Language of document : ECLI:EU:C:2023:980

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

11 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Diretiva 2011/7/UE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Artigo 2.o, n.o 1 — Conceito de “transações comerciais” — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a) — Exigibilidade de juros por atraso no pagamento — Contrato de seguro celebrado entre empresas»

No processo C‑303/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Wrocławia‑Fabrycznej we Wrocławiu (Tribunal de Primeira Instância de Wrocław‑Fabryczna em Wrocław, Polónia), por Decisão de 28 de abril de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de maio de 2023, no processo

Powszechny Zakład Ubezpieczeń S. A.

contra

Volvia sp. z o.o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Piçarra (relator), presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, ponto 1, e do artigo 3.o, n.o 1, alínea a) da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2011, L 48, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Powszechny Zakład Ubezpieczeń S. A. (a seguir «PZU») à Volvia sp. z o.o. a respeito do pagamento de juros por esta última em consequência do atraso no pagamento dos prémios devidos em execução de dois contratos de seguro relativos a veículos automóveis e da indemnização fixa da PZU pelas despesas de cobrança.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 3, 8, 9 e 17 da Diretiva 2011/7 enunciam:

«(3)      Nas transações comerciais entre operadores económicos ou entre operadores económicos e entidades públicas, acontece com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o que foi acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Ainda que os bens sejam entregues ou os serviços prestados, as correspondentes faturas são pagas muito depois do termo do prazo. Atrasos de pagamento desta natureza afetam a liquidez e complicam a gestão financeira das empresas. Também põem em causa a competitividade e a viabilidade das empresas, quando o credor é forçado a recorrer a financiamento externo devido a atrasos de pagamento. […]

[…]

(8)      O âmbito de aplicação da presente diretiva deverá limitar‑se aos pagamentos efetuados para remunerar transações comerciais. A presente diretiva não deverá regulamentar as transações com os consumidores, os juros relativos a outros pagamentos, como por exemplo os pagamentos efetuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou os pagamentos efetuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efetuados por companhias de seguros. Os Estados‑Membros deverão também ter a possibilidade de excluir as dívidas que forem objeto de processos de insolvência, incluindo processos destinados à reestruturação da dívida.

(9)      A presente diretiva deverá regulamentar todas as transações comerciais, independentemente de terem sido efetuadas entre empresas privadas ou públicas, ou entre empresas e autoridades públicas […]

[…]

(17)      O pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, epigrafado «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O propósito da presente diretiva consiste em combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo assim a competitividade das empresas e, em particular, das [pequenas e médias empresas (PME)].

2.      A presente diretiva aplica‑se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.»

5        Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1.      “Transação comercial”, qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração;

[…]

3.      “Empresa”, qualquer organização, que não seja uma entidade pública, que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que essa atividade seja exercida por uma pessoa singular;

4.      “Atraso de pagamento”, qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal e caso estejam preenchidas as condições estabelecidas no n.o 1 do artigo 3.o […];

5.      “Juro de mora”, o juro legal por atraso de pagamento ou o juro a uma taxa acordada entre as empresas, sob reserva do artigo 7.o;

[…]»

6        O artigo 3.o da mesma diretiva, epigrafado «Transações entre empresas», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais entre empresas, o credor tem direito a receber juros de mora sem necessidade de interpelação caso estejam preenchidas as seguintes condições:

a)      O credor ter cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

b)      O credor não ter recebido dentro do prazo o montante devido, salvo se o atraso não for imputável ao devedor.»

 Direito polaco

 Lei destinada a Combater os Atrasos Excessivos nas Transações Comerciais

7        O artigo 4.o da ustawa o przeciwdziałaniu nadmiernym opóźnieniom w transakcjach handlowych (Lei destinada a Combater os Atrasos Excessivos nas Transações Comerciais), de 8 de março de 2013 (Dz. U. de 2013, posição 403), define, no ponto 1, a «transação comercial» como sendo «um contrato que tem por objeto o fornecimento de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso, quando as partes referidas no artigo 2.o celebrem esse contrato em ligação com a atividade exercida», e, no ponto 1a, a «prestação pecuniária» como sendo «a contrapartida da entrega de um bem ou da execução de um serviço numa transação comercial».

8        O artigo 7.o, n.o 1, desta lei prevê:

«Nas transações comerciais, exceto quando o devedor seja uma entidade pública, o credor tem direito de obter, sem necessidade de interpelação, os juros legais de mora relativos às transações comerciais, a menos que as partes tenham acordado juros mais elevados, no período compreendido entre a data de exigibilidade da prestação pecuniária e a data do pagamento, se estiverem cumulativamente preenchidas as seguintes condições:

1)      o credor tiver executado a sua prestação;

2)      o credor não tiver recebido o pagamento no prazo fixado no contrato.»

 Lei que aprova o Código Civil

9        Nos termos do artigo 487.o, n.o 2, da UWG: — Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964 (Dz. U. de 1964, n.o 16, posição 93), «[u]m contrato é sinalagmático quando as duas partes se comprometem de tal modo, que a prestação de uma parte tem como contrapartida a prestação da outra».

10      O artigo 805.o, n.os 1 e 2, da Lei que aprova o Código Civil tem a seguinte redação:

«(1)      Através de um contrato de seguro, a seguradora compromete‑se, no âmbito da atividade da sua empresa, a fornecer uma prestação determinada em caso de ocorrência de um sinistro previsto nesse contrato, ao passo que o tomador do seguro se obriga a pagar o prémio de seguro.

(2)      A prestação do segurador consiste, nomeadamente:

1)      para os seguros de danos, no pagamento da indemnização prevista para os danos resultantes de um sinistro previsto no referido contrato;

2)      para os seguros pessoais, no pagamento da quantia em dinheiro acordada, de uma pensão ou de outra prestação em caso de ocorrência de um acidente de vida do segurado previsto no mesmo contrato.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      A Volvia, sociedade de direito polaco de aluguer de automóveis, subscreveu com a PZU, companhia de seguros, dois contratos de seguro de veículos automóveis. O primeiro contrato diz respeito ao seguro obrigatório de responsabilidade civil dos detentores de veículos automóveis e ao seguro complementar relativo à organização e à tomada a cargo dos custos do auxílio à reparação de avarias. O segundo contrato cobre outro tipo de seguro voluntário, a saber, o seguro dito «autocasco», que cobre a perda, a destruição e a danificação do veículo em causa.

12      A PZU intentou no Sąd Rejonowy dla Wrocławia‑Fabrycznej we Wrocławiu (Tribunal de Primeira Instância de Wrocław‑Fabryczna em Wrocław, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação pedindo que a Volvia fosse condenada a pagar‑lhe prémios de seguro no montante de 7 619,89 zlótis polacos (cerca de 1 700 euros), acrescido de juros de mora, a título dos dois contratos de seguro referidos no número anterior, bem como de uma indemnização fixa pelas despesas de cobrança suportadas.

13      A Volvia deduziu oposição à injunção de pagamento emitida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Esta injunção caducou e o processo foi remetido a esse órgão jurisdicional para ser apreciado segundo o processo comum.

14      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se um contrato de seguro celebrado entre empresas pode ser qualificado de «transação comercial», na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, e se, consequentemente, este contrato é abrangido pelo âmbito de aplicação material desta diretiva. A este respeito, sublinha que a questão da natureza de um contrato de seguro e, mais particularmente, a de saber se o prémio pago pelo tomador de seguro constitui ou não a contrapartida de uma prestação fornecida pelo segurador divide a jurisprudência e a doutrina polacas.

15      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um contrato de seguro não é um contrato sinalagmático, uma vez que o prémio pago pelo tomador de seguro não é a remuneração da prestação do segurador que consiste em pagar a indemnização prevista para os danos decorrentes de um sinistro coberto por este contrato. O órgão jurisdicional de reenvio considera necessário garantir que tal interpretação do direito polaco, que é a defendida pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), não é contrária à Diretiva 2011/7 conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente no Acórdão de 9 de julho de 2020, RL (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento) (C‑199/19, EU:C:2020:548).

16      Foi nestas condições que o Sąd Rejonowy dla Wrocławia‑Fabrycznej we Wrocławiu (Tribunal de Primeira Instância de Wrocław‑Fabryczna em Wrocław) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva [2011/7] ser interpretado no sentido de que um contrato de seguro no âmbito do qual o segurador se compromete, junto da empresa, a cumprir uma determinada prestação em caso de sinistro constitui uma transação comercial na aceção dessa disposição, estando esse contrato abrangido pelo âmbito de aplicação material dessa diretiva?

E, em caso de resposta afirmativa:

2)      Deve o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2011/7] […] ser interpretado no sentido de que o segurador, pelo simples fornecimento de uma cobertura de seguro, no âmbito de um contrato de seguro, cumpre as suas obrigações contratuais e legais na aceção desta disposição?»

 Quanto às questões prejudiciais

17      Por força do artigo 99.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, nomeadamente quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente inferida da jurisprudência, decidir a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

18      Cabe aplicar esta disposição ao presente processo.

 Quanto à primeira questão

19      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «transações comerciais» abrange um contrato de seguro pelo qual o segurador se obriga perante uma empresa a fornecer uma prestação determinada caso venha a ocorrer um sinistro previsto nesse contrato e esta empresa se compromete junto da seguradora a pagar o prémio de seguro.

20      Recorde‑se, desde já, que o conceito de «transações comerciais» é definido no artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 como «qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração». Esta disposição deve ser lida à luz dos considerandos 8 e 9 desta diretiva e em conjugação com o artigo 1.o, n.o 2, desta, nos termos do qual a diretiva se aplica a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.

21      Resulta destas disposições que a Diretiva 2011/7 visa todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais, incluindo as transações entre empresas privadas, com exclusão, designadamente, das transações efetuadas com os consumidores. Por conseguinte, o âmbito de aplicação desta diretiva é definido de forma lata. (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2019, KROL, C‑722/18, EU:C:2019:1028, n.os 31 e 32).

22      O artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7 enuncia duas condições para que uma transação seja abrangida pelo conceito de «transações comerciais», na aceção desta disposição. Primeiro, deve ser efetuada entre empresas, ou seja, entre empresas e entidades públicas, e, segundo, conduzir ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços mediante remuneração.

23      Quanto à primeira condição, é facto assente, no processo principal, que a Volvia e a PZU têm a qualidade de «empresa», na aceção do artigo 2.o, ponto 3, desta diretiva, que define este conceito como «qualquer organização, que não seja uma entidade pública, que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por uma pessoa singular».

24      No que respeita à segunda condição prevista no artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 27 do Acórdão de 9 de julho de 2020, RL (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento) (C‑199/19, EU:C:2020:548), que os conceitos de «fornecimento de mercadorias» e de «prestação de serviços» previstos nesta disposição constituem conceitos autónomos do direito da União cujo alcance não pode ser determinado por referência aos conceitos conhecidos do direito dos Estados‑Membros ou das classificações operadas no plano nacional. A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou que o Tratado FUE dá, no seu artigo 57.o, uma definição lata ao conceito de «serviços», que abrange qualquer prestação fornecida normalmente mediante remuneração não abrangida pelas outras liberdades fundamentais, com a finalidade de não deixar escapar uma atividade económica ao âmbito de aplicação das liberdades fundamentais [Acórdão de 9 de julho de 2020, RL (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento), C‑199/19, EU:C:2020:548, n.os 30 a 32].

25      O Tribunal de Justiça teve também em conta a finalidade da Diretiva 2011/7, que, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, lido à luz do seu considerando 3, consiste em combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, com o objetivo de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, reforçando assim a competitividade das empresas, visto que esses atrasos de pagamento têm efeitos negativos na liquidez destas empresas, complicam a sua gestão financeira e prejudicam a sua rendibilidade, uma vez que as referidas empresas devem obter financiamentos externos em razão desses atrasos [Acórdão de 9 de julho de 2020, RL (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento), C‑199/19, EU:C:2020:548, n.o 35].

26      Um contrato de seguro como o que está em causa no processo principal, pelo qual o segurador se obriga perante a outra parte a fornecer uma prestação determinada caso venha a ocorrer um sinistro previsto neste contrato e essa outra parte se compromete perante a seguradora a pagar os prémios de seguro, constitui assim uma transação comercial que conduz a uma prestação de serviços, na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, desde que esta transação seja efetuada entre empresas ou entre empresas e as entidades públicas. Com efeito, a atividade seguradora realizada por um profissional, como uma companhia de seguros, é uma atividade económica, isto é, uma atividade que consiste na oferta de bens ou de serviços num mercado determinado (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 45). Sob reserva de ser remunerada, a atividade de seguro implica portanto um «serviço», na aceção do artigo 57.o TFUE, e, consequentemente, uma «prestação de serviços», na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7.

27      As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio têm essencialmente por objeto a questão de saber se um contrato de seguro é gerador de obrigações recíprocas para as partes, e, mais particularmente, se a prestação da seguradora que consiste em indemnizar o segurado em caso de sinistro pode ser considerada fornecida em troca do prémio de seguro, enquanto remuneração, tendo em conta o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7. Este órgão jurisdicional salienta que, segundo a jurisprudência e a doutrina polacas que aquele tenciona seguir, um contrato de seguro não é um contrato sinalagmático em execução do qual uma prestação de serviços seria fornecida em contrapartida do prémio pago pelo tomador de seguro.

28      Porém, tendo em conta o conceito de «transações comerciais», na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, a obrigação que decorre para o tomador do seguro de pagar o prémio só se justifica, de um ponto de vista económico, pela garantia de indemnização que este obtém como contrapartida da seguradora, caso venha a ocorrer um sinistro. Nestas condições, ainda que a indemnização não seja imediata nem certa, tendo em conta a incerteza de que esse sinistro venha a ocorrer, o prémio pago pelo segurado constitui a «contrapartida económica» da prestação fornecida pela seguradora e que consiste em garantir a indemnização do segurado, durante a vigência do contrato de seguro, em caso de sinistro (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 47).

29      Tal interpretação não pode ser infirmada pelo considerando 8 da Diretiva 2011/7, que exclui do âmbito de aplicação desta os pagamentos efetuados no âmbito da indemnização de danos, incluindo os pagamentos efetuados pelas companhias de seguros, sem referir, no entanto, os contratos de seguro [v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2020, RL (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento), C‑199/19, EU:C:2020:548, n.os 36 e 40]. Por conseguinte, estes contratos são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

30      Por último, no Acórdão de 13 de setembro de 2018, Česká pojišťovna (C‑287/17, EU:C:2018:707), o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se a título prejudicial no âmbito de um litígio relativo a um pedido de indemnização das despesas de cobrança resultantes do pagamento tardio dos prémios de seguro devidos em execução de um contrato de seguro celebrado entre duas empresas, confirmou implicitamente, uma vez que respondeu às questões submetidas, que os contratos de seguro celebrados entre duas empresas implicam uma «transação comercial», na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, e que, por conseguinte, esses contratos são abrangidos pelo âmbito de aplicação material desta.

31      Tendo em conta todos os fundamentos anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «transações comerciais» abrange um contrato de seguro através do qual o segurador se obriga perante uma empresa a fornecer uma determinada prestação no caso de vir a ocorrer um sinistro previsto neste contrato e essa empresa se compromete junto da seguradora a pagar o prémio de seguro.

 Quanto à segunda questão

32      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um contrato de seguro, a seguradora respeita as suas obrigações contratuais e legais mediante cumprimento da simples condição de fornecer uma cobertura de seguro à outra parte, e isso independentemente do pagamento a esta última de uma indemnização caso venha a ocorrer o sinistro coberto por esse contrato.

33      Por força do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/7, lido à luz do considerando 17 desta, nas transações comerciais entre empresas, o credor deve ter direito de reclamar juros de mora sem necessidade de interpelação quando tenha «cumprido as suas obrigações contratuais e legais».

34      Resulta tanto da redação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/7 como da resposta dada à primeira questão que a simples existência de uma cobertura de seguro basta para considerar cumpridas as obrigações contratuais e legais do segurador, na aceção desta disposição.

35      Assim, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um contrato de seguro, a seguradora respeita as suas obrigações contratuais e legais, na aceção desta disposição, desde que verificada a única condição de fornecer uma cobertura de seguro à outra parte, independentemente do pagamento a esta última de uma indemnização no caso de se verificar o sinistro coberto por este contrato.

 Quanto às despesas

36      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      O artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «transações comerciais» abrange um contrato de seguro através do qual o segurador se obriga perante uma empresa a fornecer uma determinada prestação no caso de vir a ocorrer um sinistro previsto neste contrato e essa empresa se compromete junto da seguradora a pagar o prémio de seguro.

2)      O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/7

deve ser interpretado no sentido de que:

no âmbito de um contrato de seguro, a seguradora respeita as suas obrigações contratuais e legais, na aceção desta disposição, desde que verificada a única condição de fornecer uma cobertura de seguro à outra parte, independentemente do pagamento a esta última de uma indemnização no caso de se verificar o sinistro coberto por este contrato.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.