Language of document : ECLI:EU:T:2002:261

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

23 de Outubro de 2002 (1)

«Marca comunitária - Oposição - Motivos relativos de recusa - Semelhança entre duas marcas - Risco de confusão - Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 - Pedido de marca comunitária figurativa contendo o vocábulo ‘Matratzen’ - Marca nominativa anterior MATRATZEN»

No processo T-6/01,

Matratzen Concord GmbH , anteriormente Matratzen Concord AG, com sede em Colónia (Alemanha), representada por W.-W. Wodrich, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) , representado por A. von Mühlendahl, G. Schneider e E. Joly, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte do processo na Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos):

Hukla Germany SA, estabelecida em Castellbispal (Espanha),

que tem por objecto um recurso da decisão da Segunda Secção de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 31 de Outubro de 2000 (processos apensos R 728/1999-2 e R 792/1999-2), relativa a um processo de oposição entre Hukla Germany e Matratzen Concord GmbH,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Maio de 2002,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1.
    Em 10 de Outubro de 1996, a recorrente apresentou o pedido de marca comunitária n.° 395632 (a seguir «pedido») ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na versão alterada.

2.
    A marca objecto do pedido de registo é a marca figurativa a seguir reproduzida:

image: logo

3.
    Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido pertencem às classes 10, 20 e 24, nos termos do Acordo de Nice relativo à classificação internacional de produtos e serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem, relativamente a cada uma das classes, à seguinte descrição:

-    classe 10: «Almofadas, travesseiros, colchões, almofadas de ar e camas para uso medicinal»;

-    classe 20: «Colchões; colchões de ar; camas; grades de protecção, não metálicas; cobertas de protecção; roupa de cama»;

-    classe 24: «Mantas de cama; fronhas de almofadas; roupa de cama; edredões; telas para colchões; invólucros de colchões; sacos-cama».

4.
    Em 16 de Fevereiro de 1998, o pedido foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias.

5.
    Em 21 de Abril de 1998, a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI apresentou oposição, ao abrigo do artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94.

6.
    A oposição baseia-se na existência de uma marca anteriormente registada em Espanha. Trata-se de uma marca nominativa constituída pelo vocábulo «Matratzen» (a seguir «marca anterior»). Os produtos designados por esta marca pertencem à classe 20 do acordo de Nice e correspondem à seguinte descrição: «Todo o tipo de mobiliário e, em particular, mobiliário de repouso, como camas, divãs, camas de campanha, berços, sofás, camas de rede, beliches, alcofas para recém-nascidos; mobiliário transformável; rodízios para camas e móveis; mesas de cabeceira; cadeiras, poltronas e tamboretes; colchões de molas, enxergas, colchões e travesseiros». Em apoio da oposição, a outra parte no processo na Câmara de Recurso invocou o motivo relativo de recusa previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

7.
    Por decisão de 22 de Setembro de 1999, a Divisão de Oposição rejeitou o pedido nos termos do artigo 43.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, no que respeita às categorias de produtos abrangidas pelas classes 20 e 24. Aquela Divisão considerou existir um risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, entre a marca pedida e a marca anterior. Em contrapartida, rejeitou a oposição no que respeita às categorias de produtos abrangidas pela classe 10, por entender não existir esse risco.

8.
    Em 15 de Novembro de 1999, a outra parte no processo na Câmara de Recurso interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição para o IHMI, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Pediu que o pedido fosse recusado no que respeita às categorias de produtos abrangidas pela classe 10.

9.
    Em 23 de Novembro de 1999, a recorrente interpôs igualmente recurso da decisão da Divisão de Oposição para o IHMI, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Pediu que a oposição fosse rejeitada no que respeita às categorias de produtos abrangidas pelas classes 20 e 24.

10.
    Em 31 de Outubro de 2000, a Segunda Câmara de Recurso decidiu dos recursos que lhe foram submetidos. O dispositivo dessa decisão, notificada à recorrente em 3 de Novembro de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), enuncia o seguinte:

«[...] a Câmara

1.    Dá provimento ao recurso da opositora.

2.    Nega provimento ao recurso da recorrente.

3.    Ordena que as despesas e taxas do processo perante a Divisão de Oposição e no quadro desses recursos sejam suportadas pela recorrente.»

11.
    No essencial, a Câmara de Recurso entendeu que, em Espanha, as duas marcas em causa seriam consideradas semelhantes e que, entre os produtos por elas designados, uns são idênticos e outros muito semelhantes. Com base nesta análise, a Câmara de Recurso considerou existir um risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, no que respeita a todas as categorias de produtos visadas no pedido.

Tramitação processual e pedidos das partes

12.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Janeiro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso. Em 25 de Maio de 2001, o IHMI entregou a sua contestação na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância.

13.
    A recorrente conclui pedindo ao Tribunal que:

-    anule a decisão impugnada;

-    rejeite a oposição apresentada pela outra parte no processo na Câmara de Recurso;

-    condene o IHMI a registar a marca pedida;

-    condene a outra parte no processo na Câmara de Recurso a suportar as despesas efectuadas na Divisão de Oposição, na Câmara de Recurso e no Tribunal de Primeira Instância.

14.
    O IHMI conclui pedindo que o Tribunal:

-    negue provimento ao recurso;

-    condene a recorrente nas despesas.

15.
    Na audiência, a recorrente desistiu da terceira parte do seu pedido, destinada a obter a condenação do IHMI no registo da marca pedida, o que o Tribunal exarou na acta da audiência.

Questão de direito

16.
    No essencial, a recorrente invoca dois fundamentos, baseados, por um lado, na violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e, por outro, no princípio da livre circulação de mercadorias.

Quanto ao fundamento de violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentação das partes

17.
    A recorrente alega que as duas marcas em causa não são semelhantes, mas, pelo contrário, muito diferentes. Afirma, nesse contexto, que só limitando, erradamente, o exame do risco de confusão apenas ao elemento «Matratzen» da marca pedida é que a Câmara de Recurso pôde chegar a uma conclusão em sentido contrário.

18.
    Ora, segundo a recorrente, o método seguido pela Câmara de Recurso viola os princípios decorrentes do acórdão de 11 de Novembro de 1997, SABEL (C-251/95, Colect., p. I-6191). A esse respeito, indica resultar dessa jurisprudência que, para apreciar a semelhança de duas marcas e o risco de confusão, importa ter em conta a impressão de conjunto produzida pelas mesmas.

19.
    A recorrente alega que, na impressão de conjunto produzida pela marca pedida, o elemento figurativo é, no mínimo, tão importante quanto os elementos verbais. Além disso, entre estes últimos, apenas o elemento «CONCORD» apresenta carácter fortemente distintivo, sendo os restantes dois elementos puramente descritivos, constituindo a denominação de um estabelecimento.

20.
    A recorrente alega, por outro lado, que resulta do princípio da restrição dos efeitos de uma marca registada, tal como está enunciado no artigo 12.°, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, que a marca anterior não pode ser oposta ao registo da marca pedida.

21.
    O IHMI considera que a apreciação do risco de confusão levada a cabo pela Câmara de Recurso não enferma de qualquer erro de direito.

Apreciação do Tribunal

22.
    Tal como resulta do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, o registo será recusado quando, devido à sua identidade ou semelhança com uma marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida. Por outro lado, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, alínea a), ii), do Regulamento n.° 40/94, são consideradas marcas anteriores as marcas registadas num Estado-Membro, cuja data de depósito seja anterior à do pedido de marca comunitária.

23.
    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), cujo conteúdo normativo é, no essencial, idêntico ao do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, constitui um risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C-39/97, Colect., p. I-5507, n.° 29, e de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 17).

24.
    Segundo esta mesma jurisprudência, a existência de um risco de confusão no espírito do público deve ser apreciada globalmente, atentos todos os factores relevantes do caso em apreço (acórdãos do Tribunal de Justiça, SABEL, já referido, n.° 22; Canon, já referido, n.° 16; Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 18; e de 22 de Junho de 2000, Marca Mode, C-425/98, Colect., p. I-4861, n.° 40).

25.
    Essa apreciação global implica uma certa interdependência entre os factores tomados em conta e, nomeadamente, a semelhança das marcas e dos produtos ou serviços designados. Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas e inversamente (acórdãos Canon, já referido, n.° 17; Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 19; e Marca Mode, já referido, n.° 40). A interdependência entre estes factores encontra a sua expressão no sétimo considerando do Regulamento n.° 40/94, segundo o qual é indispensável interpretar o conceito de semelhança em relação com o risco de confusão, cuja apreciação, por seu turno, depende nomeadamente do conhecimento da marca no mercado e do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados.

26.
    Além disso, a percepção que tem o consumidor médio dos produtos ou serviços em causa desempenha um papel determinante na apreciação global do risco de confusão. Ora, o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades (acórdãos SABEL, já referido, n.° 23, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 25). Para efeitos desta apreciação global, é suposto que o consumidor médio esteja normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. Por outro lado, há que tomar em conta a circunstância de que o consumidor médio raramente tem a possibilidade de proceder a uma comparação directa das diferentes marcas, devendo confiar na imagem imperfeita que delas conservou na memória. Importa igualmente tomar em consideração o facto de que o nível de atenção do consumidor médio é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa (acórdão Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 26).

27.
    No caso vertente, a marca anterior está registada em Espanha. Portanto, para efeitos da apreciação das circunstâncias referidas no número anterior, há que tomar em consideração o ponto de vista do público em Espanha. Uma vez que os produtos designados pelas marcas em causa se destinam ao consumo geral, esse público é composto por consumidores médios, essencialmente hispanófonos. Ora, como o IHMI explicou acertadamente, a determinação do público pertinente como sendo hispanófono não é infirmada pelo facto, admitindo que o mesmo se verifica, de um certo número de germanófonos se encontrarem estabelecidos em Espanha de forma temporária ou mesmo permanente.

28.
    Na petição, a recorrente não contesta que os produtos designados pelas duas marcas em causa são idênticos ou, pelo menos, semelhantes. Sustenta, em contrapartida, que essas duas marcas não são nem semelhantes nem, a fortiori, idênticas e que não existe risco de confusão entre elas. Por conseguinte, há que limitar o exame a esses dois aspectos.

29.
    No que toca à relação entre as duas marcas em causa, a Câmara de Recurso considerou, no n.° 26 da decisão impugnada, que são semelhantes.

30.
    A esse respeito, importa sublinhar, de forma geral, que duas marcas são semelhantes quando, do ponto de vista do público pertinente, exista entre elas uma igualdade, pelo menos parcial, relativamente a um ou vários aspectos relevantes. Tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, são pertinentes os aspectos visual, auditivo e conceptual (acórdãos SABEL, já referido, n.° 23, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 25).

31.
    No caso vertente, o vocábulo «Matratzen» corresponde, simultaneamente, à marca anterior e a um dos sinais que compõem a marca pedida. Por conseguinte, deve considerar-se a marca anterior idêntica, no plano visual e auditivo, a um dos sinais que compõem a marca pedida. Contudo, essa conclusão não é, em si mesma, suficiente para se entender que as duas marcas, consideradas cada uma no seu conjunto, são semelhantes.

32.
    Neste contexto, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça declarou que a apreciação da semelhança entre duas marcas se deve basear na impressão de conjunto produzida por estas, atendendo, nomeadamente, aos seus elementos distintivos e dominantes (acórdãos SABEL, já referido, n.° 23, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 25).

33.
    Por conseguinte, deve entender-se que uma marca complexa só pode ser considerada semelhante a outra marca, idêntica ou semelhante a uma das componentes da marca complexa, se essa componente constituir o elemento dominante na impressão de conjunto produzida pela marca complexa. É o que acontece quando tal componente é susceptível de, por si só, dominar a imagem da referida marca que o público pertinente retém na memória, de tal forma que todas as outras componentes são negligenciáveis na impressão de conjunto por ela produzida.

34.
    Importa precisar que esta interpretação não equivale a ter em consideração apenas uma componente de uma marca complexa e a compará-la com outra marca. Pelo contrário, essa comparação deve ser levada a cabo mediante o exame das marcas em causa, cada uma delas considerada no seu conjunto. Todavia, tal não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por uma ou várias das suas componentes.

35.
    Quanto à apreciação do carácter dominante de uma ou de várias componentes determinadas de uma marca complexa, há que ter em conta, designadamente, as qualidades intrínsecas de cada componente e compará-las com as das outras componentes. Além disso, e a título acessório, pode ser tida em conta a posição relativa das diferentes componentes na configuração da marca complexa.

36.
    No caso vertente, importa verificar se a Câmara de Recurso examinou qual, ou quais, das componentes da marca pedida é susceptível (ou são susceptíveis) de, por si só(s), dominar a imagem dessa marca que o público pertinente retém na memória, de tal forma que as suas outras componentes são negligenciáveis a esse respeito.

37.
    No contexto do caso vertente, a Câmara de Recurso devia apreciar essas componentes nas suas características visuais, auditivas e, sendo caso disso, conceptuais. Fê-lo, ao chegar, no n.° 24 da decisão impugnada, à conclusão de que o vocábulo «Matratzen» constitui o «elemento mais proeminente» da marca pedida.

38.
    Antes de mais, deve observar-se que, contrariamente ao que alega a recorrente, o vocábulo «Matratzen» não é descritivo, do ponto de vista do público pertinente, dos produtos designados pela marca pedida. Com efeito, como acaba de ser sublinhado no n.° 27 supra, esse público é essencialmente hispanófono. Ora, o vocábulo «Matratzen» não tem significado na língua espanhola. A este respeito, importa assinalar que esse vocábulo significa, é certo, «colchões» na língua alemã e que, com base nesse significado, é descritivo de, pelo menos, uma parte dos produtos designados pela marca pedida. Contudo, impõe-se observar que o processo não contém qualquer elemento que permita demonstrar que uma faixa significativa do público pertinente dispõe de suficientes conhecimentos de língua alemã para compreender tal significado. Além disso, o vocábulo «Matratzen» não apresenta qualquer semelhança com a palavra «colchões» em espanhol, a saber, «colchónes». Por último, o vocábulo «Matratzen» é, admita-se, semelhante à palavra inglesa «mattresses», que significa «colchões». Todavia, mesmo admitindo que o público pertinente dispõe de alguns conhecimentos de língua inglesa, deve concluir-se que a palavra «mattresses» não faz parte do vocabulário de base dessa língua e que, apesar da semelhança entre essa palavra e o vocábulo «Matratzen», existem igualmente diferenças entre uma e outro.

39.
    No que respeita ao vocábulo «Concord», não há motivos para se considerar que o grau do carácter distintivo desse vocábulo seria diminuído em razão da sua utilização frequente, no mercado espanhol, no quadro da apresentação de produtos ou de serviços destinados aos consumidores médios. Com efeito, na sua resposta a uma pergunta do Tribunal, o IHMI não referiu aquela utilização. Por outro lado, o vocábulo «Concord» também não é descritivo, do ponto de vista do público pertinente, dos produtos designados pela marca pedida.

40.
    Quanto ao vocábulo «Markt», o mesmo ocupa, na marca composta, um lugar marginal, se não completamente negligenciável, relativamente aos vocábulos «Matratzen» e «Concord».

41.
    No que respeita, por último, ao sinal figurativo contido na marca pedida, importa concluir que o mesmo é descritivo relativamente aos produtos designados por essa marca. Ora, um elemento de uma marca complexa que é descritivo dos produtos designados por essa marca não pode, em princípio, ser considerado o seu elemento dominante.

42.
    Quanto à configuração da marca pedida, há que salientar que os vocábulos «Matratzen» e «Concord» ocupam uma posição central da mesma.

43.
    Daí decorre que os vocábulos «Matratzen» e «Concord» podem ser considerados as componentes mais importantes da marca pedida. O primeiro vocábulo, porém, tal como o IHMI indicou na contestação, caracteriza-se pela preponderância de consoantes de pronúncia dura e, uma vez que não apresenta semelhanças com qualquer palavra espanhola, é, mais do que o segundo vocábulo, susceptível de ser retido na memória do público pertinente. Por conseguinte, deve considerar-se que o vocábulo «Matratzen» constitui o elemento dominante da marca pedida.

44.
    A Câmara de Recurso considerou, portanto, acertadamente que, para o público pertinente, existe uma semelhança visual e auditiva entre as duas marcas. Além disso, não é possível detectar qualquer diferença conceptual entre a marca anterior e o elemento dominante da marca pedida, dada a ausência de significado do vocábulo «Matratzen» na língua espanhola. Daqui decorre que a Câmara de Recurso demonstrou correctamente que a marca pedida é semelhante à marca anterior.

45.
    Quanto ao risco de confusão, deve considerar-se que existe tal risco quando, cumulativamente, o grau de semelhança das marcas em causa e o grau de semelhança dos produtos ou serviços designados por essas marcas são suficientemente elevados.

46.
    No caso vertente, foi declarado, no n.° 44 supra, que a marca pedida é semelhante à marca anterior.

47.
    Quanto ao grau de semelhança dos produtos designados pelas duas marcas em causa, a Câmara de Recurso, no n.° 25 da decisão impugnada, e o IHMI, na contestação, indicaram, com razão, e sem serem contestados neste aspecto pela recorrente, que os referidos produtos são em parte idênticos e em parte fortemente semelhantes.

48.
    Daqui resulta que, considerados cumulativamente, o grau de semelhança das marcas em causa e o grau de semelhança dos produtos por elas designados são suficientemente elevados. Foi, portanto, legitimamente que a Câmara de Recurso considerou existir um risco de confusão entre as marcas em causa.

49.
    Por outro lado, essa conclusão não é infirmada pelos argumentos da recorrente baseados no artigo 12.°, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Com efeito, deve sublinhar-se que, mesmo admitindo que essa disposição possa ter incidência no processo de registo, tal incidência limitar-se-ia, no que diz respeito à apreciação do risco de confusão, a excluir a possibilidade de um sinal descritivo de uma marca complexa ser considerado elemento distintivo e dominante na impressão de conjunto por ela produzida. Ora, como resulta do n.° 38 supra, no caso vertente, a palavra «Matratzen» não é descritiva, do ponto de vista do público pertinente, dos produtos designados pela marca pedida. Portanto, o argumento baseado no artigo 12.°, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 é desprovido de pertinência.

50.
    Foi, por conseguinte, legitimamente que a Câmara de Recurso, por considerar que a marca pedida caía sob a alçada do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, recusou o pedido no que respeita às categorias de produtos abrangidas pela classe 10, revogando, desse modo, a decisão da Divisão de Oposição, e negou provimento ao recurso interposto, pela recorrente, da rejeição, por parte da Divisão de Oposição, do pedido, no que respeita às outras categorias de produtos.

51.
    Resulta do que precede que o fundamento de violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 deve ser rejeitado.

Quanto ao fundamento de violação do princípio da livre circulação de mercadorias

Argumentação das partes

52.
    A recorrente entende que é contrário ao princípio da livre circulação de mercadorias (artigo 28.° CE) que uma marca nacional constituída por um vocábulo descritivo numa língua diferente da do Estado-Membro de registo possa ser oposta a um pedido de marca comunitária que consiste numa combinação de vocábulos descritivos e de um elemento distintivo, como o vocábulo «concord». Nesse contexto, a recorrente afirma que, no actual estado do direito comunitário das marcas, a marca anterior não poderia ser registada em Espanha, uma vez que é descritiva dos produtos em causa numa parte substancial da Comunidade.

53.
    O IHMI contrapõe que, no quadro do processo de oposição, não é possível atacar uma marca anterior nacional nem pôr em causa a questão da respectiva validade. Além disso, o IHMI considera que, de acordo com o princípio da coexistência da marca comunitária com as marcas nacionais, é perfeitamente concebível que uma marca seja registada num Estado-Membro, embora se trate de uma marca descritiva numa língua diferente da desse Estado-Membro.

Apreciação do Tribunal

54.
    Importa sublinhar, em primeiro lugar, que o princípio da livre circulação de mercadorias não impede, de modo algum, que um Estado-Membro registe, como marca nacional, um sinal que, na língua de outro Estado-Membro, é descritivo dos produtos ou serviços em causa e que não pode, portanto, ser registado como marca comunitária. Com efeito, esse registo nacional não constitui, em si mesmo, um entrave à livre circulação de mercadorias. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o Tratado não afecta a existência dos direitos reconhecidos pela legislação de um Estado-Membro em matéria de propriedade intelectual, apenas limitando, segundo as circunstâncias, o exercício desses direitos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1976, Terrapin, 119/75, Colect., p. 419, n.° 5, e de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked, 58/80, Recueil, p. 181, n.° 11).

55.
    Por outro lado, também não resulta das disposições de direito derivado qualquer proibição para um Estado-Membro de registar, como marca nacional, um sinal que, na língua de outro Estado-Membro, é descritivo dos produtos ou serviços em causa. Com efeito, como o IHMI sublinhou na contestação, o legislador comunitário instaurou um sistema baseado na coexistência da marca comunitária com as marcas nacionais (v., a este respeito, o quinto considerando do Regulamento n.° 40/94). Além disso, o IHMI salientou também acertadamente, na contestação, que a validade do registo de um sinal como marca nacional não pode ser impugnada no quadro de um processo de registo de uma marca comunitária, mas apenas no quadro de um pedido de anulação formulado no Estado-Membro em causa.

56.
    Em segundo lugar, o legislador comunitário não desrespeitou os artigos 28.° CE e 30.° CE ao dispor, no artigo 8.°, n.os 1, alínea b), e 2, alínea a), ii), do Regulamento n.° 40/94, que um pedido de registo de marca comunitária será recusado quando exista risco de confusão entre essa marca e uma marca anterior registada num Estado-Membro, independentemente da questão de saber se esta última marca tem carácter descritivo noutra língua que não a do Estado-Membro de registo.

57.
    Com efeito, nem essa disposição nem a aplicação que dela pode fazer o IHMI constituem um entrave à livre circulação de mercadorias. A este respeito, deve sublinhar-se que resulta do artigo 106.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 que este regulamento não afecta o direito, existente por força da lei dos Estados-Membros, de intentar acções contra o uso de uma marca comunitária posterior, por violação de marcas anteriores nacionais. Por conseguinte, se, num caso concreto, existir risco de confusão entre uma marca anterior nacional e um sinal de que se pede o registo como marca comunitária, a utilização desse sinal pode ser proibida pelo juiz nacional no quadro de um processo por contrafacção. A esse respeito, é indiferente que o sinal tenha sido efectivamente registado ou não como marca comunitária. Portanto, nem o registo de um sinal como marca comunitária nem a recusa desse registo têm incidência sobre a possibilidade de o requerente de uma marca comunitária comercializar, sob esse sinal, os seus produtos no Estado-Membro em que a marca anterior foi registada.

58.
    Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 30.° CE só admite as derrogações ao princípio da livre circulação de mercadorias decorrentes do exercício dos direitos conferidos por uma marca nacional na medida em que essas derrogações sejam justificadas pela «salvaguarda dos direitos que constituam o objecto específico da propriedade industrial em causa» (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Dansk Supermarked, já referido, n.° 11, e de 23 de Abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o., C-143/00, Colect., p. I-3759, n.° 12). Quanto a esse objecto específico, o Tribunal de Justiça declarou que há que ter em conta a função essencial da marca, que é garantir ao consumidor ou ao utente final a identidade originária do produto marcado, permitindo-lhe distingui-lo sem confusão possível dos que têm outra proveniência (acórdão Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.° 12). Ora, o direito do titular da marca de se opor a qualquer utilização dessa marca que seja susceptível de falsear a garantia de proveniência, assim entendida, releva do objecto específico do direito de marca (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1996, Bristol-Myers Squibb, C-427/93, C-429/93 e C-436/93, Colect., p. I-3457, n.° 48, e Boehringer Ingelheim e o., já referido, n.° 13).

59.
    Por último, importa recordar que a marca comunitária se reveste de carácter unitário [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Ford Motor/IHMI (OPTIONS), T-91/99, Colect., p. II-1925, n.os 23 a 25]. Por conseguinte, como resulta, respectivamente, do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 e do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento, o pedido de marca comunitária será recusado quando exista um motivo de recusa absoluto ou relativo numa parte da Comunidade. Por conseguinte, embora seja mais difícil para um operador económico obter o registo de um sinal como marca comunitária do que obter o registo do mesmo sinal como marca nacional, tal não é mais do que a contrapartida da protecção uniforme de que goza a marca comunitária em todo o território de Comunidade.

60.
    Daqui decorre que o fundamento de violação do princípio da livre circulação de mercadorias deve igualmente ser rejeitado.

61.
    Resulta de tudo quanto precede que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

62.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas do IHMI, em conformidade com o pedido deste último.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada na totalidade das despesas.

Vilaras
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 23 de Outubro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: alemão.