Language of document : ECLI:EU:F:2016:117

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Terceira Secção)

12 de maio de 2016

Processo F‑102/15

FS

contra

Comité Económico e Social Europeu (CESE)

«Função pública — Agentes temporários — Artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais — Direito de acesso de qualquer pessoa ao processo que lhe diz respeito — Acesso aos documentos relativos a uma tentativa de mediação — Tentativa de mediação lançada pelo presidente então em exercício e realizada sob os auspícios de um antigo presidente do CESE — Direito de acesso ao relatório elaborado no seguimento desta mediação — Inquérito administrativo aberto posteriormente à mediação — Artigo 3.° do anexo IX do Estatuto»

Objeto:      Recurso interposto nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, em que FS pede em substância, por um lado, a anulação das decisões do presidente do Comité Económico e Social Europeu (CESE), de 10 de setembro e de 19 de novembro de 2014, que lhe recusaram o acesso, em substância, a documentos escritos trocados entre um membro do CESE e o presidente então em exercício, bem como à documentação relativa a um alegado inquérito que terá sido realizado por este membro antes da abertura, em 6 de outubro de 2014, de um inquérito administrativo, na aceção do artigo 86.° do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), a seu respeito. Por outro lado, a recorrente pede a condenação do CESE na reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido.

Decisão:      A decisão de 19 de novembro de 2014 do presidente do Comité Económico e Social Europeu (CESE), na parte em que recusa a comunicação a FS de um relatório que lhe diz respeito, elaborado por um antigo presidente do CESE a pedido do presidente então em exercício, é anulada. Os pedidos de anulação carecem de objeto quanto ao restante. O Comité Económico e Social Europeu é condenado a indemnizar FS num montante de 1 000 euros a título do prejuízo moral que sofreu. O Comité Económico e Social Europeu suporta as suas próprias despesas e é condenado a suportar as despesas efetuadas por FS.

Sumário

1.      Funcionários — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Respeito dos direitos de defesa — Obrigação de comunicar ao interessado um relatório elaborado no seguimento de uma mediação e antes da abertura de um inquérito administrativo

[Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 2, alínea b)]

2.      Recursos de funcionários — Ação de indemnização — Anulação do ato impugnado que não assegura a adequada reparação do prejuízo moral — Concessão de uma reparação pecuniária

(Artigo 340.°, n.° 2, TFUE)

1.      O artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê que todas as pessoas têm direito a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial.

Além disso, o caráter contraditório de um processo disciplinar e os direitos de defesa desse processo exigem que a pessoa em causa e, sendo caso disso, o seu advogado possam ter conhecimento de todos os elementos de facto em que a administração é suscetível de basear a sua decisão de encerramento desse processo, e tal em tempo útil para apresentar as suas observações. Com efeito, o respeito pelos direitos de defesa exige que a parte interessada esteja em posição de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a pertinência dos factos, mas também que possa tomar posição, pelo menos, sobre os documentos em que a instituição se baseou e que contenham factos importantes para o exercício dos seus direitos de defesa.

A este respeito, quando confiou a um membro da instituição uma missão de mediação, o presidente em exercício da instituição agiu na sua qualidade de autoridade habilitada a celebrar contratos de admissão. Em seguida, uma vez que resulta do teor do relatório deste membro que procedeu à audição de vários funcionários e agentes da instituição bem como dos seus membros, que registou no seu relatório as constatações de facto resultantes das suas investigações, estes elementos indicam que esta atividade não se limitou a uma mediação, mas se assemelha, ao contrário, a um inquérito administrativo. Do mesmo modo, o referido relatório possui as características de um relatório com base no qual a autoridade habilitada a celebrar contratos de admissão decidiu precisamente abrir posteriormente o inquérito administrativo propriamente dito.

Nestas condições, deve considerar‑se que o referido relatório devia, em conformidade com o artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais, ter sido também enviado ao recorrente, uma vez que é abrangido pelo conceito de «processos que se lhe refiram» na aceção desta disposição.

(cf. n.os 47, 48 e 50 a 52)

Ver:

Tribunal da Função Pública: acórdão de 17 de março de 2015, AX/BCE, F‑73/13, EU:F:2015:9, n.° 115 e jurisprudência referida

2.      Embora a anulação de um ato ferido de ilegalidade possa constituir, em si mesma, reparação adequada e, em princípio, suficiente de todos os prejuízos morais que este ato possa ter causado, tal não é o caso quando o recorrente demonstre ter sofrido um prejuízo moral independente da ilegalidade na qual se baseia a anulação e que não é suscetível de ser integralmente reparado através dessa anulação.

É ponto assente que o sentimento de injustiça e os transtornos originados pelo facto de uma pessoa dever desencadear um processo pré‑contencioso, e depois contencioso, para o reconhecimento dos seus direitos pode, em certas circunstâncias, constituir um dano que pode resultar do mero facto de a administração ter cometido uma ilegalidade.

(cf. n.os 58 e 59)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdão de 7 de fevereiro de 1990, Culin/Comissão, C‑343/87, EU:C:1990:49, n.os 27 e 28

Tribunal de Primeira Instância: acórdão de 6 de junho de 2006, Girardot/Comissão, T‑10/02, EU:T:2006:148, n.° 131

Tribunal da Função Pública: acórdãos de 19 de maio de 2015, Brunne/Comissão, F‑59/14, EU:F:2015:50, n.° 80, e de 16 de julho de 2015, Murariu/AEAPP, F‑116/14, EU:F:2015:89, n.° 152