Language of document : ECLI:EU:T:2018:51

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

1 de fevereiro de 2018 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca figurativa da União Europeia Superior Quality Cigarettes FILTER CIGARETTES Raquel — Marca figurativa internacional anterior Marlboro — Motivo relativo de recusa — Prestígio — Apresentação de provas pela primeira vez na Câmara de Recurso — Poder de apreciação da Câmara de Recurso — Artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento (UE) 2017/1001] — Regra 50, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2868/95»

No processo T‑105/16,

Philip Morris Brands Sàrl, com sede em Neuchâtel (Suíça), representada por L. Alonso Domingo, advogada,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Folliard‑Monguiral e M. Simandlova, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Explosal Ltd, com sede em Lárnaca (Chipre), representada por D. McFarland, barrister,

que tem por objeto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do EUIPO de 4 de janeiro de 2016 (processo R 2775/2014‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Philip Morris e a Explosal,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: S. Frimodt Nielsen, I. S. Forrester (relator) e E. Perillo, juízes,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de março de 2016,

vista a resposta do EUIPO apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de maio de 2016,

vista a resposta da interveniente apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de junho de 2016,

após a audiência de 12 de maio de 2017,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 1 de julho de 2011, a interveniente, Explosal Ltd, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos para os quais foi pedido o registo pertencem à classe 34 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Tabaqueiras; tabaco; tabaco de fumar; charutos e cigarros; tabaco tratado».

4        Em 28 de maio de 2013, o sinal figurativo representado no n.o 2, supra, foi registado como marca da União Europeia.

5        Em 15 de janeiro de 2014, a recorrente, Philip Morris Brands Sàrl, apresentou um pedido de declaração de nulidade da marca em causa ao abrigo do artigo 53.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 [atual artigo 60.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2017/1001], lido em conjugação com o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2017/1001] e do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.° 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2017/1001].

6        O pedido de declaração de nulidade baseava‑se em treze marcas figurativas anteriores.

7        Por decisão de 8 de setembro de 2014, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de declaração de nulidade, tendo sobretudo procedido, por razões de economia processual, à comparação entre a marca impugnada e a seguinte marca internacional anterior registada sob o número 1064851 (a seguir «marca anterior»):

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8        A Divisão de Anulação concluiu, por um lado, que a reduzida semelhança entre as marcas em questão não implicava um risco de confusão na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 e, por outro, que, no que respeita ao artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, a recorrente não tinha apresentado qualquer elemento de prova que demonstrasse o prestígio da marca anterior.

9        Em 29 de outubro de 2014, a recorrente interpôs recurso da decisão da Divisão de Anulação. Em 10 de novembro de 2014, apresentou também um pedido de restitutio in integrum, com fundamento no facto de não lhe ter sido dada possibilidade de apresentar a prova do prestígio da marca anterior na Divisão de Anulação.

10      Em 5 de dezembro de 2014, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de restitutio in integrum por considerar que a recorrente não tinha feito prova de toda a diligência necessária a fim de respeitar o prazo fixado para a apresentação dos documentos que sustentavam o seu pedido de declaração de nulidade. A recorrente não interpôs recurso desta decisão.

11      Por decisão de 4 de janeiro de 2016 (a seguir «decisão impugnada»), a Câmara de Recurso negou provimento ao recurso interposto da decisão da Divisão de Anulação.

12      Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso julgou improcedentes os argumentos da recorrente relativos à pretensa violação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009. A Câmara de Recurso concluiu que os elementos dominantes dos sinais figurativos em conflito eram os elementos nominativos «Marlboro» e «Raquel», ao passo que a forma geométrica de cor escura que figura na parte superior dos sinais, a «forma de teto» reivindicada pela recorrente, constituía uma «decoração» e não um elemento distintivo. A Câmara de Recurso considerou que, pese embora a identidade dos produtos em causa, os sinais figurativos em questão eram distintos ou semelhantes num grau extremamente reduzido, o que excluía qualquer risco de confusão.

13      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso rejeitou as provas apresentadas pela primeira vez perante si, relativas ao elevado caráter distintivo adquirido pela utilização da marca anterior, nomeadamente do seu elemento gráfico «em forma de teto». A este respeito, a Câmara de Recurso baseou‑se no artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2017/1001) que, no seu entender, lhe concede um amplo poder de apreciação para decidir se há, ou não, que ter em conta os factos e as provas apresentados intempestivamente. Por outro lado, nos termos da regra 50, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária (JO 1995, L 303, p. 1), a apreciação do recurso é limitada às provas apresentadas em primeira instância. Por conseguinte, a admissibilidade de novos elementos de prova estaria sujeita a uma condição de estes serem complementares, o que, segundo a Câmara de Recurso, não era o caso no processo em apreço.

14      A Câmara de Recurso analisou os fatores que, segundo a recorrente, justificavam a não apresentação dos elementos de prova na Divisão de Anulação, nomeadamente, a alegação da recorrente de que tinha a intenção de os apresentar após receber as observações da interveniente; ora, não tendo a interveniente respondido no prazo fixado, a fase contraditória do processo foi encerrada. A Câmara de Recurso considerou que essa justificação não era convincente pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, a regra 37, alínea b), iv), do Regulamento n.o 2868/95 deve ser interpretada no sentido de que exige aos requerentes de uma declaração de nulidade que apresentem os seus argumentos e os seus elementos de prova aquando da apresentação do pedido de declaração de nulidade. Em segundo lugar, a regra 40, n.o 2, do Regulamento n.o 2868/95 [atual artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento Delegado (UE) 2017/1430 da Comissão, de 18 de maio de 2017, que completa o Regulamento (CE) n.o 207/2009, e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 2868/95 e (CE) n.o 216/96 (JO 2017, L 205, p. 1)], permitia à Divisão de Anulação adotar uma decisão sobre o pedido de declaração de nulidade com fundamento nas provas de que dispunha, mesmo que o interveniente não apresentasse observações. Em terceiro lugar, atendendo à inexistência de qualquer limite temporal para apresentar um pedido de declaração de nulidade, a recorrente teria disposto de tempo suficiente para reunir os elementos de prova que considerasse necessários juntar ao seu pedido.

15      Tendo em conta todas estas considerações, a Câmara de Recurso decidiu não tomar em conta as provas apresentadas pela primeira vez perante si pela recorrente.

16      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso rejeitou os argumentos da recorrente relativos à pretensa violação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, na medida em que a prova do prestígio da marca anterior tinha sido apresentada pela primeira vez na Câmara de Recurso e, por essa razão, não podia ser tida em conta. Por outro lado, a Câmara de Recurso considerou que, ainda que esse prestígio tivesse sido provado, o grau extremamente reduzido de semelhança entre as marcas em conflito teria sido insuficiente para que uma ligação entre elas pudesse ser criada no espírito do público.

 Pedidos das partes

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        declarar a nulidade da marca controvertida ou, a título subsidiário, remeter o processo à Câmara de Recurso para que esta proceda a um exame mais aprofundado à luz dos elementos de prova apresentados relativamente ao prestígio e ao caráter distintivo acrescido da marca anterior;

–        condenar o EUIPO e a interveniente nas despesas.

18      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

19      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

20      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos relativos, o primeiro, à violação do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, o segundo, à violação do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 e do artigo 76.o, n.o 1, do mesmo regulamento (atual artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2017/1001), e, o terceiro, à violação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

21      Através do seu primeiro fundamento, a recorrente crítica, em substância, a Câmara de Recurso por se ter recusado a tomar em consideração as provas do prestígio e do elevado caráter distintivo da marca anterior que tinha apresentado pela primeira vez na Câmara de Recurso. Desta maneira, a Câmara de Recurso enfermou a decisão impugnada de uma violação do artigo 76.o do Regulamento n.o 207/2009.

22      O segundo fundamento da recorrente divide‑se em duas partes. Com a primeira parte, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de erros na apreciação global do risco de confusão entre a marca controvertida e a marca anterior. Com a segunda parte, a recorrente censura a Câmara de Recurso por não ter tomado em consideração o elevado caráter distintivo da marca anterior, violando assim o artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), desse regulamento.

23      Através do seu terceiro fundamento, a recorrente sustenta, em substância, que a Câmara de Recurso cometeu um erro de apreciação ao considerar que, ainda que a prova do prestígio da marca anterior tivesse sido tomada em consideração, o grau de semelhança entre os sinais em conflito teria sido insuficiente para que uma ligação pudesse ser criada no espírito dos consumidores.

24      Para efeitos do presente acórdão, o Tribunal Geral examinará, em primeiro lugar, o primeiro fundamento e a segunda parte do segundo fundamento em conjunto, na medida em que respeitam ambos à interpretação do artigo 76.o do Regulamento n.o 207/2009.

25      A recorrente censura o EUIPO por ter aplicado erradamente o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, em conjugação com a regra 50, n.o 1, do Regulamento n.o 2868/95, na medida em que a Câmara de Recurso rejeitou as provas do prestígio e do elevado caráter distintivo da marca anterior com base no facto de estes terem sido apresentados pela primeira vez perante si.

26      A este respeito, a recorrente alega, com fundamento na versão inglesa do Regulamento n.o 2868/95, que a regra 50, n.o 1, do Regulamento n.o 2868/95 não se opõe à aceitação de novos elementos de prova, na medida em que os termos «adicionais» e «suplementares» figuram ambos na redação desta disposição, o que implica que a Câmara de Recurso podia ter tomado em consideração factos e as provas adicionais, ou seja, apresentados pela primeira vez perante si. A recorrente sublinha a manifesta pertinência dos elementos de prova adicionais que apresentou na Câmara de Recurso, o facto de a outra parte no processo, a saber, a interveniente, ter efetivamente podido contestá‑los, bem como a evidente contradição entre a decisão impugnada e uma decisão anterior da Câmara de Recurso, proferida alguns meses antes da decisão impugnada, que dizia respeito à marca anterior e ao seu elemento gráfico em forma de teto.

27      Sem contestar o poder discricionário de a Câmara de Recurso ter em consideração factos e provas apresentados intempestivamente, a recorrente considera que este poder não pode ser arbitrário quando estes elementos suplementares se possam revestir de uma relevância real no que respeita ao desfecho do processo. A recorrente refere‑se, a este propósito, ao Acórdão de 13 de março de 2007, IHMI/Kaul (C‑29/05 P, EU:C:2007:162), para sustentar que o EUIPO não está, de forma alguma, impedido de ter em conta factos e as provas intempestivamente apresentados. Pelo contrário, considerações de segurança jurídica e de boa administração militam a favor da aceitação de tais elementos.

28      Por outro lado, a recorrente invoca a decisão anterior da Primeira Câmara de Recurso do EUIPO de 27 de fevereiro de 2015, no processo R 1585/2013‑1, que a opunha ao titular da marca figurativa da União Europeia SUPER ROLL (a seguir «decisão “SUPER ROLL”»), na qual foi reconhecido que a marca Marlboro e o seu elemento gráfico em forma de teto tinham adquirido um «grande prestígio» em toda a União Europeia, junto do público pertinente.

29      A recorrente alega que, no âmbito do processo na Câmara de Recurso, apresentou uma cópia da decisão «SUPER ROLL», conjuntamente com os elementos de prova destinados a demonstrar o prestígio da marca anterior. Ora, a Câmara de Recurso terá afastado tanto os elementos de prova como o conteúdo da decisão «SUPER ROLL», ao considerar, em contradição com a referida decisão, que a forma geométrica de cor escura seria apreendida como uma simples «decoração» que os consumidores não guardariam na memória.

30      Daqui resulta, segundo a recorrente, que a Câmara de Recurso não respeitou o artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, na medida em que não tomou em consideração «factos notórios», a saber, o prestígio e o elevado caráter distintivo do elemento gráfico «em forma de teto» e da embalagem comercial da marca anterior. A recorrente alega, em substância, que o artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 não pode ser interpretado no sentido de que obriga o EUIPO a adotar decisões com fundamento em hipóteses factuais manifestamente incompletas ou «contrárias à realidade», a fortiori quando sejam contrárias ao conteúdo de decisões anteriores adotadas no mesmo contexto.

31      O EUIPO sustenta que o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 lhe confere poder de apreciação para decidir se deve ou não tomar em conta as informações apresentadas fora dos prazos estabelecidos, devendo fundamentar a sua decisão quanto a este aspeto (Acórdão de 13 de março de 2007, IHMI/Kaul, C‑29/05 P, EU:C:2007:162, n.o 43). Ora, os elementos de prova apresentados pela recorrente pela primeira vez na Câmara de Recurso não eram elementos suplementares, mas sim elementos completamente novos, o que, à luz de jurisprudência constante, significava que eram inadmissíveis, por não terem sido apresentados no prazo inicialmente fixado [Acórdãos de 26 de setembro de 2013, Centrotherm Systemtechnik/IHMI, C‑610/11 P, EU:C:2013:593, n.os 86 a 88 e 117, e de 21 de novembro de 2013, Recaro/IHMI — Certino Mode (RECARO), T‑524/12, não publicado, EU:T:2013:604, n.os 62 a 66].

32      O EUIPO sublinha que a Câmara de Recurso examinou, contudo, se existiam circunstâncias particulares que permitissem justificar a tomada em consideração dos elementos de prova intempestivamente apresentados pela recorrente, antes de concluir que tal não era o caso, atendendo, nomeadamente, ao facto de não haver qualquer limite temporal para apresentar um pedido de declaração de nulidade e de, no caso vertente, a recorrente deliberadamente não ter apresentado os elementos de prova em primeira instância.

33      O EUIPO considera que, à luz dos princípios da igualdade de armas e da boa administração, bem como da necessidade de assegurar a boa tramitação e a eficácia dos procedimentos, a Câmara de Recurso teve razão em não ter conferido uma vantagem injustificada a uma das partes em detrimento da outra. O facto de a recorrente ter «ingenuamente» presumido que poderia apresentar os elementos de prova posteriormente não se pode considerar um motivo legítimo; pelo contrário, tal comportamento deve ser qualificado de negligência.

34      No que se refere ao alegado caráter mundialmente reconhecido do elemento gráfico «em forma de teto» da marca anterior, sendo mais do que um mero elemento decorativo, o EUIPO sustenta que a recorrente não apresentou qualquer prova de que esse elemento seria reconhecido como indicação de origem. Trata‑se de uma forma geométrica rudimentar, a saber, um pentágono, do qual três dos seus cinco lados estão traçados pela forma do maço de cigarros. Nada levaria a crer que é a este simples elemento figurativo, e não ao elemento nominativo distintivo, a saber, «Marlboro», que os consumidores prestam mais atenção.

35      No que se refere ao reenvio, pela recorrente, à decisão «SUPER ROLL» que reconhece o elevado caráter distintivo da marca anterior, o EUIPO considera que essa decisão não vincula, de forma alguma, a Câmara de Recurso, na medida em que tal reconhecimento está circunscrito a cada processo [Acórdão de 23 de outubro de 2015, Calida/IHMI — Quanzhou Green Garments (dadida), T‑597/13, não publicado, EU:T:2015:804, n.os 42 a 48]. Uma conclusão oposta seria contrária aos direitos de defesa da outra parte no processo de declaração de nulidade e alargaria, erradamente, o princípio do caso julgado a uma decisão administrativa.

36      A interveniente conclui pela negação de provimento ao recurso e alega, em substância, que a petição não identifica com precisão os fundamentos de recurso nem os alegados erros de direito cometidos pela Câmara de Recurso na decisão impugnada, limitando‑se a expressões de deceção e de desagrado e a apelos gerais. A interveniente sustenta que a decisão impugnada é «sólida» e não assenta em nenhum erro de direito ou de facto. A avaliação analítica das marcas em causa feita pela Câmara é correta, devidamente fundamentada e conforme com as exigências do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), e n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

37      Antes de mais, importa recordar que a regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2868/95, aplicável por analogia aos processos de declaração de nulidade, prevê, em substância, que a Câmara de Recurso limite a apreciação do recurso aos factos e às provas apresentados na Divisão de Oposição, salvo se a Câmara de Recurso considerar que devem ser tomados em conta factos ou provas adicionais ou suplementares de acordo com o disposto no artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009. Esta disposição prevê que o EUIPO pode não tomar em consideração factos que as partes não tenham alegado ou provas que não tenham apresentado em tempo útil.

38      O Regulamento n.o 207/2009 prevê expressamente que a Câmara de Recurso, aquando da apreciação de um recurso de uma decisão de uma Divisão de Anulação, dispõe do poder de apreciação decorrente da regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2868/95 e do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, para decidir se deve ou não tomar em consideração factos e provas adicionais ou suplementares que não foram apresentados nos prazos fixados ou estabelecidos pela Divisão de Oposição [v. Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Rintisch/IHMI, C‑122/12 P, EU:C:2013:628, n.o 33, e de 24 de outubro de 2014, Grau Ferrer/IHMI ‑ Rubio Ferrer (Bugui va), T‑543/12, não publicado, EU:T:2014:911, n.o 23 e jurisprudência referida].

39      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de salientar que a versão francesa da regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2868/95 se distingue das versões espanhola, alemã e inglesa num elemento essencial. Com efeito, enquanto estas últimas versões linguísticas preveem que a Câmara de Recurso só pode tomar em consideração factos e provas «adicionais ou complementares», a versão francesa qualifica estes mesmos factos e provas como «novos ou suplementares».

40      Baseando‑se na sistemática geral e na finalidade da regulamentação em que se integra a regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2868/95 e, nomeadamente, no artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, que constitui o seu fundamento jurídico, o Tribunal de Justiça concluiu que, no que se refere à prova da utilização da marca, quando não seja apresentada qualquer prova a esse respeito no prazo fixado pelo EUIPO, este deve declarar oficiosamente a improcedência da oposição. Em contrapartida, quando tenham sido apresentados elementos de prova no prazo fixado pelo EUIPO, a apresentação de provas suplementares continua a ser possível (v. Acórdão de 21 de julho de 2016, EUIPO/Grau Ferrer, C‑597/14 P, EU:C:2016:579, n.os 24 a 26 e jurisprudência referida).

41      O Tribunal de Justiça sublinhou que havia que fazer a mesma interpretação do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 no que respeita à prova da existência, da validade e do âmbito da proteção da marca, uma vez que a referida disposição contém uma regra que assume um papel horizontal no sistema do dito regulamento, na medida em que se aplica independentemente da natureza do processo em questão. Daqui decorre que a regra 50 do Regulamento n.o 2868/95 não pode ser interpretada no sentido de que amplia os poderes de apreciação das Câmaras de Recurso ao ponto de abranger provas novas (Acórdão de 21 de julho de 2016, EUIPO/Grau Ferrer, C‑597/14 P, EU:C:2016:579, n.o 27), mas apenas às provas ditas «complementares» ou «suplementares», que venham acrescer a elementos de prova relevantes, apresentados dentro do prazo concedido [v. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, CEDC International/IHMI — Underberg (Forma de uma canícula colocada dentro de uma garrafa), T‑235/12, EU:T:2014:1058, n.o 89 e jurisprudência referida].

42      Por conseguinte, há que determinar se os elementos de prova apresentados pela primeira vez na Câmara de Recurso podiam ser qualificados como «complementares» ou «suplementares», na aceção da regra 50, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2868/95.

43      É pacífico que a recorrente não apresentou qualquer elemento de prova do prestígio da marca anterior para efeitos da regra 37, alínea b), iv), do Regulamento n.o 2868/95, isto é, no momento em que foi apresentado o pedido de declaração de nulidade, nem, de resto, em qualquer outro momento durante o processo na Divisão de Anulação, apesar de ter indicado, na carta que acompanhou o pedido de declaração de nulidade de 15 de janeiro de 2014, que apresentaria a prova do prestígio da marca anterior, em conjunto com os argumentos que lhe são relativos, «no momento oportuno».

44      No caso vertente não é contestado que essa intenção não foi minimamente concretizada antes do encerramento do processo pela Divisão de Anulação mais de seis meses depois, a saber, em 21 de julho de 2014.

45      No que respeita ao argumento da recorrente avançado durante a audiência segundo o qual cabia à Divisão de Anulação convidá‑la a completar o seu processo, nomeadamente através da apresentação de provas do prestígio da marca anterior, importa salientar que o legislador fez uma distinção fundamental entre, por um lado, os requisitos de admissibilidade que um pedido de declaração de nulidade deve preencher e, por outro, os requisitos relativos à apresentação de factos, de provas e de observações, bem como de documentos justificativos em suporte desse pedido, que relevam para efeitos da instrução daquele. Foi apenas relativamente aos requisitos de admissibilidade de um pedido de declaração de nulidade que o legislador previu, na regra 38, n.o 1, do Regulamento n.o 2868/95 (atual artigo 146.o, n.o 7, do Regulamento 2017/1001) e na regra 39, n.o 3, desse mesmo regulamento (atual artigo 15.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2017/1430), que a Divisão de Anulação está obrigada a permitir à parte em causa corrigir as irregularidades que viciem o seu pedido de declaração de nulidade quando estas sejam suscetíveis de conduzir a que o referido pedido seja julgado inadmissível, ao passo que não existe qualquer obrigação análoga no que respeita aos requisitos exigidos para que um pedido de declaração de nulidade seja julgado procedente [v., por analogia, Acórdão de 13 de junho de 2002, Chef Revival USA/IHMI — Massagué Marín (Chef), T‑232/00, EU:T:2002:157, n.o 54, e, neste sentido e por analogia, Acórdão de 17 de junho de 2008, El Corte Inglés/IHMI — Abril Sánchez e Ricote Saugar (BoomerangTV), T‑420/03, EU:T:2008:203, n.o 66 e jurisprudência referida].

46      Por conseguinte, contrariamente à alegação da recorrente, nenhuma disposição do Regulamento n.o 2868/95 obrigava a Divisão de Anulação a informar a recorrente de que o seu pedido de declaração de nulidade não foi sustentado com elementos de prova relativos ao prestígio da marca anterior.

47      Nestas circunstâncias, uma vez que a alegação da existência de prestígio da marca anterior, expressa na carta que acompanhou o pedido de declaração de nulidade de 15 de janeiro de 2014, apenas constituiu uma simples afirmação não sustentada por elementos de prova concretos, as provas apresentadas na Câmara de Recurso não podem ser consideradas provas «complementares» ou «suplementares» que acrescem às provas já apresentadas pela recorrente.

48      Nestas condições, a Câmara de Recurso estava, em princípio, obrigada a não ter essas provas em conta, em conformidade com a regra 50, n.o 1, do Regulamento n.o 2868/95 e com o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009.

49      Contudo, importa ainda examinar a argumentação da recorrente segundo a qual, em substância, o facto de a decisão «SUPER ROLL» não ter sido tida em conta viola considerações de boa administração.

50      Resulta dos autos que a decisão «SUPER ROLL» respeitava a um processo de oposição deduzido pela recorrente contra o registo da marca figurativa da União Europeia SUPER ROLL, com fundamento na sua marca da União Europeia n.o 4179801.

51      Resulta da matéria de facto apurada pela Câmara de Recurso na decisão «SUPER ROLL» que a «Marlboro goza de muito prestígio e a sua embalagem bastante conhecida, que inclui o elemento triangular, apresenta um forte caráter distintivo», bem como que «a marca Marlboro, e o elemento gráfico em forma de teto em si mesmo (que faz parte da marca Marlboro), adquiriram um grande prestígio em toda a Europa junto do público pertinente».

52      Quando a recorrente invocou a pertinência da decisão «SUPER ROLL» na Câmara de Recurso, o seu argumento foi rejeitado, no n.o 51 da decisão impugnada, com fundamento em que a decisão anterior tinha por objeto uma situação diferente, uma vez que respeitava a uma marca da UE posterior diferente e que as provas do prestígio das marcas anteriores tinham sido integralmente apresentadas na Divisão de Oposição.

53      Contrariamente a esta apreciação, a recorrente alega, em substância, que a existência da decisão «SUPER ROLL» deveria bastar para que a Câmara de Recurso reconhecesse o prestígio da marca anterior como um «facto notório», evitando adotar uma decisão contrária às suas conclusões anteriores alcançadas no mesmo contexto.

54      Este argumento não pode vingar na medida em que a recorrente pretende obter, em substância, um reconhecimento automático do prestígio da marca anterior unicamente com fundamento na prática decisória anterior do EUIPO.

55      Com efeito, segundo jurisprudência assente, as decisões que as Câmaras de Recurso são chamadas a tomar, nos termos do Regulamento n.o 207/2009, resultam do exercício de uma competência vinculada e não de um poder discricionário. Por conseguinte, a legalidade das referidas decisões só deve ser apreciada com base nesse regulamento, tal como interpretado pelo juiz da União, e não com base numa prática decisória anterior (v. Despacho de 14 de abril de 2016, KS Sports/EUIPO, C‑480/15 P, não publicado, EU:C:2016:266, n.o 36 e jurisprudência referida). Daqui decorre que o reconhecimento pela Câmara de Recurso do eventual prestígio da marca anterior não pode depender do reconhecimento do referido prestígio no âmbito de um processo distinto relativo a elementos de direito e de facto diferentes (v., por analogia, Acórdão de 23 de outubro de 2015, dadida, T‑597/13, não publicado, EU:T:2015:804, n.o 43).

56      Cabe, portanto, à parte que invoca o prestígio da sua marca anterior demonstrar, no âmbito circunscrito de cada processo em que é parte e com base nos elementos de facto que considere mais adequados, que a referida marca adquiriu tal prestígio, não se podendo limitar a pretender fazer essa prova através do reconhecimento desse prestígio, inclusive dessa mesma marca, operado noutro procedimento administrativo (v., por analogia, Acórdão de 23 de outubro de 2015, dadida, T‑597/13, não publicado, EU:T:2015:804, n.o 45).

57      Se bastasse à recorrente basear‑se numa decisão anterior da Câmara de Recurso para demonstrar o prestígio da marca anterior, tal, por um lado, violaria os direitos de defesa da interveniente, na medida em que esta não poderia examinar, apreciar e contestar os elementos de facto em que a Câmara de Recurso se teria baseado e, por outro, alargaria, erradamente, o princípio da força de caso julgado a uma decisão administrativa que respeita a outras partes que não as que se encontram no processo, obstando assim ao controlo da legalidade de uma decisão administrativa por uma autoridade judicial, o que seria manifestamente contrário ao princípio da legalidade (v., por analogia, Acórdão de 23 de outubro de 2015, dadida, T‑597/13, não publicado, EU:T:2015:804, n.o 46).

58      Resulta destas considerações que, contrariamente às alegações da recorrente, o EUIPO não estava de forma alguma obrigado a reconhecer automaticamente o prestígio da marca anterior unicamente com base na matéria de facto apurada no contexto de outro processo que deu origem a uma outra decisão, no caso vertente, a decisão «SUPER ROLL».

59      Já no que se refere à alegação da recorrente segundo a qual o prestígio da marca anterior deveria ter sido oficiosamente reconhecido, com base no artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, também esta deve ser rejeitada na medida em que resulta desta disposição que a obrigação do EUIPO de examinar oficiosamente os factos se limita aos factos pertinentes que o possam levar a aplicar os motivos absolutos de recusa no contexto do exame do pedido de uma marca da União Europeia, levado a cabo pelos examinadores, e, em sede de recurso, pelas Câmaras de Recurso, no âmbito do processo de registo da referida marca. Em contrapartida, no âmbito de um procedimento como o que está em causa no presente processo, cabe ao titular da marca anterior provar a existência, a validade e o âmbito da proteção da referida marca [v., no que se refere a um processo de oposição, Acórdão de 28 de setembro de 2016, Pinto Eliseu Baptista Lopes Canhoto/EUIPO — University College London (CITRUS SATURDAY), T‑400/15, não publicado, EU:T:2016:569, n.o 38].

60      Decorre das considerações precedentes que o prestígio de uma marca anterior não pode ser demonstrado através de presunções, devendo antes assentar em elementos concretos e objetivos que o provem.

61      Ora, os elementos de prova apresentados pela recorrente pela primeira vez na Câmara de Recurso prosseguiam exatamente esse objetivo. A recorrente alega, em substância, que considerações de segurança jurídica e de boa administração militam em favor da aceitação das provas intempestivamente apresentadas.

62      A este respeito, importa sublinhar que o EUIPO é obrigado a exercer as suas competências em conformidade com os princípios gerais do direito da União, como o princípio da boa administração (Acórdão de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.o 73). Segundo o artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ver os seus assuntos tratados equitativamente.

63      Ora, é manifestamente no interesse de uma boa administração da justiça que a Câmara de Recurso possa decidir com pleno conhecimento da causa quando aprecia processos aí intentados. Por conseguinte, cabe‑lhe examinar cuidadosamente e de forma imparcial os elementos de facto e de direito necessários ao exercício do seu poder de apreciação.

64      No caso em apreço, é pacífico que o conteúdo da decisão «SUPER ROLL», adotada apenas onze meses antes da decisão impugnada, tinha sido levado ao conhecimento da Câmara de Recurso e que, por conseguinte, esta estava a par das conclusões alcançadas nessa decisão relativamente ao «grande prestígio» da marca Marlboro, bem como ao seu «elemento gráfico em forma de teto», o qual é parte integrante da marca anterior em causa no presente processo.

65      Como consequência, à luz da jurisprudência que exige que o EUIPO tenha em conta as decisões já tomadas e trate com especial atenção a questão de saber se há ou não que decidir no mesmo sentido (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.o 74), a decisão «SUPER ROLL» manifestamente constituía um indício de que a marca anterior podia dispor de prestígio na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

66      Nestas circunstâncias, os elementos de prova apresentados pela recorrente na Câmara de Recurso eram claramente suscetíveis de ter uma real relevância no que respeita ao desfecho do processo, na medida em que visavam demonstrar o prestígio da marca anterior na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Por conseguinte, ao ter‑se recusado a analisar a prova com fundamento no facto de esta ter sido intempestivamente apresentada, a Câmara de Recurso não examinou um fator potencialmente relevante para a aplicação desta disposição.

67      Sem prejuízo da interpretação da regra 50 do Regulamento n.o 2868/95 e do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, conforme exposta nos n.os 40 a 42, supra, e da conclusão que consta do n.o 50, supra, o amplo poder de apreciação de que o EUIPO dispõe no exercício das suas funções não pode isentá‑lo do seu dever de reunir todos os elementos de facto e de direito necessários para o exercício do seu poder de apreciação em casos em que a recusa de ter em conta certos elementos intempestivamente apresentados o levaria a violar o princípio da boa administração.

68      Portanto, nas circunstâncias particulares do caso vertente, a Câmara de Recurso deveria, em conformidade com o seu dever de boa administração, ter aceitado as provas do prestígio da marca anterior apresentadas pela primeira vez perante si, quanto mais não seja para as refutar.

69      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento do EUIPO segundo o qual, caso a Câmara de Recurso tivesse considerado admissíveis as provas em questão, tal seria uma violação do princípio da igualdade de armas.

70      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 75.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 94.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 2017/1001), as decisões do EUIPO apenas se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes se tenham podido pronunciar. Esta disposição respeita tanto aos motivos de facto como aos de direito, bem como aos elementos de prova [Acórdão de 4 de outubro de 2006, Freixenet/IHMI (Forma de uma garrafa esmerilada branca), T‑190/04, não publicado, EU:T:2006:291, n.o 28].

71      Ora, no caso vertente, resulta dos elementos dos autos que as provas do prestígio da marca anterior apresentadas na fase do processo na Câmara de Recurso, bem como as observações da interveniente quanto a esses elementos de prova, foram inteiramente sujeitas a um debate contraditório. Nomeadamente, resulta dos autos que o articulado que continha os fundamentos do recurso de 8 de janeiro de 2015, apresentado pela recorrente na Câmara de Recurso, e que continha as provas do prestígio da marca anterior, foi efetivamente comunicado à interveniente, no respeito, portanto, dos seus direitos processuais e dando‑lhe a oportunidade de apresentar os seus pontos de vista a esse respeito. Resulta igualmente dos autos que a interveniente, antes de apresentar as suas observações em 14 de maio de 2015, beneficiou até de uma prorrogação do prazo. Por outro lado, importa sublinhar que, nessas observações, a interveniente tomou efetivamente posição quanto aos elementos de prova apresentados pela recorrente para fundamentar o prestígio da marca anterior, tendo contestado a sua pertinência e considerado que eram insuficientes.

72      Nestas circunstâncias, é pacífico que a interveniente dispôs de todas as oportunidades e dos prazos necessários para apresentar os seus pontos de vista e examinar, avaliar e contestar as provas apresentadas pela recorrente. Por conseguinte, caso a Câmara de Recurso tivesse exercido o seu poder de apreciação em conformidade com as exigências da boa administração, aceitando, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso vertente, tomar em consideração as referidas provas, não lhe poderia ser imputada qualquer violação do princípio da igualdade de armas.

73      A conclusão que figura no n.o 67, supra, também não pode ser posta em causa pela posição da Câmara de Recurso, que consta do n.o 50 da decisão impugnada, segundo a qual, mesmo que o prestígio da marca anterior tivesse sido provado, o grau de semelhança entre as marcas em conflito era, em qualquer caso, insuficiente, para efeitos da aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, para que pudesse ser criada no espírito do público uma ligação entre essas marcas.

74      A este respeito, há que salientar que, como sustentou a recorrente no âmbito do seu terceiro fundamento, esta posição contradiz a jurisprudência assente segundo a qual a existência de uma ligação entre a marca anterior e a marca impugnada, na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, deve ser apreciada globalmente, tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso concreto, entre os quais figuram, nomeadamente, o grau de semelhança entre as marcas em conflito e entre os produtos revestidos destas marcas, bem como a intensidade do prestígio e o grau de caráter distintivo da marca anterior (Acórdão de 24 de março de 2011, Ferrero/IHMI, C‑552/09 P, EU:C:2011:177, n.o 64).

75      Por outro lado, atendendo a que o artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 se limita a exigir que a semelhança existente possa conduzir o público pertinente, não a confundir os sinais em conflito, mas a fazer uma associação entre eles, isto é, a estabelecer uma relação entre eles, a proteção prevista por esta disposição a favor das marcas de prestígio é aplicável mesmo quando os sinais em conflito apresentam um grau de semelhança mínimo (Acórdão de 10 de dezembro de 2015, El Corte Inglés/IHMI, C‑603/14 P, EU:C:2015:807, n.o 42).

76      Daqui decorre que, mesmo na hipótese de as marcas em conflito apenas apresentassem um reduzido grau de semelhança, daí não se pode deduzir, ao contrário do que concluiu a Câmara de Recurso, que a aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 fosse necessariamente excluída. Por conseguinte, a eventual aceitação das provas apresentadas pela recorrente pela primeira vez na Câmara de Recurso, bem como a sua análise, poderiam ter tido impacto sobre o desfecho do processo no que se refere à aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009.

77      Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que, ao considerar que os elementos de prova apresentados pela recorrente pela primeira vez na Câmara de Recurso não deviam ser tomados em consideração devido à sua apresentação intempestiva, a Câmara de Recurso cometeu um vício processual violador do princípio da boa administração.

78      No entanto, uma irregularidade processual só implica a anulação de uma decisão, no todo ou em parte, se se apurar que, se essa irregularidade não existisse, a decisão impugnada poderia ter tido um conteúdo diferente [v., nesse sentido, Acórdão de 8 de junho de 2005, Wilfer/IHMI (ROCKBASS), T‑315/03, EU:T:2005:211, n.o 33].

79      No caso vertente, conforme foi já salientado nos n.os 65 e 66, supra, não se pode excluir que as provas que a Câmara de Recurso indevidamente recusou tomar em consideração pudessem ser suscetíveis de modificar o conteúdo da decisão impugnada, em particular no que respeita à aplicação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Consequentemente, a inexistência de exame dessas provas pela Câmara de Recurso implica a anulação dessa decisão. Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento e a segunda parte do segundo fundamento e anular a decisão impugnada, sem que seja necessário examinar os restantes fundamentos de recurso.

80      Quanto ao segundo pedido da recorrente, destinado a que o Tribunal Geral declare a nulidade da marca controvertida ou, a título subsidiário, remeta o processo à Câmara de Recurso para uma análise mais aprofundada, há que recordar que o poder de reforma reconhecido ao Tribunal Geral nos termos do artigo 65.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 72.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2017/1001) não tem por efeito conferir‑lhe o poder de substituir a apreciação de uma Câmara de Recurso do EUIPO pela sua própria apreciação, nem de proceder a uma apreciação sobre a qual a referida Câmara ainda não tomou posição. Por conseguinte, o exercício do poder de reforma deve, em princípio, ser limitado às situações em que o Tribunal Geral, após ter fiscalizado a apreciação realizada pela Câmara de Recurso, está em condições de determinar, com base nos elementos de facto e de direito dados como provados, a decisão que a Câmara de Recurso devia ter tomado (v. Acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.os 71 e 72 e jurisprudência referida).

81      Ora, tal não foi o que sucedeu no caso vertente. Na medida em que a decisão impugnada é anulada com fundamento no facto de a Câmara de Recurso ter erradamente recusado tomar em consideração as provas do prestígio da marca anterior, e que a Câmara de Recurso deve, pois, pronunciar‑se novamente sobre o valor probatório das referidas provas, não cabe ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre a nulidade da marca controvertida.

82      Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo pedido da recorrente, na medida em que requer que o Tribunal geral declare a nulidade da marca controvertida.

 Quanto às despesas

83      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por outro lado, nos termos do artigo 134.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se houver várias partes vencidas, o Tribunal Geral decide sobre a repartição das despesas.

84      No caso em apreço, tendo o EUIPO e a interveniente sido vencidos no essencial, há que condená‑los a suportar as despesas da recorrente, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É anulada a decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 4 de janeiro de 2016 (processo R 2775/20141).

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O EUIPO e a Explosal Ltd são condenados a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Philip Morris Brands Sàrl.

Frimodt Nielsen

Forrester

Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de fevereiro de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.