Language of document : ECLI:EU:C:2016:563

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de julho de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Regulamento (CE) n.° 1924/2006 — Alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos — Artigo 1.°, n.° 2 — Âmbito de aplicação — Alimentos destinados a serem fornecidos como tal ao consumidor final — Alegações formuladas numa comunicação comercial destinada exclusivamente a profissionais de saúde»

No processo C‑19/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha), por decisão de 16 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2015, no processo

Verband Sozialer Wettbewerb eV

contra

Innova Vital GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, D. Šváby, J. Malenovský, M. Safjan (relator) e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Innova Vital GmbH, por T. Büttner, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo grego, por A. Dimitrakopoulou e K. Karavasili, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas e S. Ghiandoni, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e K. Herbout‑Borczak, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de fevereiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos (JO 2006, L 404, p. 9, e retificação no JO 2007, L 12, p. 3), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 1047/2012 da Comissão, de 8 de novembro de 2012 (JO 2012, L 310, p. 36) (a seguir «Regulamento n.° 1924/2006»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Verband Sozialer Wettbewerb eV, associação alemã de defesa da concorrência, à Innova Vital GmbH sobre a aplicabilidade do Regulamento n.° 1924/2006 a alegações nutricionais ou de saúde formuladas numa carta destinada exclusivamente a profissionais de saúde.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretivas 2000/31/CE e 2006/123/CE

3        O artigo 2.°, alínea f), da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1), prevê que, para efeitos da referida diretiva, entende‑se por:

«‘Comunicação comercial’: todas as formas de comunicação destinadas a promover, direta ou indiretamente, mercadorias, serviços ou a imagem de uma empresa, organização ou pessoa que exerça uma profissão regulamentada ou uma atividade de comércio, indústria ou artesanato. Não constituem comunicações comerciais:

–        as informações que permitam o acesso direto à atividade da sociedade, da organização ou da pessoa, nomeadamente um nome de área ou um endereço de correio eletrónico;

–        as comunicações relativas às mercadorias, aos serviços ou à imagem da sociedade, organização ou pessoa, compiladas de forma imparcial, em particular quando não existam implicações financeiras».

4        O artigo 4.°, ponto 12, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), dá uma definição semelhante do conceito de «comunicação comercial».

 Regulamento n.° 1924/2006

5        Nos termos dos considerandos 1, 2, 4, 9, 14, 16 a 18 e 23 do Regulamento n.° 1924/2006:

«(1)      Existe um número cada vez maior de alimentos rotulados e publicitados na Comunidade com alegações nutricionais e de saúde. Por forma a assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores e a facilitar as suas escolhas, os produtos colocados no mercado, incluindo os que são importados, deverão ser seguros e devidamente rotulados. Um regime alimentar variado e equilibrado é uma condição indispensável para a manutenção da saúde e os produtos considerados individualmente têm uma importância relativa no contexto do regime alimentar geral.

(2)      As diferenças entre as disposições nacionais relativas a essas alegações podem entravar a livre circulação dos alimentos e criar condições de concorrência desiguais, tendo, assim, um impacto direto no funcionamento do mercado interno. É, pois, necessário adotar normas comunitárias relativas à utilização das alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos.

[…]

(4)      O presente regulamento é aplicável a todas as alegações nutricionais e de saúde feitas em comunicações comerciais, nomeadamente na publicidade genérica dos alimentos e em campanhas de promoção, incluindo as patrocinadas total ou parcialmente pelas autoridades públicas. Não é aplicável às alegações que sejam feitas em comunicações não comerciais, como as orientações ou os conselhos dietéticos emanados das autoridades e organismos de saúde pública, nem em comunicações e informações não comerciais constantes da imprensa e de publicações científicas. […]

[…]

(9)      Existe uma vasta gama de nutrientes e outras substâncias que inclui, entre outros, as vitaminas, os minerais, nomeadamente os oligoelementos, os aminoácidos, os ácidos gordos essenciais, as fibras, diversas plantas e extratos vegetais com efeito nutricional ou fisiológico que podem estar presentes num alimento e ser alvo de uma alegação. Por conseguinte, deverão ser estabelecidos princípios gerais aplicáveis a todas as alegações feitas acerca dos alimentos, por forma a assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores, a fornecer‑lhes as informações necessárias para efetuarem as suas escolhas com pleno conhecimento de causa e a criar condições de concorrência equitativas no setor da indústria alimentar.

[…]

(14)      Uma grande variedade de alegações atualmente utilizadas na rotulagem e na publicidade dos alimentos nalguns Estados‑Membros diz respeito a substâncias que não se provou serem benéficas ou para as quais não existe, presentemente, consenso científico suficiente. É necessário assegurar que as substâncias alvo de uma alegação tenham provado possuir um efeito nutricional ou fisiológico benéfico.

[…]

(16)      É importante que as alegações relativas aos alimentos possam ser entendidas pelo consumidor e é conveniente proteger todos os consumidores das alegações enganosas. Todavia, após a aprovação da Diretiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de setembro de 1984, [relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de publicidade enganosa (JO 1984, L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55)] o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias julgou necessário ter em conta os efeitos produzidos num consumidor fictício típico. De acordo com o princípio da proporcionalidade e a fim de possibilitar a aplicação efetiva das medidas de proteção nele previstas, o presente regulamento toma como referência o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, tendo em conta os fatores sociais, culturais e linguísticos, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça, mas prevê disposições para evitar a exploração dos consumidores que, pelas suas características, sejam particularmente vulneráveis a alegações enganosas. Sempre que uma alegação vise especificamente uma determinada categoria de consumidores, como as crianças, convém que o seu impacto seja avaliado na perspetiva do consumidor médio dessa categoria. O critério do consumidor médio não é um critério estatístico. Os tribunais e as autoridades nacionais terão de exercer a sua faculdade de julgamento, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para determinar a reação típica do consumidor médio num determinado caso.

(17)      O fundamento científico deverá ser o aspeto principal a ter em conta na utilização de alegações nutricionais e de saúde e os operadores das empresas do setor alimentar que utilizem alegações deverão justificá‑las. As alegações deverão ser cientificamente justificadas, tendo em conta a totalidade dos dados científicos disponíveis e ponderando as provas.

(18)      Nenhuma alegação nutricional ou de saúde poderá ser incompatível com os princípios de nutrição e saúde geralmente aceites, incentivar ou justificar o consumo excessivo de um alimento ou depreciar as boas práticas alimentares.

[…]

(23)      As alegações de saúde só deverão ser autorizadas para utilização na Comunidade depois de uma avaliação científica do mais elevado nível possível. A fim de assegurar uma avaliação científica harmonizada destas alegações, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos deverá efetuar as referidas avaliações. […]»

6        O artigo 1.° deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O presente regulamento harmoniza as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de alegações nutricionais e de saúde, a fim de garantir o funcionamento eficaz do mercado interno, assegurando ao mesmo tempo um elevado nível de proteção dos consumidores.

2.      O presente regulamento é aplicável às alegações nutricionais e de saúde feitas em comunicações comerciais, quer na rotulagem, quer na apresentação ou na publicidade dos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final.

[…]»

7        O artigo 2.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis:

a)      As definições de ‘género alimentício’ (no presente regulamento, ‘alimento’), ‘operador de uma empresa do setor alimentar’, ‘colocação no mercado’ e ‘consumidor final’ constantes do artigo 2.° e dos pontos 3, 8 e 18 do artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios [(JO 2002, L 31, p. 1)];

[…]

2.      São igualmente aplicáveis as seguintes definições:

1)      ‘Alegação’, qualquer mensagem ou representação, não obrigatória nos termos da legislação comunitária ou nacional, incluindo qualquer representação pictórica, gráfica ou simbólica, seja qual for a forma que assuma, que declare, sugira ou implique que um alimento possui características particulares;

[…]

4)      ‘Alegação nutricional’, qualquer alegação que declare, sugira ou implique que um alimento possui propriedades nutricionais benéficas particulares devido:

a)      À energia (valor calórico) que:

i)      fornece,

ii)      fornece com um valor reduzido ou aumentado, ou

iii)      não fornece, e/ou

b)      Aos nutrientes ou outras substâncias que:

i)      contém,

ii)      contém em proporção reduzida ou aumentada, ou

iii)      não contém;

5)      ‘Alegação de saúde’, qualquer alegação que declare, sugira ou implique a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde;

[…]»

8        O capítulo II do mesmo regulamento, relativo aos princípios gerais, inclui os artigos 3.° a 7.° Sob a epígrafe «Princípios gerais aplicáveis a todas as alegações», o artigo 3.° do Regulamento n.° 1924/2006 prevê:

«Só podem ser utilizadas na rotulagem, na apresentação e na publicidade dos alimentos colocados no mercado comunitário as alegações nutricionais e de saúde que cumpram as disposições do presente regulamento.

Sem prejuízo das Diretivas 2000/13/CE e 84/450/CEE, as alegações nutricionais e de saúde não devem:

a)      Ser falsas, ambíguas ou enganosas;

[…]»

9        O artigo 5.° deste mesmo regulamento, sob a epígrafe «Condições gerais», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A utilização de alegações nutricionais e de saúde só é permitida se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)      Ter sido demonstrado que a presença, a ausência ou o teor reduzido, num alimento ou numa categoria de alimentos, de um nutriente ou de outra substância objeto de alegação, têm um efeito nutricional ou fisiológico benéfico, estabelecido por provas científicas geralmente aceites;

[…]

2.      Só é permitida a utilização de alegações nutricionais e de saúde se for plausível que o consumidor médio compreenda os efeitos benéficos expressos na alegação.»

10      Os artigos 10.° a 19.° do referido regulamento versam sobre alegações de saúde.

11      O artigo 10.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Condições específicas», dispõe no seu n.° 1:

«São proibidas as alegações de saúde que não cumpram os requisitos gerais do Capítulo II nem os requisitos específicos do presente capítulo e que não estejam autorizadas em conformidade com o presente regulamento nem incluídas nas listas das alegações permitidas previstas nos artigos 13.° e 14.°»

 Direito alemão

12      O § 8, n.° 1, primeira frase, da Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (Lei relativa à concorrência desleal), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (BGBl. 2010 I, p. 254), prevê:

«Quem praticar um ato comercial ilícito, nos termos do § 3 ou do § 7, pode ser demandado em ação destinada à eliminação dos efeitos produzidos ou, em caso de risco de repetição, em ação inibitória.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      A Innova Vital, cujo gerente é um médico, comercializou na Alemanha um complemento alimentar denominado «Innova Mulsin® Vitamin D3», que contém vitamina D3, para uma administração sob a forma de gotas.

14      Em novembro de 2013, o gerente da Innova Vital enviou apenas aos médicos individualmente identificados uma carta com a seguinte redação (a seguir «carta em causa»):

«[...]

Conhece a situação: 87% das crianças na Alemanha têm um teor de vitamina D no sangue inferior a 30 ng/ml. Segundo a DGE [(Deutsche Gesellschaft für Ernährung, Sociedade alemã de nutrição)], este valor deveria, ao invés, situar‑se entre 50 e 75 ng/ml.

Tal como já foi descrito em numerosos estudos, a vitamina D contribui decisivamente para a prevenção de várias doenças, como por exemplo a dermatite atópica, a osteoporose, a ‘diabetes mellitus’ e a esclerose múltipla. Os referidos estudos correlacionam um nível insuficiente de vitamina D já na infância com o desenvolvimento posterior das patologias referidas.

Por este motivo, eu próprio administrei ao meu filho as preparações à base de vitamina D recomendadas e verifiquei que a forma tradicional em comprimidos não era apreciada pelos bebés, pelas crianças pequenas e mesmo pelas crianças em idade escolar. O meu filho deitava fora muitas vezes os comprimidos.

Enquanto médico especialista em imunologia, refleti sobre a questão e desenvolvi uma emulsão de vitamina D3 (Innova Mulsin® D3), que pode ser administrada sob a forma de gotas.

[…]

Vantagens das emulsões Mulsin®:

[…]

Prevenção ou eliminação atempadas de estados carenciais (carência de vitamina D3 registada em 80% da população durante o inverno)

[…]

Obterá as condições de encomenda direta, assim como material de informação gratuito para o seu consultório no número [...]».

15      A carta em causa continha uma apresentação pictórica do complemento alimentar Innova Mulsin® Vitamin D3, informações sobre a sua composição, o seu preço de venda e o custo diário de um tratamento segundo a posologia recomendada de uma gota por dia.

16      A Verband Sozialer Wettbewerb intentou no Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha) uma ação inibitória contra a Innova Vital, com base no § 8 da Lei relativa à concorrência desleal, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal.

17      No órgão jurisdicional de reenvio, esta associação defendeu que a carta em causa contém alegações de saúde proibidas pelo artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1924/2006, a saber, as duas afirmações seguintes:

«Tal como já foi descrito em numerosos estudos, a vitamina D contribui decisivamente para a prevenção de várias doenças, como por exemplo a dermatite atópica, a osteoporose, a ‘diabetes mellitus’ e a esclerose múltipla. Os referidos estudos correlacionam um nível insuficiente de vitamina D já na infância com o desenvolvimento posterior das patologias referidas»

e

«Prevenção ou eliminação atempadas de estados carenciais (carência de vitamina D3 registada em 80% da população durante o inverno)».

18      A este respeito, a Verband Sozialer Wettbewerb alegou, nomeadamente, que as disposições do Regulamento n.° 1924/2006 são aplicáveis à publicidade destinada tanto a profissionais como a não profissionais.

19      Em contrapartida, segundo a Innova Vital, o Regulamento n.° 1924/2006 não visa a publicidade destinada aos profissionais. Por conseguinte, uma vez que a carta em causa se dirigia unicamente a médicos, as disposições desse regulamento não são aplicáveis às alegações de saúde proibidas pelo artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1924/2006 contidas nessa carta.

20      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a solução do litígio no processo principal depende da interpretação do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006, que se refere ao objeto e ao âmbito de aplicação desse regulamento.

21      Nestas condições, o Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento […] n.° 1924/2006 ser interpretado no sentido de que as disposições deste regulamento são igualmente aplicáveis às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos feitas em comunicações comerciais, na publicidade aos alimentos a fornecer como tais ao consumidor final, quando a comunicação comercial ou a publicidade se destina exclusivamente a profissionais?»

 Quanto à questão prejudicial

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 deve ser interpretado no sentido de que as disposições desse regulamento também se aplicam às alegações nutricionais ou de saúde feitas numa comunicação comercial sobre um alimento destinado a ser fornecido como tal ao consumidor final, quando essa comunicação não se destina ao consumidor final, mas exclusivamente a profissionais de saúde.

23      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., designadamente, acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, EU:C:1983:335, n.° 12; de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland, C‑533/08, EU:C:2010:243, n.° 44; e de 17 de março de 2016, Liffers, C‑99/15, EU:C:2016:173, n.° 14).

24      No que se refere, em primeiro lugar, à redação do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006, há que observar que, nos termos desta disposição, o referido regulamento é aplicável às alegações nutricionais e de saúde quando, por um lado, essas alegações são feitas em comunicações comerciais, quer sob a forma de rotulagem de alimentos, quer de apresentação ou de publicidade aos mesmos, e que, por outro, os alimentos em causa se destinam a ser fornecidos como tais ao consumidor final.

25      Esse regulamento não contém uma definição do conceito de «comunicação comercial». Contudo, este conceito é definido noutros domínios do direito da União, em disposições de direito derivado que devem, no caso em apreço, servir de inspiração para garantir a coerência do direito da União.

26      Assim, segundo o artigo 2.°, alínea f), da Diretiva 2000/31, há que entender por «comunicação comercial» todas as formas de comunicação destinadas a promover, direta ou indiretamente, bens, serviços ou a imagem de uma empresa, de uma organização ou de uma pessoa que exerça uma profissão regulamentada ou uma atividade de comércio, indústria ou artesanato.

27      O artigo 4.°, ponto 12, da Diretiva 2006/123 contém um conceito semelhante de «comunicação comercial». A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que, na aceção dessa disposição, uma comunicação comercial inclui não só a publicidade tradicional mas também outras formas de publicidade e de comunicações de informações destinadas a conseguir novos clientes (v. acórdão de 5 de abril de 2011, Société fiduciaire nationale d’expertise comptable, C‑119/09, EU:C:2011:208, n.° 33).

28      Por outro lado, decorre do considerando 4 do Regulamento n.° 1924/2006 que o conceito de «comunicação comercial» inclui também uma comunicação que visa fins de «promoção».

29      Nestas condições, o conceito de «comunicação comercial», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, do referido regulamento, deve ser entendido no sentido de que visa, nomeadamente, uma comunicação efetuada sob a forma de publicidade a alimentos, destinada a promover, direta ou indiretamente, esses alimentos.

30      Ora, uma comunicação dessa natureza pode também assumir a forma de uma carta publicitária que os operadores do setor alimentar dirigem a profissionais de saúde e que contém alegações nutricionais ou de saúde na aceção desse regulamento, para que esses profissionais recomendem, se for caso disso, aos seus pacientes que comprem e/ou consumam o referido alimento.

31      Além disso, importa salientar que o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2004 não precisa o destinatário da comunicação comercial e não faz distinção consoante se trate de um consumidor final ou de um profissional de saúde. Daqui resulta que, como observou o advogado‑geral no n.° 39 das suas conclusões, é o próprio produto que deve ser destinado aos consumidores e não a comunicação de que é objeto.

32      Nestas condições, há que constatar que resulta da redação desta disposição, lida à luz do artigo 2.°, alínea f) da Diretiva 2000/31 e do artigo 4.°, ponto 12, da Diretiva 2006/123, que o Regulamento n.° 1924/2006 é aplicável às alegações nutricionais ou de saúde feitas numa comunicação comercial destinada exclusivamente a profissionais de saúde.

33      Em segundo lugar, deve salientar‑se que esta interpretação não é infirmada pela análise do contexto em que se integra o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006.

34      É verdade que, como alega a Innova Vital, alguns considerandos e disposições do Regulamento n.° 1924/2006, nomeadamente os considerandos 1, 9, 16, 29 e 36, bem como o artigo 5.°, n.° 2, do referido regulamento, visam expressamente os «consumidores», sem mencionarem os «profissionais».

35      No entanto, a falta de referência aos «profissionais» nesses considerandos e nessas disposições não pode significar que o referido regulamento não é aplicável numa situação em que a comunicação comercial se destina exclusivamente a profissionais de saúde. Com efeito, nessa situação, a referida comunicação entre os operadores das empresas do setor alimentar e os profissionais de saúde visa principalmente o consumidor final, de modo a que este adquira o alimento objeto dessa comunicação, na sequência das recomendações dadas por esses profissionais.

36      Importa acrescentar que não resulta de nenhuma disposição do Regulamento n.° 1924/2006 que este não é aplicável às comunicações comerciais destinadas aos profissionais de saúde.

37      Em último lugar, no que se refere aos objetivos prosseguidos pelo referido regulamento, estes apoiam a interpretação segundo a qual este mesmo regulamento é aplicável às comunicações comerciais destinadas exclusivamente aos profissionais de saúde.

38      Com efeito, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1924/2006, este visa garantir o funcionamento eficaz do mercado interno, assegurando ao mesmo tempo um elevado nível de proteção do consumidor.

39      A este respeito, como resulta dos considerandos 1 e 18 do Regulamento n.° 1924/2006, a proteção da saúde figura entre os principais objetivos deste regulamento (acórdão de 6 de setembro de 2012, Deutsches Weintor, C‑544/10, EU:C:2012:526, n.° 45). Para o efeito, há, nomeadamente, que fornecer aos consumidores as informações necessárias que lhes permitam escolher com conhecimento de causa (acórdãos de 10 de abril de 2014, Ehrmann, C‑609/12, EU:C:2014:252, n.° 40, e de 17 de dezembro de 2015, Neptune Distribution, C‑157/14, EU:C:2015:823, n.° 49).

40      Neste sentido, o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1924/2006 prevê que a utilização de alegações nutricionais e de saúde só é permitida se tiver sido demonstrado que a presença, a ausência ou o teor reduzido, num alimento ou numa categoria de alimentos, de um nutriente ou de outra substância objeto de alegação têm um efeito nutricional ou fisiológico benéfico, estabelecido por provas científicas geralmente aceites. O considerando 14 desse regulamento contém também uma afirmação neste sentido.

41      Como precisa o considerando 17 do referido regulamento, o fundamento científico deve ser o aspeto principal a ter em conta na utilização de alegações nutricionais e de saúde. Por outro lado, o considerando 23 do mesmo regulamento enuncia que as alegações de saúde só deverão ser autorizadas para utilização na União depois de uma avaliação científica do mais elevado nível possível e que, a fim de assegurar uma avaliação científica harmonizada destas alegações, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos deverá efetuar a referida avaliação.

42      Assim, o Regulamento n.° 1924/2006 prevê um procedimento que permite verificar se uma alegação, na aceção do referido regulamento, é cientificamente justificada.

43      É certo que se pode considerar que os profissionais de saúde dispõem de conhecimentos científicos superiores aos de um consumidor final, entendido como um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, como enuncia o considerando 16 desse regulamento. Contudo, esses profissionais não podem ser vistos como estando em condições de dispor permanentemente de todos os conhecimentos científicos especializados e atualizados necessários para avaliar cada alimento e as alegações nutricionais ou de saúde utilizadas na rotulagem, na apresentação desses alimentos ou na publicidade aos mesmos.

44      Como salientou o advogado‑geral no n.° 49 das suas conclusões, não é possível excluir que os próprios profissionais de saúde sejam induzidos em erro por alegações nutricionais ou de saúde falsas, ambíguas ou enganosas.

45      Por conseguinte, esses profissionais de saúde correm o risco de transmitirem, de boa‑fé, informações erradas relativas aos alimentos objeto da comunicação comercial aos consumidores finais com quem mantêm relações. Esse risco é ainda mais significativo uma vez que os referidos profissionais podem, devido à relação de confiança que geralmente existe entre eles e os seus pacientes, exercer uma influência determinante nestes últimos.

46      Além disso, se as alegações nutricionais ou de saúde destinadas a profissionais de saúde não estivessem abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1924/2006, com a consequência de essas alegações poderem ser utilizadas sem necessariamente assentarem em provas científicas, existiria o risco de os operadores das empresas do setor alimentar contornarem as obrigações previstas nesse regulamento dirigindo‑se ao consumidor final através de profissionais de saúde, para que estes recomendem os seus alimentos a esse consumidor.

47      Consequentemente, a aplicação do referido regulamento às alegações nutricionais ou de saúde feitas numa comunicação comercial destinada a profissionais contribui, no âmbito do mercado interno, cujo funcionamento eficaz o Regulamento n.° 1924/2006 visa assegurar, para um nível elevado de proteção do consumidor.

48      Os argumentos invocados pela Innova Vital não são suscetíveis de infirmar a interpretação segundo a qual o referido regulamento é aplicável às alegações nutricionais ou de saúde feitas numa comunicação comercial, incluindo quando esta última se destina exclusivamente a profissionais de saúde.

49      É verdade que resulta do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 que só é permitida a utilização de alegações nutricionais e de saúde se o consumidor médio puder compreender os efeitos benéficos expressos na alegação.

50      Contudo, não se pode daí deduzir que qualquer informação objetiva por parte dos operadores das empresas do setor alimentar destinada aos profissionais de saúde sobre os novos desenvolvimentos da ciência que implica a utilização de uma terminologia técnica ou científica, como, no caso em apreço, a utilização dos termos «dermatite atópica», seria proibida.

51      Com efeito, o artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 deve ser entendido no sentido de que esta disposição é aplicável quando as alegações nutricionais e de saúde são comunicadas diretamente ao consumidor final, para lhe permitir efetuar as suas escolhas com pleno conhecimento de causa. Ora, como salientou o advogado‑geral no n.° 54 das suas conclusões, num processo como o que está em causa no processo principal, a carta que contém essas alegações não é entregue enquanto tal ao consumidor final, mas destina‑se a profissionais de saúde que são implicitamente convidados a recomendar‑lhe o alimento visado por essas alegações.

52      Por outro lado, o considerando 4 do Regulamento n.° 1924/2006 enuncia que este não é aplicável às alegações que sejam feitas em comunicações não comerciais, como as orientações ou os conselhos dietéticos emanados das autoridades e organismos de saúde pública, nem em comunicações e informações não comerciais constantes da imprensa e de publicações científicas.

53      Consequentemente, o referido regulamento não se opõe à informação objetiva dos profissionais de saúde sobre os novos desenvolvimentos científicos, o que implica uma terminologia técnica ou científica, caso se trate de uma comunicação não comercial.

54      Em face das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1924/2006 deve ser interpretado no sentido de que se inserem no âmbito de aplicação desse regulamento as alegações nutricionais ou de saúde feitas numa comunicação comercial sobre um alimento destinado a ser fornecido enquanto tal ao consumidor final, quando essa comunicação não se destina ao consumidor final, mas exclusivamente a profissionais de saúde.

 Quanto às despesas

55      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 1047/2012 da Comissão, de 8 de novembro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que se inserem no âmbito de aplicação desse regulamento as alegações nutricionais ou de saúde feitas numa comunicação comercial sobre um alimento destinado a ser fornecido enquanto tal ao consumidor final, quando essa comunicação não se destina ao consumidor final, mas exclusivamente a profissionais de saúde.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.