Language of document : ECLI:EU:T:2008:337

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

10 de Setembro de 2008 (*)

«Recurso de anulação – Fundo de Coesão – Regulamento (CE) n.° 1164/94 – Supressão de uma contribuição financeira – Inexistência de afectação directa – Inadmissibilidade»

No processo T‑324/06,

Município de Gondomar (Portugal), representado por J. da Cruz Vilaça, D. Choussy e L. Pinto Monteiro, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Guerra e Andrade e A. Weimar, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2006) 3782 da Comissão, de 16 de Agosto de 2006, relativa à supressão da contribuição financeira concedida pelo Fundo de Coesão ao Projecto n.° 95/10/61/017 intitulado «Saneamento do Grande Porto/Sul – Subsistema de Gondomar»,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: O. Czúcz, presidente, J. D. Cooke e I. Labucka (relatora), juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 1164/94 do Conselho, de 16 de Maio de 1994, que institui o Fundo de Coesão (JO L 130, p. 1), na sua versão aplicável no momento dos factos, o Fundo de Coesão contribui para o reforço da coesão económica e social da Comunidade.

2        O artigo 2.° do referido regulamento prevê que o Fundo de Coesão apoia financeiramente projectos que contribuam para a realização dos objectivos fixados no Tratado UE, nos domínios do ambiente e das redes transeuropeias de infra‑estruturas de transportes, nos Estados‑Membros com um PNB per capita inferior a 90 % da média comunitária, que tenham definido um programa que lhes permita preencher os requisitos de convergência económica estabelecidos no Tratado CE.

3        Por outro lado, o Regulamento n.° 1164/94 prevê que os projectos que beneficiam do apoio do Fundo de Coesão são escolhidos de comum acordo pela Comunidade, representada pela Comissão, e pelo Estado‑Membro. O pedido de concessão de apoio é apresentado pelo Estado‑Membro, que deve provar à Comissão que o projecto para o qual o apoio é solicitado respeita as disposições do Regulamento n.° 1164/94 e que tem viabilidade (artigo 10.° do Regulamento n.° 1164/94). O pagamento da contribuição do Fundo de Coesão é feito à autoridade designada pelo Estado‑Membro beneficiário (anexo II, artigo D, n.° 1, e artigo E, n.° 4, do Regulamento n.° 1164/94). O acompanhamento e a avaliação da execução do projecto são efectuados pelo Estado‑Membro e pela Comissão (artigo 13.° e anexo II, artigo F, do Regulamento n.° 1164/94). O Estado‑Membro beneficiário é responsável pela execução da acção e deverá providenciar para que esta seja objecto da publicidade adequada (artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1164/94). A Comissão discute com o Estado‑Membro as correcções financeiras a efectuar (anexo II, artigo H, do Regulamento n.° 1164/94). O pagamento final do saldo da contribuição financeira é efectuado depois de o Estado‑Membro ter certificado à Comissão a exactidão da declaração das despesas e ter confirmado as informações relativas ao pagamento e ao relatório final [anexo II, artigo D, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1164/94].

 Factos na origem do litígio

4        Em 13 de Julho de 1995, a República Portuguesa apresentou à Comissão, ao abrigo do Regulamento n.° 1164/94, um pedido para a obtenção de co‑financiamento pelo Fundo de Coesão do projecto intitulado «Saneamento do Grande Porto/Sul – Subsistema de Gondomar». O projecto tinha como objectivo principal a despoluição de quatro bacias hidrográficas situadas nas zonas de intervenção do Concelho de Gondomar, através da construção de dois conjuntos de colectores/interceptores, três emissários e uma estação de tratamento de águas residuais.

5        Por meio da Decisão C (95) 3281, de 18 de Dezembro de 1995, dirigida à República Portuguesa, a Comissão aprovou a atribuição de uma contribuição financeira do Fundo de Coesão no montante de 7 778 535 EUR para o co‑financiamento do projecto acima referido.

6        Nos termos do anexo 1 da decisão acima referida, o Município de Gondomar (a seguir «recorrente» ou «Município de Gondomar») foi designado organismo responsável pela execução do projecto.

7        Na sequência de uma missão de controlo dos trabalhos realizados em Portugal e de uma auditoria à contabilidade, a Comissão adoptou, em 16 de Agosto de 2006, ao abrigo do artigo H do anexo II do Regulamento n.° 1164/94, a Decisão C (2006) 3782, relativa à supressão da contribuição financeira concedida a título do Fundo de Coesão ao Projecto n.° 95/10/61/017 intitulado «Saneamento do Grande Porto/Sul – Subsistema de Gondomar», pela Decisão C (95) 3281 (a seguir «decisão recorrida»), que suprimiu o montante total da contribuição atribuída devido a diversas irregularidades detectadas no âmbito da execução do projecto em causa.

8        O dispositivo da decisão tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

1. A contribuição máxima de 7 778 535 euros atribuída a título do Fundo de Coesão ao projecto n.° 95/10/61/017 pela Decisão C(95) 3281 […] é suprimida devido às irregularidades constatadas no exame do projecto em questão.

2. Um montante indevido de 6 222 euros será recuperado por reembolso. As modalidades do reembolso serão precisadas numa nota que será endereçada ao Estado‑Membro pelo gestor. Será liberado um saldo de autorização de 1 555 707 euros.

Artigo 2.°

Portugal toma as medidas adequadas para informar o beneficiário final afectado pela presente decisão.

Artigo 3.°

A República Portuguesa é a destinatária da presente decisão.»

9        Por carta recebida pelo recorrente em 25 de Setembro de 2006, a Gestora Sectorial para o Fundo de Coesão do Ministério do Ambiente comunicou a decisão recorrida ao recorrente, precisando que este último devia proceder, em conformidade com esta decisão, à devolução integral da contribuição do Fundo de Coesão, no valor equivalente aos montantes já pagos, ou seja, 6 222 828 EUR, no prazo de 30 dias.

 Tramitação processual e pedidos das partes

10      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Novembro de 2006, o recorrente interpôs o presente recurso.

11      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de Janeiro de 2007, a Comissão suscitou, nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, uma excepção de inadmissibilidade do recurso por falta de legitimidade processual do recorrente.

12      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Janeiro de 2007, nos termos do artigo 104.° do Regulamento de Processo e do artigo 242.° CE, o recorrente formulou um pedido de medidas provisórias requerendo a suspensão da execução da decisão recorrida até trânsito em julgado do recurso de anulação do processo principal.

13      Por despacho do juiz das medidas provisórias de 11 de Junho de 2007, o pedido de medidas provisórias foi indeferido, tendo‑se reservado para final a decisão quanto às despesas.

14      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão;

–        julgar total ou parcialmente procedente o recurso interposto da decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão jurídica

 Argumentos das partes

16      A Comissão sustenta que o recurso é inadmissível e deve ser liminarmente indeferido. Com efeito, o recorrente não é o destinatário da decisão recorrida, que foi dirigida à República Portuguesa. Por outro lado, a decisão recorrida não diz directamente respeito ao recorrente, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

17      Nos termos do Regulamento (CE) n.° 1164/94, as situações jurídicas abrangidas pela relação jurídica de contribuição do Fundo de Coesão referem‑se a dois únicos sujeitos, a Comunidade e o Estado‑Membro beneficiário, e não tiveram em vista, directamente, a protecção do interesse do executor do projecto.

18      A Comissão acrescenta que se o recorrente tivesse interposto recurso da decisão recorrida na qualidade de pessoa colectiva pública de população e território, responsável pela execução do projecto, não teria, nessa qualidade, um direito subjectivo à contribuição do Fundo. Em primeiro lugar, embora tenha um interesse próprio, autónomo e individualizável, esse interesse não diz concretamente respeito à percepção de fundos públicos comunitários, relacionando‑se antes com a execução do projecto de despoluição das suas bacias hidrográficas e com a remuneração dos serviços prestados para a execução do projecto. Em segundo lugar, como o Município de Gondomar não foi encarregado da execução do projecto pela Comunidade mas pela República Portuguesa, o Município não dispõe de tutela relativamente ao «bem jurídico» em que consiste a contribuição do Fundo de Coesão. Os interesses do recorrente podiam ser eventualmente protegidos pelas normas nacionais.

19      A Comissão baseia‑se no acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2006, Regione Siciliana/Comissão, C‑417/04 P, Colect., p. I‑3881, nos termos do qual uma entidade territorial só pode impugnar uma decisão se esta produzir efeitos directos na sua situação jurídica e não deixar nenhum poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua implementação. Segundo a Comissão, não é o que sucede no presente caso, sobretudo porque, aparentemente, o Estado não veio exigir ao Município de Gondomar nenhum reembolso e porque a própria decisão recorrida não obrigava o Estado‑Membro a recuperar as quantias não devidas daqueles que as tinham recebido.

20      Consequentemente, o reembolso pela recorrente dos fundos comunitários pagos seria uma consequência directa de actos de carácter nacional e não da decisão recorrida. Cabe assim aos Estados‑Membros, segundo as suas próprias regras e modalidades, executar a regulamentação comunitária e adoptar em relação aos operadores económicos em causa as decisões individuais necessárias (despachos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Regione Siciliana/Comissão, T‑341/02, Colect., p. II‑2877, e de 22 de Novembro de 2006, Cámara de Comercio e Industria de Zaragoza/Comissão, T‑225/02, não publicado na Colectânea).

21      Deste modo, mesmo que fosse adoptada uma decisão relativa ao reembolso a nível nacional, seria a decisão do Estado‑Membro que o recorrente deveria atacar e não a decisão da Comissão (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2006, Dimos Ano Liosion e o./Comissão, T‑85/05, não publicado na Colectânea).

22      A Comissão nega a pertinência da jurisprudência invocada pelo recorrente, designadamente do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van Personen met een Handicap/Comissão (T‑102/00, Colect., p. II‑2433), na medida em que a República Portuguesa goza de um poder de apreciação suficientemente amplo para que os efeitos da supressão da contribuição não sejam automáticos, mas sejam determinados pela vontade do Estado.

23      A Comissão salienta que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal e o./Comissão (T‑450/93, Colect., p. II‑1177), tal como, de resto, o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Interhotel/Comissão (C‑291/89, Colect., p. I‑2257, n.° 13), tiveram por objecto o Regulamento (CEE) n.° 2950/83 do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, que aplica a Decisão 83/516/CEE relativa às funções do Fundo Social Europeu (JO L 289, p. 1; EE 05 F 4 p. 22). Pelo contrário, nos termos do Regulamento n.° 1164/94, relevante no presente processo, não se cria uma ligação directa entre a Comissão e as empresas beneficiárias. Por outro lado, na decisão recorrida o Município de Gondomar apenas é referido enquanto responsável pela execução do projecto e não priva as empresas da contribuição.

24      Segundo o recorrente, a afirmação da Comissão segundo a qual as situações jurídicas abrangidas pela relação jurídica de contribuição do Fundo de Coesão, no quadro do Regulamento (CE) n.° 1164/94, se referem apenas a dois sujeitos, a saber, a Comissão e o Estado‑Membro, não tem fundamento, na medida em que na redacção do Regulamento n.° 1164/94 se faz igualmente uma referência ao «organismo responsável pela execução do projecto» e à «autoridade responsável pela execução do projecto». A Decisão C (95) 3281 identifica a Câmara Municipal de Gondomar como o «organismo responsável pela execução».

25      O recorrente salienta que esta interpretação é confortada pelo artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1083/2006 do Conselho, de 11 de Julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1260/1999 (JO L 210, p. 25), que define o beneficiário como «um operador, organismo ou empresa, do sector público ou privado, responsável pelo arranque ou pelo arranque e execução das operações».

26      O recorrente opõe‑se igualmente à afirmação da Comissão segundo a qual o recorrente não tem um direito subjectivo ou um interesse legítimo relativamente à contribuição do Fundo de Coesão. Segundo o recorrente, subjacente à coesão económica e social está uma política regional e existe, pois, uma estreita conexão entre o interesse local ou regional e o interesse comunitário, o que aliás é expressamente reconhecido no artigo 159.° CE.

27      Relativamente à questão de saber se a decisão recorrida diz directamente respeito ao recorrente, este salienta que o artigo 12.°, n.° 1, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1164/94, aponta claramente para a legitimidade e o interesse em agir do recorrente ao afirmar que o Estado‑Membro e a autoridade responsável pela execução são subsidiariamente responsáveis pelo reembolso.

28      Por outro lado, segundo o recorrente, a República Portuguesa é um mero «gestor de negócios da Comissão» e é evidente que o verdadeiro destinatário da decisão recorrida é o recorrente, a quem esta enquanto tal diz directamente respeito.

29      O recorrente recorda ainda que, como resulta dos documentos anexados à petição inicial, o reembolso dos montantes recebidos foi já solicitado ao Município de Gondomar. No presente caso, a República Portuguesa não exerceu um poder discricionário e a decisão recorrida teve como efeito directo, automático e evidente a modificação da situação jurídica do recorrente. Segundo jurisprudência constante, tal é suficiente para demonstrar que a decisão diz directamente respeito ao recorrente.

30      Relativamente aos acórdãos Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van Personen met een Handicap/Comissão e Lisrestal e o./Comissão, já referidos, o recorrente apresenta uma interpretação diametralmente oposta, afirmando não apenas que o recorrente é o beneficiário final e directo da contribuição, mas também que é o recorrente que sofre integralmente as consequências económicas decorrentes da decisão recorrida.

31      Por último, o recorrente salienta que, na ordem jurídica portuguesa, não pôde interpor recurso da notificação que lhe foi remetida pela Gestora Sectorial para o Fundo de Coesão do Ministério do Ambiente, na medida em que este acto é meramente declarativo e se limita a descrever a situação jurídica em causa.

 Apreciação do Tribunal

32      Nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, se uma parte o solicitar, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa. Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, salvo decisão em contrário do Tribunal, a tramitação ulterior do processo no que respeita ao pedido é oral.

33      No presente caso, o Tribunal considera que está suficientemente esclarecido pelo exame das peças aos autos para se pronunciar sobre o pedido sem iniciar a fase oral.

34      Ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas condições referidas no primeiro e no segundo parágrafos dessa disposição, recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

35      No presente caso, é facto assente que a decisão recorrida foi notificada à República Portuguesa, pelo que o recorrente não pode ser considerado destinatário da referida decisão na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

36      Nestas condições, há que verificar se o recorrente tem legitimidade para interpor recurso de anulação da referida decisão por esta lhe dizer directa e individualmente respeito.

37      Relativamente à questão de saber se a decisão recorrida diz directamente respeito ao recorrente, é jurisprudência constante que esta condição exige que a medida comunitária produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua implementação, por esta ser de carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (v. acórdão Regione Siciliana/Comissão, já referido, n.° 28, e despacho Regione Siciliana/Comissão, já referido, n.° 53, e jurisprudência aí citada).

38      Sucede o mesmo quando a possibilidade de os destinatários não implementarem o acto comunitário é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências conformes ao referido acto (v. despacho Regione Siciliana/Comissão, já referido, n.° 53, e jurisprudência aí citada).

39      No presente caso, há que constatar que a decisão recorrida, tal como a que era objecto dos processos em que foram proferidos o acórdão e o despacho Regione Siciliana/Comissão, já referidos, foi dirigida ao Estado‑Membro, não tendo imposto a este último a obrigação de recuperar montantes junto dos beneficiários finais. Com efeito, o artigo 3.° da decisão recorrida designa a República Portuguesa como a destinatária desta decisão, e o artigo 1.°, n.° 2, prevê apenas que o montante de 6 222 828 euros será recuperado por reembolso. Nos termos do artigo 2.° da decisão recorrida, a República Portuguesa é obrigada a informar o beneficiário final da decisão, não sendo o nome deste mencionado.

40      Assim, contrariamente ao que alega o recorrente, resulta da decisão recorrida que esta não contém nenhuma disposição que obrigue a República Portuguesa a proceder, junto do recorrente, à recuperação dos montantes indevidos. A este respeito, o dever de informar o beneficiário final não pode ser equiparado a tal imposição. A correcta execução da decisão recorrida implica apenas que a República Portuguesa restitua ao Fundo de Coesão os montantes indevidos (v., neste sentido, despacho Cámara de Comercio e Industria de Zaragoza/Comissão, já referido, n.° 47, e jurisprudência aí citada).

41      A competência decisória do Estado‑Membro é igualmente confirmada pela regulamentação comunitária. Deste modo, o artigo 12.° do Regulamento n.° 1164/94 estabelece que, sem prejuízo da responsabilidade da Comissão na execução do Orçamento Geral das Comunidades Europeias, os Estados‑Membros assumem em primeira linha a responsabilidade pelo controlo financeiro dos projectos. Nos termos do artigo 5.° do Regulamento (CE) n.° 1831/94 da Comissão, de 26 de Julho de 1994, relativo às irregularidades e à recuperação dos montantes pagos indevidamente no âmbito do financiamento do Fundo de Coesão, assim como à organização de um sistema de informação nesse domínio (JO L 191, p. 9), sempre que um Estado‑Membro beneficiário considere que não se pode efectuar ou esperar a recuperação de um montante, informará a Comissão, numa comunicação especial, do montante não recuperado e das razões pelas quais esse montante deve ficar, na sua opinião, a cargo da Comunidade ou do Estado‑Membro beneficiário.

42      Para mais, nenhum elemento dos autos permite concluir que a República Portuguesa não dispunha de um poder de apreciação, ou mesmo de um poder decisório, relativamente a tal reembolso (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, SLIM Sicilia/Comissão, T‑105/01, Colect., p. II‑2697, n.° 52).

43      Nestas circunstâncias, o reembolso dos fundos comunitários pagos ao recorrente será a consequência directa não da decisão recorrida mas da acção exercida pela República Portuguesa para o efeito com base na legislação nacional, com vista a satisfazer as obrigações resultantes da regulamentação comunitária na matéria (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o., 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.os 19 e 20; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Abril de 2001, Coillte Teoranta/Comissão, T‑244/00, Colect., p. II‑1275, n.° 47).

44      Esta conclusão não é posta em causa pela afirmação do recorrente segundo a qual, na ordem jurídica portuguesa, a carta da Gestora Sectorial para o Fundo de Coesão do Ministério do Ambiente, que exigiu o reembolso, consubstancia um acto declarativo que descreve uma situação jurídica da qual não é possível interpor recurso contencioso.

45      A exigência de uma tutela jurisdicional efectiva não pode, com efeito, levar a afastar o requisito da afectação directa exigido pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (v. despacho do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Junho de 2007, Município de Gondomar/Comissão, T‑324/06 R, não publicado na Colectânea, n.° 47 e jurisprudência aí citada).

46      Além disso, o facto de a referida carta ordenar ao recorrente o reembolso da totalidade da contribuição, da mesma forma que a decisão recorrida ordena à República Portuguesa que esse reembolso seja efectuado, não implica que o Estado‑Membro não tenha tido nenhum poder de apreciação ou que não o tenha exercido, mas antes que o Estado‑Membro chegou às mesmas conclusões que a Comissão e sobretudo que considera que as irregularidades cometidas durante a execução do projecto, que estiveram na base da decisão recorrida, são imputáveis ao recorrente.

47      Por último, relativamente aos acórdãos Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van Personen met een Handicap/Comissão et Lisrestal e o./Comissão, já referidos, invocados pelas partes, há que salientar que nesses dois acórdãos o Tribunal de Justiça precisou que uma decisão que reduz ou suprime uma contribuição financeira concedida pelo Fundo Social Europeu (FSE) é susceptível de dizer directa e individualmente respeito aos beneficiários dessa contribuição e de os prejudicar, não obstante o Estado‑Membro em causa ter sido o único interlocutor do FSE durante o procedimento administrativo (v., neste sentido, acórdão Lisrestal e o./Comissão, já referido, n.os 43 a 48, e jurisprudência aí citada, assim como acórdão Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van Personen met een Handicap/Comissão, já referido, n.° 60).

48      O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão depois de ter constatado, designadamente, que as decisões da Comissão adoptadas nos termos do Regulamento n.° 2950/83 privavam as empresas beneficiárias de uma parte da contribuição concedida, sem que esse regulamento tenha conferido ao Estado‑Membro em causa um poder de apreciação próprio (v. acórdão Lisrestal e o./Comissão, já referido, n.° 44 e jurisprudência aí citada).

49      Em contrapartida, o presente processo tem por objecto uma regulamentação diferente, o Regulamento n.° 1164/94. Resulta da leitura conjugada do artigo 12.°, n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1164/94, do artigo 5.°, n.° 2, e do artigo 7.° do Regulamento n.° 1831/94 que o Estado‑Membro beneficiário dispõe de um verdadeiro poder de apreciação no que diz respeito à recuperação dos montantes indevidamente pagos pelo Fundo de Coesão, que lhe permite, sendo caso disso, renunciar à recuperação e suportar ele próprio o encargo da restituição ao Fundo de Coesão dos montantes indevidamente pagos e não recuperados. Nestas circunstâncias, o reembolso, pelo recorrente, dos fundos comunitários indevidamente pagos não é consequência directa da decisão, nem de outra disposição de direito comunitário destinada a regular o seu efeito, mas sim da acção desenvolvida com essa finalidade pela República Portuguesa, com base na legislação nacional adoptada em execução da regulamentação comunitária pertinente (v. despacho do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Junho de 2007, Município de Gondomar/Comissão, já referido, n.os 36 e 37 e jurisprudência aí citada).

50      Daqui resulta que a solução adoptada nos acórdãos Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van Personen met een Handicap/Comissão e Lisrestal e o./Comissão, já referidos, não é transponível para o presente caso.

51      Por conseguinte, há que declarar que a decisão recorrida não produziu directamente efeitos na situação jurídica do recorrente e que, consequentemente, a decisão recorrida não lhe diz directamente respeito.

52      Consequentemente, sem que seja necessário examinar a questão de saber se a decisão recorrida diz individualmente respeito ao recorrente, há que julgar o presente recurso inadmissível.

 Quanto às despesas

53      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, incluindo nas despesas relativas ao processo de medidas provisórias, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

ordena:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      O Município de Gondomar suportará as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela Comissão, incluindo as despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

Feito no Luxemburgo, em 10 de Setembro de 2008.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

       O. Czúcz


* Língua do processo: português.