Language of document :

Processo T115/20

Carles Puigdemont i Casamajó e Antoni Comín i Oliveres

contra

Parlamento Europeu

 Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção alargada) de 5 de julho de 2023

«Recurso de anulação — Direito institucional — Membro do Parlamento — Recusa do Presidente do Parlamento de dar seguimento a um pedido de defesa dos privilégios e imunidades — Ato não suscetível de recurso — Inadmissibilidade»

Recurso de anulação — Atos suscetíveis de recurso — Conceito — Atos que produzem efeitos jurídicos vinculativos — Apreciação à luz do conteúdo do ato, do seu contexto de adoção e das competências do seu autor — Recusa de o Presidente do Parlamento dar seguimento a um pedido de defesa dos privilégios e imunidades dos membros do Parlamento — Ato que não se destina a produzir efeitos jurídicos obrigatórios — Inadmissibilidade

(Artigo 263.° TFUE; Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, artigo 9.°; Regimento do Parlamento Europeu, artigo 9.°)

(cf. n.os 36‑38, 54‑56, 74‑77, 82, 83, 87, 89)

Resumo

Os recorrentes apresentaram‑se como candidatos às eleições para o Parlamento Europeu em Espanha em 26 de maio de 2019, no termo das quais foram proclamados eleitos (1). Em 15 de junho de 2019, o juiz de instrução do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) recusou retirar os mandados de detenção nacionais passados contra eles pelos tribunais penais espanhóis no âmbito do processo penal de que eram objeto por factos constitutivos nomeadamente das infrações de rebelião, sedição e desvio de fundos públicos.

Em 17 de junho de 2019, a Junta Electoral Central (Comissão Eleitoral Central, Espanha) notificou ao Parlamento a lista dos candidatos eleitos em Espanha, na qual não figuravam os nomes dos recorrentes. Em 20 de junho, comunicou ao Parlamento uma decisão em que declarava que os recorrentes não tinham prestado o juramento de respeitar a Constituição espanhola (2) e, consequentemente, declarou vagos os seus lugares no Parlamento, bem como a suspensão de todas as prerrogativas que lhes pudessem advir das suas funções até que tivessem prestado esse juramento. A primeira sessão do Parlamento recentemente eleito após as eleições de 26 de maio de 2019 teve início em 2 de julho de 2019, sem a presença dos recorrentes.

Por mensagem de correio eletrónico de 10 de outubro de 2019, uma deputada europeia, atuando em nome dos recorrentes, dirigiu ao Presidente do Parlamento recém eleito um pedido de 38 deputados europeus, incluindo ela própria, no sentido de o Parlamento defender a imunidade parlamentar dos recorrentes prevista no Protocolo n.° 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (3). Em 10 de dezembro de 2019, o Presidente do Parlamento indeferiu esse pedido, indicando, nomeadamente, que o Parlamento não podia considerar os recorrentes como membros do Parlamento na falta de comunicação oficial da sua eleição pelas autoridades espanholas, na aceção do ato eleitoral (4).

Os recorrentes interpuseram recurso de anulação dessa decisão no Tribunal Geral.

O Parlamento, apoiado pelo Reino de Espanha, arguiu uma exceção de inadmissibilidade do recurso, baseada na inexistência de um ato recorrível na aceção do artigo 263.° TFUE.

Decidindo em secção alargada, o Tribunal Geral julga procedente essa exceção e, consequentemente, julga inadmissível o recurso na medida em que não se dirige contra um ato passível de impugnação pela via do recurso de anulação previsto no artigo 263.° TFUE.

Apreciação do Tribunal Geral

O Tribunal Geral começa por recordar a jurisprudência constante segundo a qual são considerados atos recorríveis na aceção do artigo 263.° TFUE todos os atos adotados pelas instituições, independentemente da sua natureza ou da sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de maneira caracterizada a sua situação jurídica.

O Tribunal Geral precisa igualmente que a resposta de uma instituição da União a um pedido que lhe foi dirigido não constitui necessariamente uma decisão, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, que faculte assim ao destinatário dessa resposta a via do recurso de anulação. Por outro lado, quando uma decisão de uma instituição da União reveste caráter negativo, essa decisão deve ser apreciada em função da natureza do pedido ao qual constitui uma resposta. Assim, o indeferimento, por uma instituição, de um pedido que lhe foi dirigido não constitui um ato suscetível de recurso de anulação quando esse pedido não se destine à adoção, por essa instituição, de uma medida que produza efeitos jurídicos vinculativos.

No caso, para determinar se a recusa do presidente do Parlamento na sequência do pedido de defesa da imunidade parlamentar dos recorrentes é um ato recorrível na aceção do artigo 263.° TFUE, o Tribunal Geral examina se a decisão de defesa pedida era suscetível de produzir efeitos jurídicos.

A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal Geral rejeita a argumentação dos recorrentes de que a competência exclusiva do Parlamento para levantar a imunidade de um dos seus membros (5) lhe confere competência exclusiva para decidir de forma vinculativa se este beneficia ou não da imunidade num determinado processo.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral indica que, por força do Protocolo n.° 7 (6), no seu território nacional, os membros do Parlamento beneficiam das imunidades reconhecidas pelo direito nacional aos membros do Parlamento do seu país. Assim, a extensão e o alcance da imunidade de que gozam os deputados europeus no seu território nacional, ou, por outras palavras, o conteúdo material dessa imunidade, são determinados pelos diferentes direitos nacionais. O Tribunal Geral infere daí que, no caso de o direito de um Estado‑Membro prever um procedimento de defesa da imunidade dos membros do parlamento nacional, que lhe permita intervir junto das autoridades judiciárias ou policiais, nomeadamente requerendo a suspensão do procedimento penal contra um dos seus membros, os mesmos poderes são reconhecidos ao Parlamento relativamente aos deputados europeus eleitos por esse Estado.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral observa que as disposições de direito nacional (7), conforme interpretadas pelos tribunais nacionais (8), não conferem ao parlamento espanhol o poder de defender a imunidade de um dos seus membros quando o órgão jurisdicional nacional não reconhece essa imunidade, nomeadamente requerendo a suspensão de um processo judicial instaurado contra ele. Assim, o Parlamento não dispõe, com base no direito nacional para o qual remete o Protocolo n.° 7, desse poder relativamente aos deputados eleitos a título do Reino de Espanha.

Daí resulta que o Parlamento não dispõe de uma competência que tenha a sua origem num ato normativo para adotar uma decisão de defesa da imunidade dos recorrentes que produza efeitos jurídicos vinculativos para as autoridades judiciárias espanholas. Por conseguinte, o Parlamento não podia adotar, em resposta ao pedido de defesa da imunidade parlamentar dos recorrentes, uma decisão que produzisse efeitos jurídicos vinculativos.

Por conseguinte, a recusa do presidente do Parlamento de dar seguimento a esse pedido não é um ato suscetível de recurso nos termos do artigo 263.° TFUE.


1      Decisão da Comissão Eleitoral Central, de 13 de junho de 2019, relativa à «[p]roclamação dos deputados eleitos para o Parlamento Europeu nas eleições realizadas em 26 de maio de 2019» (BOE n.º 142, de 14 de junho de 2019, p. 62477).


2      Artigo 224.º, n.º 2, da Ley orgánica 5/1985 de régimen electoral general (Lei Orgânica 5/1985, que aprova o regime eleitoral geral), de 19 de junho de 1985 (BOE n.º 147, de 20 de junho de 1985, p. 19110).


3      A imunidade parlamentar está prevista no artigo 9.°, primeiro e segundo parágrafos, do Protocolo (n.° 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 266).


4      Ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, anexo à Decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de setembro de 1976 (JO 1976, L 278, p. 1), conforme alterado pela Decisão 2002/772/CE, Euratom do Conselho, de 25 de junho de 2002 e de 23 de setembro de 2002 (JO 2002, L 283, p. 1).


5      Nos termos do artigo 9.º, terceiro parágrafo, do Protocolo n.º 7.


6      Nos termos do artigo 9.º, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo n.º 7.


7      Artigo 71.º da Constituição espanhola, artigo 751.º, n.º 2, e artigo 753.º da Ley de Enjuiciamiento Criminal (Código de Processo Penal) e artigo 12.º do Reglamento del Congreso de los Diputados (Regimento da Câmara dos Deputados).


8      Em especial, pelo Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha) no seu Acórdão 70/2021, de 18 de março de 2021, cuja solução foi retomada por acórdãos posteriores.