Language of document : ECLI:EU:T:2009:30

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

10 de Fevereiro de 2009 (*)

«Auxílios de Estado – Decisão de não levantar objecções – Recurso de anulação – Legitimidade activa – Admissibilidade – Dificuldades sérias»

No processo T‑388/03,

Deutsche Post AG, com sede em Bona (Alemanha),

DHL International, com sede em Diegem (Bélgica),

representadas por J. Sedemund e T. Lübbig, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e M. Niejahr, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C(2003) 2508 final da Comissão, de 23 de Julho de 2003, de, na sequência de um procedimento preliminar de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE, não levantar objecções contra diversas medidas tomadas pelas autoridades belgas a favor da La Poste SA, empresa pública de correios belga,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIADAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, K. Jürimäe e S. Soldevila Fragoso (relator), juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Maio de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A La Poste SA é a empresa pública responsável pelo serviço postal universal na Bélgica. Com a liberalização do mercado dos serviços postais, a La Poste sucedeu, em 1 de Outubro de 1992, à Régie des Postes, que se encontrava sob a alçada directa do Ministério dos Correios belga. Desde então, a La Poste constitui‑se como empresa pública autónoma detida a 100% pelo Estado belga.

2        As missões de serviço público da La Poste, as suas tarifas, as regras de conduta perante os utentes e as subvenções são estabelecidas por lei e detalhadas num contrato de gestão celebrado com o Estado. Assim, foram celebrados quatro contratos entre o Estado e a La Poste desde 1992.

3        Além da sua função de operador do serviço postal universal, a La Poste está encarregada de numerosas outras missões de utilidade pública, como actividades bancárias de base oferecidas ao público em geral, a distribuição de jornais e revistas a tarifas reduzidas, a distribuição de impressos eleitorais, o pagamento de pensões ao domicílio, a venda de licenças de pesca e a cobrança de coimas. O contrato de gestão determina, nomeadamente, as regras de compensação do custo líquido adicional dos serviços de interesse económico geral (a seguir «SIEG»).

4        A La Poste realiza 84% do seu volume de negócios no sector dos serviços postais universais. O sector das encomendas urgentes representa 4% do seu volume de negócios, o que corresponde a uma quota de mercado de 18% neste sector.

5        As recorrentes, a Deutsche Post AG e a sua filial belga DHL International (a seguir «grupo Deutsche Post»), operam no sector dos serviços postais, nomeadamente no mercado dos serviços de encomendas urgentes. O grupo Deutsche Post detém uma quota de 35% a 45% no mercado belga dos serviços de encomendas urgentes.

 Procedimento de investigação preliminar

6        Em 1999, o Estado belga decidiu, em princípio, conceder um apoio financeiro à La Poste que estava subordinado ao estabelecimento de um plano de empresa aprovado pelos seus órgãos de gestão e coordenado com um plano social. Este plano de empresa, adoptado em 28 de Junho de 2002, que se destinava a aumentar a produtividade da empresa e a sua rentabilidade, a melhorar a qualidade do serviço oferecido e a desenvolver actividades novas, implicava investimentos importantes.

7        Em 8 de Outubro de 2002, o Governo belga deu o seu acordo a um aumento de capital da La Poste no valor de 297,5 milhões de euros. Este aumento de capital devia ser efectuado sob a forma de subscrição de um aumento de capital e remunerado por acções representativas do capital cujos direitos seriam idênticos aos das acções já emitidas.

8        Por carta de 3 de Dezembro de 2002, o Reino da Bélgica notificou à Comissão um projecto de aumento de capital da La Poste no montante de 297,5 milhões de euros, nos termos das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE. Foram efectuadas três reuniões entre a Comissão e as autoridades belgas, em 12 de Dezembro de 2002 e em 6 de Fevereiro e 3 de Abril de 2003, e trocadas várias cartas.

9        Tendo tomado conhecimento da existência de um procedimento de investigação aquando de uma declaração do Ministro das Telecomunicações belga em 1 de Julho de 2003, seguida, em 14 de Julho de 2003, de um artigo publicado no quotidiano belga Le Soir, as recorrentes enviaram à Comissão, por telecopia de 22 de Julho de 2003, registada em 23 de Julho de 2003, um pedido de informações acerca do estado do procedimento, a fim de eventualmente tomarem parte nele, nos termos das disposições do artigo 20.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° CE] (JO L 83, p. 1).

10      Em 23 de Julho de 2003, a Comissão decidiu não levantar objecções na sequência do procedimento preliminar de investigação previsto pelo artigo 88.°, n.° 3, CE [Decisão C(2003) final, a seguir «decisão recorrida»], uma vez que a medida notificava não constituía um auxílio de Estado.

 Decisão recorrida

11      Na decisão recorrida, a Comissão expõe a argumentação das autoridades belgas relativamente ao seu projecto de aumento de capital da La Poste. Assim, as autoridades belgas sustentam ter‑se colocado na óptica do investidor privado numa economia de mercado. A entrada de capital inscreve‑se num programa de medidas de aumento da produtividade da empresa no contexto da abertura dos mercados dos serviços postais e destina‑se a reforçar os seus fundos próprios, esperando ao mesmo tempo um retorno sobre o investimento. Consideram que as perspectivas de crescimento da empresa nas suas novas actividades são reais.

12      Além disso, as autoridades belgas consideram que, desde 1992, a La Poste foi obrigada a suportar os custos de algumas das suas obrigações de SIEG (actividades postais, actividades bancárias para as pessoas que não dispõem de conta bancária) que eram apenas parcialmente compensadas pelas contribuições estatais. O regime estatutário dos quatro quintos dos empregados da La Poste gerou igualmente custos elevados (pagamento de pensões de 1992 a 1997, em vez de cotizações), bem como a implementação de reformas antecipadas.

13      Na sua apreciação jurídica da medida notificada, a Comissão partiu do facto de que, através de cada um dos contratos de gestão, o Estado confiou à La Poste tarefas específicas de interesse económico geral que reflectem as missões de serviço público desta última. A Comissão sublinhou que, de acordo com a jurisprudência, se as compensações estatais de que a La Poste beneficiava não excedessem o custo líquido adicional dos SIEG por ela assegurados, essas medidas não constituíam auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Contudo, na hipótese de constituírem auxílios de Estado, as referidas compensações eram compatíveis com o mercado comum, nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE.

14      Antes de proceder à apreciação da medida notificada, a Comissão assegurou‑se, na decisão recorrida, de que a La Poste não havia beneficiado, desde a sua transformação em empresa pública autónoma, de medidas susceptíveis de serem qualificadas de auxílios de Estado incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 87.° CE. No quadro deste exame, identificou seis medidas que consistiam numa isenção do pagamento do imposto sobre as sociedades, na supressão de uma provisão para reformas no montante de 100 milhões de euros em 1997, na possibilidade de beneficiar de uma garantia de Estado relativamente aos empréstimos contraídos, numa isenção do imposto predial sobre os imóveis afectos a um serviço público, numa sobrecompensação dos serviços financeiros de interesse geral aquando do primeiro contrato de gestão (1992‑1997) e em dois aumentos de capital não notificados, efectuados em 1997, no montante total de 62 milhões de euros. Além disso, a Comissão verificou subcompensações de custo líquido adicional de SIEG.

15      A Comissão entendeu que, numa primeira fase, devia apreciar estas seis medidas uma vez que condicionavam a legalidade do aumento de capital notificado.

 Medida 1: isenção do pagamento do imposto sobre as sociedades

16      Tendo constatado que a La Poste havia apresentado uma perda líquida acumulada de 238,4 milhões de euros de 1992 a 2002, a Comissão considerou que, relativamente a este período, essa medida não podia ser qualificada de auxílio de Estado, porquanto não implicava qualquer transferência de fundos estatais.

 Medida 2: supressão da provisão para reformas em 1997

17      A Comissão constatou que, em 1992, aquando da transformação da La Poste em empresa pública autónoma, tinha sido constituída uma provisão de 100 milhões de euros para cobrir parte das prestações de reforma a título dos direitos adquiridos pelos empregados desde 1972 até 1992. Em contrapartida, imóveis necessários ao serviço público e que, por conseguinte, não podiam ser alienados, haviam sido cedidos à La Poste. Em 1997, quando o regime das reformas dos funcionários do quadro dos correios foi adaptado ao regime geral, essa provisão, que não tinha sido utilizada desde a sua constituição, foi transformada em reserva de mais‑valias. Por considerar que a supressão da provisão não se tinha traduzido em qualquer vantagem para a La Poste, a Comissão considerou que esta medida não constituía um auxílio de Estado.

 Medida 3: benefício da garantia do Estado relativamente aos empréstimos contraídos

18      A Comissão constatou que, à semelhança da Régie des Postes, a La Poste conservara a possibilidade de recorrer à garantia do Estado quando contraia empréstimos e que, se utilizasse esta possibilidade, devia pagar ao Tesouro um prémio anual de 0,25%. Uma vez que a La Poste nunca usou essa possibilidade desde 1992, a Comissão considerou que não lhe havia sido concedido qualquer vantagem e que esta medida não constituía um auxílio de Estado.

 Medida 4: isenção de imposto predial sobre os imóveis afectos a um serviço público

19      A Comissão referiu que a La Poste estava isenta do pagamento de imposto sobre os bens imóveis de que era proprietária e que estavam afectos a um serviço público. Considerou que esta isenção do imposto predial, que a priori lhe conferia um benefício financeiro, era susceptível de constituir um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

 Medida 5: sobrecompensação dos serviços financeiros de interesse geral ao abrigo do primeiro contrato de gestão (1992‑1997)

20      A Comissão entendeu que a contabilidade separada relativa ao período de 1992‑1997 revelava uma sobrecompensação paga pelo Estado à La Poste por serviços financeiros de interesse geral e que esta sobrecompensação constituía potencialmente um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

 Medida 6: aumentos de capital não notificados, efectuados em 1997, no montante total de 62 milhões de euros

21      A Comissão indicou que estes dois aumentos de capital, realizados em Março e Dezembro de 1997 e destinados a equilibrar uma compensação insuficiente dos SIEG, constituíam potencialmente auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

22      Seguidamente, a Comissão procedeu ao exame das medidas susceptíveis de constituir auxílios de Estado (medidas 4 a 6), à luz das disposições do artigo 86.°, n.° 2, CE. Assim, após ter apurado o saldo das sobrecompensações correspondentes a estas três medidas e das subcompensações dos SIEG que ela mesmo havia detectado, a Comissão concluiu que restava uma subcompensação de custo líquido adicional de SIEG e que, deste modo, as três medidas em causa não constituíam auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

23      De igual modo, a Comissão considerou que, visto a subcompensação de custo líquido adicional de SIEG correspondente ao período de 1992‑2002 ser superior ao montante do aumento de capital notificado, este último não constituía, em si mesmo, um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, porquanto não conferia qualquer vantagem à La Poste. Por conseguinte, a Comissão decidiu não levantar objecções a esta medida.

 Tramitação processual e pedidos das partes

24      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Novembro de 2003, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

25      Por acto separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Fevereiro de 2004, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

26      Em 14 de Abril de 2004, as recorrentes apresentaram as suas observações sobre esta excepção de inadmissibilidade.

27      Por despacho de 15 de Dezembro de 2004, o Tribunal de Primeira Instância reservou para final a decisão sobre a excepção de inadmissibilidade.

28      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

29      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

30      A excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão baseia‑se na falta de legitimidade activa e na falta de interesse em agir das recorrentes.

 Quanto à legitimidade activa

–       Argumentos das partes

31      A Comissão sustenta que o recurso não é admissível, porquanto a decisão recorrida não diz directa e individualmente respeito às recorrentes na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

32      Em primeiro lugar, a Comissão expõe, na sua argumentação anteriormente apresentada no processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum (C‑78/03 P, Colect., p. I‑10737), que, para reconhecer a admissibilidade de um recurso interposto por um concorrente do beneficiário contra uma decisão de não levantar objecções adoptada no termo do procedimento de investigação preliminar previsto pelo artigo 88.°, n.° 3, CE, a jurisprudência exige que a posição do recorrente no mercado em causa seja substancialmente afectada pela medida de auxílio (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.os 20 a 26, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 19).

33      Em segundo lugar, a Comissão considera que, mesmo admitindo que diz respeito às recorrentes a qualquer título, a decisão recorrida não lhes diz individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE e da jurisprudência decorrente do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279), no sentido de que não diz mais respeito às recorrentes do que a qualquer outra empresa em relação de concorrência com o beneficiário num ou noutro mercado em que este opera.

34      A Comissão alega que a afirmação das recorrentes segunda a qual, nos n.os 27 e 28 da decisão recorrida, refere a relação de concorrência directa existente entre uma empresa do grupo Deutsche Post e a La Poste não tem qualquer interesse, uma vez que esta circunstância é evocada na parte descritiva da decisão recorrida sem que lhe seja atribuído qualquer efeito jurídico. Segundo a Comissão, os auxílios autorizados não estão relacionados com os domínios de actividades citados no n.° 27 da decisão recorrida, os quais praticamente não se revestem de qualquer importância para a La Poste.

35      Por último, a Comissão sublinhou na audiência que, em aplicação de jurisprudência recente do Tribunal de Justiça (acórdãos Comissão/Aktiongemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, e de 29 de Novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, C‑176/06 P, não publicado na Colectânea), o recurso não é admissível porquanto as recorrentes apenas mencionaram a violação das suas garantias processuais de forma muito geral e, nas suas conclusões, pedem a anulação da decisão recorrida e não a abertura do procedimento formal de investigação. Por conseguinte, considera que, para que o seu recurso fosse admissível, as recorrentes deveriam ter demonstrado que eram substancialmente afectadas pela decisão recorrida.

36      As recorrentes começam por referir que a jurisprudência reconhece aos concorrentes do beneficiário de uma medida de auxílio o direito de impugnar a decisão da Comissão que declara a compatibilidade dessa medida com o mercado comum no termo do procedimento preliminar de investigação previsto pelo artigo 88.°, n.° 3, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.os 20 a 24; Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.os 15 a 20, e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 45). Segundo as recorrentes, esta jurisprudência trata da legitimidade activa das empresas interessadas no procedimento administrativo, na hipótese em que a Comissão o dá por encerrado na fase de investigação preliminar sem abrir o procedimento formal de investigação previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, com o fundamento de que, na falta dessa legitimidade, as referidas empresas não poderiam obter o respeito das garantias processuais ligadas ao procedimento formal de investigação (acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 24 Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 17, e Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 40).

37      As recorrentes recordam que, já antes da adopção da decisão recorrida, tinham pedido à Comissão, em 22 de Julho de 2003, que as considerasse partes interessadas na acepção do artigo 1.°, alínea h), e do artigo 20.° do Regulamento n.° 659/19999, e que a Comissão não tinha tido em consideração o seu pedido, ao adoptar a decisão recorrida em 23 de Julho de 2003, privando‑as, assim, dos seus direitos processuais.

38      As recorrentes observam igualmente que as medidas declaradas compatíveis com o mercado comum pela decisão recorrida falseiam a concorrência em seu detrimento, pois operam na qualidade de concorrentes directas da La Poste no mercado belga, sobretudo no sector da expedição urgente de encomendas. Em apoio deste argumento, alegam que o grupo Deutsche Post realizou na Bélgica um volume de negócios total consolidado de 124,8 milhões de euros durante o exercício comercial que precedeu a adopção da decisão recorrida, que, nesta última, a Comissão remete expressamente para a relação de concorrência directa existente entre o grupo Deutsche Post e a La Poste, que as recorrentes representam 35% a 45% do mercado belga no sector da expedição urgente de encomendas e de serviços de documentos [decisão da Comissão, de 21 de Outubro de 2002, que declara a compatibilidade de uma concentração com o mercado comum (processo N IV/M.2908 – Deutsche Post/DHL (II), n.° 23], ao passo que a La Poste apenas detém no sector uma quota de 18%, e que, nos mercados dos serviços postais liberalizados na Bélgica, opera um único grupo líder de quatro empresas internacionais, a saber, a DHL/DPAG, a UPS, a TPG/TNT e a FedEx (decisão Deutsche Post, já referida, n.° 26).

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

39      Em conformidade com o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa se a referida decisão lhe disser directa e individualmente respeito.

40      Segundo jurisprudência assente, os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão (acórdãos Plaumann/Comissão, já referido no n.° 33, p. 284, e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.° 33).

41      No que respeita a uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, importa recordar que, no âmbito do procedimento de controlo desses auxílios previsto no artigo 88.° CE, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de investigação dos auxílios instituída pelo n.° 3 deste artigo, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de investigação aprofundada a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo. Apenas no âmbito desta fase, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, é que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 22; Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 16; Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido no n.° 36, n.° 38, e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.° 34).

42      Sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão concluir, através de uma decisão adoptada com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários dessas garantias processuais só podem obter o respeito delas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o juiz comunitário (acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 23; Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 17; Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido no n.° 36, n.° 40; e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.° 35). Por estas razões, é admissível um recurso de anulação dessa decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, quando o autor desse recurso pretenda, com a sua interposição, salvaguardar os direitos processuais conferidos por esta última disposição (acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.os 23 a 26; Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.os 17 a 20, e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.° 35).

43      Ora, os interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, que, assim, podem interpor recursos de anulação, em conformidade com o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, são as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais (acórdãos Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido no n.° 36, n.° 41, e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.o 36).

44      Em contrapartida, se o recorrente põe em causa a justeza da decisão de apreciação do auxílio em si mesmo, o simples facto de poder ser considerado interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE não basta para se declarar a admissibilidade do recurso. Deve então demonstrar que goza de um estatuto especial na acepção do acórdão Plaumann/Comissão, já referido no n.° 33. É esse o caso, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado for substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão em causa (acórdão Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.° 37).

45      No caso vertente, as recorrentes invocam sete fundamentos para o seu recurso. O primeiro baseia‑se numa violação dos direitos de defesa, uma vez que a Comissão apenas colocou à sua disposição uma versão não confidencial da decisão recorrida, onde a maioria dos valores são ocultados, em nome do respeito do princípio do segredo dos negócios. O segundo fundamento baseia‑se na inobservância das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE, uma vez que a Comissão decidiu não proceder à abertura do procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, apesar de ter tido dificuldades sérias na apreciação da compatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado comum. Nos terceiro, quarto e quinto fundamentos, as recorrentes sustentam que o exame, levado a cabo pela Comissão, das medidas correspondentes à isenção do imposto sobre as sociedades, à supressão de uma provisão e à possibilidade de beneficiar de uma garantia do Estado relativamente aos empréstimos tinha sido insuficiente ou incompleto, e contestam a não qualificação dessas medidas como auxílios de Estado. Em apoio do seu sexto fundamento, as recorrentes põem em causa o método e o conteúdo do cálculo efectuado pela Comissão relativamente ao saldo dos elementos de sobrecompensações e de subcompensações de custo adicional de SIEG. Por último, em apoio do seu sétimo fundamento, as recorrentes sustentam que, contrariamente aos princípios instituídos no acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747, a seguir «acórdão Altmark»), a Comissão não tinha verificado se os SIEG foram fornecidos ao menor custo para a colectividade.

46      Assim, visto as recorrentes porem em causa, simultaneamente, a recusa da Comissão de abrir o procedimento formal de investigação bem como o mérito da decisão recorrida, há que analisar, em primeiro lugar, a legitimidade das recorrentes para impugnarem o mérito da decisão recorrida e, em segundo lugar, a legitimidade das recorrentes para obterem o respeito dos seus direitos processuais, a fim de determinar se o seu recurso é admissível.

47      Em primeiro lugar, as recorrentes não demonstram que a sua posição no mercado possa ser substancialmente afectada pelo auxílio objecto da decisão recorrida.

48      Com efeito, não constitui afectação substancial a simples circunstância de a decisão em causa ser susceptível de exercer uma certa influência nas relações de concorrência existentes no mercado pertinente e de as empresas em causa se encontrarem numa qualquer relação de concorrência com o beneficiário dessa decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1969, Eridania e o./Comissão, 10/68 e 18/68, Colect. 1969‑1970, p. 171, n.° 7). Assim, uma empresa não pode invocar unicamente a sua qualidade de concorrente em relação à empresa beneficiária da medida, mas deve demonstrar, além disso, a importância da afectação da sua posição no mercado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2000, Comité d’entreprise de la Société française de production e o./Comissão, C‑106/98 P, Colect., I‑3659, n.os 40 e 41).

49      Ora, importa constatar que as recorrentes não apresentaram qualquer elemento susceptível de demonstrar a particularidade da sua situação concorrencial no mercado dos serviços postais belga, limitando‑se a sustentar que faziam parte de um grupo de algumas empresas presentes no mercado em causa. Por outro lado, o simples facto de o respectivo nome ser mencionado na decisão recorrida não é suficiente para demonstrar que as recorrentes foram substancialmente afectadas pelas medidas de que a La Poste beneficiou e que foram autorizadas pela decisão recorrida, uma vez que, nas passagens em causa, a Comissão mais não fez que indicar que o mercado dos serviços postais belga era relativamente mais aberto que o de outros Estados‑Membros, uma vez que a La Poste detinha apenas 18% do mercado da expedição urgente de encomendas, estando o resto nas mãos de operadores internacionais, e que a margem operacional da La Poste relativamente ao serviço postal tradicional, essencialmente de cartas, era muito mais reduzida que a do operador de serviços postais neerlandês TPG ou da Deutsche Post World Net (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Maio de 2004, Deutsche Post e DHL/Comissão, T‑358/02, Colect., p. II‑1565, n.os 39 a 41).

50      Por último, as recorrentes mencionaram elementos quantitativos relativos à quota de mercado que detinham no sector da expedição urgente de encomendas na Bélgica.

51      Contudo, estes elementos não são, enquanto tais, susceptíveis de demonstrar que a sua posição concorrencial, comparada à de outros concorrentes da La Poste, era substancialmente afectada pela decisão recorrida.

52      Em contrapartida, na sua qualidade de concorrentes directas da La Poste no mercado da expedição urgente de encomendas, as recorrentes possuem a qualidade de interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE.

53      Trata‑se portanto, em segundo lugar, de verificar se, com o seu recurso, as recorrentes pretendem efectivamente defender os direitos processuais que decorrem do artigo 88.°, n.° 2, CE.

54      Cabe recordar a este respeito que o Tribunal de Primeira Instância deve interpretar os fundamentos de um recorrente à luz mais da sua substância do que da respectiva qualificação (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1961, Fives Lille Cail e o./Alta Autoridade, 19/60, 21/60, 2/61 e 3/61, Recueil, p. 561, Colect. 1954‑1961, p. 637). Assim, o Tribunal pode examinar outros argumentos apresentados por um recorrente a fim de verificar se também fornecem elementos em apoio de um fundamento, aduzido pelo mesmo recorrente, que sustente expressamente a existência de dúvidas justificativas da abertura do procedimento mencionado no artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, Thermenhotel Stoiser Franz e o./Comissão, T‑158/99, Colect., p. II‑1, n.os 141, 148, 155, 161 e 167, e de 20 de Setembro de 2007, Fachvereinigung Mineralfaserindustrie/Comissão, T‑254/05, não publicado na Colectânea, n.° 48). Todavia, não cabe ao Tribunal interpretar o recurso de um recorrente que põe em causa exclusivamente o mérito de uma decisão de apreciação do auxílio enquanto tal no sentido de que, na realidade, o referido recurso se destina a salvaguardar os direitos processuais conferidos ao recorrente pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, quando este não tenha aduzido expressamente um fundamento para esse fim. Nesta hipótese, a interpretação do fundamento conduziria a uma requalificação do objecto do recurso (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.os 44 e 47, e Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, já referido no n.° 35, n.° 25). Para o referido efeito, o Tribunal deve, pelo menos, poder basear‑se em elementos apresentados pelo recorrente e que permitam concluir que este visa, no essencial, a salvaguarda dos seus direitos processuais.

55      Através do seu segundo fundamento, as recorrentes sustentam explicitamente que os direitos processuais que lhes são conferidos pelo artigo 88.°, n.° 2, CE foram violados com a adopção da decisão recorrida.

56      Além disso, resulta da petição que os terceiro, quarto, quinto e sétimo fundamentos da mesma fornecem elementos em apoio do segundo fundamento, porquanto neles as recorrentes alegam que, em determinados aspectos específicos, a investigação da Comissão foi insuficiente e incompleta e que deveria ter sido aberto o procedimento formal de investigação (pontos 29, 37, 41 e 42 da petição). De igual modo, o sétimo fundamento, baseado no facto de não ter sido verificado se os SIEG foram fornecidos ao menor custo para a colectividade, constitui um elemento que poderia permitir demonstrar que a Comissão devia ter aberto o procedimento formal de investigação. Consequentemente, através destes fundamentos, destinados a pôr em evidência que as medidas em causa não tinham podido ser examinadas apropriadamente no quadro do procedimento de investigação preliminar, as recorrentes pretendem igualmente sustentar que os direitos processuais que lhes são conferidos pelo artigo 88.°, n.° 2, CE foram violados com a adopção da decisão recorrida.

57      Resulta das considerações precedentes que as recorrentes têm legitimidade activa.

 Quanto ao interesse em agir

–       Argumentos das partes

58      A Comissão sustenta que o recurso interposto pelas recorrentes não é admissível, pois estas não têm qualquer interesse na solução do litígio. Com efeito, a jurisprudência exige que um recorrente demonstre sempre que dispõe de interesse próprio em agir. A questão da existência deste interesse é apreciada em função do objecto do recurso.

59      No caso vertente, a Comissão considera que, em caso de anulação da decisão recorrida, as recorrentes correm o risco de ver confirmada a sua Decisão 2002/753/CE, de 19 de Junho de 2002, relativa a medidas adoptadas pela República Federal da Alemanha a favor da Deutsche Post AG (JO L 247, p. 27), que declara essas medidas incompatíveis com o mercado comum.

60      As recorrentes observam que o objecto do presente recurso é preservar os seus interesses na qualidade de concorrentes directas da La Poste, beneficiária do auxílio em causa, e que este recurso é totalmente independente dos outros contenciosos que possam ter pendentes no Tribunal de Primeira Instância.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

61      No que respeita a uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, importa recordar que, apenas no âmbito da fase de investigação aprofundada prevista pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, é que o Tratado CE prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 22; Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 16; Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido no n.° 36, n.° 38, e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido no n.° 32, n.° 34).

62      Na sua qualidade de interessadas na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, as recorrentes têm interesse em obter a anulação da decisão recorrida, tomada no termo do procedimento preliminar de investigação, uma vez que, em aplicação das disposições do artigo 88.° CE, esta anulação impõe à Comissão que abra o procedimento formal de exame e permite‑lhes apresentar as suas observações, influenciando deste modo a nova decisão da Comissão.

63      Em contrapartida, para determinar se as recorrentes dispõem de interesse em agir, não cabe ao Tribunal comparar os fundamentos aduzidos no quadro do presente recurso com os argumentos de defesa apresentados pelas recorrentes num contencioso distinto.

64      Resulta das considerações precedentes que as recorrentes dispõem de interesse em agir.

65      O recurso é, por conseguinte, admissível e a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão deve, portanto, ser rejeitada.

 Quanto ao objecto da fiscalização exercida pelo Tribunal de Primeira Instância e quanto à admissibilidade dos fundamentos do recurso

 Quanto ao objecto da fiscalização exercida pelo Tribunal de Primeira Instância

66      No que respeita ao objecto da fiscalização que deve ser efectuada pelo Tribunal, há que precisar que, quando pretende obter a salvaguarda dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 88.°, n.° 2, CE, o recorrente pode invocar qualquer um dos fundamentos enumerados no artigo 230.°, segundo parágrafo, CE, desde que os mesmos se destinem a obter a anulação da decisão recorrida e, em última análise, a abertura, pela Comissão, do procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Março de 2004, Danske Busvognmænd/Comissão, T‑157/01, Colect., p. II‑917, n.° 41). Ao invés, não compete ao Tribunal de Primeira Instância, nesta fase do procedimento de investigação de um auxílio pela Comissão, pronunciar‑se sobre a existência de um auxílio ou sobre a sua compatibilidade com o mercado comum (conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 71).

67      Assim, devem ser rejeitados como inadmissíveis os fundamentos aduzidos na petição destinados a que o Tribunal se pronuncie sobre a existência de um auxílio ou sobre a sua compatibilidade com o mercado comum. No caso vertente, é o que acontece, por um lado, com o sexto fundamento, baseado no método alegadamente errado utilizado pela Comissão para calcular o saldo dos elementos de sobrecompensações e de subcompensações de custo adicional dos SIEG, e, por outro, com os terceiro, quarto e quinto fundamentos, na medida em que se destinam a demonstrar que a Comissão cometeu um erro ao considerar que as medidas examinadas não eram constitutivas de auxílios de Estado.

68      De igual modo, o primeiro fundamento, baseado numa violação dos direitos de defesa, deve ser declarado inadmissível, uma vez que as recorrentes não demonstraram, nem sequer alegaram, que os dados quantitativos ocultados na versão não confidencial da decisão recorrida lhes tinham sido necessários para obter a abertura do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE pela Comissão. Com efeito, resulta da petição que as recorrentes pretendiam apenas servir‑se desses dados para verificar se a Comissão não tinha cometido um erro ao considerar que as medidas examinadas não eram constitutivas de auxílios de Estado.

69      Em contrapartida, o segundo fundamento, baseado na inobservância das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE, e os terceiro, quarto, quinto e sétimo fundamentos, na medida em que se destinam a demonstrar que o exame levado a cabo pela Comissão durante a fase de investigação preliminar foi insuficiente ou incompleto, podem ser examinados pelo Tribunal.

 Quanto à admissibilidade do fundamento baseado no carácter insuficiente do exame efectuado pela Comissão à luz dos critérios instituídos pelo acórdão Altmark

70      Uma vez que a Comissão alega tratar‑se de um fundamento novo, importa apreciar a admissibilidade do sétimo fundamento, na parte em que se destina a demonstrar o carácter insuficiente do exame efectuado pela Comissão à luz dos critérios instituídos pelo acórdão Altmark, já referido no n.° 45.

71      A este respeito, cabe recordar que, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, «é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo». Diversamente, um fundamento que constitua uma ampliação de um fundamento deduzido anteriormente, directa ou tacitamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este deve ser considerado admissível (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Março de 1999, Hubert/Comissão, T‑212/97, ColectFP, pp. I‑A‑41 e II‑185, n.° 87, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Julho de 2000, RJB Mining/Comissão, T‑110/98, Colect., p. II‑2971, n.° 24).

72      No caso vertente, na sua réplica, sob o título «Violação dos critérios consagrados pelo acórdão [Altmark]», as recorrentes alegam que a Comissão adoptou uma interpretação inexacta do conceito de auxílio de Estado e apresentam uma argumentação destinada a demonstrar que a Comissão não examinou, na decisão recorrida, se os custos dos SIEG compensados pelo Estado belga eram equivalentes ou inferiores aos de uma empresa média bem gerida, como prevê o acórdão Altmark, já referido no n.° 45. As recorrentes procuram desta forma sustentar que o exame levado a cabo pela Comissão no quadro do procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 3, CE não lhe permitiu ultrapassar, no termo da sua investigação preliminar, as dificuldades relacionadas com a apreciação do carácter apropriado do nível da compensação concedida pelo Estado belga à La Poste .

73      Importa referir que este fundamento apresenta um nexo estreito com o segundo fundamento, baseado na inobservância das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE e na necessidade de abrir o procedimento formal de investigação dos auxílios previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE. Com efeito, ao sustentar que a Comissão não dispunha de informações suficientes que lhe permitissem determinar se os serviços públicos foram fornecidos a um custo apropriado, as recorrentes pretendem demonstrar que a Comissão deveria ter aberto o procedimento formal de investigação. Nestas condições, uma vez que faz implicitamente parte do segundo fundamento, o presente fundamento deve ser considerado admissível.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

–       Quanto ao segundo fundamento, baseado na necessidade de abrir o procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE

74      As recorrentes consideram que a Comissão não observou as disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE, ao decidir não proceder à abertura do procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE. Resulta da jurisprudência que a abertura do procedimento formal de investigação é indispensável sempre que a Comissão se depara com dificuldades sérias na apreciação da compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum e não tem condições para ultrapassar todas as dificuldades suscitadas por essa apreciação no primeiro exame (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2001, Portugal/Comissão, C‑204/97, Colect., p. I‑3175, n.os 33 a 35). No caso vertente, a duração excessiva do procedimento preliminar de exame, a amplitude das questões a tratar no quadro deste bem como o conteúdo dos documentos relativos a este procedimento apresentados pela Comissão a pedido do Tribunal demonstram que devia ter sido aberto um procedimento formal de investigação.

75      As recorrentes pretendem igualmente invocar o n.° 35 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.° 74, segundo o qual a Comissão é obrigada a examinar o conjunto dos elementos de facto e de direito que terceiros tenham levado ao seu conhecimento, nomeadamente empresas cujos interesses possam ter sido afectados pela concessão do auxílio.

76      Por último, as recorrentes sublinham que os pedidos de informação dirigidos pela Comissão durante o procedimento preliminar de exame apenas podem servir para completar a notificação e só no decurso do procedimento formal de investigação é que podem ser reunidas informações completas. Ora, no caso vertente, tanto o volume dos documentos apresentados como o âmbito de investigação da Comissão foram extremamente importantes.

77      A Comissão entende que cabe às recorrentes demonstrar que deparou com graves dificuldades na apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum. A Comissão considera igualmente que a duração do procedimento preliminar de exame não foi excessiva e se explica por numerosas informações que teve de reunir, para o que concedeu, de cada vez, um prazo ao Governo belga.

–       Quanto ao terceiro fundamento, na medida em que se baseia no carácter incompleto do exame da isenção do imposto sobre as sociedades, efectuado pela Comissão

78      As recorrentes constatam que a Comissão se recusou a qualificar esta medida de auxílio de Estado pela simples razão de a La Poste ter apresentado uma perda líquida durante o período de 1992 a 2002. Ora, as recorrentes consideram que o exame de uma medida que pode potencialmente constituir um auxílio de Estado deve ser igualmente efectuado apreciando os seus efeitos futuros (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1988, Grécia/Comissão, 57/86, Colect., p. 2855, n.° 10).

79      A Comissão recorda que a decisão recorrida não tem por objecto o exame da isenção de imposto sobre as sociedades à luz das regras relativas aos auxílios de Estado, mas apenas determinar se esta isenção conferiu à La Poste uma vantagem a ter em conta no cálculo da compensação entre os custos líquidos adicionais e o conjunto das despesas públicas.

–       Quanto ao quarto fundamento, na medida em que se baseia no carácter incompleto do exame da supressão da provisão para reformas, efectuado pela Comissão

80      As recorrentes sustentam que a cessão de bens imóveis pelo Estado belga constitui uma vantagem económica considerável, embora esses imóveis sejam inalienáveis, e que este ponto não foi objecto de um exame suficiente pela Comissão. Consideram que, desta forma, a La Poste adquiriu bens imóveis a título gratuito, o que a dispensa de efectuar despesas consideráveis com a aquisição ou a locação de imóveis.

81      A Comissão entende que a La Poste nunca beneficiou de uma subvenção efectiva destinada a ajudá‑la a financiar as reformas dos seus agentes, mas de uma simples operação contabilística de aprovisionamento, tendo como contrapartida imóveis inalienáveis cedidos pelo Estado. Segundo ela, a supressão da provisão para reformas não se traduziu em qualquer vantagem para a La Poste. Ao invés, a supressão da obrigação de suportar os encargos das pensões dos seus agentes a partir de 1997 constituiu uma vantagem, todavia compensada pela obrigação de a La Poste assumir o encargo das contribuições patronais.

–       Quanto ao quinto fundamento, na medida em que se baseia no carácter incompleto do exame da possibilidade de beneficiar de uma garantia do Estado relativamente aos empréstimos contraídos, efectuado pela Comissão

82      As recorrentes entendem que a mera existência da possibilidade de a La Poste beneficiar de uma garantia do Estado relativamente aos seus empréstimos lhe oferece condições de financiamento a que as outras empresas não têm acesso e que, de resto, a Comissão seguiu um raciocínio semelhante nos processos relativos às garantias oferecidas pela República Federal da Alemanha aos seus bancos públicos ou pela França relativamente aos compromissos da Électricité de France. As recorrentes consideram que a Comissão não demonstra, na decisão recorrida, em que medida o mecanismo de que a La Poste beneficia é desprovido de carácter automático. Por último, entendem que a Comissão deveria ter procedido a uma comparação do montante do prémio anual que a La Poste é obrigada a pagar ao Estado com o que teria de pagar em condições normais de mercado.

83      Segundo a Comissão, esta possibilidade de beneficiar da garantia do Estado não constitui um auxílio de Estado, porquanto a La Poste pode renunciar a esta garantia. Por outro lado, afirma que a simples possibilidade de poder beneficiar de uma garantia não pode ser equiparada a uma garantia efectiva na sua apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado comum.

–       Quanto ao sétimo fundamento, na medida em que se baseia no carácter insuficiente do exame dos critérios instituídos pelo acórdão Altmark, efectuado pela Comissão

84      As recorrentes sustentam, na sua réplica, que a Comissão procedeu a uma interpretação inexacta do acórdão Altmark, já referido no n.° 45, no qual o Tribunal de Justiça precisou que a compensação dos custos de SIEG constitui apenas um dos critérios que devem estar reunidos para que um benefício financeiro constitua um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.° CE. Sustentam que a Comissão deveria, nomeadamente, ter verificado se os serviços de interesse económico geral foram fornecidos ao menor custo para a colectividade (acórdão Altmark, já referido no n.° 45, n.° 95), o que não parece ter sido aqui o caso.

85      A Comissão limita‑se a sublinhar que este fundamento não foi aduzido pelas recorrentes na sua petição e que, portanto, é inadmissível.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–       Regras gerais relativas ao procedimento previsto pelo artigo 88.° CE

86      Convém começar por recordar as regras gerais referentes ao sistema de fiscalização dos auxílios de Estado, instituído pelo Tratado, tal como foram enunciadas na jurisprudência (acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido no n.° 36, n.os 33 a 39; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T‑95/96, Colect., p. II‑3407, n.os 49 a 53; BP Chemicals/Comissão, T‑11/95, Colect., p. II‑3235, n.os 164 a 166, e de 15 de Março de 2001, Prayon‑Rupel/Comissão, T‑73/98, Colect., p. II‑867, n.os 39 a 49).

87      No quadro das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE, a Comissão procede a um exame dos auxílios de Estado previstos, que tem por objecto permitir‑lhe formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total dos auxílios em causa com o mercado comum. O procedimento formal de investigação previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE destina‑se, por sua vez, a proteger os direitos de terceiros potencialmente interessados (v. n.os 42 e 43, supra) e deve, além disso, permitir à Comissão ficar completamente esclarecida sobre todos os elementos do processo antes de tomar a sua decisão, nomeadamente mediante a recolha das observações de terceiros interessados e dos Estados‑Membros (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13). Embora o seu poder seja vinculado no que toca à decisão de dar início a este procedimento, a Comissão goza, contudo, de uma certa margem de apreciação na investigação e no exame das circunstâncias do caso em apreço a fim de determinar se estas suscitam dificuldades sérias. Em conformidade com o objectivo do artigo 88.°, n.° 3, CE e com o dever de boa administração que lhe incumbe, a Comissão pode, designadamente, dar início a um diálogo com o Estado que procedeu à notificação ou com terceiros a fim de superar, na fase preliminar, as dificuldades que eventualmente tenha encontrado (acórdão Prayon‑Rupel/Comissão, já referido no n.° 86, n.° 45).

88      Segundo jurisprudência constante, o procedimento do artigo 88.°, n.° 2, CE reveste‑se de carácter indispensável sempre que a Comissão depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum (acórdãos Alemanha/Comissão, já referido no n.° 87, n.° 13; Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 29, e Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 33; v. também acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, SIDE/Comissão, T‑49/93, Colect., p. II‑2501, n.° 58).

89      Compete à Comissão determinar, em função das circunstâncias de facto e de direito de cada caso, se as dificuldades encontradas no exame da compatibilidade do auxílio impõem a abertura desse procedimento (acórdão Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 30). Esta apreciação deve satisfazer três requisitos.

90      Em primeiro lugar, o artigo 88.° CE circunscreve o poder da Comissão de se pronunciar sobre a compatibilidade de um auxílio com o mercado comum no termo da fase preliminar apenas às medidas que não suscitam dificuldades sérias, pelo que este critério reveste carácter exclusivo. Assim, a Comissão não se pode recusar a dar início ao procedimento formal de exame invocando outras circunstâncias, como o interesse de terceiros, considerações de economia processual ou qualquer outra razão de conveniência administrativa ou política (acórdão Prayon‑Rupel/Comissão, já referido no n.° 86, n.° 44).

91      Em segundo lugar, quando depara com dificuldades sérias, a Comissão está obrigada a dar início ao procedimento formal e não goza, a este respeito, de qualquer poder discricionário.

92      Em terceiro lugar, o conceito de dificuldades sérias reveste carácter objectivo. A existência de tais dificuldades deve ser apreciada tanto em função das circunstâncias da adopção do acto impugnado como do seu conteúdo, de modo objectivo, relacionando as razões da decisão com os elementos de que a Comissão dispunha quando se pronunciou sobre a compatibilidade dos auxílios controvertidos com o mercado comum (acórdão SIDE/Comissão, já referido no n.° 88, n.° 60). Resulta daqui que a fiscalização da legalidade efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no que toca à existência de dificuldades sérias excede, por natureza, a verificação de um erro manifesto de apreciação (v., neste sentido, acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.os 31 a 38, e Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.os 34 a 39; acórdãos SIDE/Comissão, já referido no n.° 88, n.os 60 a 75; BP Chemicals/Comissão, já referido no n.° 86, n.os 164 a 200, e Prayon‑Rupel/Comissão, já referido no n.° 86, n.° 47).

93      As recorrentes suportam o ónus da prova da existência de dificuldades sérias, prova esta que podem fazer a partir de um leque de indícios concordantes, relativos, por um lado, às circunstâncias e à duração do procedimento de investigação preliminar e, por outro, ao conteúdo da decisão recorrida.

94      Segundo a jurisprudência, o decurso de um prazo que exceda significativamente o tempo que normalmente implica um primeiro exame operado no âmbito das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE pode, conjuntamente com outros elementos, conduzir à conclusão de que a Comissão encontrou sérias dificuldades de apreciação que exigem a instauração do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdão Alemanha/Comissão, já referido no n.° 87, n.os 15 e 17; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2000, SIC/Comissão, T‑46/97, Colect., p. II‑2125, n.° 102, e Prayon‑Rupel/Comissão, já referido no n.° 86, n.° 93).

95      Resulta igualmente da jurisprudência que o carácter insuficiente ou incompleto do exame levado a cabo pela Comissão no processo de investigação preliminar constitui um indício da existência de dificuldades sérias (v., neste sentido, acórdãos Cook/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 37, e Portugal/Comissão, já referido no n.° 74, n.os 46 a 49; acórdãos SIDE/Comissão, já referido no n.° 88, n.os 61, 67 e 68, e Prayon‑Rupel/Comissão, já referido no n.° 86, n.° 108).

–       Quanto aos indícios de dificuldades sérias relativos à duração e às circunstâncias do procedimento de investigação preliminar

96      Cabe, desde logo, ao Tribunal de Primeira Instância examinar se a duração e as circunstâncias do procedimento do exame preliminar constituem indícios da existência de dificuldades sérias, verificando se o procedimento levado a cabo pela Comissão excedeu significativamente o tempo que normalmente implica um primeiro exame operado no âmbito das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE.

97      Em primeiro lugar, no que respeita à duração do período que medeia a notificação do projecto de auxílios e a decisão adoptada pela Comissão no termo do procedimento de investigação preliminar, importa recordar que o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 659/1999 prevê um prazo de dois meses para o referido procedimento, que pode ser prorrogado por acordo mútuo ou quando a Comissão precise de informações complementares.

98      No caso vertente, o auxílio foi notificado pelo Estado belga à Comissão em 5 de Dezembro de 2002, e a decisão recorrida foi adoptada em 23 de Julho de 2003, isto é, pouco mais de sete meses mais tarde. Durante este período, foram organizadas três reuniões entre a Comissão e as autoridades belgas em 12 de Dezembro de 2002 e em 6 de Fevereiro e 3 de Abril de 2003, e a Comissão enviou três pedidos de informações complementares ao Reino da Bélgica em 23 de Dezembro de 2002 e em 3 de Março e 5 de Maio de 2003. Esta duração de sete meses excedeu manifestamente aquela que a Comissão está, em princípio, obrigada a respeitar para concluir a sua investigação preliminar.

99      Em segundo lugar, no que respeita ás circunstâncias em que o procedimento se desenrolou, há que precisar que, segundo a finalidade do artigo 88.°, n.° 3, CE e o dever de boa administração que lhe incumbe, a Comissão pode, no quadro do procedimento de investigação preliminar, ser levada a pedir informações complementares ao Estado notificante (v., neste sentido, acórdão Matra/Comissão, já referido no n.° 32, n.° 38). Embora esses contactos não façam prova da existência de dificuldades sérias, podem, associados à duração da investigação preliminar, constituir um indício dela.

100    A título de medidas de organização do processo, o Tribunal de Primeira Instância pediu à Comissão que apresentasse os pedidos de informações dirigidos às autoridades belgas em 23 de Dezembro de 2002 e em 3 de Março e 5 de Maio de 2003, as respostas fornecidas pelo Estado belga em 28 de Janeiro, 3 de Abril e 13 de Junho de 2002 bem como as actas das reuniões organizadas com as autoridades belgas em 12 de Dezembro de 2002 e em 6 de Fevereiro e 3 de Abril de e 2003.

101    Diversos elementos contidos nos documentos apresentados pela Comissão merecem ser referidos. Desde logo, resulta destes documentos que o âmbito de investigação coberto pela Comissão no procedimento preliminar de investigação foi muito vasto. Com efeito, tanto as reuniões como as trocas de informações entre a Comissão e as autoridades belgas trataram não apenas a medida notificada mas igualmente os aumentos de capital que tiveram lugar em 1997 e não notificados à Comissão, a possibilidade da existência de subvenções cruzadas entre as actividades de serviço público e as actividades concorrenciais e o regime fiscal específico da La Poste, embora alguns destes elementos não figurem na decisão recorrida.

102    Por outro lado, os documentos atestam que a Comissão sublinhou diversas vezes a complexidade do dossier aquando do procedimento de investigação preliminar, nomeadamente na acta da reunião de 12 de Dezembro de 2002, que precisa que «a Comissão indicou que, tendo em conta a complexidade da situação, nomeadamente passada, da La Poste e a necessidade de segurança jurídica que esta podia sentir, nomeadamente no quadro de uma eventual perspectiva de privatização, se impunha a abertura de um procedimento», e aquando da reunião de 6 de Fevereiro de 2003.

103    Resulta igualmente desses documentos que a Comissão hesitou durante vários meses quanto à escolha da base jurídica para a sua decisão. Assim, desde a primeira reunião de 12 de Dezembro de 2002, a Comissão indicou que «um acordo da sua parte quanto ao auxílio podia assumir várias formas diferentes, conforme se trate de uma decisão que considera que as medidas em causa não constituem auxílios, que constituem um auxílio destinado a apoiar o serviço público, ou que constituem um auxílio à reestruturação». Na segunda reunião, em 6 de Fevereiro de 2003, e na sequência de uma troca de informações escritas, a Comissão interrogava‑se ainda sobre se seria oportuno basear a sua abordagem na abordagem do investidor privado numa economia de mercado, portanto, no artigo 87.° CE, ou no artigo 86.°, n.° 2, CE. Como resulta da acta da reunião de 12 de Dezembro de 2002, as autoridades belgas deram a conhecer a sua nítida preferência pela primeira solução, no desejo de promover a ideia de um investimento rentável, ao passo que a Comissão parecia ter dúvidas quanto ao comportamento da La Poste no desenvolvimento das suas actividades concorrenciais, como indicam a acta da reunião de 6 de Fevereiro de 2003 e numerosos pedidos reiterados de informações da Comissão relativos às hipóteses de evolução da actividade da La Poste.

104    A acta da reunião de 6 de Fevereiro de 2003 permite, além disso, constatar que as autoridades belgas insistiram na necessidade de obter uma decisão da Comissão num curto prazo em razão da proximidade de uma eleição, em 18 de Maio de 2003, que poderia ter permitido pôr em causa o aumento de capital previsto.

105    Por último, a Comissão parece ter desejado evitar o envio de um terceiro pedido de informações, uma vez que a acta da reunião de 6 de Fevereiro de 2003 revela que o seu representante «procura[ria], na medida do possível, e apesar da complexidade do dossier, ser o mais completo possível na segunda lista de questões, a fim de evitar um terceiro pedido de informações». Não foi, porém, bem sucedida, tendo enviado às autoridades belgas um terceiro pedido de informações em 5 de Maio de 2003, que tratava um número não insignificante de pontos, como as hipóteses de evolução da actividade da La Poste, as suas projecções futuras, o detalhe da afectação de serviços públicos financeiros ao serviço público, a parte dos investimentos em actividades de serviço universal, o risco associado à concentração de 85% dos resultados das filiais nas duas actividades e a tomada em consideração da retoma de uma provisão para pré‑reformas.

106    Resulta de todos estes elementos que se deve reconhecer que o procedimento levado a cabo pela Comissão excedeu, no caso vertente, o que normalmente implica um primeiro exame operado no âmbito das disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE e, portanto, que esta circunstância constitui um indício da existência de dificuldades sérias.

107    Por conseguinte, importa examinar se elementos relativos ao conteúdo da decisão recorrida podem igualmente constituir indícios de que a Comissão tinha deparado com dificuldades sérias no exame das medidas em causa.

–       Quanto ao carácter insuficiente do exame da supressão da provisão para reformas na decisão recorrida

108    Importa recordar que a La Poste constituiu uma provisão no valor de 100 milhões de euros em 1992, aquando da sua transformação em empresa autónoma, a fim de cobrir parte das prestações de reforma a título dos direitos adquiridos pelos empregados desde 1972 até 1992. Em contrapartida, foram‑lhe cedidos pelo Estado belga imóveis necessários ao serviço público, que, por conseguinte, não podiam ser alienados. Em 1997, quando o regime das reformas dos funcionários do quadro dos correios foi adaptado ao regime geral, esta provisão, que não tinha sido objecto de qualquer levantamento desde a respectiva constituição, foi transferida para reserva de mais‑valias.

109    Resulta entretanto da decisão recorrida e dos documentos apresentados pela Comissão a pedido do Tribunal que a Comissão não obteve as informações que lhe teriam permitido pronunciar‑se sobre a qualificação da cessão de imóveis pelo Estado belga a favor da La Poste à luz do artigo 87.° CE, embora estas medidas pudessem ter representado uma vantagem. Com efeito, a Comissão tomou a decisão recorrida sem dispor de elementos que, nomeadamente, lhe pudessem ter permitido avaliar o benefício obtido com a disponibilização gratuita de imóveis. Todavia, a Comissão deveria ter procedido a um exame aprofundado dos efeitos desta medida antes de se pronunciar sobre a respectiva qualificação de auxílio de Estado.

110    Por conseguinte, o facto de a Comissão não ter condições, no quadro do procedimento preliminar de investigação, para efectuar um exame suficiente da transferência de imóveis pelo Estado belga a favor da La Poste constitui um indício suplementar da existência de dificuldades sérias.

–       Quanto ao carácter incompleto do exame do custo do fornecimento dos SIEG na decisão recorrida

111    A título preliminar, há que recordar que o argumento das recorrentes relativo à falta de exame, pela Comissão, do nível do custo do fornecimento dos SIEG se baseia nas condições enunciadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Altmark, já referido no n.° 45, cuja prolação foi posterior à adopção da decisão recorrida e cujo conteúdo, por isso, a Comissão não podia conhecer no momento da sua tomada de decisão.

112    Ora, cabe referir que o Tribunal de Justiça não limitou temporalmente as conclusões a que chegou no acórdão Altmark, já referido no n.° 45. Sem essa limitação temporal, uma vez que resultam de uma interpretação do artigo 87.°, n.° 1, CE, as referidas conclusões são, consequentemente, plenamente aplicáveis à situação factual e jurídica do presente processo, tal como foi apresentado à Comissão quando esta adoptou a decisão recorrida (v., neste sentido, acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, Colect., p. I‑0000, n.° 158).

113    A este respeito, deve recordar‑se que a interpretação que o Tribunal de Justiça dá a uma norma do direito comunitário se limita a esclarecer e precisar o seu significado e alcance, tal como deveria ter sido compreendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Daí resulta que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada mesmo às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão em questão e que só a título excepcional o Tribunal de Justiça pode, por aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé. Ora, essa limitação só pode ser admitida no próprio acórdão que decide sobre a interpretação solicitada (v., nestes sentido e por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2005, Bidar, C‑209/03, Colect., p. I‑2119, n.os 66 e 67, e de 6 de Março de 2007, Meilicke e o., C‑292/04, Colect., p. I‑1835, n.os 34 a 36 e jurisprudência citada). O Tribunal entende que estas considerações decorrentes de uma jurisprudência que visa, em especial, o dever de aplicação do direito comunitário pelo juiz nacional se aplicam mutatis mutandis às instituições comunitárias quando estas são, por seu turno, chamadas a aplicar as disposições do direito comunitário objecto de uma interpretação posterior pelo Tribunal de Justiça (acórdão BUPA e o./Comissão, já referido no n.° 112, n.° 159).

114    No caso vertente, importa portanto examinar se a Comissão procedeu a um exame que lhe permitisse determinar se o nível da compensação paga à La Poste tinha sido fixada com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente dotada dos meios necessários para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respectivas receitas assim como um lucro razoável relativo ao cumprimento destas obrigações (v., neste sentido, acórdão Altmark, já referido no n.° 45, n.° 93).

115    Ora, resulta tanto da decisão recorrida como da troca de correspondência e das actas das reuniões entre a Comissão e as autoridades belgas que a Comissão não verificou, em momento algum, se a La Poste tinha fornecido os serviços de interesse económico geral a um custo que uma empresa média bem gerida teria suportado, em conformidade com o princípio instituído pelo acórdão Altmark, já referido no n.° 45. A Comissão mais não fez que basear‑se no carácter negativo do saldo de todos os elementos das sobrecompensações e subcompensações de custo adicional dos SIEG para considerar que as medidas examinadas não constituíam auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

116    Assim, com base nestes elementos, deve concluir‑se que a Comissão não procedeu a um exame do custo dos serviços de interesse económico geral fornecidos pela La Poste em comparação com os custos que teria suportado uma empresa média, exame esse que poderia, eventualmente, ter‑lhe permitido concluir que as medidas em causa não constituíam auxílios de Estado.

117    O facto de a Comissão não ter tido condições, no quadro do procedimento preliminar de investigação, para efectuar um exame completo no que respeita à apreciação do carácter apropriado do nível da compensação concedida pelo Estado belga à La Poste constitui um indício novo da existência de dificuldades sérias.

118    Resulta do exame do segundo fundamento bem como dos quarto e sétimo fundamentos, na medida em que pretendem demonstrar que o exame levado a cabo pela Comissão durante a fase preliminar de exame foi insuficiente ou incompleto, que existe um conjunto de indícios objectivos e concordantes, baseados na duração excessiva do procedimento de investigação preliminar, nos documentos que fazem ressaltar a amplitude e a complexidade do exame a efectuar e no conteúdo parcialmente incompleto e insuficiente da decisão recorrida, que atestam que a Comissão tomou a decisão recorrida não obstante a existência de dificuldades sérias. Sem que haja necessidade de decidir sobre os terceiro e quinto fundamentos das recorrentes, na medida em que se destinam a demonstrar que o exame da Comissão pode ter sido incompleto ou insuficiente no que respeita à isenção de imposto sobre as sociedades e à possibilidade de beneficiar de uma garantia do Estado relativamente aos empréstimos contraídos, deve, portanto, concluir‑se que a apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado comum suscitava dificuldades sérias que deveriam ter levado a Comissão a abrir o procedimento visado no artigo 88.°, n.° 2, CE.

119    Por conseguinte, a decisão recorrida deve ser anulada.

 Quanto às despesas

120    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão foi vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas das recorrentes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      A Decisão C(2003) 2508 final da Comissão, de 23 de Julho de 2003, de, na sequência de um procedimento preliminar de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE, não levantar objecções contra diversas medidas tomadas pelas autoridades belgas a favor da La Poste SA, empresa pública de correios belga, é anulada.

2)      A Comissão suportará as suas próprias despesas bem como as da Deutsche Post AG e da DHL International.

Pelikánová

Jürimäe

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Fevereiro de 2009.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Procedimento de investigação preliminar

Decisão recorrida

Medida 1: isenção do pagamento do imposto sobre as sociedades

Medida 2: supressão da provisão para reformas em 1997

Medida 3: benefício da garantia do Estado relativamente aos empréstimos contraídos

Medida 4: isenção de imposto predial sobre os imóveis afectos a um serviço público

Medida 5: sobrecompensação dos serviços financeiros de interesse geral ao abrigo do primeiro contrato de gestão (1992‑1997)

Medida 6: aumentos de capital não notificados, efectuados em 1997, no montante total de 62 milhões de euros

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Quanto à legitimidade activa

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao interesse em agir

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao objecto da fiscalização exercida pelo Tribunal de Primeira Instância e quanto à admissibilidade dos fundamentos do recurso

Quanto ao objecto da fiscalização exercida pelo Tribunal de Primeira Instância

Quanto à admissibilidade do fundamento baseado no carácter insuficiente do exame efectuado pela Comissão à luz dos critérios instituídos pelo acórdão Altmark

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

– Quanto ao segundo fundamento, baseado na necessidade de abrir o procedimento previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE

– Quanto ao terceiro fundamento, na medida em que se baseia no carácter incompleto do exame da isenção do imposto sobre as sociedades, efectuado pela Comissão

– Quanto ao quarto fundamento, na medida em que se baseia no carácter incompleto do exame da supressão da provisão para reformas, efectuado pela Comissão

– Quanto ao quinto fundamento, na medida em que se baseia no carácter incompleto do exame da possibilidade de beneficiar de uma garantia do Estado relativamente aos empréstimos contraídos, efectuado pela Comissão

– Quanto ao sétimo fundamento, na medida em que se baseia no carácter insuficiente do exame dos critérios instituídos pelo acórdão Altmark, efectuado pela Comissão

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

– Regras gerais relativas ao procedimento previsto pelo artigo 88.° CE

– Quanto aos indícios de dificuldades sérias relativos à duração e às circunstâncias do procedimento de investigação preliminar

– Quanto ao carácter insuficiente do exame da supressão da provisão para reformas na decisão recorrida

– Quanto ao carácter incompleto do exame do custo do fornecimento dos SIEG na decisão recorrida

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.