto de eles estarem numa relação de concorrência com os destinatários do acto impugnado, não tem qualquer pertinência no presente processo, uma vez que nesse acórdão são tratadas relações de concorrência que não existem no caso em apreço.

45      Por fim, os recorrentes sustentam que o seu recurso é admissível, tendo em conta os considerandos da proposta de regulamento Århus. Na exposição de motivos, a Comissão considera que não é necessário modificar o artigo 230.° para admitir a legitimidade das organizações europeias de defesa do ambiente que preencham certos critérios objectivos impostos pela referida proposta. Ora, os recorrentes preenchem os referidos critérios, facto que, segundo a tese da Comissão, é suficiente para lhes reconhecer legitimidade para requerer a anulação do acto impugnado.

 Apreciação do Tribunal

46      Em virtude do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «Qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor [...] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

47      No caso concreto, decorre do artigo 6.° da directiva impugnada que esta tem como únicos destinatários os Estados‑Membros. Compete, assim, aos recorrentes provar, nomeadamente, que este acto, de que não são os destinatários, lhes diz individualmente respeito.

48      A este propósito, resulta da jurisprudência que os recorrentes que, como no caso concreto, não são destinatários de um acto, não podem invocar que o mesmo lhes diz individualmente respeito a não ser que o acto em causa os atinja em virtude de certas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à de um destinatário (v. Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 36, e a jurisprudência citada).

49      Importa, pois, verificar se, no caso concreto, o acto impugnado diz individualmente respeito aos recorrentes em virtude de certas qualidades que lhes sejam específicas ou se existe uma situação de facto que os individualize, na perspectiva do acto impugnado, em relação a todas as outras pessoas.

50      A fim de demonstrar que o acto impugnado lhes diz individualmente respeito, os recorrentes alegam, em primeiro lugar, que são especialmente afectados por esse acto, em virtude dos efeitos negativos graves que provoca à protecção do ambiente e à protecção da saúde dos trabalhadores, materializados por uma regressão em termos de protecção destes interesses. Por outro lado, a Naturskyddföreningen é também especialmente afectada, em virtude dos prejuízos que o acto impugnado causa ao seu direito de propriedade.

51      Antes de mais, importa observar que os recorrentes não especificam em que medida o acto impugnado implica uma regressão em termos de protecção do ambiente e de saúde dos trabalhadores, nem fornecem os elementos concretos para sustentar o alegado prejuízo grave causado aos direitos de propriedade da Naturskyddföreningen.

52      Em seguida, importa destacar que, no caso concreto, o acto impugnado tem como efeito essencial modificar o anexo I da Directiva 91/414, nele mencionando a substância activa paraquato e ao estabelecer as condições da sua utilização como substância activa (artigo 1.°); de impor aos Estados‑Membros, por um lado, que efectuem uma revisão de todas as autorizações concedidas para cada produto fitofarmacêutico que contenha paraquato e, por outro, que reavaliem os produtos fitossanitários autorizados que contenham paraquato (artigo 3.°); de impor aos Estados‑Membros que garantam que os detentores de autorizações apresentem, até 31 de Março de 2008, um relatório sobre os efeitos das medidas destinadas a reduzir os riscos que devem ser aplicadas através de um programa de gestão e na aplicação das evoluções das fórmulas do paraquato (artigo 4.°, primeiro parágrafo); e de impor à Comissão que apresente ao Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal um relatório sobre a aplicação do acto impugnado, indicando se os requisitos para inclusão no anexo I continuam a ser cumpridos e propor quaisquer alterações, incluindo, eventualmente, a retirada do anexo I se necessário (artigo 4.°, segundo parágrafo).

53      Independentemente da questão de saber qual ou quais destas disposições constituem, segundo os recorrentes, um prejuízo grave aos interesses que eles defendem, sob a forma de uma regressão na protecção desses interesses, e um prejuízo grave aos direitos de propriedade de um deles, é necessário verificar se estas disposições os prejudicam na sua qualidade objectiva de entidades activas na protecção do ambiente ou da saúde dos trabalhadores ou, ainda, de titulares de direitos de propriedade e isto da mesma forma que todas as outras pessoas que se encontram na mesma situação.

54      Ora, como resulta da jurisprudência, esta simples qualidade não é suficiente para estabelecer que o acto impugnado diz individualmente respeito aos recorrentes (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Greenpeace e o./Comissão, C‑321/95 P, Colect., p. I‑1651, n.° 28 e despacho do Tribunal de 30 de Abril de 2003, Villiger Söhne/Conselho, T‑154/02, Colect., p. II‑1921, n.° 47, e jurisprudência citada).

55      decorre do que precede que os alegados efeitos negativos graves do acto impugnado nos interesses e nos direitos de propriedade dos recorrentes não permitem estabelecer que o acto impugnado lhes diz individualmente respeito.

56      Em segundo lugar, os recorrentes alegam que o SEA e a EFFAT têm um estatuto especial de consultores junto das instituições comunitárias, que a Natuur en Milieu, a Naturskyddföreningen e a IUF gozam de um estatuto similar junto das autoridades nacionais e supranacionais e que de acordo com o seu objecto estatutário, alguns dos recorrentes pediram expressamente à Comissão a não inscrição do paraquato no anexo I da Directiva 91/414.

57      A este respeito, importa recordar, antes de mais, que o facto de uma pessoa intervir, de uma maneira ou de outra, no processo que conduz à adopção de uma medida comunitária, não é susceptível de individualizar essa pessoa em relação ao acto em causa a não ser quando certas garantias de processo tenham sido previstas para essa pessoa pela regulamentação comunitária aplicável (v. despacho do Tribunal de 29 de Abril de 2002, Bactria/Comissão, T‑339/00, Colect., p. II‑2287, n.° 51 e a jurisprudência citada). Ora, no caso concreto, a regulamentação comunitária aplicável à adopção do acto impugnado não prevê qualquer garantia processual em benefício dos recorrentes, nem mesmo qualquer participação dos órgãos consultivos comunitários, nacionais ou supranacionais de que os recorrentes alegam fazer parte. Por conseguinte, nem o facto de os recorrentes terem solicitado às autoridades comunitárias a não inscrição do paraquato no anexo I da Directiva 91/414, nem a sua participação nos órgãos consultivos permite considerar que o acto impugnado lhes diz individualmente respeito.

58      Em terceiro lugar, quanto ao argumento segundo o qual o direito neerlandês e o direito sueco admitem que os recorrentes são individualizados pelos actos que prejudicam os interesses que eles defendem, importa observar que a legitimidade reconhecida aos recorrentes em certas ordens jurídicas dos Estados‑Membros não tem pertinência para apreciar a sua legitimidade para requerer a anulação de um acto comunitário, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (v., neste sentido, despacho do Tribunal de 9 de Agosto de 1995, Greenpeace e o./Comissão, T‑585/93, Colect., p. II‑2205, n.° 51).

59      Do que precede resulta que o direito comunitário não prevê o direito de acção de interesses colectivos perante o juiz comunitário, como é preconizado pelos recorrentes no caso em apreço.

60      Em quarto lugar, os recorrentes sustentam que a protecção jurisdicional efectiva, tal como está consagrada nos artigo 6.° e 13.° da CEDH, aplicável às instituições comunitárias por força do artigo 6.°, n.° 2, EU, exige que o presente recurso seja declarado admissível em virtude de, por um lado, os recursos interpostos nos órgãos jurisdicionais nacionais serem longos, complexos e dispendiosos, e por outro, desses órgãos jurisdicionais não estarem em condições de decidir as questões suscitadas no presente recurso.

61      A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que o direito a uma protecção jurisdicional efectiva faz parte dos princípios gerais de direito que decorrem das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que, com efeito, esse direito foi igualmente consagrado pelos artigos 6.° e 13.° da CEDH (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, n.° 48 supra, n.os 38 e 39).

62      Nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu que o Tratado da União Europeia, através dos seus artigos 230.° CE e 241.° CE, por um lado, e do seu artigo 234.° CE, por outro, estabelece um sistema completo de vias de recurso e de processos destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos actos das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário. Neste sistema, as pessoas singulares ou colectivas, que não podem, em virtude das condições de admissibilidade previstas pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, impugnar directamente os actos comunitários de alcance geral, têm a possibilidade, conforme os casos, de alegar a invalidade de tais actos, quer perante o juiz comunitário, a título incidental nos termos do artigo 241.° CE, quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais e de levar estes últimos, que não são competentes para declarar eles próprios a invalidade dos referidos actos, a interrogar a este respeito o Tribunal de Justiça através de questões prejudiciais (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, n.° 48 supra, n.° 40).

63      Por fim, resulta da jurisprudência que a admissibilidade de um recurso de anulação perante o juiz comunitário não depende da questão de saber se existe uma via de recurso para um órgão jurisdicional nacional que permita apreciar a validade do acto cuja anulação é defendida (v., neste sentido, o acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, n.° 48 supra, n.° 46).

64      Verifica‑se que, na concepção jurisprudencial consagrada pelo Tribunal de Justiça, o argumento baseado na protecção jurisdicional efectiva avançado pelos recorrentes não permite fundamentar, por si só, a admissibilidade do seu recurso.

65      Em quinto lugar, os recorrentes defendem que o seu recurso deve ser declarado admissível em aplicação do princípio da igualdade de armas. A este respeito, basta referir que o simples facto de um recorrente ser afectado por uma medida de forma contrária à de uma pessoa dotada de legitimidade para requerer a anulação dessa medida não é suficiente para conferir a esse recorrente legitimidade para tal (v., neste sentido, acórdão Eridania e o./Comissão, n.° 44 supra, n.° 7, e Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2000, Comité d’entreprise de la société française de production e o./Comissão, C‑106/98 P, Colect., p. I‑3649, n.° 41). Nestas condições, mesmo admitindo, como defendem os recorrentes, que a parte interveniente tem legitimidade para requerer a anulação do acto impugnado, esta simples circunstância não permite estabelecer que os recorrentes satisfazem a exigência de o acto impugnado lhes dizer individualmente respeito, nem os dispensa de provar que satisfazem essa exigência.

66      Em sexto lugar e por último, os recorrentes alegam que a sua legitimidade decorre, por um lado, do facto de a Comissão referir, na exposição de motivos da proposta de regulamento Århus, que as associações europeias de defesa do ambiente que satisfaçam certos critérios objectivos têm legitimidade activa nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE e que, por outro, no caso em apreço, os recorrentes preenchem os referidos critérios objectivos.

67      A este respeito importa salientar, antes de mais, que os princípios que regem a hierarquia das normas (v., em especial, o acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 1992, Alemanha/Comissão, C‑240/90, Colect., p. I‑5383, n.° 42) se opõem a que um acto de direito derivado confira legitimidade activa aos particulares que não satisfaçam as exigências do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. O mesmo acontece, por maioria de razão, quanto à exposição de motivos de uma proposta de acto de direito derivado.

68      Assim, a exposição de motivos invocada pelos recorrentes não os dispensa de demonstrar que o acto impugnado lhes diz individualmente respeito. Por outro lado, mesmo admitindo que os recorrentes são entidades qualificadas nos termos da proposta de regulamento Århus, é necessário observar que os mesmos não apontam qualquer razão pela qual essa qualidade permitiria considerar que o acto impugnado lhes diz individualmente respeito.

69      Em face de tudo o que precede, resta concluir que os recorrentes não são individualizados pelo acto impugnado. Consequentemente, o recurso deve ser julgado inadmissível sem que seja necessário verificar se esse acto lhes diz directamente respeito.

 Quanto às despesas

70      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas do processo, em conformidade com o pedido da Comissão.

71      Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir que um interveniente suporte as respectivas despesas. No caso concreto, a parte interveniente em apoio da Comissão suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (segunda secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      Os recorrentes suportarão, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão.

3)      A parte interveniente suportará as suas próprias despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 28 de Novembro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Pirrung


* Língua do processo: inglês.