Language of document : ECLI:EU:C:2016:879

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

16 de novembro de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial — Livre prestação de serviços — Diretiva 2006/123/CE — Artigo 13.°, n.° 2 — Procedimentos de autorização — Conceito de despesas que deles decorrerem»

No processo C‑316/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), por decisão de 22 de junho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de junho de 2015, no processo

The Queen, a pedido de:

Timothy Martin Hemming, que atua sob a denominação comercial «Simply Pleasure Ltd»,

James Alan Poulton,

Harmony Ltd,

Gatisle Ltd, que atua sob a denominação comercial «Janus»,

Winart Publications Ltd,

Darker Enterprises Ltd,

Swish Publications Ltd

contra

Westminster City Council,

sendo intervenientes:

The Architects’ Registration Board,

The Solicitors’ Regulation Authority,

The Bar Standards Board,

The Care Quality Commission,

The Farriers’ Registration Council,

The Law Society,

The Bar Council,

The Local Government Association,

Her Majesty’s Treasury,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Vilaras, J. Malenovský, M. Safjan (relator) e D. Švaby, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: L. Hewlett, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de junho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de T. M. Hemming, que atua sob a denominação comercial «Simply Pleasure Ltd», J. A. Poulton, Harmony Ltd, Gatisle Ltd, que atua sob a denominação comercial «Janus», Winart Publications Ltd, Darker Enterprises Ltd e Swish Publications Ltd, por T. Johnston e M. Hutchings, Barristers, P. Kolvin, QC, V. Wakefield, barrister, A. Milner e S. Dillon, solicitors,

—        em representação do Westminster City Council, por H. Davies, na qualidade de agente, assistida por D. Matthias, QC, N. Lieven, QC, J. Lean e C. Streeten, barristers,

—        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman, B. Koopman e M. Gijzen, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe e T. Scharf, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de julho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36, a seguir «diretiva ‘serviços’»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Timothy Martin Hemming, que atua sob a denominação comercial «Simply Pleasure Ltd», James Alan Poulton e as sociedades Harmony Ltd, Gatisle Ltd, que atua sob a denominação comercial «Janus», Winart Publications Ltd, Darker Enterprises Ltd e Swish Publications Ltd (a seguir «T. M. Hemming e o.») ao Westminster City Council (Conselho Municipal da cidade de Westminster, Reino Unido), a respeito do pagamento de uma taxa no momento da apresentação de um pedido de concessão ou de renovação de uma licença de exploração de um estabelecimento de comércio de sexo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 39, 42, 43 e 49 da diretiva «serviços» têm a seguinte redação:

«(39) A noção de ‘regime de autorização’ deverá abranger, nomeadamente, os procedimentos administrativos através dos quais são atribuídas autorizações, licenças, aprovações ou concessões, mas também a obrigação de estar inscrito numa ordem profissional ou num registo, numa lista ou base de dados, de ser convencionado junto de um organismo ou de obter uma carteira profissional para poder exercer a atividade. A concessão de uma autorização pode resultar não só de uma decisão formal, mas também de uma decisão tácita que resulte, por exemplo, do silêncio da autoridade competente ou do facto de o interessado estar dependente de um aviso de receção de uma declaração para iniciar a atividade em causa ou para que esta seja considerada lícita.

[…]

(42)      As disposições relativas aos procedimentos administrativos não deverão visar a harmonização de procedimentos administrativos, mas a supressão dos regimes de autorização, dos procedimentos e das formalidades demasiado onerosos que impedem a liberdade de estabelecimento e a criação de novas empresas de serviços.

(43)      Uma das dificuldades fundamentais encontradas, nomeadamente pelas PME, no acesso às atividades de serviços e ao seu exercício reside na complexidade, morosidade e insegurança jurídica dos procedimentos administrativos. Por esta razão, a exemplo de algumas iniciativas de modernização e de boas práticas administrativas a nível comunitário ou nacional, é necessário estabelecer princípios de simplificação administrativa, nomeadamente através da limitação da obrigação de autorização prévia aos casos em que esta seja indispensável e da introdução do princípio da autorização tácita das autoridades competentes após a expiração de um determinado prazo. Esta ação de modernização, assegurando simultaneamente os requisitos de transparência e de atualização das informações relativas aos operadores, visa eliminar os atrasos, os custos e os efeitos dissuasivos que decorrem, por exemplo, de diligências desnecessárias ou excessivamente complexas e onerosas, da duplicação das operações, da ‘burocracia’ na apresentação de documentos, da arbitrariedade das instâncias competentes, de prazos de resposta indeterminados ou excessivamente longos, da limitação dos prazos de vigência das autorizações concedidas ou de despesas e sanções desproporcionadas. Estas práticas têm efeitos dissuasivos particularmente importantes em relação aos prestadores que pretendam desenvolver as suas atividades em outros Estados‑Membros e carecem de uma modernização coordenada num mercado interno alargado a 25 Estados‑Membros.

[…]

(49)      A taxa que poderá ser cobrada pelos balcões únicos deverá ser proporcional ao custo dos procedimentos e formalidades a que se refere. Tal não deverá obstar a que os Estados‑Membros encarreguem os balcões únicos da cobrança de outras taxas administrativas, como por exemplo as taxas dos organismos de fiscalização.»

4        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, desta diretiva:

«A presente diretiva estabelece disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.»

5        O artigo 4.°, n.° 6, da referida diretiva define «[r]egime de autorização» como «qualquer procedimento que tenha por efeito obrigar um prestador ou um destinatário a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente para obter uma decisão formal ou uma decisão tácita relativa ao acesso a uma atividade de serviço ou ao seu exercício».

6        O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Regimes de autorização», prevê, no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros só podem subordinar a um regime de autorização o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício se forem cumpridas as condições seguintes:

a)      O regime de autorização não ser discriminatório em relação ao prestador visado;

b)      A necessidade de um regime de autorização ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)      O objetivo pretendido não poder ser atingido através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.»

7        O artigo 10.o da diretiva «serviços», com a epígrafe «Condições de concessão da autorização», dispõe:

«1.      Os regimes de autorização devem basear‑se em critérios que obstem a que as autoridades competentes exerçam o seu poder de apreciação de forma arbitrária.

2.      Os critérios referidos no n.° 1 devem ser:

a)      Não discriminatórios;

b)      Justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)      Proporcionados em relação a esse objetivo de interesse geral;

d)      Claros e inequívocos;

e)      Objetivos;

f)      Previamente publicados;

g)      Transparentes e acessíveis.

[…]»

8        O artigo 11.o desta diretiva, com a epígrafe «Duração da autorização», prevê:

«1.      A autorização concedida ao prestador não deve ter uma duração limitada, exceto quando:

a)      For objeto de renovação automática ou estiver apenas sujeita ao cumprimento permanente dos requisitos;

b)      O número de autorizações disponíveis for limitado por uma razão imperiosa de interesse geral;

ou

c)      A duração limitada puder ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

[…]

4.      O presente artigo não prejudica a faculdade de os Estados‑Membros retirarem as autorizações, nos casos em que deixarem de estar preenchidas as condições para a concessão das mesmas.»

9        O artigo 13.o da referida diretiva, com a epígrafe «Procedimentos de autorização», dispõe, no seu n.° 2:

«Os procedimentos e formalidades de autorização não devem ser dissuasivos nem complicar ou atrasar indevidamente a prestação do serviço. Devem ser facilmente acessíveis e as despesas que deles decorrerem para os requerentes devem ser razoáveis e proporcionadas aos custos do procedimento de autorização em apreço e não exceder os custos do procedimento.»

10      O artigo 14.o da mesma diretiva, que tem por epígrafe «Requisitos proibidos», prevê:

«Os Estados‑Membros não devem condicionar o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício no respetivo território ao cumprimento dos requisitos seguintes:

[…]

6)      Intervenção direta ou indireta de operadores concorrentes, nomeadamente em órgãos consultivos, na concessão de autorizações ou na aprovação de outras decisões das autoridades competentes, com exceção das ordens e associações profissionais e das associações ou dos organismos que atuem na qualidade de autoridade competente; esta proibição não se aplica à consulta de organismos, como as câmaras de comércio ou os parceiros sociais, sobre outras questões que não os pedidos de autorização individuais, nem à consulta do público em geral;

7)      Obrigação de constituir ou participar numa garantia financeira ou de subscrever um seguro junto de um prestador ou organismo estabelecido no respetivo território. Tal não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros exigirem um seguro ou garantias financeiras enquanto tais, nem afeta os requisitos relativos à participação em fundos coletivos de compensação, por exemplo para os membros de ordens ou organizações profissionais;

[…]»

 Direito do Reino Unido

11      A regra 4 da Provision of Services Regulations 2009 (Regulamento de 2009 relativo à prestação de serviços) que transpôs a diretiva «serviços» dispõe:

«‘regime de autorização’ significa qualquer procedimento que tenha por efeito obrigar o prestador ou o destinatário de um serviço a obter a autorização de uma autoridade competente ou a notificar uma autoridade competente para aceder a ou exercer uma atividade de serviços […]»

12      Nos termos da regra 18, n.os 2 a 4, do referido regulamento:

«(2)      Os procedimentos e formalidades previstos por uma autoridade competente ao abrigo de um regime de autorização não devem:

(a)      ser dissuasivos, nem

(b)      complicar ou atrasar indevidamente a prestação do serviço.

(3)      Os procedimentos e formalidades previstos por uma autoridade competente no âmbito de um regime de autorização devem ser facilmente acessíveis.

(4)      As despesas previstas por uma autoridade competente que possam decorrer para os requerentes nos termos de um regime de autorização devem ser razoáveis e proporcionadas aos custos dos procedimentos e das formalidades de autorização desse regime e não devem exceder os custos desses procedimentos e formalidades.»

13      O n.° 19 do anexo 3 da Local Government (Miscellaneous Provisions) Act 1982 [Lei de 1982 relativa à Administração Local (disposições diversas)] prevê que o requerente da concessão ou renovação de uma licença pague uma taxa razoável, fixada pela autoridade competente.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      O Conselho Municipal da cidade de Westminster é a autoridade competente para a concessão de licenças de exploração de estabelecimentos de comércio de sexo, incluindo «sex shops», em Westminster. Durante todo o período em causa no processo principal, T. M. Hemming e o. eram titulares de licenças relativas a diversas «sex shops» em Westminster.

15      Resulta da decisão de reenvio que, durante o referido período e em conformidade com o anexo 3, n.° 19, da Lei de 1982 relativa à Administração Local (disposições diversas), podia ser imposta uma taxa para cobrir não apenas o custo do tratamento dos pedidos de concessão ou de renovação de uma licença de exploração de um estabelecimento de comércio de sexo mas também o da inspeção das instalações após a concessão das licenças com vista à manutenção de um «policiamento vigilante», a fim de identificar e processar as pessoas que exploram estabelecimentos de comércio de sexo sem licença.

16      Assim, o requerente da concessão ou da renovação de uma licença de um estabelecimento de comércio de sexo para determinado ano devia pagar uma taxa composta por duas partes, uma relativa ao tratamento administrativo do pedido e não reembolsável, e outra, consideravelmente superior, relativa à gestão do regime de licenciamento e reembolsável em caso de indeferimento do pedido. A título de exemplo, em relação ao ano de 2011/2012, o montante total da taxa era de 29 102 libras esterlinas (GBP) (cerca de 37 700 euros) para cada requerente, das quais 2 667 GBP (cerca de 3 455 euros) diziam respeito ao tratamento administrativo da licença e não eram reembolsáveis, enquanto as 26 435 GBP restantes (cerca de 34 245 euros) diziam respeito à gestão do regime de licenciamento e eram reembolsáveis em caso de indeferimento do pedido.

17      No entendimento de T. M. Hemming e o., o Conselho Municipal da cidade de Westminster não podia exigir o pagamento desta segunda parte da taxa. Os montantes correspondentes, ainda que reembolsáveis em caso de indeferimento do pedido, serviam para financiar os custos associados à execução do regime de licença, que não estão relacionados com o custo administrativo dos pedidos, e deveriam ser suportados pelo orçamento geral do Conselho Municipal da cidade de Westminster ou só deveriam ser exigidos aos operadores cujo pedido fosse deferido.

18      Foi concedido provimento aos recursos interpostos por T. M. Hemming nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido. Estes órgãos jurisdicionais consideraram que o artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços» abrange as despesas cobradas tanto aos requerentes cujo pedido seja deferido como àqueles cujo pedido seja indeferido e opõe‑se a que a autoridade licenciadora cobre, indistintamente aos requerentes que obtenham uma licença e àqueles cujo pedido seja indeferido, o custo de investigar e de processar as pessoas que exploram estabelecimentos de comércio de sexo sem licença em Westminster.

19      Por conseguinte, aos requerentes que não obtenham a licença só podem ser cobrados os custos de tratamento do seu pedido, incluindo o exame da sua capacidade para explorar um estabelecimento de comércio de sexo, ao passo que aos requerentes que a obtenham só podem ser cobrados custos semelhantes e, em caso de renovação da sua licença, os relativos à fiscalização do cumprimento das obrigações associadas à sua licença no passado.

20      Em sede de recurso interposto do acórdão da Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Segunda Instância (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil), Reino Unido], o órgão jurisdicional de reenvio considerou que o raciocínio impugnado teria por consequência que a autoridade encarregada da gestão do regime de licenciamento deveria suportar os custos do funcionamento do referido regime em benefício dos operadores cuja licença tivesse sido deferida, dado que essa autoridade não poderia obrigar um requerente a contribuir para os custos resultantes da aplicação desse regime às pessoas que exploram estabelecimentos de comércio de sexo sem licença, ainda que essa gestão beneficie as pessoas que exploram esse tipo de estabelecimentos com licença. Para o efeito, a referida autoridade deveria recorrer aos seus fundos gerais.

21      Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber qual seria a solução para outros órgãos reguladores ou organizações profissionais que recorressem a regimes semelhantes e não dispusessem de fundos gerais nem tivessem a capacidade de os obter de outra forma.

22      Embora o órgão jurisdicional de reenvio esteja convencido de que um regime em que o requerente deva pagar uma taxa suplementar para cobrir os custos associados ao funcionamento e à vigilância do regime de licenciamento quando o pedido é deferido está conforme com o artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços», questiona‑se sobre a compatibilidade do regime aplicado pelo Conselho Municipal da cidade de Westminster com este artigo.

23      Dito isto, esse órgão jurisdicional salienta que não dispõe de nenhum elemento que permita considerar que a exigência segundo a qual um pedido deve ser acompanhado do pagamento de um montante recuperável no caso do seu indeferimento é suscetível de dissuadir os operadores de apresentarem um pedido de licenciamento de um estabelecimento de comércio de sexo.

24      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o facto de o requerente da licença ter de adiantar um determinado montante, enquanto aguarda uma decisão de deferimento ou indeferimento dessa licença, constitui efetivamente uma despesa para esse requerente.

25      Nestas circunstâncias, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«No caso de o requerente da concessão ou da renovação de uma licença para um estabelecimento de comércio de sexo ter de pagar uma taxa composta por duas partes, uma relativa ao tratamento administrativo do pedido e não reembolsável, e outra relativa à gestão do regime de licenciamento e reembolsável caso o requerimento seja indeferido:

1)      a aplicação de uma taxa que inclui a segunda parte, reembolsável, significa, por si só, à luz do direito europeu, que as despesas em que os recorridos incorreram em razão dos seus pedidos são contrárias ao artigo 13.°, n.° 2, da [d]iretiva [‘serviços’], na medida em que o montante dessa taxa é superior ao custo suportado […] para o tratamento do pedido?

2)      a conclusão de que a aplicação dessa taxa implica uma despesa — e, em caso afirmativo, uma despesa superior ao custo suportado […] para o tratamento do pedido — depende de outras circunstâncias (e, nesse caso, quais) como, por exemplo:

a)      a existência de elementos comprovativos de que o pagamento da segunda parte, reembolsável, implicou, ou poderia ter implicado, um custo ou um prejuízo para o requerente;

b)      o montante da segunda parte, reembolsável, e o período durante o qual o mesmo é retido antes de ser reembolsado; ou

c)      uma economia de custos […] no tratamento dos pedidos (e, portanto, do seu custo não reembolsável), que decorre da aplicação a todos os requerentes de uma taxa paga adiantadamente, composta por duas partes?»

 Quanto às questões prejudiciais

26      Com as suas questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços» deve ser interpretado no sentido de que se opõe, em circunstâncias como as do processo principal, à exigência do pagamento, no momento da apresentação de um pedido de concessão ou de renovação de uma autorização, de uma taxa da qual uma parte corresponde aos custos relativos à gestão e à fiscalização do cumprimento do regime de autorização em causa, mesmo que essa parte seja reembolsável em caso de indeferimento do pedido.

27      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., nomeadamente, acórdão de 14 de julho de 2016, Verband Sozialer Wettbewerb, C‑19/15, EU:C:2016:563, n.° 23).

28      A este respeito, há desde logo que salientar que a questão de saber se a taxa devida por um requerente é reembolsável em caso de indeferimento do seu pedido de licenciamento é irrelevante para a identificação de uma despesa na aceção do artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços». Com efeito, o facto de o requerente dever pagar uma taxa constitui uma obrigação financeira e, portanto, uma despesa que deve suportar para que o seu pedido seja tomado em consideração, independentemente do facto de o montante poder ser ulteriormente reembolsado em caso de indeferimento desse pedido. Tanto é assim que o objetivo do referido artigo, lido à luz dos considerandos 39, 42 e 43 desta diretiva, é evitar que certos aspetos dos procedimentos e das formalidades de autorização desencorajem o acesso às atividades de serviços.

29      Para serem conformes com o artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços», as despesas em causa devem, nos termos desta disposição, ser razoáveis e proporcionadas aos custos do procedimento de autorização em apreço e não exceder os custos do procedimento.

30      Uma vez que o montante dessas despesas não pode, atendendo a essas exigências, ultrapassar em caso algum o custo do procedimento de autorização em questão, importa analisar se os custos relativos à gestão e à fiscalização do cumprimento do regime de autorização no seu conjunto são suscetíveis de integrar o conceito de «custo do procedimento».

31      Embora o Tribunal de Justiça não ainda tenha tido a oportunidade de interpretar esse conceito no âmbito da diretiva «serviços», já precisou, noutro contexto, que, para calcular o montante dos direitos com caráter remuneratório, um Estado‑Membro pode tomar em conta não apenas os custos, materiais e salariais, diretamente relacionados com a execução das operações de que constituem a contrapartida, mas também a parcela dos encargos gerais da administração competente imputáveis a essas operações (acórdão de 2 de dezembro de 1997, Fantask e o., C‑188/95, EU:C:1997:580, n.° 30).

32      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de precisar, além disso, a respeito de uma disposição de direito da União que permite expressamente ter em conta, no cálculo das despesas administrativas, as que se referem à execução, gestão e fiscalização de um regime de licenciamento individual, que as despesas tidas em conta não podem compreender as despesas com a atividade geral de fiscalização da autoridade em questão (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2006, i‑21 Germany e Arcor, C‑392/04 e C‑422/04, EU:C:2006:586, n.os 34 e 35).

33      Ora, esta consideração vale a fortiori relativamente ao artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços» que, por um lado, apenas refere os «custos do procedimento» e, por outro, prossegue o objetivo de facilitar o acesso às atividades de serviços. Com efeito, este objetivo não seria alcançado mediante uma exigência de pré‑financiamento dos custos de gestão e de fiscalização do cumprimento do regime de autorização em causa, incluindo nomeadamente os custos relativos à identificação e à repressão de atividades não autorizadas.

34      Há assim que responder às questões submetidas que o artigo 13.°, n.° 2, da diretiva «serviços» deve ser interpretado no sentido de que se opõe, em circunstâncias como as do processo principal, à exigência do pagamento, no momento da apresentação de um pedido de concessão ou de renovação de uma autorização, de uma taxa da qual uma parte corresponde aos custos relativos à gestão e à fiscalização do cumprimento do regime de autorização em causa, mesmo que essa parte seja reembolsável em caso de indeferimento desse pedido.

 Quanto às despesas

35      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, deve ser interpretado no sentido de que se opõe, em circunstâncias como as do processo principal, à exigência do pagamento, no momento da apresentação de um pedido de concessão ou de renovação de uma autorização, de uma taxa da qual uma parte corresponde aos custos relativos à gestão e à fiscalização do cumprimento do regime de autorização em causa, mesmo que essa parte seja reembolsável em caso de indeferimento desse pedido.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.