Language of document : ECLI:EU:C:2016:103

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 18 de fevereiro de 2016 (1)

Processo C‑19/15

Verband Sozialer Wettbewerb e.V.

contra

Innova Vital GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Regulamento (CE) n.° 1924/2006 — Artigo 1.°, n.° 2 — Âmbito de aplicação — Alegações nutricionais e de saúde relativas aos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final — Alegações que figuram nas comunicações comerciais dirigidas exclusivamente a profissionais»





I –    Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial submetido pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha) tem por objeto a interpretação do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos (2).

2.        Este pedido insere‑se no âmbito de um litígio que opõe uma associação que defende os interesses comerciais dos seus membros a uma sociedade que vende um complemento alimentar, relativamente a afirmações incluídas numa carta publicitária que esta última enviou unicamente a médicos. O Tribunal de Justiça é convidado, de forma inédita, a determinar se as exigências do referido regulamento são aplicáveis quando alegações nutricionais e de saúde relativas a um alimento a fornecer como tal a consumidores figuram em comunicações comerciais que não são diretamente dirigidas a estes, mas exclusivamente a profissionais.

II – Enquadramento jurídico

3.        Nos termos dos considerandos 1, 4, 9, 16, 23 e 29 do Regulamento n.° 1924/2006:

«(1)      Existe um número cada vez maior de alimentos rotulados e publicitados na Comunidade com alegações nutricionais e de saúde. Por forma a assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores e a facilitar as suas escolhas, os produtos colocados no mercado, incluindo os que são importados, deverão ser seguros e devidamente rotulados. […]

[...]

(4)      O presente regulamento é aplicável a todas as alegações nutricionais e de saúde feitas em comunicações comerciais, nomeadamente na publicidade genérica dos alimentos e em campanhas de promoção, incluindo as patrocinadas total ou parcialmente pelas autoridades públicas. Não é aplicável às alegações que sejam feitas em comunicações não comerciais, como as orientações ou os conselhos dietéticos emanados das autoridades e organismos de saúde pública, nem em comunicações e informações não comerciais constantes da imprensa e de publicações científicas. [...]

[...]

(9)      Existe uma vasta gama de nutrientes e outras substâncias […] com efeito nutricional ou fisiológico que podem estar presentes num alimento e ser alvo de uma alegação. Por conseguinte, deverão ser estabelecidos princípios gerais aplicáveis a todas as alegações feitas acerca dos alimentos, por forma a assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores, a fornecer‑lhes as informações necessárias para efetuarem as suas escolhas com pleno conhecimento de causa e a criar condições de concorrência equitativas no setor da indústria alimentar.

[...]

(16)      É importante que as alegações relativas aos alimentos possam ser entendidas pelo consumidor e é conveniente proteger todos os consumidores das alegações enganosas. [...]

[...]

(23)      As alegações de saúde só deverão ser autorizadas para utilização na Comunidade depois de uma avaliação científica do mais elevado nível possível. A fim de assegurar uma avaliação científica harmonizada destas alegações, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos deverá efetuar as referidas avaliações. […]

[...]

(29)      A fim de garantir que as alegações de saúde sejam verdadeiras, claras, fiáveis e úteis para o consumidor na escolha de um regime alimentar saudável, a sua redação e apresentação deverão ser tidas em conta no parecer da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e nos processos subsequentes.»

4.        O artigo 1.°, n.os 1 e 2, deste regulamento estabelece que:

«1.      O presente regulamento harmoniza as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de alegações nutricionais e de saúde, a fim de garantir o funcionamento eficaz do mercado interno, assegurando ao mesmo tempo um elevado nível de proteção dos consumidores.

2.      O presente regulamento é aplicável às alegações nutricionais e de saúde feitas em comunicações comerciais, quer na rotulagem, quer na apresentação ou na publicidade dos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final. […]»

5.        O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1924/2006 remete, para efeitos da aplicação deste, para as definições dos conceitos de «género alimentício» e de «consumidor final» que figuram nos artigos 2.° e 3.°, n.° 18, do Regulamento (CE) n.° 178/2002 (3). O n.° 2, pontos 1, 4 e 5, deste mesmo artigo define o que deve ser entendido por «alegação», por «alegação nutricional» e por «alegação de saúde» na aceção do Regulamento n.° 1924/2006.

6.        O capítulo II, que inclui os artigos 3.° a 7.° do Regulamento n.° 1924/2006 fixa os princípios gerais de utilização das alegações nutricionais e de saúde.

7.        O artigo 3.°, sob a epígrafe «Princípios gerais aplicáveis a todas as alegações», estabelece que «[s]ó podem ser utilizadas na rotulagem, na apresentação e na publicidade dos alimentos colocados no mercado comunitário as alegações nutricionais e de saúde que cumpram as disposições do presente regulamento». Acrescenta que, «[s]em prejuízo das Diretivas 2000/13/CE [(4)] e 84/450/CEE [(5)], as alegações nutricionais e de saúde não devem [nomeadamente] ser falsas, ambíguas ou enganosas».

8.        O artigo 5.°, n.os 1 e 2, sob a epígrafe «Condições gerais», precisa que a utilização de alegações nutricionais e de saúde só é permitida caso estejam preenchidas as condições que são enumeradas neste artigo e «se for plausível que o consumidor médio compreenda os efeitos benéficos expressos na alegação».

9.        O capítulo III do Regulamento n.° 1924/2006, que inclui os artigos 8.° e 9.°, prevê as condições de utilização específicas das alegações nutricionais.

10.      O capítulo IV deste mesmo regulamento, no qual figuram os artigos 10.° a 19.°, inclui as disposições específicas aplicáveis às alegações de saúde.

11.      Nos termos do artigo 10.°, n.os 1 e 2, sob a epígrafe «Condições específicas»:

«1.      São proibidas as alegações de saúde que não cumpram os requisitos gerais do capítulo II nem os requisitos específicos do presente capítulo e que não estejam autorizadas em conformidade com o presente regulamento nem incluídas nas listas das alegações permitidas previstas nos artigos 13.° e 14.°

2.      Só são permitidas as alegações de saúde que incluam na rotulagem ou […] na apresentação e na publicidade as informações [que este número estabelece] .»

12.      O artigo 13.° permite que as alegações de saúde que identifica sejam utilizadas «sem serem sujeitas aos procedimentos estabelecidos nos artigos 15.° a 19.°», desde que figurem «na lista prevista no n.° 3» deste artigo, que «assentem em provas científicas geralmente aceites» e que sejam «bem compreendidas pelo consumidor médio».

13.      O artigo 14.° admite a utilização de «alegações relativas à redução de um risco de doença» e de «alegações relativas ao desenvolvimento e à saúde das crianças» desde que «tenham sido autorizadas, nos termos dos artigos 15.°, 16.°, 17.° e 19.°» deste regulamento.

III – Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

14.      O Verband Sozialer Wettbewerb e.V. (a seguir «Verband Sozialer Wettbewerb») é uma associação alemã que, segundo os seus estatutos, tem como missão defender os interesses comerciais dos seus membros, o que implica, nomeadamente, garantir o respeito das regras da concorrência leal.

15.      A Innova Vital GmbH (a seguir «Innova Vital»), sociedade alemã cujo gerente é um médico, comercializa uma emulsão que contém vitamina D3 e que é administrável em forma de gotas, denominada «Innova Mulsin® Vitamin D3».

16.      No mês de novembro de 2013, o gerente da Innova Vital enviou, apenas aos médicos nomeadamente designados, uma carta segundo a qual este complemento alimentar contribui para a prevenção de doenças provocadas por um nível insuficiente de vitamina D, que tinha a seguinte redação:

«Conhece a situação: 87% das crianças na Alemanha têm um teor de vitamina D no sangue inferior a 30 ng/ml. Segundo a Sociedade alemã de nutrição [Deutsche Gesellschaft für Ernährung, DGE], este valor deveria, ao invés, situar‑se entre 50 e 75 ng/ml.

Tal como já foi descrito em numerosos estudos, a vitamina D contribui decisivamente para a prevenção de várias doenças, como por exemplo a dermatite atópica e/ou a “diabetes mellitus” e/ou a esclerose múltipla. Os referidos estudos correlacionam um nível insuficiente de vitamina D já na infância com o desenvolvimento posterior das patologias referidas.

[…]

Enquanto médico especialista em imunologia, refleti sobre a questão e desenvolvi uma emulsão de vitamina D3 (Innova Mulsin® D3), que pode ser administrada sob a forma de gotas.

[…]

Vantagens das emulsões Mulsin®:

[…]

–        Prevenção ou eliminação atempada de estados carenciais (carência de vitamina D3 registada em 80% da população durante o inverno)

[…]

Obterá as condições de encomenda direta, assim como material de informação gratuito para o seu consultório no número [...]» (6).

17.      Esta carta continha também uma apresentação em imagens do produto em causa, informações sobre a sua composição, o seu preço de venda, assim como o custo diário de um tratamento segundo a posologia recomendada de uma gota por dia ou em função da recomendação médica. Precisava que «com um preço de venda de 26,75 euros os seus pacientes investem 0,11 euros por dia para um consumo equilibrado de vitamina D3».

18.      O Verband Sozialer Wettbewerb intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação inibitória contra a Innova Vital, por aplicação da lei alemã contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb) (7). Fundamentou esta ação numa violação do Regulamento n.° 1924/2006, visando mais particularmente duas das indicações referidas (8).

19.      Em apoio do seu pedido, o Verband Sozialer Wettbewerb alega que as disposições do Regulamento n.° 1924/2006 são aplicáveis à publicidade destinada a profissionais e a não profissionais. A título principal, alega que o artigo 10.°, n.° 1, deste regulamento proíbe as alegações de saúde exceto se, não sendo esse o caso das afirmações em questão, tais alegações tiverem sido autorizadas em conformidade com este regulamento e figurarem na lista das alegações autorizadas visada no seu artigo 13.° Acrescenta que o complemento alimentar em causa, atendendo à sua composição e à sua eficácia, não respeita as condições gerais estabelecidas pelo artigo 5.°, n.° 1, do referido regulamento. A título subsidiário, invoca uma violação do artigo 10.°, n.° 2, deste mesmo regulamento, com fundamento no facto de as referências obrigatórias que esta disposição prevê não figurarem na publicidade controvertida.

20.      A Innova Vital alega, em contrapartida, que os artigos 5.° e 10.° do Regulamento n.° 1924/2006 não são aplicáveis às afirmações contidas na carta em causa, uma vez que esta se dirigia unicamente a médicos e que este regulamento não pode ser aplicado à publicidade destinada a profissionais.

21.      Neste contexto, por decisão de 16 de dezembro de 2014, entrada no Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2015, o Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1924/2006 ser interpretado no sentido de que as disposições deste regulamento são igualmente aplicáveis às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos feitas em comunicações comerciais, na publicidade aos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final, quando a comunicação comercial ou a publicidade se destina exclusivamente a profissionais?»

22.      A Innova Vital, os Governos helénico e francês, assim como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Não foi realizada audiência de alegações.

IV – Análise

A –    Considerações prévias

23.      À luz das observações escritas que foram fornecidas ao Tribunal de Justiça, afigura‑se que algumas interrogações, relativas ao âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 1924/2006, devem ser apreciadas previamente, ou seja, antes de se poder responder à questão prejudicial.

24.      Em primeiro lugar, sublinho que, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico que, em conformidade com as condições de aplicação previstas no artigo 1.°, n.° 2, deste regulamento, por um lado, o produto visado pela carta em causa no processo principal constitui um alimento a fornecer como tal ao consumidor final e, por outro, a comunicação efetuada pela Innova Vital tinha, segundo esta, um objetivo publicitário.

1.      Quanto à qualificação das indicações controvertidas ao abrigo do Regulamento n.° 1924/2006

25.      Resulta da decisão de reenvio que o recorrente no processo principal alegou que a carta que é objeto da sua ação continha «alegações de saúde» proibidas pelo Regulamento n.° 1924/2006. O Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) não põe em causa esta qualificação, observando, no entanto, que a sua questão prejudicial é relativa indistintamente às alegações «nutricionais» e às alegações «de saúde» visadas por este regulamento.

26.      O Governo francês interroga‑se sobre a justeza deste pressuposto. Em seu entender, as indicações controvertidas não constituem nem alegações nutricionais nem alegações de saúde tais como definidas no artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 e, assim, não estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação. Tais indicações enquadram‑se antes na categoria das informações sobre os alimentos que atribuem a este propriedades de prevenção, de tratamento ou de cura de uma doença humana cuja utilização é, em princípio, proibida pelo artigo 7.° do Regulamento n.° 1169/2011/UE (9). Todavia, considera que o Tribunal de Justiça tem de responder à questão colocada (10), uma vez que a inaplicabilidade do Regulamento n.° 1924/2006 no caso em apreço não é manifesta pois está sujeita à qualificação jurídica das indicações impugnadas.

27.      É jurisprudência constante que cabe unicamente ao órgão jurisdicional nacional apreciar e qualificar os factos do litígio no processo principal, assim como aplicar as disposições relevantes do direito da União em conformidade com a interpretação destas que é fornecida pelo Tribunal de Justiça (11). Esta regra já foi instituída pelo Tribunal de Justiça no que respeita, em particular, às disposições do Regulamento n.° 1924/2006 (12). Não obstante, esclareço que, tal como a Comissão, considero que a presente questão prejudicial é desprovida de caráter hipotético uma vez que, atendendo aos dados do litígio acima referidos, as afirmações impugnadas aparentam efetivamente estar abrangidas pelo conceito de «alegações de saúde» na aceção deste regulamento, conforme interpretado nos acórdãos do Tribunal de Justiça relativos a tal conceito (13).

2.      Quanto à articulação do Regulamento n.° 1924/2006 com a Diretiva 2000/13

28.      A Comissão considera que é necessário questionar se, numa situação como a que é objeto do processo principal, a utilização das indicações controvertidas não é já proibida pelo artigo 2.°, n.° 1, alínea b), conjugado com o seu n.° 3, da Diretiva 2000/13, que estabelece um princípio geral nos termos do qual as informações relativas a um alimento, contidas nomeadamente na publicidade, não devem atribuir a este as propriedades de prevenção de uma doença humana (14).

29.      O mesmo considera, no essencial, o Governo francês, uma vez que alega que as indicações desta natureza podem estar abrangidas por disposições equivalentes às disposições referidas da Diretiva 2000/13 que figuram no artigo 7.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 1169/2011. Tendo em conta que este regulamento revogou a Diretiva 2000/13 desde 13 de dezembro de 2014 (15), ou seja, após terem ocorrido os factos do litígio no processo principal (16), não é, todavia, aplicável ratione temporis no caso em apreço.

30.      Importa recordar que a Diretiva 2000/13, que tem por objeto a publicidade efetuada aos alimentos, é aplicável paralelamente ao Regulamento n.° 1924/2006, e não em seu detrimento. Com efeito, nos termos do considerando 3 deste regulamento, deverá complementar os princípios gerais estabelecidos na Diretiva 2000/13 (17) e definir disposições específicas referentes à utilização das alegações nutricionais e de saúde relativas aos alimentos a fornecer como tais ao consumidor. O artigo 3.°, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1924/2006 reserva a aplicação da Diretiva 2000/13, regra geral, salvo exceções previstas por este regulamento. Em particular, o artigo 14.°, n.° 1, deste permite expressamente derrogar o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), de tal diretiva no que respeita à utilização de dois tipos precisos de alegações de saúde, designadamente, as relativas à redução de um risco de doença e as que se referem ao desenvolvimento e à saúde infantis, sob reserva de tais alegações terem sido autorizadas em conformidade com as estritas condições que tal regulamento fixa.

31.      Conforme observa a própria Comissão, a circunstância de a Diretiva 2000/13 poder eventualmente abranger um litígio como o que está em causa no processo principal não é de todo incompatível com a apreciação do presente pedido de decisão prejudicial, uma vez que o Regulamento n.° 1924/2006 é, consequentemente, aplicável de forma complementar a esta diretiva, e não de forma alternativa. Além disso, a execução das disposições deste regulamento no litígio no processo principal está claramente prevista pelo órgão jurisdicional de reenvio, que é o único que pode apreciar a relevância e a utilidade da questão que coloca para decidir o diferendo que lhe é submetido (18).

B –    Quanto à aplicabilidade do Regulamento n.° 1924/2006 face a comunicações comerciais enviadas exclusivamente a profissionais

32.      A questão submetida no presente processo é relativa à eventual aplicação do Regulamento n.° 1924/2006 na presença de alegações nutricionais ou de saúde que figuram em comunicações comerciais relativas aos alimentos destinados aos consumidores finais quando tais comunicações são dirigidas, não a estes, mas exclusivamente a profissionais, que, no caso em apreço, são profissionais de saúde (19). O Tribunal de Justiça nunca foi chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de interpretação desta natureza, cujos impactos práticos são, no entanto, significativos (20).

33.      As partes no processo principal defendem posições antagónicas no que respeita à aplicabilidade deste regulamento em tais circunstâncias. O órgão jurisdicional de reenvio refere que a questão submetida é também decidida de forma distinta na literatura jurídica de língua alemã, expondo detalhadamente os termos deste debate doutrinal.

34.      De acordo com as observações apresentadas no Tribunal de Justiça, apenas a Innova Vital alega que as comunicações comerciais enviadas unicamente a profissionais não são reguladas pelas disposições do Regulamento n.° 1924/2006. Em contrapartida, tanto os Governos helénico e francês como a Comissão consideram que o âmbito de aplicação deste regulamento abrange tal situação. Partilho igualmente desta opinião.

35.      Diversas considerações, relativas a uma interpretação não somente literal mas também teleológica e contextual, apoiam a resposta afirmativa que, em meu entender, deve ser dada à questão prejudicial.

1.      Quanto à redação das disposições relevantes do Regulamento n.° 1924/2006

36.      A Innova Vital invoca os considerandos 1, 8 a 10, 15 e 28, assim como o artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 para afirmar que este instrumento não pode ser aplicado à publicidade destinada a um público de profissionais, uma vez que estas disposições colocam a tónica nos consumidores e que não é feita qualquer menção aos profissionais.

37.      É verdade que neste regulamento figuram várias referências aos consumidores, observando‑se nomeadamente que a compreensão das alegações nutricionais e de saúde que o «consumidor médio» pode ter é várias vezes considerada como ponto de referência (21).

38.      Não obstante, à luz da redação do artigo 1.°, n.° 2, e de todas as outras disposições do Regulamento n.° 1924/2006, nada permite, em meu entender, excluir que este regula simultaneamente as comunicações comerciais que são dirigidas de forma direta aos consumidores e as que são certamente dirigidas de forma exclusiva a profissionais mas que visam, de facto, atingir de forma indireta os consumidores suscetíveis de adquirir o alimento em causa.

39.      Com efeito, o legislador não estabeleceu qualquer distinção em função da qualidade do destinatário das comunicações que contêm alegações nutricionais e de saúde que são visadas pelo referido regulamento. As únicas exigências que neste figuram dizem respeito ao objeto e à natureza de tais comunicações. Estas devem, por um lado, ser relativas aos alimentos a fornecer a um consumidor final (22) e, por outro, assumir um «caráter comercial» adotando a forma quer da rotulagem ou da apresentação de tais alimentos, quer — como no litígio no processo principal — da publicidade efetuada a seu respeito (23). Por conseguinte, é o próprio produto que deve necessariamente ser destinado aos consumidores, e não a comunicação de que é objeto (24).

40.      O critério do caráter comercial constitui, em meu entender e segundo o Governo helénico e a Comissão, um elemento da maior importância para responder à questão submetida no presente processo (25). A este respeito, o considerando 4 do referido regulamento estabelece uma demarcação clara entre as comunicações comerciais, às quais este instrumento se aplica, e as comunicações não comerciais, que não estão põe ele abrangidas, indicando, ao mesmo tempo, que as primeiras visam fins «publicitários» ou «de promoção» (26).

41.      Embora o Regulamento n.° 1924/2006 não contenha uma definição explícita deste critério, resulta de outros diplomas do direito da União, como refere a Comissão, que o caráter comercial remete geralmente para uma comunicação que tem por objetivo assegurar a promoção económica de produtos ou de serviços, de forma «direta» (27) ou mesmo «indiretamente» (28) e, assim, influenciar as decisões dos potenciais compradores. Sublinho que uma abordagem semelhante foi seguida, a nível internacional, nas «Orientações para o uso de alegações nutricionais e de saúde» adotadas pelo Codex Alimentarius (29), às quais o considerando 7 deste regulamento faz expressamente referência (30).

42.      A redação do Regulamento n.° 1924/2006 não limita o seu âmbito de aplicação às comunicações cujos destinatários são diretamente os consumidores finais uma vez que o caráter comercial destas não depende necessariamente de tal configuração. Com efeito, numa situação como a que é tida em consideração pelo órgão jurisdicional de reenvio, mesmo que os próprios consumidores não recebam a comunicação que contém as alegações abrangidas por este regulamento, encontram‑se, na realidade, entre as pessoas indiretamente visadas por tal ação comercial, dado que o alimento em causa é eventualmente destinado a ser‑lhes vendido, e não aos profissionais que receberam a carta publicitária (31). Em tal situação, estes constituem efetivamente meros intermediários, que são contactados por uma empresa do setor alimentar precisamente por poderem facilitar a promoção do produto que aquela vende assegurando a transmissão das respetivas informações comerciais aos potenciais compradores, ou mesmo recomendando‑lhes que o adquiram.

43.      Ora, os profissionais estão geralmente em condições de exercer uma influência significativa nos consumidores que a eles se dirigem, ainda mais quando se trata de profissionais de saúde, aos quais os pacientes conferem uma confiança reforçada e uma grande credibilidade. O próprio objetivo de uma carta publicitária como a que está em causa no processo principal é que os médicos que a receberam aconselhem os seus pacientes a consumir o produto em causa. Todavia, não é garantido que, antes de eventualmente desempenharem este papel de incentivo, todos os profissionais solicitados irão estar em plenas condições de verificar as alegações contidas nesta comunicação comercial e saber prestar informações se necessário (32).

44.      Em meu entender, para que o Regulamento n.° 1924/2006 possa ser aplicado, é indiferente que os profissionais transmitam aos consumidores o documento que receberam enquanto tal ou apenas em substância, sendo que, em minha opinião, o essencial é que as alegações nutricionais e de saúde contidas neste documento, que estão abrangidas pelo referido regulamento, possam ser dadas a conhecer aos consumidores finais, ainda que indiretamente, como sucede no caso em apreço (33).

2.      Quanto às finalidades do Regulamento n.° 1924/2006

45.      A interpretação que proponho ao Tribunal de Justiça adotar tendo em conta a redação das disposições relevantes do Regulamento n.° 1924/2006 é confirmada à luz dos objetivos deste.

46.      É pacífico que este regulamento tem como duplo objetivo «garantir o funcionamento eficaz do mercado interno», o que exige, nomeadamente, «criar condições de concorrência equitativas» respeitantes à valorização dos produtos, assim como assegurar «um elevado nível de proteção dos consumidores» (34), principalmente permitindo que estes efetuem opções alimentares de forma esclarecida graças a informações objetivas e fundamentadas em provas (35).

47.      Para o efeito, autoriza a utilização de alegações nutricionais e de saúde nas comunicações comerciais, uma vez que tais informações podem ter utilidade para os consumidores desde que sejam claras e verídicas (36), mas enquadra estreitamente esta utilização. No que respeita, em particular, às alegações de saúde, a sua utilização foi objeto de restrições específicas e o referido regulamento apenas permite o recurso a estas após uma avaliação científica simultaneamente independente e harmonizada, que é efetuada pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (a seguir «AESA»), e após a concessão de uma autorização comunitária emitida pela Comissão (37).

48.      Tais objetivos e princípios implicam uma conceção suficientemente ampla do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1924/2006 de modo a permitir que a realização e o respeito destes não sejam comprometidos, em conformidade com a abordagem que até à data é defendida pelo Tribunal de Justiça face às tentativas dos operadores da indústria alimentar que pretendem limitar o alcance material deste regulamento (38). No caso em apreço, na falta de uma designação expressa dos consumidores como sendo os únicos potenciais destinatários, importa, em meu entender, considerar que o referido regulamento é aplicável também a uma comunicação comercial como a que está em causa no processo principal, dirigida exclusivamente a profissionais, que cumpre as outras condições previstas por este instrumento.

49.      É certo que, em princípio (39), os profissionais são mais atentos e mais advertidos do que o consumidor médio. Todavia, na prática, tanto a filtragem que são suscetíveis de efetuar como o baluarte que, assim, podem constituir para os consumidores têm limites, uma vez que não é possível excluir que os próprios sejam induzidos em erro por alegações falsas ou enganosas, ou mesmo ilusórias. Com efeito, conforme alega o Governo helénico, do ponto de vista material, é impossível que estes disponham permanentemente de todos os conhecimentos especializados e atualizados que são necessários para avaliar cada alimento e todo o tipo de alegação que lhe diz respeito.

50.      Tal como o Governo francês, considero que se for admitido que as alegações nutricionais e de saúde não estão abrangidas pelas disposições do Regulamento n.° 1924/2006 uma vez que figuram nas comunicações comerciais dirigidas a profissionais as consequências concretas podem, paradoxalmente, ser ainda mais graves e nefastas para o consumidor do que quando as publicidades lhes são dirigidas diretamente. Com efeito, por norma, este confiará na opinião dada por profissionais que lhe aconselham, em total boa‑fé, o produto em causa, e é possível que atue mesmo com menos reflexão e hesitações do que quando tem de efetuar a sua própria apreciação enquanto leigo. Assim, na situação visada pela questão prejudicial, a proteção dos consumidores face a alegações que são falsas é portanto necessária, até mais necessária, do que nos casos em que os próprios recebem a publicidade e efetuam por si só as suas opções alimentares.

51.      Além disso, o facto de excluir esta categoria de comunicações do âmbito de aplicação do referido regulamento conduz à perda de uma parte do efeito útil deste, nomeadamente na medida em que a falta de uma avaliação conduzida a montante pela AESA permite utilizar alegações de saúde que não se baseiam em provas científicas. Na prática, para as empresas do setor alimentar, a opção de divulgarem as suas alegações aos consumidores utilizando como intermediários profissionais pode constituir um meio fácil de contornarem as rigorosas exigências do Regulamento n.° 1924/2006. Em todo o caso, tal interpretação teria como consequência poder alterar o bom funcionamento do mercado interno e reduzir o nível de proteção dos consumidores que, assim, são visados por este regulamento.

52.      A interpretação teleológica que defendo não pode, em meu entender, ser validamente posta em causa pelos argumentos apresentados contra esta abordagem pela Innova Vital, que se fundamenta nas teses defendidas por uma parte da doutrina alemã segundo referiu nas suas observações, assim como na decisão de reenvio.

53.      Em primeiro lugar, a Innova Vital invoca uma inadequação entre o sistema vinculativo previsto pelo Regulamento n.° 1924/2006 e os conhecimentos detidos por profissionais especialistas. Alega, no essencial, que embora as comunicações comerciais dirigidas a estes estivessem incluídas no âmbito de aplicação de tal regulamento, a utilização de uma terminologia técnica ou científica nas alegações nutricionais e de saúde é proibida, por força do seu artigo 5.°, n.° 2 (40), uma vez que tais termos não são suscetíveis de ser compreendidos por um «consumidor médio», mesmo que sejam conhecidos pelos especialistas destinatários da publicidade.

54.      Todavia, em meu entender este argumento é inoperante uma vez que, em circunstâncias como as que são objeto do litígio no processo principal, a carta publicitária não se destina a ser submetida enquanto tal ao consumidor, mas a ser dirigida a profissionais que são implicitamente convidados a explicar‑lhe em que medida o produto em questão tem interesse para ele (41). A boa compreensão das alegações que estão contidas na comunicação comercial, tal como exigida pelo referido artigo 5.°, n.° 2, passa, neste caso, pela intervenção de profissionais, que estão encarregados de transmitir estas informações aos leigos, reformulando‑as se necessário.

55.      Em segundo lugar, a Innova Vital invoca um impacto nefasto do regime previsto pelo Regulamento n.° 1924/2006 sobre as comunicações de profissionais, na medida em que estes têm expectativas distintas das dos consumidores, nomeadamente no que respeita a uma informação objetiva relativa aos novos desenvolvimentos científicos (42).

56.      É verdade que se o Tribunal de Justiça admitir que as disposições do Regulamento n.° 1924/2006 se aplicam num contexto como o que está em causa no litígio no processo principal, as comunicações entre profissionais podem ser afetadas ou restringidas. Todavia, para que o sistema que limita as alegações nutricionais e de saúde que está previsto por este regulamento seja aplicado, as comunicações em causa devem, em princípio, destinar‑se não a fornecer informações de ordem puramente técnica, mas a divulgar indicações «comerciais», em conformidade com o seu artigo 1.°, n.° 2, primeiro parágrafo. Além disso, recordo que o considerando 4 do referido regulamento exclui explicitamente a aplicação deste às «informações não comerciais constantes […] de publicações científicas». Num contexto de ação comercial, e, assim, de informação não neutra, parece‑me normal que o objetivo legítimo de proteger os consumidores de alegações falsas se sobreponha à pretensão de permitir a transmissão de informações de profissionais para profissionais.

57.      Por conseguinte, considero que o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 deve ser interpretado no sentido de que este regulamento é aplicável quando alegações nutricionais ou de saúde figuram em comunicações comerciais que, apesar de serem dirigidas exclusivamente a profissionais, visam, na prática, atingir indiretamente os consumidores finais, aos quais os alimentos que são objeto destas alegações serão, eventualmente, fornecidos como tais.

V –    Conclusão

58.      Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte à questão prejudicial submetida pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha):

O artigo 1, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos, deve ser interpretado no sentido de que as disposições deste regulamento são aplicáveis às alegações nutricionais e de saúde relativas aos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final que são formuladas nas comunicações comerciais quando estas se dirigem exclusivamente a profissionais mas têm por objetivo atingir indiretamente, por intermédio destes, os consumidores.


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 404, p. 9. Este regulamento foi objeto de uma retificação (JO 2007, L 12, p. 3) e foi alterado em último lugar pelo Regulamento (UE) n.° 1047/2012 da Comissão, de 8 de novembro de 2012, no que se refere à lista de alegações nutricionais (JO L 310, p. 36).


3 —      Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1).


4 —      Diretiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO L 109, p. 29).


5 —      Diretiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55).


6 —      As referências a negrito figuravam como tais no original desta carta.


7 —      O artigo 8.°, n.° 1, primeiro período, da referida lei, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, permite intentar uma ação inibitória contra qualquer pessoa que tenha cometido um ato comercial ilícito na aceção dos artigos 3.° e 7.° desta mesma lei.


8 —      A saber, por um lado, «[t]al como já foi descrito em numerosos estudos, a vitamina D contribui decisivamente para a prevenção de várias doenças, como por exemplo a dermatite atópica e/ou a “diabetes mellitus” e/ou a esclerose múltipla. Os referidos estudos correlacionam um nível insuficiente de vitamina D já na infância com o desenvolvimento posterior das patologias referidas» e, por outro, «Prevenção ou eliminação atempada de estados carenciais (carência de vitamina D3 registada em 80% da população durante o inverno)».


9 —      Regulamento (UE) n.° 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, que altera os Regulamentos n.° 1924/2006 e (CE) n.° 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 87/250/CEE da Comissão, 90/496/CEE do Conselho, 1999/10/CE da Comissão, 2000/13, 2002/67/CE e 2008/5/CE da Comissão e o Regulamento (CE) n.° 608/2004 da Comissão (JO L 304, p. 18).


10 —      Neste sentido, o Governo francês invoca, entre outros, os acórdãos Woningstichting Sint Servatius (C‑567/07, EU:C:2009:593, n.° 43), e Dresser‑Rand (C‑606/12 e C‑607/12, EU:C:2014:125, n.° 34).


11 —      V., nomeadamente, acórdãos Jestel (C‑454/10, EU:C:2011:752, n.° 21); Asociația Accept (C‑81/12, EU:C:2013:275, n.os 41 e seguintes); e Grupo Itevelesa e o. (C‑168/14, EU:C:2015:685, n.° 77).


12 —      V. acórdão Ehrmann (C‑609/12, EU:C:2014:252, n.° 36).


13 —      V. acórdãos Deutsches Weintor (C‑544/10, EU:C:2012:526, n.os 34 e seguintes), e Green — Swan Pharmaceuticals CR (C‑299/12, EU:C:2013:501, n.os 22 e seguintes), observando‑se que, neste último processo, as alegações em causa no processo principal eram relativas, como no caso em apreço, a um complemento alimentar que continha a vitamina D3.


14 —      A este respeito, a Comissão remete para o acórdão do Tribunal Geral Hagenmeyer e Hahn/Comissão (T‑17/12, EU:T:2014:234, n.° 76).


15 —      V. artigo 53.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1169/2011.


16 —      Recordo que a carta controvertida foi expedida no mês de novembro de 2013.


17 —      Este considerando 3 refere que a Diretiva 2000/13 «proíbe, de forma geral, a utilização de informações que induzam em erro o comprador ou que atribuam propriedades medicinais aos alimentos».


18 —      V., nomeadamente, acórdãos Syndesmos Melon tis Eleftheras Evangelikis Ekklisias e o. (C‑381/89, EU:C:1992:142, n.os 18 e 19), e Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 66).


19 —      Sublinho que, atendendo à sua redação com caráter geral e à sua fundamentação, o alcance da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não está limitado apenas aos profissionais de saúde, mas afigura‑se‑me estender‑se a todo o tipo de profissionais, por oposição à categoria dos não profissionais constituída pelos consumidores finais.


20 —      Com efeito, a possibilidade de utilizar livremente as alegações nutricionais e de saúde suscita uma grande pressão por parte dos operadores do setor alimentar, uma vez que estas constituem um argumento de venda bastante lucrativo (v., Lucas‑Puget, A.‑S., «As alegações sobre os produtos alimentares de consumo corrente: algumas questões de atualidade», Petites affiches, 24 de maio de 2006, n.° 103, p. 4 e seguintes).


21 —      V. considerando 16, assim como artigos 5.°, n.° 2, e 13.°, n.° 1 in fine, do Regulamento n.° 1924/2006. V. igualmente n.° 17 da exposição de motivos, assim como considerando 10 e artigos 2.°, n.° 8, 5.°, n.° 2, 9.°, n.° 1, e 12.°, n.° 1, da Proposta COM(2003) 424 final. O Tribunal de Justiça definiu diversos critérios de apreciação associados ao «consumidor médio», nomeadamente no acórdão Green — Swan Pharmaceuticals CR (C‑299/12, EU:C:2013:501, n.os 24 e seguintes).


22 —      Estes alimentos «a fornecer como tais» (o artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2000/13 utiliza a fórmula «serem fornecidos») diretamente aos consumidores finais (v., considerando 3 e artigo 1.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1924/2006) ou ainda indiretamente no âmbito do «abastecimento de restaurantes, hospitais, escolas, refeitórios e outros estabelecimentos de restauração coletiva» (v. artigo 1.°, n.° 2, terceiro parágrafo, deste regulamento).


23 —      V. considerando 4 e artigo 1.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1924/2006. Observo que esta exigência não existia na Proposta COM(2003) 424 final. V. alterações 2 e 16 sugeridas no relatório do Parlamento Europeu sobre a referida proposta datada de 12 de maio de 2005 (A6‑0128/2005, p. 6 e 13), assim como considerando 4 e artigo 1.°, n.° 2, da posição comum adotada pelo Conselho em 8 de dezembro de 2005 (JO C 80E, 2006, p. 43).


24 —      V., igualmente, Dehove, R., e o., Lamy Dehove, ed. Wolters Kluwer France, 2014, tomo 1, parte 2, estudo 285, n.° 285‑126: «[a]s disposições [do Regulamento n.° 1924/2006] dizem assim respeito tanto às publicidades destinadas ao consumidor final como às destinadas aos profissionais (entre os quais os profissionais de saúde), na medida em que se referem a qualquer comunicação com caráter comercial ou publicidade relativa a um produto que é destinado ao consumidor final».


25 —      A Comissão considera mesmo que «com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio requer, no essencial, uma interpretação do conceito, não definido no regulamento, de «comunicação comercial» […] atendendo aos potenciais destinatários desta comunicação».


26 —      Este considerando 4 refere de forma não exaustiva, entre as comunicações comerciais, «[a] publicidade genérica dos alimentos e em campanhas de promoção, incluindo as patrocinadas total ou parcialmente pelas autoridades públicas» (o sublinhado é meu) e, entre as comunicações não comerciais, «as orientações ou os conselhos dietéticos emanados das autoridades e organismos de saúde pública [ou as] comunicações e informações não comerciais constantes da imprensa e de publicações científicas».


27 —      A Comissão visa, a este respeito, a definição das «práticas comerciais» que figuram no artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (JO L 149, p. 22).


28 —      A Comissão refere‑se ao conceito de «comunicação comercial» conforme definida no artigo 2.°, alínea f), da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno (JO L 178, p. 1) e no artigo 4.°, n.° 12, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36). Quanto ao teor desta disposição, v. acórdão Société fiduciaire nationale d’expertise comptable (C‑119/09, EU:C:2011:208, n.os 29 e seguintes).


29 —      No texto adotado pelo Codex Alimentarius — órgão conjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (OAA/FAO) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) — em 1997, tal como revisto em 2004 e alterado, pela última vez, em 2008 (CAC/GL 23‑1997), é referido que estas diretivas são relativas à utilização de tais alegações na «publicidade», definida no sentido de que designa «qualquer comunicação comercial dirigida ao público, por qualquer meio diferente da rotulagem, com vista a promover direta ou indiretamente a venda ou o consumo de um alimento pela utilização de alegações relativas à nutrição e à saúde que respeitam a um género alimentício e aos seus ingredientes» (v. n.° 1.1 e nota 1).


30 —      V. igualmente n.os 10, 11 e 22 da exposição de motivos da Proposta COM(2003) 424 final.


31 —      É certamente previsível que um profissional destinatário da publicidade decida consumir ele próprio o alimento em causa, mas esta situação não corresponde à problemática em questão no presente processo, uma vez que, neste caso, a comunicação comercial foi recebida diretamente pelo consumidor final e, por conseguinte, a aplicabilidade do Regulamento n.° 1924/2006 suscita poucas dúvidas. Por outro lado, segundo a apreciação efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio, no litígio no processo principal, é na sua qualidade de profissionais, e não de potenciais consumidores, que a carta foi enviada exclusivamente aos médicos.


32 —      Conforme referem, acertadamente, determinados membros da doutrina alemã cuja posição é resumida, da seguinte forma, na decisão de reenvio, «as empresas escolhem precisamente os profissionais do setor, ou seja, médicos, farmacêuticos ou nutricionistas por esperarem dos mesmos um efeito multiplicador e, em última análise, um significativo aumento do volume de vendas. Os profissionais do setor são, em regra, bons veículos de informação, recomendando determinados produtos com base nas suas competências técnicas — indubitavelmente também influenciadas pela publicidade» (o sublinhado é meu).


33 —      Por seu turno, a Comissão propõe responder à questão submetida no sentido de que uma comunicação assume um caráter comercial, na aceção do Regulamento n.° 1924/2006, mesmo quando se dirige exclusivamente a profissional, «uma vez que [esta] é destinada e apta a produzir, além destes profissionais, um efeito externo em relação a terceiros que pode influenciar a decisão do consumidor final na sua escolha de alimento [, o que] cabe ao tribunal nacional determinar». Para caracterizar tal efeito externo, evoca, de forma certamente não limitativa, o facto de o médico destinatário da comunicação ser utilizado «enquanto multiplicador das medidas publicitárias, por exemplo, juntando à carta informações a divulgar junto dos pacientes, cópias da carta dirigida ao médico ou brochuras».


34 —      V. considerandos 1, 2, 9 e 36, assim como artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1924/2006. V. igualmente n.os 2, 6, 12 e 33 da exposição de motivos da Proposta COM(2003) 424 final.


35 —      V. considerandos 1, 9, 10, 11 e 29 do Regulamento n.° 1924/2006; n.os 8, 28 e 33 da exposição de motivos da Proposta COM(2003) 424 final, assim como n.os 1.2 e 1.3 do parecer do Comité económico e social europeu sobre esta proposta (JO C 110, 2004, p. 18); acórdão Neptune Distribution (C‑157/14, EU:C:2015:823, n.os 49 e 72).


36 —      V. n.os 6, 8, 9 e 16 da exposição de motivos da Proposta COM(2003) 424 final.


37 —      V. considerandos 23, 26 e 29, assim como artigos 10.º e seguintes do Regulamento n.° 1924/2006. V. igualmente n.os 1 e 29 da exposição de motivos da Proposta COM(2003) 424 final.


38 —      A este respeito, v., nomeadamente, a jurisprudência referida na nota de pé de página 13 das presentes conclusões, assim como Nihoul, P., e Van Nieuwenhuyze, E., «Alegações nutricionais e de saúde: algumas estratégicas jurídicas utilizadas pelas empresas para escapar à regulamentação», Revue européenne de droit de la consommation, 2014, n.° 1, p. 65 a 80.


39 —      Mesmo que formem um grupo heterógeno, cujo nível de especialização é variável.


40 —      A doutrina que a Innova Vital refere nas suas observações evoca também neste sentido o artigo 13.°, n.° 1, alínea ii), do Regulamento n.° 1924/2006, sendo recordado que este artigo diz unicamente respeito a «[a]legações de saúde que não refiram a redução de um risco de doença, assim como ao desenvolvimento e à saúde infantis» (o sublinhado é meu).


41 —      É possível observar que, no caso em apreço, a carta dirigida pela Innova Vital confere aos médicos o argumento que poderão utilizar junto dos seus pacientes, insistindo no facto de que, segundo esta sociedade, o complemento alimentar que comercializa produz efeitos benéficos para a saúde e o seu consumo é pouco dispendioso.


42 —      A decisão de reenvio refere que alguns membros da doutrina alemã objetam também que «[a] importância acrescida dos aspetos da alimentação relacionados com a saúde levou a um aumento da necessidade de informação e de intercâmbio nos círculos profissionais».