Language of document : ECLI:EU:T:2012:11

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

18 de janeiro de 2012 (*)

«Auxílios de Estado – Regime de auxílios que visa promover estratégias de empresas modernas e competitivas – Auxílio projetado a favor de uma sociedade comercial, sob a forma de empréstimo em condições preferenciais, no âmbito de um investimento dessa sociedade no Brasil – Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum – Dever de fundamentação – Prejuízo para a concorrência – Afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros – Igualdade de tratamento»

No processo T‑422/07,

Djebel – SGPS, SA, com sede em Funchal (Portugal), representada por M. Andrade Neves e S. Castro Caldeira, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Afonso e B. Martenczuk, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um recurso de anulação da Decisão 2007/582/CE da Comissão, de 10 de maio de 2007, relativa ao auxílio estatal C 4/2006 (ex N 180/2005) – Portugal – Auxílio à Djebel (JO L 219, p. 30).

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: N. J. Forwood, presidente, F. Dehousse e J. Schwarcz (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 25 de janeiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1.     Regime de auxílios aprovado

1        Em 8 de novembro de 1999, a República Portuguesa notificou a Comissão das Comunidades Europeias do regime de auxílios N 667/99, sob a forma de um projeto intitulado «[m]edida 1.2 do Programa Operacional da Economia» (a seguir «regime de auxílios N 667/99»).

2        Por decisão de 8 de agosto de 2000, a Comissão aprovou o regime de auxílios N 667/99 (a seguir «decisão de aprovação»). Na referida decisão, a Comissão indicou que o referido regime de auxílios, «que entrar[ia] em vigor como uma das medidas incluídas no Programa Operacional para a Economia para o período [de] 2000 [a] 2006, visa[va] favorecer o desenvolvimento regional mediante a concessão de auxílios à realização de projetos de investimento e de ações suscetíveis de contribuir para a modernização e dinamização das empresas portuguesas». Indicou igualmente que esse regime de auxílios se aplicava aos setores da indústria, construção, comércio, turismo e serviços. Todavia, a Comissão esclareceu que, no setor do comércio, a sua aplicação era limitada às pequenas e médias empresas (PME). Os projetos de investimento e ações elegíveis ao abrigo deste programa incluíam «a realização de ações de prospeção e conhecimento dos mercados internacionais, o desenvolvimento de programas de promoção e marketing internacional, bem como a internacionalização das empresas portuguesas (internacionalização).

3        Por outro lado, a Comissão afirmou que, «[e]m todos os casos, o pedido de auxílio deve ser apresentado antes do início da execução dos projetos de investimento em causa […]».

4        Por último, a Comissão definiu a «categoria n.° 3 das despesas elegíveis, relativa aos investimentos no domínio da internacionalização que visem a instalação de estabelecimentos e de filiais de produção no estrangeiro», nos seguinte termos:

«[d]espesas de investimento inicial realizadas no âmbito de projetos de investimento direto no estrangeiro, com exclusão das despesas relativas à criação e aquisição de sociedades comerciais, à promoção das exportações e à criação e funcionamento de redes de distribuição. Os projetos de investimento direto no estrangeiro realizados por grandes empresas devem, no entanto, ser notificad[o]s individualmente à Comissão».

2.     Legislação portuguesa

 Decreto‑Lei n.° 70‑B/2000

5        O Decreto‑Lei n.° 70‑B/2000, de 5 de maio (Diário da República, I Série‑A, n.° 104, de 5 de maio de 2000, a seguir «Decreto‑Lei»), aprovou um «enquadramento para a criação de um conjunto de medidas de política de ação económica a médio prazo com vista ao desenvolvimento estratégico para os diversos setores de atividade da economia portuguesa, através de apoios diretos e indiretos às empresas e demais agentes económicos, bem como à envolvente empresarial», para o período de 2000 a 2006.

6        Antes de mais, resulta do artigo 2.° do Decreto‑Lei, que trata do seu âmbito de aplicação, que eram suscetíveis de ser abrangidos por apoios os projetos de investimento que visassem favorecer um acréscimo de produtividade e de competitividade dos agentes económicos no mercado global e a promoção de novos potenciais de desenvolvimento, contemplando os setores da indústria, da energia, da construção, do turismo, do comércio e dos serviços, numa estreita articulação entre os setores público e privado. Em seguida, resulta do artigo 5.° do referido Decreto‑Lei, que trata das formas de atuação sobre a competitividade das empresas, que o objetivo era o fomento de estratégias de empresas modernas e competitivas, nomeadamente na área da «internacionalização». Por último, no artigo 20.° do Decreto‑Lei, previa‑se que seria concretizada regulamentação específica por portaria do Ministro da Economia ou, quando tal se justificasse em razão da matéria, por portaria aprovada conjuntamente pelo Ministro da Economia e pelos membros do Governo competentes.

 Portaria n.° 687/2000

7        A Portaria n.° 687/2000 de 31 de agosto de 2000 (Diário da República, Série I–B, n.° 201/2000, de 31 de agosto de 2000, a seguir «Portaria n.° 687/2000 »), que entrou em vigor em 15 de setembro de 2000, aprovou, no âmbito do enquadramento legal de referência previsto no Decreto‑Lei n.° 70‑B/2000, um conjunto de medidas de apoio denominado «Sistema de Incentivos à Modernização Empresarial» (a seguir «SIME»).

8        O anexo à Portaria n.° 687/2000, que define as regras de execução do SIME, referia, no seu artigo 4.°, n.° 1, alínea b), os projetos de internacionalização, definidos como «investimentos ligados à internacionalização, abrangendo quer os programas de promoção e marketing internacional e a implementação de estruturas necessárias à internacionalização dos negócios, quer outras formas de resposta aos desafios impostos pela globalização dos mercados, como a configuração no espaço internacional da cadeia de valor da empresa ou o acesso a saberes e competências relacionadas com estratégias internacionais».

9        O artigo 23.° do anexo à Portaria n.° 687/2000, sobre as disposições transitórias, previa, no seu n.° 3, que «[o]s projetos cujas candidaturas no âmbito do SIME [fossem] rececionadas até 31 de dezembro de 2000 poder[iam] ser comparticipados nas despesas efetuadas após 1 de julho de 1999».

 Portaria n.° 243/2001

10      A Portaria n.° 243/2001, de 22 de março de 2001 (Diário da República, I Série‑B, n.° 69/2001, de 22 de março de 2001, a seguir «Portaria n.° 243/2001») dispunha que, «[c]onsiderando os desenvolvimentos evidenciados na apresentação de projetos ao abrigo das disposições transitórias [da Portaria n.° 687/2000] e no sentido de conceder maior flexibilidade para a preparação adequada dos projetos em condições plenas de operacionalização e de otimizar os meios disponíveis afetando os por forma a imprimir‑lhes maior eficácia na sua utilização, urg[ia] proceder à alteração da data limite de 31 de dezembro de 2000 para a receção de candidaturas.».

11      O artigo 23.°, n.° 3, da Portaria n.° 243/2001 previa que «[o]s projetos cujas candidaturas no âmbito do SIME [fossem] rececionadas até 31 de janeiro de 2001 poder[iam] ser comparticipados nas despesas efetuadas após 1 de julho de 1999».

 Antecedentes do litígio

1.     Procedimento administrativo

12      A recorrente, Djebel, SGPS, SA, é uma sociedade comercial sedeada no Funchal (Portugal), matriculada como «pessoa coletiva» na Conservatória do Registo Comercial da Zona Franca da Madeira. A recorrente pertence a um dos maiores grupos hoteleiros de Portugal.

13      Em 24 de maio de 1999, a recorrente solicitou à F. Turismo – Capital de Risco, S.A. (a seguir «FCR»), um fundo de capital de risco detido por sociedades públicas e privadas, que participasse com ela num projeto de investimento no capital social de uma sociedade de direito brasileiro, a saber, a RASH – Administração de Hotéis de Turismo, Lda. (a seguir «RASH»), cujo único ativo era um hotel de cinco estrelas, situado no Rio de Janeiro (Brasil) (a seguir «projeto de investimento»).

14      Em outubro de 1999, a recorrente adquiriu participações no capital social da RASH, por um montante equivalente a 14 720 474 euros.

15      Em 31 de janeiro de 2001, a recorrente candidatou‑se formalmente no âmbito do SIME, para obter um empréstimo bonificado no montante de 3 608 119 euros, que representava 25% dos seus custos elegíveis para o projeto supramencionado, que eram os custos da aquisição das participações sociais da RASH (v. n.os 13 e 14 supra), empréstimo esse sem juros, com um prazo de amortização de seis anos (11 prestações semestrais).

16      Este pedido de auxílio de Estado foi considerado elegível no âmbito do SIME pelas autoridades portuguesas em 18 de setembro de 2003, sob reserva de parecer favorável da Comissão após a notificação do pedido. Em 5 de abril de 205, as autoridades portuguesas notificaram a Comissão da sua intenção de conceder à recorrente o auxílio em causa.

17      Na sequência de pedidos dirigidos pela Comissão às autoridades portuguesas, nomeadamente por carta de 7 de junho de 2005, estas transmitiram‑lhe informações adicionais, nas cartas de 25 de julho, 26 de setembro e 23 de dezembro de 2005.

18      Em 22 de fevereiro de 2006, a Comissão informou as autoridades portuguesas da sua decisão de dar início ao procedimento contraditório previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (JO C 91, p. 25, a seguir «decisão de abertura do procedimento formal de investigação»). Em 31 de março de 2006, as autoridades portuguesas apresentaram as suas observações no âmbito do referido procedimento contraditório.

19      A decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação foi publicada em 19 de abril de 2006 e todos os interessados foram convidados a apresentar observações. Nenhum terceiro nem a recorrente apresentaram observações nesse âmbito.

2.     Decisão impugnada

20      Em 10 de maio de 1997, a Comissão aprovou a Decisão 2007/582/CE, relativa ao auxílio estatal C 4/2006 (ex N 180/2005) – Portugal – Auxílio à Djebel (JO L 219, p. 30) [notificada com o n.° C (2007) 1959] (a seguir «decisão impugnada»).

21      Depois de descrever o projeto de investimento e o auxílio em causa, esclarecendo nomeadamente que o montante do auxílio era de 574 466 EUR, o que correspondia a uma intensidade de auxílio líquida de 3,90%, a Comissão salientou, no considerando 14 da decisão impugnada, que esse auxílio lhe fora notificado ao abrigo do regime de auxílios N 667/1999, que foi aprovado em 8 de agosto de 2000, vigorou de 2000 a 2006 e de acordo com o qual os auxílios a favor de projetos de investimento direto no estrangeiro realizados por grandes empresas tinham de ser notificados à Comissão numa base individual.

22      No âmbito da sua apreciação do auxílio em causa, a Comissão examinou, em primeiro lugar, nos considerandos 29 a 31 da decisão impugnada, a questão da existência de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

23      A este respeito a Comissão recorda que, na decisão de abertura do procedimento formal de investigação, concluíra que o auxílio em causa era abrangido pelo artigo 87.°, n.° 1, CE, porquanto, em primeiro lugar, uma empresa de grandes dimensões receberia fundos para investir no setor do turismo no Brasil, no contexto de uma estratégia de internacionalização, o que se traduziria num tratamento preferencial da empresa beneficiária, conferindo‑lhe uma vantagem ou um incentivo em comparação com outras empresas, falseando ou ameaçando falsear desta forma a concorrência, em segundo lugar, o auxílio em causa seria concedido a uma empresa do mercado do turismo do União Europeia, em que existem ou podem existir trocas comerciais entre Estados Membros ou a que empresas de outros Estados Membros podem desejar aceder, pelo que a medida poderia afetar o comércio entre Estados Membros, e, em terceiro lugar, o auxílio seria financiado por recursos públicos.

24      A Comissão indicou, em seguida, que considerava que os vários argumentos apresentados pela República Portuguesa eram insuficientes para pôr em causa a conclusão de que o auxílio em causa estava abrangido pelo artigo 87.°, n.° 1, CE. Nesse sentido, referiu, nomeadamente, a dimensão e importância do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, e que a projeção internacional tinha conferido àquele uma notoriedade reforçada, tinha aumentado o seu poder negocial, tinha dinamizado as atividades empresariais daquele no setor hoteleiro e tinha contribuído para aumentar a sua dimensão e capacidade para investir no mercado português. A Comissão sublinhou que a medida notificada favorecia certas empresas ou certas produções e indicou que os auxílios concedidos a empresas da União Europeia em favor de investimento direto no estrangeiro eram comparáveis aos auxílios concedidos a empresas que exportavam a quase totalidade da sua produção para fora da Comunidade. Por último, concluiu que, em tais casos, dada a interdependência entre os mercados em que as empresas comunitárias desenvolvem atividades, não era de excluir que o auxílio pudesse distorcer a concorrência na Comunidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão, C‑142/87, Colet., p. I‑959, n.° 35).

25      Em segundo lugar, nos considerandos 32 a 46 da decisão impugnada, a Comissão examinou se o auxílio em causa, que a República Portuguesa tencionava conceder podia ser considerado compatível, com fundamento na derrogação prevista no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE.

26      A este respeito, a Comissão recordou que apreciava o auxílio tendo em conta certos critérios que aplicou em anteriores casos de auxílios a favor de grandes empresas para projetos de investimento direto no estrangeiro, tais como o efeito de incentivo do auxílio e a sua necessidade, assim como a sua influência no mercado comum. A Comissão começou por indicar que o projeto em causa não era o primeiro projeto de internacionalização do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, uma vez que este já desenvolve atividades em Moçambique, pelo que se afigurava duvidoso que o auxílio fosse necessário. Afirmou igualmente, que outras atividades desenvolvidas pelo referido grupo no Brasil desde 1999 demonstravam que o investimento teria avançado mesmo sem a perspetiva de obtenção do auxílio. Segundo a Comissão, era, portanto, pouco provável que o auxílio concedido à data da decisão impugnada para um investimento efetuado mais de sete anos antes tivesse qualquer relação prática com este último.

27      Em seguida, a Comissão esclareceu que, para demonstrar o efeito de incentivo do auxílio, havia que comprovar que fora apresentado um pedido de apoio antes do início do investimento, o que não se verificara no caso vertente, na medida em que o investimento tinha sido efetuado em outubro de 1999, mais de um ano antes de o beneficiário ter apresentado formalmente o pedido de concessão de auxílio ao abrigo do regime de auxílios estatais N 667/1999. A Comissão acrescentou que não considerava que o pedido de participação no projeto de investimento, apresentado pela recorrente à FCR, uma sociedade de capital de risco, pudesse constituir um pedido de auxílio de Estado. A Comissão indicou também que o investimento em causa tinha sido efetuado cerca de cinco anos e meio antes da sua notificação pelas autoridades portuguesas e concluiu que a República Portuguesa não tinha feito prova de que o auxílio proposto fosse necessário para compensar quaisquer riscos específicos associados ao projeto de investimento nem do seu efeito de incentivo.

28      Por último, a Comissão referiu casos anteriores em que concluíra que os auxílios ao investimento direto no estrangeiro podiam reforçar a capacidade financeira e estratégica do beneficiário e, por essa via, afetar a sua posição relativamente a concorrentes no mercado da União Europeia. Afirmou que o grupo hoteleiro a que a recorrente pertence tem aumentado a sua atividade comercial no setor hoteleiro após o investimento em causa e que este contribuíra, mesmo na falta do auxílio em causa, para reforçar a sua competitividade e a sua visibilidade no mercado mundial do turismo. Segundo afirma, ainda que o investimento em questão tivesse tido um impacto positivo em Portugal, em princípio este impacto não poderia ser atribuído ao auxílio em causa, uma vez que este não tinha efeito de incentivo.

29      Com base no exposto acima, a Comissão concluiu que o auxílio em causa provavelmente não aumentou a competitividade da indústria europeia, nem teve um efeito positivo nas regiões em causa, mas, pelo contrário reforçou a posição da recorrente num mercado caracterizado por forte concorrência. Por conseguinte, esse auxílio não teve efeitos positivos para a União que pudessem compensar as distorções de concorrência causadas no mercado comum e, na falta de prova da sua necessidade, tão‑pouco contribuiu para qualquer atividade adicional por parte da recorrente e, por conseguinte, não facilitou o desenvolvimento de uma atividade económica na aceção do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE.

30      O artigo 1.° do dispositivo da decisão impugnada, de que a República Portuguesa é destinatária, tem a seguinte redação:

«O empréstimo em condições preferenciais notificado de 3 680 119 [euros], proposto [pelas autoridades portuguesas] a favor da [recorrente], no que diz respeito ao seu [projeto de] investimento no Brasil, é incompatível com o mercado comum, uma vez que não preenche os critérios enunciados no n.° 3, alínea c), do artigo 87.° do Tratado, pelo que não deve ser concedido.»

31      Por ofício de 28 de setembro de 2007 do organismo «Turismo de Portugal», a recorrente foi informada de que o auxílio em causa não lhe podia ser concedido, devido à decisão desfavorável da Comissão.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

32      A recorrente interpôs o presente recurso por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de novembro de 2007.

33      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Anular a decisão impugnada;

–        Reconhecer que:

–        O auxílio solicitado foi e é essencial para a concretização do projeto de investimento;

–        O auxílio foi solicitado antes de o investimento ter sido efetuado;

–        O projeto da recorrente correspondeu à efetiva primeira experiência de internacionalização do grupo hoteleiro a que pertence;

–        O desenvolvimento desse projeto não alterou as condições de concorrência das empresas europeias, tanto as situadas no território comunitário como aquelas que atuam no exterior;

–        O desenvolvimento do mesmo projeto não conferiu ao grupo hoteleiro a que a recorrente pertence qualquer situação de vantagem que o colocasse em situação de distorcer as trocas comerciais entre Estados‑Membros;

–        O auxílio em causa tem as mesmas características daquele que foi solicitado por uma outra sociedade e que a Comissão aprovou através da sua Decisão de 15 de outubro de 2003;

–        Declarar que a concessão do auxílio em causa, nos termos e com os fundamentos indicados, não é incompatível com qualquer disposição do Tratado CE ou com qualquer disposição regulamentar que lhe dê cumprimento ou sequência;

–        Determinar a revisão da decisão impugnada, de modo a que a Comissão passe a autorizar a sua concessão nos termos que lhe foram propostos pela recorrente e pelas autoridades portuguesas.

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Rejeitar o pedido da recorrente como inadmissível ou improcedente;

–        Condenar a recorrente na totalidade das despesas.

35      No âmbito das medidas de organização do processo, nos termos do artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Comissão foi convidada a apresentar determinados documentos. A Comissão cumpriu o solicitado no prazo fixado.

36      Uma vez que o juiz‑relator inicialmente designado estava impedido de participar no julgamento da causa, em 16 de outubro de 2006 o presidente do Tribunal Geral distribuiu o processo a outro juiz‑relator. Como a composição das secções do Tribunal foi alterada, o juiz relator foi afetado à Segunda Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, distribuído.

37      Por proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu abrir a fase oral.

 Questão de direito

38      A recorrente aduz, no essencial, três fundamentos, relativos, em primeiro lugar, à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE, em segundo lugar, à violação do artigo 87.°, n.os 1 e 3, c), CE, e, em terceiro lugar, à violação do princípio da igualdade de tratamento.

1.     Quanto à admissibilidade do recurso

39      A Comissão sustenta que, na petição inicial, a recorrente não identifica claramente quais são os fundamentos jurídicos invocados para obter uma eventual anulação da decisão impugnada. Assim, a petição inicial consiste num conjunto não estruturado e confuso, que não cumpre as condições impostas pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Segundo afirma, mesmo na fase da réplica a recorrente não indicou concretamente quais os vícios que assacava à decisão impugnada, à luz do direito comunitário.

40      A recorrente alega que o recurso é admissível.

41      Nos termos do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a petição deve conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta exposição deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, se for caso disso, sem mais informações de apoio (acórdão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2007, Asklepios Kliniken/Comissão, T‑167/04, Colet., p. II‑2379, n.° 39).

42      Segundo jurisprudência assente, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força da disposição atrás recordada, devem constar da petição (v. acórdão Asklepios Kliniken/Comissão, referido no n.° 41, supra, n.° 40 e jurisprudência aí referida).

43      No caso vertente, verifica‑se que resulta da petição com suficiente clareza e precisão que a recorrente contesta nomeadamente o juízo da Comissão de que o auxílio em causa não era compatível com o artigo 87.°, n.os 1 e 3, alínea c), CE.

44      Com efeito, por um lado há que notar que a recorrente aduz elementos concretos para apoiar as suas alegações de que a Comissão cometeu um erro ao aplicar ao seu caso o artigo 87.°, n.° 1, CE, quando, segundo afirma, o projeto de investimento não podia afetar de forma significativa as trocas na União nem gerar distorções da concorrência. Nesse sentido, a recorrente destacou, nomeadamente, a reduzida posição do grupo hoteleiro a que pertence, quer ao nível europeu quer no Brasil, especialmente face à concorrência exercida por outras empresas europeias, o reduzido montante do auxílio em causa e a alegada inexistência de nexo entre o investimento efetuado pelo referido grupo no Brasil e a sua expansão em Portugal.

45      Por outro lado, a recorrente alegou que o auxílio em causa facilita o desenvolvimento de uma atividade económica, pelo que estava abrangido pela exceção prevista no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE. Neste contexto, a recorrente avançou argumentos relativos ao caráter alegadamente arriscado do projeto de investimento e ao caráter essencial e de incentivo do auxílio em causa. A recorrente contestou, além disso, a relevância da consideração, pela Comissão, de elementos de facto posteriores à data em que o investimento foi efetuado. Aduziu também vários elementos relativos ao contexto económico e ao enquadramento jurídico relevante e à internacionalização do grupo hoteleiro a que pertence. Ademais, sublinhou o efeito dinamizador do seu investimento, no mercado do turismo português e no do turismo da União, sem supressão de postos de trabalho na União e sem deslocalização, assim como o reforço dos laços comerciais entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, enquanto países membros, respetivamente, da União e do Mercado Común del Sur [Mercado comum do Sul – Mercosur].

46      A recorrente alegou, por outro lado, na petição, a falta ou insuficiência de fundamentação da decisão impugnada, porquanto, nomeadamente, a Comissão ignorou o contexto subjacente à concessão do auxílio, e não se referiu concretamente à lei da República Portuguesa aplicável ao caso vertente. Por último, a recorrente invocou a violação do princípio da igualdade de tratamento, referindo, detalhadamente, a decisão da Comissão de 15 de outubro de 2003 relativa a uma proposta de concessão por Portugal de um auxílio à Vila Galé – Cintra Internacional, Investimentos Turísticos, SA, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 27 de fevereiro de 2004 (JO L 61, p. 76, a seguir «decisão Vila Galé» e «projeto Vila Galé»), e o processo que deu lugar à referida decisão, que considera comparável ao caso vertente.

47      Nestas circunstâncias, não se pode deixar de observar que os elementos essenciais de facto e de direito em que o recurso assenta resultam, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição, o que permitiu à Comissão preparar a sua contestação e permite ao Tribunal Geral decidir a causa. Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da Comissão de que a recorrente, ao pedir que seja «reconhecido o seu direito a obter os auxílios estatais a que se candidatou ao abrigo da lei vigente para o efeito em Portugal», sem enunciar outros vícios da decisão impugnada, pretendia ir além da competência do Tribunal Geral, exclusivamente limitada à fiscalização da legalidade da referida decisão. Com efeito, resulta tanto da parte introdutória da petição como das respetivas conclusões que a recorrente pretendia igualmente a anulação da decisão impugnada, nos termos do artigo 230.° CE.

48      Por conseguinte, a petição cumpre as condições impostas pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, pelo que se julga improcedente o argumento da Comissão relativo à admissibilidade do recurso.

2.     Quanto à competência do Tribunal Geral para se pronunciar sobre determinados pedidos

49      Quanto ao segundo a quarto pedidos, de que o Tribunal Geral «[r]econheça», de que o Tribunal Geral «[d]eclar[e] que a concessão do auxílio à recorrente […] não é incompatível » e de que o Tribunal Geral «[d]etermin[e] a revisão da decisão impugnada», verifica‑se que os mesmos não entram na competência do Tribunal Geral.

50      Com efeito, observe‑se que a recorrente, ao pedir ao Tribunal Geral que «[d]etermin[e] a revisão da decisão impugnada, de modo a que a Comissão passe a autorizar a sua concessão nos termos que lhe foram propostos pela recorrente e pelas autoridades portuguesas», pretende uma declaração sobre os efeitos do acórdão a proferir, que constitui também uma ordem judicial, dada à Comissão, de execução desse acórdão. Quanto aos outros supramencionados pedidos da recorrente, os mesmos implicam um reconhecimento ou declaração por parte do Tribunal Geral. Ora, uma vez que o Tribunal Geral não é competente, no âmbito da fiscalização de legalidade nos termos do artigo 230.° CE, para proferir acórdãos declaratórios (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 9 de dezembro de 2003, Itália/Comissão, C‑224/03, Colet., p. I‑14751, n.os 20 a 22) ou emitir ordens judiciais, mesmo que estas tenham a ver com as regras de execução dos seus acórdãos (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 1995, Pevasa e Inpesca/Comissão, C‑199/94 P e C‑200/94 P, Colet., p. I‑3709, n.° 24), há que indeferir, portanto, os pedidos da recorrente nesse sentido.

3.     Quanto ao mérito da causa

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

51      O presente fundamento subdivide‑se em três vertentes, assentes nas afirmações de que, em primeiro lugar, a Comissão não cumpriu concretamente o dever de fundamentação, ignorando o contexto subjacente à concessão do auxílio em causa e aduzindo uma argumentação «deficiente», em segundo lugar, a Comissão não indicou concretamente a lei portuguesa aplicável ao caso vertente e, em terceiro lugar, não especificou os motivos pelos quais aprovou uma decisão diferente da que aprovara num caso anterior aparentemente idêntico. A Comissão contesta as alegações da recorrente.

52      Há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que foi adotado. A fundamentação deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, de modo, por um lado, a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e verificar se a decisão é ou não fundada e, por outro, a permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada não só tendo em conta o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em particular, a Comissão não tem que tomar posição sobre todos os argumentos perante ela invocados pelos interessados, bastando‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, Colet., p. II‑2197, n.os 62 a 64 e jurisprudência aí referida).

53      Além disso, quando uma decisão tiver sido adotada num contexto bem conhecido do interessado, pode ser fundamentada de forma sumária (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, Colet., p. 503, n.° 31, e de 30 de setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colet., p. I‑9919, n.os 89 e 92).

54      Há que lembrar também a jurisprudência segundo a qual o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, que é do foro da validade material do ato controvertido (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colet., p. I‑2481, n.° 35; acórdãos do Tribunal Geral de 12 de novembro de 2008, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑406/06, não publicado na Coletânea, n.° 47, e de 20 de maio de 2009, VIP Car Solutions/Parlamento, T‑89/07, Colet., p. II‑1403, n.° 63). As alegações e argumentos que contestam o mérito desse ato são, pois, irrelevantes no âmbito de um fundamento relativo à falta ou à insuficiência da fundamentação (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 12 de setembro de 2007, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T‑68/03, Colet., p. II‑2911, n.° 79). Por outro lado, como a falta ou insuficiência de fundamentação consubstancia uma preterição de formalidades essenciais, na aceção do artigo 230.° CE, a mesma constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz comunitário (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, Colet., p. I‑11245, n.° 34 e jurisprudência aí referida). Assim, no caso vertente, o facto de a recorrente ter aduzido, pela primeira vez, determinados argumentos a esse respeito na réplica não impede o Tribunal Geral de proceder à sua apreciação.

55      Em primeiro lugar, quanto à primeira vertente do presente fundamento, a qual consiste na alegação de que a Comissão não cumpriu devidamente o dever de fundamentação, ignorando o «contexto subjacente à concessão do auxílio em causa» e aduzindo uma argumentação «deficiente», resulta da decisão impugnada que a Comissão levou em conta a situação económica e financeira da recorrente e a do grupo hoteleiro a que pertence, tanto à data da realização do investimento em causa como à data da aprovação da decisão impugnada, e que a Comissão também fundamentou essa decisão quanto à situação que se verificava no setor em causa à data da realização do investimento.

56      A este respeito, nos considerandos 6 a 8 da decisão impugnada, a Comissão qualificou a recorrente de «empresa de grandes dimensões», recordou que esta geria uma sociedade holding no Brasil, cujo objetivo consistia em investir e gerir hotéis e atividades turísticas, e afirmou que o grupo hoteleiro a que a mesma pertence tinha anteriormente adquirido um hotel em Moçambique e adquiriu quatro outros hotéis no Brasil, posteriormente ao hotel em causa no caso vertente. Nos considerandos 9 a 16, a Comissão descreveu o projeto de investimento e o auxílio em causa, sublinhando nomeadamente, no tocante ao referido projeto, que se tratava da aquisição de um hotel já plenamente operacional. Nos considerandos 17 a 21 da decisão impugnada, a Comissão recordou o procedimento administrativo anterior e os critérios de avaliação do auxílio em causa. Nos considerandos 22 a 28, a Comissão resumiu as observações da República Portuguesa relativas, nomeadamente, ao contexto económico no setor em causa no Brasil, em Portugal e em Moçambique. Por último, no âmbito da apreciação do auxílio em causa, nomeadamente nos considerandos 31, 36, 37 e 44 da decisão impugnada, a Comissão aduziu fundamentos relativos ao contexto evolutivo da posição económica do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, fundamentos esses cujo mérito esta aliás contestou, por os considerar uma abordagem inadequada.

57      Pelo exposto, não pode ser acolhida a argumentação da recorrente relativa à falta ou insuficiência da fundamentação quanto ao «contexto subjacente à concessão do auxílio em causa». Além disso, no tocante à alegação da recorrente, referindo‑se à argumentação «deficiente» da Comissão, de que esta não fundamentou a sua reação atendendo a todos os argumentos invocados no procedimento administrativo, recorde‑se que, segundo a jurisprudência assente acima referida no n.° 52, a Comissão pode limitar‑se a expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão.

58      Ora, a este respeito, há que notar, por um lado, que a Comissão indicou, designadamente nos considerandos 30, 31 e 43 da decisão impugnada (v. n.os 22 a 24 e 28, supra), os motivos pelos quais entendia que a medida em causa entrava no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, em consonância com a jurisprudência saída dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão (C‑88/03, Colet., p. I‑7115, n.° 89), e do Tribunal Geral de 6 de setembro de 2006, Itália e Wam/Comissão (T‑304/04 e T‑316/04, não publicado na Coletânea, n.os 63 e 64), a saber, mediante a colocação em destaque das circunstâncias concretas que permitiam considerar que as trocas entre os Estados‑Membros eram suscetíveis de ser afetadas e a avaliação dos efeitos previsíveis do auxílio em causa na concorrência.

59      Por outro lado, nos considerandos 32 a 46 da decisão impugnada (v. n.os 25 a 29 supra), a Comissão avançou os elementos essenciais do seu raciocínio sobre a questão de saber se o auxílio em causa era compatível com o direito comunitário. Em especial, a Comissão sublinhou a desnecessidade e a falta de efeito de incentivo do auxílio em causa, atendendo aos riscos associados ao projeto realizado, à dimensão da empresa da recorrente, ao seu desenvolvimento na sequência da realização do projeto, ao tempo decorrido entre a referida realização e à data da aprovação da decisão impugnada, e levando também em conta a data do « pedido formal» de auxílio de Estado pela recorrente e a sua experiência anterior em investimentos, adquirida em Moçambique. A Comissão concluiu explicando os elementos ponderados para efeitos de determinar se os efeitos benéficos para a União compensavam os efeitos negativos para a concorrência e para o comércio no mercado comum.

60      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira vertente do presente fundamento.

61      Em segundo lugar, no tocante à segunda vertente do presente fundamento, na qual se afirma que a Comissão não referiu concretamente a lei da República Portuguesa aplicável no caso vertente, realce‑se que, nos considerandos 14 a 16 da decisão impugnada, a Comissão referiu que tinha sido notificada do auxílio em causa no âmbito do regime de auxílios N 667/99, que exigia que os auxílios a favor de projetos de investimento direto no estrangeiro realizados por grandes empresas lhe fossem notificados numa base individual. Indicou também que o «pedido formal de auxílio» no âmbito do referido regime de auxílios tinha sido apresentado em 31 de janeiro de 2001, e, no tocante ao pedido de participação que a recorrente apresentara anteriormente, isto é, em 24 de maio de 1999, ao FCR, afirmou que, de acordo com as autoridades portuguesas, as intervenções deste fundo não continham elementos de auxílio estatal na aceção do artigo 87.° CE. Acrescentou que, segundo essas mesmas autoridades, o referido pedido de participação constituía, contudo, um pedido «inicial» de auxílio, tendo o projeto sido realizado subsequentemente com base na premissa de que seria elegível para efeitos de auxílio «ao abrigo da legislação portuguesa relevante».

62      Nestas circunstâncias, a Comissão referiu, nos considerandos 17 e seguintes, que examinaria a medida atendendo à derrogação prevista no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, a fim de determinar se era possível considerar que o auxílio facilitava o desenvolvimento de uma certa atividade económica sem afetar negativamente as condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum, e avançou os critérios que tencionava utilizar. Nos considerandos 38 e 39 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que, para se poder considerar que o auxílio em causa tinha efeito de incentivo, havia que comprovar que um pedido de apoio tinha sido apresentado antes do início do investimento em causa. A Comissão acrescentou que não foi o que sucedeu no caso vertente, pois o pedido formal de auxílio foi apresentado mais de um ano após a realização do referido investimento. A Comissão sublinhou, além disso, que o critério do efeito de incentivo era normalmente imposto pelas orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JO 1998, C 74, p. 9).

63      Face a todos estes elementos, há que considerar que resultava de forma suficientemente clara da decisão impugnada que a Comissão apreciou a compatibilidade do auxílio notificado com base nas disposições relevantes do direito comunitário e levando em conta o regime de auxílios N 667/99, sem que a sua apreciação tivesse sido influenciada pela existência da legislação portuguesa a que a recorrente se refere.

64      Acresce que, no tocante aos fundamentos para a relevância da referida legislação no caso vertente, do procedimento administrativo ressaltam elementos adicionais que importa levar em conta de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 53.

65      Por um lado, resulta da carta da Comissão de 26 de setembro de 2005 às autoridades portuguesas que esta aludira a incoerências entre a decisão de aprovação e o regulamento português do SIME, na medida, nomeadamente, em que este previa que seriam consideradas elegíveis as despesas efetuadas antes da data da apresentação dos projetos de auxílio. A Comissão sublinhou também a incompatibilidade desta possibilidade com o ponto 4.2. das orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional.

66      Por outro lado, na sua carta de 22 de fevereiro de 2006 às autoridades portuguesas, que tem por objeto a decisão de abertura do procedimento formal de investigação, a Comissão indicou, nos considerandos 22 a 25 dessa decisão, que «considera[va], normalmente, incompatíveis com o mercado comum os auxílios ao investimento a favor de grandes empresas», com exceção dos casos em que beneficiassem de uma isenção na aceção do artigo 87.°, n.° 3, alíneas a) ou c), CE. A Comissão afirmou também que «ainda não [tinha] desenvolv[ido] uma linha de orientação precisa [no tocante às grandes empresas beneficiárias de auxílio ao investimento direto no estrangeiro]», o que tinha como consequência que as decisões eram tomadas, nestes casos, com base numa análise individual detalhada.

67      Resulta também dos considerandos 37 e 38 da decisão de abertura do procedimento formal de investigação que a Comissão se interrogava sobre a eventual compatibilidade do procedimento de elegibilidade «retroativa» previsto nas portarias portuguesas em causa com o regime de auxílios N 667/99 e com o ponto 4.2. das orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional. Após ter referido as justificações que as autoridades portuguesas tinham apresentado a esse respeito, designadamente que as referidas disposições se destinavam a reagir aos problemas técnicos ocorridos no estabelecimento da estrutura organizacional do regime, a Comissão indicou, nos considerandos 38 e 41 da referida decisão, a sua intenção de prosseguir a investigação da referida questão, ao mesmo tempo que convidava essas autoridades a apresentar‑lhe os documentos, informações e dados necessários para apreciar a compatibilidade do auxílio individual notificado.

68      Ora, como resulta da carta de 31 de março de 2006, em que são apresentadas as observações das autoridades portuguesas à carta de 22 de fevereiro de 2006, estas autoridades não se pronunciaram sobre a questão da eventual incompatibilidade das portarias portuguesas em causa com o regime de auxílios N 667/99, antes se tendo limitado a sublinhar a conformidade do auxílio notificado com as disposições relevantes do Tratado CE. Por outro lado, a recorrente, apesar de ter tido conhecimento da decisão de abertura do procedimento formal de investigação, devido à sua publicação no Jornal Oficial, não participou no procedimento administrativo.

69      Face aos elementos acima expostos, que revelam suficientemente a apreciação que a Comissão fez da relação entre o regime de auxílios N 667/99 e a legislação portuguesa em causa e da relevância dessa legislação para a análise da compatibilidade do auxílio notificado com o direito comunitário, não se pode considerar que a Comissão tinha de fundamentar melhor, nesse aspeto, a decisão impugnada. Por isso, há que rejeitar a segunda vertente do presente fundamento.

70      Em terceiro lugar, no tocante à terceira vertente do presente fundamento, que assenta na afirmação de que a Comissão não especificou os motivos pelos quais aprovou uma decisão diferente da que aprovara num caso anterior aparentemente idêntico, recorde‑se que, segundo a jurisprudência, embora uma decisão que se inscreve na linha de uma prática constante possa ser fundamentada de modo sumário, designadamente mediante uma referência a essa prática, incumbe à autoridade comunitária desenvolver o seu raciocínio de forma explícita sempre que uma decisão vá sensivelmente mais longe do que as decisões precedentes (v., nesse sentido, acórdão Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, referido no n.° 53, supra, n.° 31).

71      No caso vertente, por um lado há que observar que a decisão Vila Galé contém, no considerando 43, uma menção expressa de que a Comissão não tencionava utilizá‑la para definir a sua futura política em matéria de investimento direto no estrangeiro.

72      Por outro lado, há que observar que, na nota de rodapé n.° 10, inserida no considerando 36 da decisão impugnada, a Comissão indicou um elemento que, no seu entender, permitia distinguir o caso sub judice do caso subjacente à decisão Vila Galé, designadamente a circunstância de, no caso subjacente à referida decisão, estar em causa um primeira experiência de internacionalização, ao passo que, no caso sub judice, a recorrente já atuava em Moçambique. Há que acrescentar, sem prejuízo da análise do terceiro fundamento, que outros elementos de diferenciação resultam implicitamente das afirmações que a Comissão fez, na decisão impugnada, sobre a inexistência de um pedido oficial de auxílio pela recorrente antes da realização do projeto de investimento e dos dados invocados relativos à situação económica do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence e à sua posição na Europa e no Brasil. Atendendo a estes elementos, que, de resto, permitiram à recorrente criticar o mérito da decisão impugnada e também permitiram ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização, conclui‑se que a Comissão não tinha a obrigação de especificar melhor os motivos pelos quais o seu juízo no caso sub judice diferia do seu juízo no caso subjacente à decisão Vila Galé.

73      Por outro lado, esta conclusão é reforçada pelo contexto em que a decisão impugnada foi aprovada, uma vez que as próprias autoridades portuguesas afirmaram, no documento de notificação, que o investimento efetuado em Moçambique constituía a «primeira fase» da estratégia de internacionalização do grupo a que a recorrente pertence e que a «experiência de internacionalização adquirida com Moçambique» constituía um dos pontos fortes do grupo, que lhe permitia prosseguir a sua estratégia de implantação no mercado brasileiro. Só depois é que sustentaram, contraditoriamente, na sua carta de 31 de março de 2006, que a experiência do grupo em causa nos dois países em causa não era de todo comparável.

74      Face ao exposto, há que rejeitar a terceira vertente do primeiro fundamento e julgá‑lo totalmente improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 87.°, n.os 1 e 3, alínea c), CE

75      O presente fundamento divide‑se em duas vertentes, assentes, em primeiro lugar, na violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, e, em segundo lugar, na violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE.

 Quanto à primeira parte, relativa à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE

–       Quanto à admissibilidade da alegação de violação do artigo 87.°, n.° 1, CE

76      A Comissão afirma que a recorrente não invocou validamente, para corroborar esta alegação, nenhum argumento jurídico relativo à violação do artigo 87°, n.° 1, CE, e que não é possível apurar se a recorrente contesta a aplicação dessa disposição.

77      Além disso, importar recordar, além da jurisprudência referida nos n.os41 e 42 supra, que resulta de jurisprudência assente que a petição deve explicitar em que consiste o fundamento no qual se baseia o pedido, pelo que o simples enunciado abstrato não preenche as exigências do Regulamento de Processo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de janeiro de 1995, Viho/Comissão, T‑102/92, Colet., p. II‑17, n.° 68, e de 14 de maio de 1998, Mo och Domado/Comissão, T‑352/94, Colet., p. II‑1989, n.° 333).

78      No caso vertente, ao contrário do alegado pela Comissão, resulta da petição inicial, com suficiente precisão, que a recorrente contesta que a vantagem que lhe seria concedida pudesse afetar as trocas entre os Estados‑Membros ou fosse suscetível de falsear a concorrência a nível nacional ou a nível comunitário. Nesse sentido e como acima se recordou no n.° 44, a recorrente refere, nomeadamente, elementos concretos relativos à sua posição nos mercados relevantes e elementos conexos com a importância do auxílio e com o seu impacto no prosseguimento da expansão do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence.

79      Ora, como resulta da jurisprudência assente adiante mencionada no n.° 82, a possibilidade de afetar as trocas entre Estados‑Membros e a circunstância de o auxílio falsear ou ameaçar falsear a concorrência são aspetos relevantes para a apreciação da questão de saber se a medida em causa pode ser qualificada de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

80      Nestas circunstâncias, há que julgar admissível a alegação de violação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

–        Quanto à procedência da alegação de violação do artigo 87.°, n.° 1, CE

81      A título preliminar, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, a qualificação de «auxílio» na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE requer que todas as condições mencionadas nessa disposição estejam preenchidas (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colet., p. I‑4777, n.° 121 e jurisprudência aí referida).

82      Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão Chronopost e LA Poste/UFEX e o., referido no n.° 81, supra, n.° 122 e jurisprudência aí referida).

83      Por outro lado, é jurisprudência constante que os benefícios concedidos podem abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou tomadas de participação no capital de empresas, mas também intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, e que, por isso, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdão Chronopost e La Poste/UFEX e o., referido no n.° 81, supra, n.° 123 e jurisprudência aí referida).

84      Há que ter igualmente presente que o conceito de auxílio de Estado, tal como definido no Tratado, tem caráter jurídico e deve ser interpretado com base em elementos objetivos. Por este motivo, o juiz comunitário deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio que lhe está submetido como o caráter técnico ou complexo das apreciações levadas a cabo pela Comissão, exercer uma fiscalização completa no que respeita à questão de saber se uma medida se integra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (v., nesse sentido, acórdão Chronopost e La Poste/UFEX e o., referido no n.° 81 supra, n.° 141).

85      Daí resulta que incumbe ao Tribunal Geral verificar se os factos invocados pela Comissão são materialmente exatos e se são suscetíveis de demonstrar que todas as condições, acima recordadas no n.° 82, que permitem a qualificação como «auxílio» na aceção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, estão preenchidas (v., por analogia, acórdão Chronopost e La Poste/UFEX e o., referido no n.° 81, supra, n.° 142).

86      Além disso, uma vez que o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva que é apreciada à data em que a Comissão adota a sua decisão, as apreciações levadas a cabo nessa data é que devem ser tomadas em conta para efetuar a fiscalização jurisdicional acima mencionada (acórdão Chronopost e La Poste/UFEX e o., referido no n.° 81, supra, n.° 144; v. também, nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07 P, Colet., p. I‑9465, n.° 50).

87      No caso vertente, como acima se notou no n.° 78, a recorrente apenas contestou duas das condições para a qualificação da medida em causa como auxílio de Estado, a saber, a de que «afete as trocas entre os Estados‑Membros» e a de que «falseie ou ameace falsear a concorrência». Em primeiro lugar, a recorrente afirma, a esse respeito, que o grupo hoteleiro a que pertence tem uma expressão reduzida tanto no mercado europeu como no mercado português. Além disso, sustenta que foi face ao tempo decorrido, isto é, de forma retrospetiva, e não face ao real contexto à data em que o investimento em causa foi efetuado, que a Comissão avaliou os seus efeitos e a posição do referido grupo. Em segundo lugar, alega que existia no mercado brasileiro um número muito significativo de hotéis, nomeadamente propriedade de estrangeiros, entre os quais europeus, pelo que era inviável que a aquisição de um hotel gerasse qualquer efeito de distorção da concorrência ou tivesse qualquer impacto significativo nas condições comerciais da União. Em todo o caso, segundo afirma, qualquer impacto eventual só seria positivo, na medida em que, nomeadamente, levasse a União a entrar num processo de robustecimento do seu «tecido económico». Em terceiro lugar, alegou que não existia qualquer relação entre o investimento em causa e a subsequente expansão desse grupo, na medida em que, nomeadamente, só vários anos após o referido investimento este gerou uma mais‑valia que alavancasse a expansão do referido grupo. Em quarto lugar, a recorrente salienta o baixo montante do auxílio em causa.

88      A este respeito, saliente‑se que, segundo a jurisprudência assente, não é necessário demonstrar uma incidência real do auxílio sobre as trocas comerciais entre Estados‑Membros e uma distorção efetiva da concorrência, mas apenas examinar se o auxílio é suscetível de afetar essas trocas e de falsear a concorrência. Em especial, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias, deve entender‑se que tais trocas comerciais são influenciadas pelo auxílio (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, Colet., p. I‑289, n.os 140 e 141 e jurisprudência aí referida).

89      Acresce que não é necessário que a própria empresa beneficiária participe nas trocas comerciais intracomunitárias. De facto, quando um Estado‑Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros penetrarem no mercado deste Estado‑Membro são diminuídas. Além disso, um reforço de uma empresa que, até então, não participava nas trocas comerciais intracomunitárias pode colocá‑la numa situação que lhe permita entrar no mercado de outro Estado‑Membro (v. acórdão Cassa di Risparmio di Firenze e o., referido no n.° 88, supra, n.° 143 e jurisprudência aí referida).

90      Do mesmo modo, se a Comissão tiver explicado corretamente em que medida o auxílio em causa era suscetível de afetar as trocas entre Estados‑Membros e falsear a concorrência, não lhe cabe proceder a uma análise económica da situação real do mercado em causa, da quota de mercado da empresa beneficiária do auxílio, da posição das empresas concorrentes e dos fluxos de trocas em causa entre Estados‑Membros (v., por analogia, acórdão Itália e Wam/Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 64 e jurisprudência aí referida, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2009, Comissão/Itália e Wam, C‑494/06 P, Colet., p. I‑3639).

91      No caso vertente, resulta dos considerandos 30 e 31 da decisão impugnada que a Comissão tira a sua conclusão sobre a existência de um auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE, do facto de que a medida em causa, financiada por recursos do Estado, iria favorecer o grupo hoteleiro a que a recorrente pertence e que era o grupo hoteleiro português «mais importante», no âmbito da sua estratégia de internacionalização, relativamente aos seus concorrentes que não beneficiavam desse auxílio, e deste modo falseava ou ameaçava falsear o «mercado europeu do turismo em que existem ou podem existir trocas comerciais entre Estados‑Membros ou a que empresas de outros Estados‑Membros podem desejar aceder». Além disso, no considerando 46 da decisão impugnada, a Comissão definiu o mercado em causa como um mercado caracterizado por forte concorrência.

92      A Comissão baseou‑se também nos nexos que vislumbra entre a internacionalização no Brasil levada a cabo pelo grupo hoteleiro a que a recorrente pertence e a sua situação em Portugal, em que beneficiou dessa internacionalização. Além disso, compara com razão, no considerando 31 da decisão impugnada, os auxílios concedidos a empresas da União Europeia em favor de investimento direto no estrangeiro aos auxílios concedidos a empresas que exportam a quase totalidade da sua produção para fora do território da União e refere a jurisprudência segundo a qual, em tais casos, devido à interdependência entre os mercados, não é de excluir que o auxílio possa distorcer a concorrência na Comunidade (v. n.° 24, supra). Por último, no considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão faz referência à sua prática decisória anterior, segundo a qual os auxílios ao investimento direto no estrangeiro podem reforçar a capacidade financeira e estratégica do beneficiário e, por essa via, afetar a sua posição relativamente a concorrentes no mercado da União.

93      Face à jurisprudência recordada nos n.os 88 a 90 supra, há que considerar que a Comissão tinha razão quando levou em conta os efeitos que a medida notificada podia ter e que consistiam na suscetibilidade de a posição do grupo hoteleiro a que recorrente pertence melhorar na sequência da concessão do auxílio e, portanto, da sua internacionalização no Brasil. Também foi com razão que a Comissão corroborou as suas conclusões sobre as repercussões da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência com referências ao reforço da notoriedade do referido grupo em Portugal graças à sua internacionalização, ao aumento do seu poder negocial e à dinamização das suas atividades empresariais no setor hoteleiro.

94      As conclusões da Comissão sobre as repercussões da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência são reforçadas por elementos apresentados tanto pela recorrente nos seus articulados como pelas autoridades portuguesas no procedimento administrativo de notificação, nomeadamente na sua carta de 23 de dezembro de 2005, em que respondem a questões colocadas pela Comissão. Com efeito, segundo a recorrente o investimento em causa era suscetível de «melhorar os rácios de gestão de uma empresa portuguesa» e de lhe dar «experiência na abordagem de outros mercados e no desenvolvimento de projetos a nível internacional». Este investimento traduzia‑se na «melhoria dos fatores de competitividade de uma das empresas mais dinâmicas do setor do turismo em Portugal».

95      Além disso, segundo as autoridades portuguesas, a internacionalização do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence permitir‑lhe‑ia melhorar os seus resultados e a sua competitividade, bem como reforçar a sua estrutura de gestão em Portugal, e tinha‑lhe permitido ao a confiança necessária à concretização de diversos investimentos em Portugal, o que o levou a reforçar a sua posição no território nacional.

96      As conclusões da Comissão sobre as repercussões da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência tão‑pouco são invalidadas pelas outras alegações da recorrente, enquanto interpretadas no sentido de que visam a aplicação errada do artigo 87.°, n.° 1, CE.

97      Em primeiro lugar, no tocante às alegações da recorrente sobre a «reduzida expressão» do grupo hoteleiro a que recorrente pertence, a nível europeu e português, correspondendo o referido grupo a «apenas […] 2% do mercado português», a importância relativamente fraca de um auxílio ou a dimensão relativamente modesta da empresa beneficiária não excluem a priori a eventualidade de as trocas comerciais entre Estados‑Membros serem afetadas (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2005, Xunta de Galicia, C‑71/04, Colet., p. I‑7419, n.°41, e acórdão do Tribunal Geral de 30 de abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colet., p. II‑717, n.° 48 e jurisprudência aí referida).

98      Quanto à alegação da recorrente relativa à expressão do grupo hoteleiro a que pertence, não se pode deixar de observar que os números que aquela apresentou sobre as suas quotas de mercado não infirmam, per se, a consideração da Comissão de que o referido grupo era «o grupo hoteleiro português mais importante, uma posição que continua[va] a deter [à data da aprovação da decisão impugnada]». Importa salientar, a este respeito, que a própria recorrente sustenta, na petição, que à data da realização do investimento em causa o referido grupo já era a «maior empresa hoteleira portuguesa» e constituía «um dos principais agentes económicos do setor do turismo em Portugal».

99      É certo que, na réplica, a recorrente afirma que, à data em o investimento em causa foi efetuado, o grupo hoteleiro a que pertence ainda não era um dos maiores grupos hoteleiros portugueses. Porém, semelhante afirmação, que não é corroborada por nenhum elemento de prova, apenas se destina a atenuar a forte posição do referido grupo, sem acrescentar elementos sobre a sua real posição e não põe em causa a consideração da Comissão de que o referido grupo era «o grupo hoteleiro português mais importante, uma posição que continua[va] a deter [à data da aprovação da decisão impugnada]», a única relevante segundo a jurisprudência acima referida no n.° 86. Acresce que as autoridades portuguesas, em resposta às questões da Comissão de como se devia entender as afirmações constante do processo de notificação, de que era «o maior grupo hoteleiro português», embora apenas detivesse uma quota de mercado inferior a 2 %, tinham indicado, nas duas primeiras páginas da sua carta de 25 de julho de 2005 e no anexo 1 à carta de 26 de setembro de 2005, elementos precisos sobre as importantes capacidades desse grupo em número de unidades hoteleiras e de camas em Portugal, África, e na América do Sul, bem como nas suas outras atividades no setor do turismo. Em especial, essas autoridades tinham confirmado à Comissão que, à data das referidas cartas, o grupo em questão era o mais importante grupo hoteleiro português.

100    Quanto à alegação da recorrente relativa ao baixo montante do auxílio em causa, recorde‑se o princípio acima enunciado no n.° 97 e que já foi decidido que não existia limiar ou percentagem abaixo dos quais se possa considerar que as trocas comerciais entre os Estados‑Membros não são afetadas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, Colet., p. I‑7747, n.° 81, e de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, Colet., p. I‑1627, n.os 29 a 35, em especial n.° 32). Importa acrescentar que um empréstimo em condições preferenciais como o que está causa no presente processo contém um elemento adicional de interesse para uma empresa privada, a saber, o elemento que consiste numa participação do Estado no seu projeto, que pode, em determinadas circunstâncias, ser entendido pelos mercados como um indício de uma avaliação positiva, pela administração, dos riscos associados ao projeto ou da capacidade da empresa de os gerir, o que induz à facilitação ao acesso a outros fundos, mesmos privados.

101    Por outro lado, na medida em que tanto as autoridades portuguesas, no procedimento administrativo, como a recorrente, nos seus escritos, alegaram que o investimento em causa reforçava a competitividade, a nível mundial, do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, é contraditoriamente que a recorrente sustenta que não existia nenhuma relação entre a aquisição que efetuou no Brasil e o prosseguimento da expansão do referido grupo em Portugal. As suas afirmações nesse sentido, nomeadamente as relativas à proximidade das datas das várias aquisições subsequentes à do hotel de cinco estrelas, que impedia que fosse aproveitada a mais‑valia decorrente dessa aquisição ou a referente ao efeito de alavancagem da aquisição do referido hotel, que só se verificou alguns anos após a conclusão do investimento em causa, não são corroboradas por elementos de prova. Ora, a este respeito, o Tribunal Geral pode ter em conta o facto de uma das partes não ter fornecido elementos que fundamentem as suas próprias alegações (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal Geral de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, Colet., p. I‑1451, n.° 56).

102    Em segundo lugar, quanto à alegação da recorrente de que o mercado brasileiro tinha, na categoria relevante, um elevado número de hotéis, o que excluía que a aquisição de um só hotel gerasse qualquer efeito de distorção da concorrência ou tivesse uma repercussão significativa nas trocas na União, não se pode deixar de observar que, não tendo sido contestado que os mercados em causa se caracterizavam por uma forte concorrência, a Comissão tinha razão quando deduziu, nomeadamente nos considerandos 31 e 37 da decisão impugnada, da forte posição, tanto no Brasil como em Portugal, do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, que o auxílio em causa, ao beneficiar o processo de internacionalização do referido grupo, favorecia‑o relativamente aos seus concorrentes nos referidos mercados.

103    Além disso, a argumentação da recorrente quanto ao número elevado de hotéis no Brasil e ao facto de o grupo hoteleiro a que pertence, apesar de ser um dos principais agentes económicos do setor do turismo em Portugal, apenas representar uma pequena parte do referido mercado, são indícios de que os mercados em causa se caracterizam pela presença de um grande número de empresas de pequena dimensão, podendo essa estrutura do mercado ser considerada um elemento tendente a reforçar a conclusão de que não é possível evitar qualquer incidência do auxílio sobre a concorrência e as trocas comerciais (v., por analogia, acórdão de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colet., p. I‑4087, n.os 54 a 56). Aliás, há que realçar que as autoridades portuguesas sublinharam também, no procedimento administrativo, nomeadamente nas cartas de 25 de julho de 2005 e de 31 de março de 2006, o caráter muito competitivo dos mercados hoteleiros brasileiro e português.

104    Nestas circunstâncias, conclui‑se que, como a Comissão explicou corretamente em que medida o auxílio em causa era suscetível de afetar as trocas entre Estados Membros e falsear a concorrência, no seguimento da apreciação dos elementos concretos supramencionados, relativos nomeadamente à dinâmica gerada pela internacionalização do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, não lhe cabia proceder a uma análise económica da situação real do mercado em causa, da quota de mercado da empresa beneficiária do auxílio, da posição das empresas concorrentes e dos fluxos de trocas em causa entre Estados Membros (v., por analogia, acórdão Itália e Wam/Comissão, referido no n.° 58 supra, n.° 64). Além disso, mesmo que se considerem demonstradas as afirmações da recorrente sobre o robustecimento do «tecido económico» da União, nomeadamente através do exemplo de uma internacionalização bem sucedida, dado pelo referido grupo, sem deslocalização e sem efeitos negativos no emprego, e através da promoção de Portugal como destino turístico e como país capaz de abrir a sua economia ao exterior, as mesmas afirmações não permitem chegar a conclusão diversa, na medida em que a concorrência, entre esse grupo e os seus concorrentes que não beneficiariam do auxílio, continua a poder ser falseada.

105    Por todo o exposto, há que considerar que estão preenchidas as duas condições para a aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, a que se referem as alegações da recorrente. Daqui se conclui que não pode ser acolhido o fundamento invocado pela recorrente, relativo à violação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Consequentemente, a primeira vertente do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda vertente, relativa à violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE

–       Quanto à admissibilidade da alegação de violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE

106    Pelos motivos expostos nos n.os 43 e 45 supra, há que rejeitar a alegação da recorrente de que a Comissão não identificou concretamente a natureza do erro que invoca quanto à aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE.

–       Quanto à procedência da alegação extraída da violação do artigo 87.°, n.° 3, CE

107    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o artigo 87.°, n.° 3, CE concede à Comissão um amplo poder de apreciação para aprovar auxílios em derrogação à proibição geral do n.° 1 do referido artigo, na medida em que a apreciação, nesses casos, da compatibilidade ou incompatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum levante problemas que exijam a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos. A fiscalização exercida pelo tribunal comunitário deve portanto, a este respeito, limitar‑se à verificação do cumprimento das regras de processo e de fundamentação, bem como da exatidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder. Não compete, portanto, ao Tribunal Geral substituir a apreciação efetuada pela Comissão pela sua apreciação no plano económico (acórdão do Tribunal Geral de 5 de novembro de 1997, Ducros/Comissão, T‑149/95, Colet., p. II‑2031, n.° 63).

108    Para demonstrar que a Comissão cometeu um erro de apreciação manifesto suscetível de justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova apresentados pela recorrente devem ser suficientes para retirar a plausibilidade às apreciações dos factos tomados em consideração na decisão em causa (v. acórdão do Tribunal Geral de 6 de outubro de 2009, FAB/Comissão, T‑8/06, não publicado na Coletânea, n.° 78 e jurisprudência aí referida).

109    No caso vertente, a recorrente sustenta, no essencial, que o seu projeto de investimento, assim como o auxílio em causa, são compatíveis com as regras previstas no Tratado CE, nomeadamente o seu artigo 87.°, n.° 3, alínea c). A recorrente alega que a Comissão cometeu um erro, porquanto não aplicou ao seu caso a exceção prevista na referida disposição, exceção essa que diz respeito aos casos em que o auxílio «facilitou o desenvolvimento de uma atividade económica», não obstante o auxílio em causa não lhe ter proporcionado uma vantagem suscetível de falsear a concorrência entre as empresas comunitárias.

110    A este respeito, a recorrente alega, em primeiro lugar, que necessitava do auxílio em causa, devido aos riscos que o seu investimento apresentava, ao mesmo tempo quer sublinha as repercussões deste, que beneficiavam quer o setor do turismo português, quer o mercado da União.

111    Em segundo lugar, a recorrente alega que, apesar de o seu pedido formal de auxílio ao abrigo do SIME só ter sido apresentado em 31 de janeiro de 2001 e ter sido notificado tardiamente pelas autoridades, em abril de 2005, verifica‑se que, de acordo com a legislação portuguesa aplicável ao referido regime, a recorrente preenchia as condições legais para a sua candidatura ser incluída no referido regime. A recorrente critica a Comissão por não ter tomado um posição concreta sobre a referida legislação portuguesa nem ter recolhido elementos que provassem a desnecessidade do auxílio nem tão‑pouco ter respondido a todos os argumentos relevantes apresentados pelas autoridades portuguesas.

112    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro ao não tomar em consideração a conjuntura económica no Brasil à data da realização do projeto de investimento para apreciar os riscos que lhe estão associados e a necessidade do auxílio em causa. Do mesmo modo, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro ao proceder a uma leitura retrospetiva dos factos relativos ao crescimento do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence e à sua importância nesse âmbito, colocando‑a, por isso, num plano diferente das empresas cujos pedidos de auxílio de Estado são aprovados rapidamente. Por outro lado, a recorrente contesta a relevância da questão da relação prática entre o auxílio em causa e o investimento realizado vários anos antes.

113    Em quarto lugar, a recorrente sustenta que a sua primeira experiência de investimento no estrangeiro, concretamente em Moçambique, não pode ser comparada a uma verdadeira internacionalização como a efetuada no Brasil, pelo que não logra reduzir os seus riscos.

114    Em quinto lugar, a recorrente alega que «a entrada de fundos» era essencial para a sua decisão relativa ao investimento, tal como os auxílios esperados, em causa no presente processo, e sustenta que não teria realizado o seu projeto sem o ter apresentado ao FCR, de forma a vê‑lo viabilizado, e sem que este último lhe tivesse «dado seguimento».

115    Em sexto lugar, na réplica a recorrente sustenta que o seu projeto de investimento e o auxílio em causa cumpriam as condições previstas no regime de auxílios N 667/99, aprovado pela Comissão. Além disso, alega que, a partir do momento em que entrou em vigor a Portaria 687/2000, apresentou formalmente a sua candidatura, o que, no entanto, apenas constituiu uma simples transferência do projeto apresentado ao FCR para outra entidade, sob a integral supervisão do Estado português.

116    Por último, a recorrente alega que o tempo decorrido até à aprovação da decisão impugnada criou nela a legítima expectativa de que o auxílio em causa seria aprovado pela Comissão. Sem que seja relevante analisar qual das autoridades se atrasou mais neste processo, a Comissão não se pronunciou num prazo razoável, violando assim, segundo a recorrente, o artigo 232.° CE. A recorrente alega ainda que a exigência fundamental da segurança jurídica opõe‑se a que a Comissão possa retardar indefinidamente o exercício das suas competências.

117    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

118    Em primeiro lugar, refira‑se que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que a derrogação prevista no artigo 87.°, n.° 3, CE não se podia aplicar ao auxílio de Estado que a República Portuguesa pretendia conceder à recorrente, na medida em que não tinham sido cumpridos os critérios previstas na referida disposição, e que, por isso, o referido auxílio se revelava incompatível com o mercado comum.

119    Seguidamente, note‑se que a conclusão da Comissão assenta em dois pilares distintos, a saber, por um lado, a inexistência de incentivo, como resulta do título que antecede os considerandos 32 e seguintes da decisão impugnada e dos considerandos 38 a 41 e 45 da referida decisão, e, por outro, a desnecessidade do auxílio, como resulta nomeadamente dos considerandos 33 a 37 e 42 a 47 da referida decisão.

120    Mesmo que possam sobrepor‑se em determinadas hipóteses, estas duas condições de compatibilidade de auxílios revestem‑se de um significado próprio, de modo que os dois pilares em que a decisão impugnada assenta, relativos à falta de incentivo e à desnecessidade, devem ser considerados autónomos (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 14 de janeiro de 2009, Kronoply/Comissão, T‑162/06, Colet., p. II‑1, n.° 60, confirmado pelo despacho do Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2010, Kronoply/Comissão, C‑117/09 P, não publicado na Coletânea). No presente fundamento de anulação, a recorrente contesta, de resto, cada um dos pilares em que a decisão impugnada assenta.

121    É levando em conta esta jurisprudência que importa analisar as críticas que a recorrente formulou no âmbito da alegação de violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, na medida em que essa alegação incide sobre as considerações da Comissão relativas à desnecessidade e ao efeito de incentivo da medida notificada.

122    Como afirmou, com razão, no considerando 34 da decisão impugnada, a Comissão só pode declarar um auxílio compatível com o mercado comum, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, CE, se puder concluir que esse auxílio contribui para uma atividade adicional, que a empresa beneficiária não poderia realizar pelos seus próprios meios. Por outras palavras, não deve ser permitido aos Estados‑Membros procederem a pagamentos que representem uma melhoria da situação financeira da empresa beneficiária, sem que sejam necessários para atingir os objetivos previstos no artigo 87.°, n.° 3, CE (v., nesse sentido, acórdão Kronoply/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.° 65, e acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2010, Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, T‑396/08, não publicado na Coletânea, n.os 46 e 47).

123    Com efeito, não se pode aceitar que um auxílio seja concedido em condições cujos efeitos restritivos ultrapassem o necessário para que o auxílio atinja os objetivos admitidos pelo Tratado (v., por analogia, acórdão Kronoply/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.° 66).

124    Além disso, a constatação da desnecessidade de um auxílio pode, nomeadamente, decorrer do facto de o projeto subvencionado já ter sido iniciado, ou mesmo concluído, pela empresa interessada antes de o pedido de auxílio ter sido transmitido às autoridades competentes, o que exclui que o auxílio em causa possa constituir um incentivo (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, Colet., p. I‑2577, n.° 69).

125    Por outro lado, segundo a jurisprudência, uma vez efetuado um investimento, a decisão tomada pela empresa é, em princípio, definitiva. Com efeito, importa considerar que as quantias entregues como entradas no capital de uma empresa são, em princípio, transferidas duradouramente (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal Geral de 30 de abril de 1998, Cityflyer Express/Comissão, T‑16/96, Colet., p. II‑757, n.° 56).

126    No caso vertente, resulta da decisão impugnada que a Comissão chegou à conclusão da desnecessidade do auxílio em causa com base, essencialmente, em análises dos riscos inerentes ao projeto de investimento, as quais levavam em conta a posição da recorrente nos mercados brasileiro e português e a sua presença anterior em Moçambique, e com base em juízos sobre a data da apresentação do pedido formal de auxílio de Estado e sobre a relação prática entre, por um lado, o investimento em causa e, por outro, o auxílio, cuja compatibilidade com o direito da União foi avaliada «mais de sete anos» após o momento em que esse investimento foi efetuado (v. n.os 26 a 29, supra).

127    A este respeito, em primeiro lugar é pacífico que, à data do pedido formal de auxílio apresentado pela recorrente às autoridades portuguesas ao abrigo do SIME em 31 de janeiro de 2001, o investimento em causa já tinha sido efetuado, uma vez que a aquisição do capital da RASH foi feita em outubro de 1999. Tão‑pouco é contestado que o hotel de cinco estrelas que constituía o único ativo da referida sociedade já estava plenamente operacional à data da aquisição.

128    Em segundo lugar, é pacífico que, à data da aprovação da decisão impugnada, o grupo hoteleiro a que a recorrente pertence era o maior grupo hoteleiro português e tinha alargado as suas atividades ao Brasil, com resulta dos considerandos 8, 31, 37 e 44 da decisão impugnada. Assim, na falta de elementos concretos em sentido contrário apresentados pela recorrente no Tribunal Geral, entende‑se que, sem cometer qualquer erro de apreciação manifesto, a Comissão podia considerar que a recorrente, que pertence a um grande grupo hoteleiro, podia ser definida como uma «empresa de grandes dimensões».

129    Em terceiro lugar, a recorrente tão‑pouco contesta a sua presença anterior em Moçambique, muito embora relativize a relevância desse facto para a análise do investimento que efetuou no Brasil.

130    A Comissão deduziu destas circunstâncias e das avaliações adicionais, referidas nomeadamente nos considerandos 37, 44 e 46 da decisão impugnada, relativas à forte posição do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence nos mercados hoteleiros brasileiro e português, que era pouco provável que um auxílio concedido à data da aprovação da decisão impugnada pudesse ter qualquer relação prática com o investimento, efetuado mais de sete anos antes. Quanto aos riscos associados ao projeto, a Comissão considerou que o investimento no Brasil tinha sido efetuado, mesmo sem beneficiar do auxílio em causa, e contribuído para reforçar a competitividade do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence e a sua visibilidade no setor global do turismo, bem como para aumentar as suas atividades hoteleiras no Brasil. Daí resultava, na sua opinião, que o referido grupo não necessitava do auxílio em causa que, na falta de prova em contrário feita pelas autoridades portuguesas, devia ser considerado um benefício a seu favor, em detrimento dos seus concorrentes.

131    Ora, no presente processo, a recorrente não demonstrou, em momento algum, que o auxílio em causa era o elemento determinante para proceder à realização do seu projeto de investimento, isto é, para cumprir um dos objetivos previstos no artigo 87.°, n.° 3, CE.

132    A este respeito, não se pode deixar de observar que o investimento foi efetuado ainda antes de as autoridades portuguesas terem dado qualquer indicação quanto à sua intenção de conceder o auxílio em causa, antes de o enquadramento jurídico nacional do SIME ter sido publicado ou pelo menos aprovado, como aliás a própria recorrente sublinhou tanto nos seus articulados como na audiência, e, a fortiori, antes de a Comissão ter aprovado o regime de auxílios N 667/99. Por conseguinte, face à jurisprudência acima referida nos n.os 122 a 124, há que considerar que foi sem cometer qualquer erro de apreciação manifesto que a Comissão excluiu que se pudesse considerar que a simples possibilidade de posterior atribuição de um auxílio, que de resto continuava a ser hipotética, tivesse qualquer nexo de incentivo que fosse com a decisão da recorrente de efetuar o referido investimento.

133    Além disso, as alegações da recorrente de que, por um lado, a apresentação tardia da sua candidatura ao auxílio se deve simplesmente ao facto de a legislação portuguesa sobre o SIME apenas ter sido publicada em 31 de agosto de 2000 e de estar previsto, no âmbito de um período transitório, que as candidaturas apresentadas até 31 de janeiro de 2001 podiam englobar as despesas de investimento efetuadas após 1 de julho de 1999 e, por outro, de que a aprovação e notificação tardias do auxílio em causa pelas autoridades portuguesas eram factos complemente alheios à recorrente, não permitem demonstrar que o auxílio em causa era um elemento necessário para a realização do seu projeto de investimento.

134    Com efeito, refira‑se que, no presente recurso, a recorrente contesta nomeadamente a legalidade do artigo 1.° da decisão da decisão impugnada, segundo o qual a medida em causa «é incompatível com o mercado comum, uma vez que não preenche os critérios enunciados no […] artigo 87.° [, n.° 3, alínea c), CE], pelo que não deve ser concedid[a]».

135    Daqui se conclui que a fiscalização que é pedida ao Tribunal Geral no caso vertente incide na legalidade desta constatação relativa à compatibilidade do auxílio notificado com o direito da União. A questão de saber se a referida medida cumpre as exigências da legislação portuguesa e foi considerada conforme a esta, como a recorrente sustenta, é pois irrelevante para o caso vertente, na medida em que não influencia de um modo ou de outro a apreciação, pela Comissão, do auxílio notificado face ao direito da União.

136    A este respeito, há que salientar também que a implementação de um sistema de fiscalização dos auxílios estatais, tal como resulta do artigo 88.° CE e da jurisprudência a ele referente, incumbe essencialmente à Comissão, e que esta procede, no âmbito do amplo poder de apreciação de que goza na aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE, a apreciações de ordem económica e social que devem ser efetuadas num contexto comunitário (v., nesse sentido, acórdão Kronoply/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.° 97 e jurisprudência aí referida; v. também, por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2002, HAMSA/Comissão, T‑152/99, Colet., p. II‑3049, n.° 158). Foi, pois, com razão que a Comissão sublinhou, nos seus articulados, que o facto de a legislação nacional prever que um pedido de auxílio possa ser apresentado mesmo depois de o investimento em causa ter sido efetuado não possa implicar a compatibilidade desse pedido com o direito da União, em especial quando a referida legislação diverge, nesse aspeto, do regime de auxílios aprovado que visa transpor.

137    Acresce que, como acima se referiu nos n.os 65, 67 e 69, resulta do procedimento administrativo que a Comissão considerava que as disposições da Portaria n.° 687/2000 e da Portaria n.° 243/2001 que previam uma abordagem «retroativa»para determinados pedidos de auxílio não eram conformes com o regime de auxílios N 667/99,tal como este foi aprovado. Importa igualmente realçar, a este respeito, que a recorrente não contestou – e, de resto, tão‑pouco o fizeram as autoridades portuguesas no procedimento administrativo – que as alterações relevantes às referidas portarias portuguesas, relativas às datas limites para apresentar os pedidos de auxílio referentes a projetos de investimento já realizados, não tinham sido notificadas à Comissão para aprovação.

138    Ora, resulta da jurisprudência que o dever, previsto no primeiro período do artigo 88.°, n.° 3, CE, de informar a Comissão dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios não se aplica unicamente ao projeto inicial, mas estende‑se também às alterações posteriormente introduzidas a esse projeto (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 1984, Heineken Brouwerijen, 91/83 e 127/83, Recueil, p. 3435, n.° 18). Segundo esta mesma jurisprudência, n.° 21, o artigo 88.°, n.° 3, CE, opõe‑se à execução de um regime de auxílios quando esse regime, notificado sob a forma de projeto à Comissão, sem que esta lhe tenha levantado objeções, é em seguida alterado pelo Estado‑Membro em causa, que disso não informa a Comissão. Daqui se conclui que, nas circunstâncias do caso concreto, cabia à Comissão determinar se o auxílio individual notificado podia ser considerado conforme com o direito comunitário.

139    Por outro lado, se se entender o argumento da recorrente de que a Comissão não podia tomar a sua decisão sem fazer uma «referência concreta» às leis portuguesas aplicáveis como uma crítica baseada num erro de direito, num erro de apreciação ou numa instrução suficiente por parte da Comissão por não ter levado em conta a legislação portuguesa, resulta dos n.os 37 e 38 da decisão de abertura do procedimento formal de investigação que essa instituição não deixou de proceder à instrução das questões relativas à legislação portuguesa e fez referência às explicações dadas a esse respeito pelas autoridades portuguesas na sua carta de 23 de dezembro de 2005, nomeadamente aos elementos explicativos atinentes à ineficácia das anteriores estruturas de gestão dos regimes de auxílios (v., nomeadamente, n.° 67, supra).

140    Quanto às alegações da recorrente, apresentadas na réplica, de que a medida notificada cumpria as exigências do regime de auxílios N 667/99, as mesmas tão‑pouco põem em causa a conclusão acima enunciada no n.° 132.

141    A este respeito, a recorrente alega nomeadamente que, como o projeto de regime de auxílios não limitava apenas às PME os auxílios de Estado no setor do turismo, podia ter‑lhe sido concedido um auxílio, mesmo que se considerasse que não podia ser classificada como PME devido à sua integração num grupo. Quanto à condição prevista no referido regime de auxílios, segundo a qual, em todos os casos, os pedidos de auxílios devem ser apresentados antes da realização do projeto de investimento em questão, a recorrente sustenta que, no momento em que viu a possibilidade de concretizar o seu projeto de internacionalização, o regime supramencionado ainda não estava em vigor no ordenamento jurídico português, vindo a ser aprovado pela Portaria 687/2000. Nestas circunstâncias, foi‑lhe sugerido que apresentasse um pedido de participação ao FCR, detido em 60% pelo Turismo de Portugal, que atuava no sentido de reforçar o apoio ao investimento estratégico e às PME. A recorrente afirma ter apresentado esse pedido de participação em 24 de maio de 1999, o que indica que necessitava de obter apoios financeiros. A recorrente indica, também, que esperava obter subsequentemente outros auxílios para concretizar o seu projeto. Alega que, após a entrada em vigor da referida portaria, apresentou formalmente a sua candidatura ao abrigo do SIME, o que apenas constituiu, contudo, uma simples transferência do projeto apresentado ao FCR para outra entidade, sob a supervisão do Estado português. Segundo a recorrente afirma, se a legislação portuguesa destinada à modernização de empresas não estava em total consonância com a decisão de aprovação do regime de auxílios, ela própria não contribuiu para essa situação, antes tendo cumprido rigorosamente o previsto no ordenamento jurídico português. A este respeito, a recorrente alega expectativas criadas e depois frustradas devido ao incumprimento por parte do Estado português.

142    Realce‑se, antes de mais, que o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral proíbe a dedução de novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto novos (acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2009, Lior/Comissão, T‑192/01 e T‑245/04, não publicado na Coletânea, n.° 177).

143    Todavia, deve ser considerado admissível um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, direta ou indiretamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com este (acórdãos do Tribunal Geral de 19 de setembro de 2000, Dürbeck/Comissão, T‑252/97, Colet., p. II‑3031, n.° 39, e Lior/Comissão, referido no n.° 142, supra, n.° 178). Esta jurisprudência é transponível para os argumentos apresentados no decurso da instância.

144    No caso vertente, sem que seja sequer necessário questionar mais a admissibilidade da alegação da recorrente sobre a conformidade do projeto de investimento com o regime de auxílios N 667/99, designadamente enquanto ampliação dos argumentos relativos à conformidade do auxílio notificado com as portarias portuguesas, importa recordar que, embora seja jurisprudência assente que, quando confrontada com um auxílio individual que se sustenta ter sido concedido em aplicação de um regime previamente autorizado, a Comissão não pode começar por examiná‑lo diretamente à luz do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Itália/Comissão, C‑47/91, Colet., p. I‑4635, n.° 24, e acórdão Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, referido no n.° 122, supra, n.os 59 e seguintes), isso não é o que sucede se a decisão de aprovação do referido regime de auxílios incluir uma reserva à aprovação do mesmo, na aceção da jurisprudência firmada no acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 1995, AITEC e o./Comissão (T‑447/93a T‑449/93, Colet., p. II‑1971, n.os 127 a 129, e 135).

145    A este respeito, importa realçar, em primeiro lugar, que, como a Comissão afirmou com razão no considerando 14 da decisão impugnada, estava previsto, no âmbito do regime de auxílios N 667/99, um dever de notificação individual para as grandes empresas que procedessem a investimentos diretos no estrangeiro (v. n.° 4, supra).

146    Em segundo lugar, resulta também da decisão de aprovação que esta apenas incide, na área relevante supramencionada, sobre os auxílios de Estado às PME. Com efeito, ao contrário do alegado pela recorrente, é nesse sentido que importa entender a afirmação, constante da antepenúltima página da referida decisão, de que, «tal como já aconteceu aquando da apreciação de outro regime português relativo a auxílios ao investimento direto no estrangeiro […], a Comissão considera que tais auxílios às pequenas e médias empresas podem ser considerados como compatíveis com o mercado comum de acordo com os critérios estabelecidos pelo Enquadramento comunitário dos auxílios estatais às [PME] (JO C 213 de 23.7.1996)».

147    Nestas circunstâncias, importa interpretar a decisão de aprovação no sentido de que contém uma reserva à aprovação, na aceção da jurisprudência firmada no acórdão AITEC e o., referido no n.° 144 supra, n.os 127 a 129, e 135, no tocante às «empresas de grandes dimensões», isto é, face ao que se concluiu no n.° 128, supra, também no tocante à empresa da recorrente. Por conseguinte, e atendendo também à tónica posta pela Comissão, na decisão de aprovação, no cumprimento dos compromissos de notificação pelas autoridades portuguesas, há que concluir que a Comissão tinha razão quando analisou, na decisão impugnada, o auxílio individual em causa como um auxílio «ad hoc», isto é, à luz das disposições relevantes do Tratado CE e sem o associar ao benefício do regime de auxílios supramencionado.

148    Em todo o caso, há que realçar, por analogia com o acórdão HAMSA/Comissão, acima referido no n.° 136 (n.° 35), que o regime de auxílios aprovado apenas cobria o período de 2000 a 2006, isto é, aplicava‑se apenas à data do pedido formal de auxílio e não à data, anterior, em que a recorrente efetuou o investimento em causa.

149    Além disso, a decisão de aprovação previa a exigência da apresentação do pedido de auxílio antes mesmo do início da execução dos projetos de investimento (v. n.° 3, supra), exigência também destacada pela Comissão tanto no procedimento administrativo (v. n.° 65, supra) como na decisão impugnada, nomeadamente nos seus considerandos 38 e 39. Ora, como não é contestado que o investimento em causa fora efetuado ainda antes de ter sido apresentado o pedido «formal» de auxílio de Estado, conclui‑se que a Comissão tinha razão quando referiu, nomeadamente no considerando 39 dessa decisão, que o critério relativo ao efeito de incentivo não tinha sido cumprido no caso vertente.

150    Esta conclusão, tal como a enunciada no n.° 132, supra, não pode ser posta em causa pelas alegações da recorrente de que o pedido de participação que apresentou ao FCR antes do momento da realização do investimento em causa constituiu um pedido de auxílio inicial que, seguidamente, apenas foi «transferido» para outra entidade estatal quando do pedido formal de auxílio feito ao abrigo do SIME.

151    A este respeito, importa realçar, em primeiro lugar, que mesmo na hipótese de as intervenções do FCR incluírem elementos de auxílios de Estado, essa circunstância não implica a existência de um efeito de incentivo do auxílio em causa.

152    Com efeito, o auxílio em causa é, por natureza e atendendo à entidade a que o pedido de auxílio foi dirigido, manifestamente dissociável do pedido de participação anteriormente apresentado pela recorrente ao FCR. Mesmo apesar de esse pedido dizer respeito à participação do referido fundo no capital da RASH, o pedido de auxílio em causa tinha por objeto um empréstimo em condições preferenciais. Assim, o auxílio em causa e o referido pedido de participação consistem em meios de intervenção que devem ser tratados de modo diferente (v., nesse sentido, acórdão Cityflyer Express/Comissão, referido no 125, supra, n.° 56; v., por analogia, acórdãos Nuova Agricast, referido no n.° 124, supra, n.os 74 e 75, e Kronoply/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.os 85 a 90). Há que acrescentar que só o pedido de empréstimo em condições preferenciais foi alvo da notificação em causa no caso vertente e, por isso, de análise pela Comissão quanto à sua conformidade com o Tratado CE.

153    Em segundo lugar, observe‑se que, no considerando 40 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que a proposta de participação feita a uma empresa de capital de risco não podia ser considerada, por si só, um pedido de concessão de auxílio estatal suscetível de justificar o efeito de incentivo do auxílio em causa. Esta afirmação deve ser entendida no contexto da referência feita, no considerando 15 da referida decisão, às alegações das autoridades portuguesas segundo as quais as intervenções do FCR não contêm elementos de auxílio estatal na aceção do artigo 87.° CE.

154    Na medida em que a argumentação da recorrente tende a equiparar o pedido de participação que apresentou ao FCR e a subsequente ação deste, respetivamente, a um pedido inicial de auxílio e a uma ação que contém elementos de auxílio de Estado, recorde‑se, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, as disposições dos Tratados visam os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam. Daqui se conclui, como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão (234/84, Colet., p. 2263, n.° 13), que não pode ser estabelecida qualquer distinção de princípio entre um auxílio dado sob a forma de empréstimo ou sob a forma de participação no capital das empresas. Os auxílios sob qualquer destas formas são abrangidos pela proibição do artigo 87.° CE, desde que as condições enunciadas por esta disposição estejam preenchidas.

155    Bem assim, é jurisprudência assente que um auxílio de Estado pode incluir benefícios, independentemente de estes serem diretamente concedidos pelo Estado ou por intermédio de um organismo público ou privados, designado ou instituído por esse Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colet., p. I‑2099, n.° 58, e acórdão do Tribunal Geral de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colet., p. II‑435, n.° 179).

156    Com vista a verificar se tal medida apresenta o caráter de auxílio estatal, é pertinente aplicar o critério que assenta nas possibilidades que a empresa teria de obter as somas em causa nos mercados privados de capitais (acórdão de 10 de julho de 1986, Bélgica/Comissão, referido no n.° 154, supra, n.° 14).

157    Assim, os capitais postos, direta ou indiretamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, Colet., p. I‑1433, n.° 20, e Itália/Comissão, C‑305/89, Colet., p. I‑1603, n.os 19 e 20).

158    Em contrapartida, quando as contribuições de capital de um investidor público não têm em conta qualquer perspetiva de rendibilidade, mesmo a longo prazo, essas contribuições devem ser consideradas auxílios na aceção do artigo 87.° CE, e a sua compatibilidade com o mercado comum deve ser apreciada apenas à luz dos critérios previstos por esta disposição (acórdão de 21 de março de 1991, Itália/Comissão, C‑303/88, n.° 157, supra, n.° 22).

159    No caso vertente, resulta do documento de notificação do auxílio em causa que as próprias autoridades portuguesas tinham afirmado que o FCR realizava operações de capital de risco, através da participação no capital de sociedades do setor do turismo «com perspetivas de valorização a médio prazo», e atuava com «base [em] critérios objetivos tendo em atenção, designadamente, o perfil dos promotores, o projeto/investimento, o retorno do capital e a rentabilidade associada».

160    Face aos elementos expostos, vistos à luz da jurisprudência acima referida nos n.os 157 e 158, foi sem cometer qualquer erro de apreciação manifesto que a Comissão considerou, na decisão impugnada, que as intervenções do FCR não podiam ser consideradas constitutivas de auxílios de Estado. É o que sucede, designadamente, na falta de elementos de prova suficientes trazidos pela recorrente ao Tribunal Geral para privar de plausibilidade a apreciação dos factos tomados em consideração, quanto a esse aspeto, na decisão impugnada (v., nesse sentido, acórdão FAB/Comissão, referido no n.° 108, supra, n.° 78). Com efeito, a recorrente não alegou nem demonstrou, nomeadamente, que o FCR atuava, de um modo geral ou no seu caso específico, com base num regime de auxílios de Estado já existente, nem que aquele se limitava, quando tomava decisões de investimento, a considerações de ordem política.

161    A este respeito, é certo que resulta do documento de notificação do auxílio que as intervenções do FCR se destinavam também a promover determinadas políticas comerciais, como «melhorar a imagem empresarial», «assegurar a massa crítica empresarial» e «dimensionar as empresas para novas áreas de negócio (internacionalização)». Todavia, não é menos verdade que uma prática imputável a um Estado‑Membro, justificada objetivamente por razões comerciais, não deve ser considerada um auxílio de Estado pelo simples facto de também permitir alcançar um objetivo político (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C‑56/93, Colet., p. I‑723, n.° 79).

162    Por conseguinte, o pedido de participação que a recorrente apresentou ao FCR antes da realização do seu projeto de investimento não pode ser equiparado a um pedido inicial de auxílio, e a argumentação da recorrente a esse respeito é inoperante quanto à questão de saber se o auxílio em causa reveste natureza de incentivo. Logo, e porque daí se não pode deduzir que a recorrente se candidatou a um auxílio de Estado ainda antes da realização do projeto de investimento, há que rejeitar igualmente, por inoperantes, as suas referências a que «[a] entrada d[os] fundos» do FCR fora «essencial na decisão relativa ao investimento efetuado pela Recorrente, tal como continua[va] a ser decisiva a prevista entrada de meios do auxílio aqui em apreciação».

163    Por outro lado, no tocante à alegação da recorrente de que o projeto de investimento não tinha sido concluído em 1999, mas sim que prosseguiu de 2000 a 2005, sob a forma de «renovação» do hotel de cinco estrelas adquirido anteriormente, verifica‑se que a mesma foi apresentada pela primeira vez na audiência, portanto tardiamente na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 142. Em todo o caso, refira‑se que não resulta do documento de notificação que as autoridades portuguesas tivessem pedido um auxílio com esse desígnio. Nesse sentido, embora seja verdade que resulta da carta das autoridades portuguesas de 25 de julho de 2005, que dá resposta às questões da Comissão, designadamente das respostas n.° 10 e 11, que houve lugar a renovações posteriormente ao investimento, as referidas autoridades sublinharam que o auxílio em questão seria atribuído ao investimento inicial, isto é, à aquisição do hotel em causa. Consequentemente, a alegação em causa é inoperante no âmbito da análise da legalidade da decisão da Comissão relativa ao projeto notificado (v. n.° 14, supra).

164    Quanto às alegações da recorrente de que, quando projetou a realização do investimento, se tentou socorrer de auxílios estatais e outros, que lhe permitissem minimizar o seu endividamento e na falta dos quais não teria procedido à referida realização, e à sua afirmação de que apresentou devidamente um pedido de auxílio antes do início do investimento, há que rejeitá‑las, na medida em que a recorrente não fez nenhuma referência concreta a outros eventuais pedidos de auxílio relevantes diferentes do pedido de participação apresentado ao FCR. Além disso, e sem prejuízo da aplicação analógica do decidido nos n.os 151 e 152, supra, refira‑se ainda que essas alegações da recorrente estão em contradição com as suas próprias afirmações de que, à data em que efetuou o investimento em causa, nem o regime de auxílios N 667/99 nem as correspondentes portarias tinham sido aprovados, isto é, não existia base legal para fundamentar um pedido de auxílio como o ora em causa.

165    Por estes mesmos motivos, a saber, a falta de todo e qualquer elemento de prova, há que rejeitar as alegações, que a recorrente apresentou na audiência, de que já sabia, à data realização do investimento em causa, que estava em preparação um novo «pacote» legislativo para transposição do regime de auxílios N 667/99. Acresce que essas alegações não permitem, em todo o caso, concluir que podia avaliar, nesse época, as suas hipóteses de obter um auxílio de Estado, face às condições que eventualmente seriam exigidas pela futura legislação nacional.

166    Há que julgar improcedentes também as alegações da recorrente de que a Comissão cometeu um erro quanto tomou em consideração vários elementos relevantes à data da aprovação da decisão impugnada e não apenas os elementos da data em que o investimento foi efetuado (v. n.° 112, supra).

167    A recorrente sustenta, a este respeito, que uma abordagem a posteriori constituía uma avaliação alheia à situação real e era externa ao próprio projeto de internacionalização. Contesta que a Comissão possa inferir a desnecessidade do auxílio do lapso de tempo decorrido desde o investimento e servir‑se de elementos atuais à data da aprovação da decisão impugnada para ajuizar da sua viabilidade económica ou da sua posição no mercado português.

168    Importa salientar que as teses da recorrente, de que a análise feita pela Comissão em 2007, isto é, quando da aprovação da decisão impugnada, da compatibilidade da medida controvertida com o mercado comum, só se podia basear em elementos de apreciação existentes em 1999, ou seja, no momento em que foi efetuado o investimento em causa, não encontra qualquer apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral. Assim, o Tribunal de Justiça indicou, no seu acórdão de 26 de setembro de 1996, França/Comissão (C‑241/94, Colet., p. I‑4551, n.° 33 e jurisprudência aí referida), que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou. O Tribunal Geral fez o mesmo no acórdão de 15 de dezembro de 1999, Freistaat Sachsen e o./Comissão (T‑132/96 e T‑143/96, Colet., p. II‑3663, n.° 210 e segs. e jurisprudência aí referida).

169    Por outro lado, o artigo 87.°, n.° 1, CE proíbe, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios «que falseiem ou ameacem falsear a concorrência». Daí que, quando verifica a existência de um auxílio na aceção desta disposição, a Comissão não esteja estritamente vinculada pelas condições de concorrência existentes na data da adoção da sua decisão. Deve proceder a uma avaliação numa perspetiva dinâmica, e ter em conta a evolução previsível da concorrência e dos efeitos que sobre a mesma terá o auxílio em questão (acórdão Freistaat Sachsen e o./Comissão, referido no n.° 168, supra, n.° 211).

170    A Comissão não pode, pois, ser censurada por ter levado em conta elementos surgidos após a realização do projeto de investimento, nomeadamente os relativos à situação económica e comercial do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence ou à situação dos mercados relevantes à data da aprovação da decisão impugnada. Por outro lado, no que respeita à alegação da recorrente de que uma análise a posteriori a colocava num plano diferente das empresas cujos pedidos de auxílio de Estado são aprovados rapidamente e a penalizava pelo facto de as autoridades responsáveis terem levado um tempo excessivo na apreciação do seu pedido de auxílio, importa associá‑la ao argumento relativo à duração do procedimento administrativo e, por isso, analisá‑la no contexto deste último (v. n.os 173 e seguintes, infra).

171    Acresce que, se se entender a crítica da recorrente no sentido de que visa também o alcance da apreciação feita pela Comissão, que é «externa [à] situação» e «exógen[a] ao próprio projeto de internacionalização», resulta da jurisprudência que a Comissão, quando examina a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum, deve levar em conta todos os elementos relevantes (acórdão Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, acima referido no n.° 122, n.° 107). Assim, no caso vertente, a Comissão podia avaliar elementos de facto concretos relativos ao potencial beneficiário do auxílio, nomeadamente a sua situação comercial nos mercados brasileiro e português, enquanto elementos relevantes para apreciar a necessidade e o caráter de incentivo do referido auxílio. Com efeito, se as circunstâncias de facto corroboram a conclusão de que o grupo hoteleiro a que a recorrente pertence desenvolveu com sucesso as suas atividades, nomeadamente no mercado brasileiro, mesmo na falta do auxílio em causa, trata‑se efetivamente de um indício de que essa falta não constituía um fator impeditivo das referidas atividades e de que o auxílio não era o incentivo indispensável para o seu exercício.

172    Por conseguinte, face aos elementos expostos, foi sem cometer qualquer erro de apreciação manifesto que a Comissão verificou, nomeadamente nos considerandos 37 e 44 da decisão impugnada, se o auxílio em causa era diretamente necessário às atividades de internacionalização da empresa beneficiária ou se esta teria realizado o projeto de investimento mesmo na falta do auxílio (v., por analogia, acórdão Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, referido no n.° 122, supra, n.° 108).

173    Quanto à argumentação da recorrente de que a análise do desenvolvimento do grupo hoteleiro a que pertence, feita a posteriori, a colocava num plano diferente das empresas cujos pedidos de auxílio de Estado são aprovados rapidamente e de que não devia ser penalizada pelo facto de as autoridades responsáveis terem levado um tempo excessivo na apreciação do projeto de auxílio, não pode ser acolhida, nem tão‑pouco o pode ser a sua alegação de que a Comissão violou o artigo 232.° CE por não se ter pronunciado num prazo razoável.

174    Com efeito, recorde‑se, a título preliminar, que a observância, pela Comissão, de um prazo razoável para a aprovação de decisões no final de procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui um princípio de boa administração (v., em matéria de auxílios de Estado, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 1973, Lorenz, 120/73, Colet., p. 553, n.° 4, e de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, Colet., p. 4617, n.os 12 a 17).

175    Todavia, a violação do princípio da observância de um prazo razoável só justifica a anulação da decisão se se verificar também uma violação dos direitos da defesa das empresas em causa. Com efeito, quando não se prove que o decurso excessivo do tempo afetou a capacidade das empresas em questão de se defenderem efetivamente, a inobservância do princípio do prazo razoável não tem repercussão na validade do procedimento administrativo e só pode, pois, ser analisado como uma causa de dano suscetível de ser invocada perante o juiz da União (v., por analogia, acórdãos do Tribunal Geral de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.° 122, e de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão, T‑410/03, Colet., p. II‑881, n.° 227).

176    Em todo o caso, importa recordar que, na fase de investigação a que se refere o artigo 88.°, n.° 2, CE, os interessados, longe de poderem invocar o direito de defesa reconhecido às pessoas contra quem está aberto um procedimento, gozam unicamente do direito a serem associados ao procedimento administrativo numa medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (v., nesse sentido, acórdão Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, referido no n.° 155, supra, n.° 125 e jurisprudência aí referida).

177    No caso vertente, importa realçar, em primeiro lugar, que a recorrente não alega que o seu direito de audiência e de ser associada ao procedimento administrativo numa medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, foi desrespeitado pela Comissão no procedimento formal de investigação do auxílio em causa.

178    Em segundo lugar, verifica‑se que uma parte significativa do período decorrido entre a data da realização do investimento em causa e a da aprovação da decisão impugnada se deve ao facto de a recorrente apenas ter apresentado o seu pedido formal de auxílio de Estado mais de um ano após a primeira dessas datas e ao facto de as autoridades portuguesas apenas terem notificado a Comissão da sua intenção de concederem o auxílio em causa em abril de 2005, isto é, como foi notado, com razão, no considerando 41 da decisão impugnada, cerca de cinco anos e meio depois de o investimento em causa ter sido efetuado.

179    Em terceiro lugar, quanto à duração da primeira fase do procedimento na Comissão, verifica‑se que o período decorrido entre a data da notificação do projeto de auxílio (por carta de 5 de abril de 2005, registada pela Comissão em 7 de abril de 2005) e a da abertura do procedimento contraditório a que refere o artigo 88.°, n.° 2, CE (22 de fevereiro de 2006) é imputável nomeadamente à falta de notificação completa das medidas em causa. Nesse sentido, como resulta da decisão impugnada e do processo administrativo, a Comissão tinha pedido informações adicionais por cartas de 7 de junho e 26 de setembro de 2005, a que as autoridades portuguesas responderam por cartas de 25 de julho, 26 de setembro e 23 de dezembro de 2005, registadas pela Comissão em 27 de julho de 2005, 28 de setembro de 2005 e 3 de janeiro de 2006.

180    Assim, a decisão de abrir o procedimento contraditório teve lugar nos dois meses seguintes à receção da notificação completa, observando, por isso, o prazo previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88] CE (JO L 83, p. 1).

181    Em quarto lugar, quanto à segunda fase do procedimento na Comissão, verifica‑se que, como a decisão impugnada foi aprovada em 10 de maio de 2007, a Comissão observou também o prazo previsto no artigo 7.°, n.° 6, do Regulamento n.° 659/99, que é aliás unicamente indicativo (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, C‑372/97, Colet., p. I‑3679, n.° 119, e de 8 de maio de 2008, Ferriere Nord/Comissão, C‑49/05 P, não publicado na Coletânea, n.os 48 a 51). Além disso, a recorrente não invocou nenhum elemento suscetível de demonstrar que o referido procedimento foi desrazoavelmente longo no caso vertente.

182    Por conseguinte, a recorrente não provou que a Comissão tenha violado o artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, por ter incumprido o seu dever de decidir num prazo razoável.

183    Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a ação da Comissão tenha violado a exigência fundamental de segurança jurídica ou que tenha criado esperanças legítimas na recorrente, ao contrário do que esta alega. Com efeito, além de não haver prova de um atraso por parte da Comissão, refira‑se que a carta da Vice‑Presidência do Governo e do Instituto de Desenvolvimento Empresarial, de 17 de novembro de 2003, dirigida à recorrente, revela que a decisão das autoridades portuguesas pela qual o pedido da recorrente era considerado elegível e selecionado para o SIME continha uma referência expressa a que essa decisão «fica[va] condicionada ao parecer favorável sobre a notificação à Comissão Europeia». De resto, a recorrente não contestou que o auxílio em causa estava, de facto, sujeito a um dever de notificação, nem tão‑pouco provou que a Comissão lhe tenha dado garantias precisas suscetíveis de lhe dar esperanças fundadas quanto à regularidade do auxílio em causa (v. por analogia, acórdão FAB/Comissão, referido no n.° 108, supra, n.° 94 e jurisprudência aí referida).

184    Quanto às alegadas expectativas da recorrente, geradas pela subsequente ação ou inação das autoridades portuguesas, estas são, em todo o caso, irrelevantes no âmbito da fiscalização de uma decisão tomada pela Comissão e não pelas referidas autoridades. Por outro lado, como as Portarias n.° 687/2000 e n.° 243/2001 ainda não tinham sido aprovadas à data da realização do investimento, a recorrente não podia, nessa data, ter uma «legítima expectativa» na obtenção de um auxílio de Estado assente na hipótese de um regime de auxílios aprovado pela Comissão e transposto para o ordenamento jurídico português. Nestas circunstâncias, também é manifestamente inoperante a alegação da recorrente de que recebeu promessas nesse sentido das autoridades portuguesas.

185    No que respeita à alegação da recorrente de que o seu investimento em Moçambique não pode ser comparado com o efetuado no Brasil, e como tal não logra reduzir os riscos que o segundo implicava, aquela invoca diferenças decorrentes do facto de tanto a direção do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence como o seu capital terem tido uma ligação a Moçambique, de os investimentos no setor hoteleiro desse país se terem seguido a investimentos anteriores efetuados noutros setores e de só o investimento no Brasil visar a internacionalização de uma marca especializada. O Brasil, que foi escolhido devido às afinidades culturais e às semelhanças no enquadramento jurídico entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa e devido à existência de ligações aéreas suficientes entre esses países, nem por isso deixou de continuar a ser um mercado desconhecido e arriscado, devido designadamente à elevada taxa de inflação e ao grande risco cambial.

186    Quanto a este aspeto, importa notar que a argumentação da recorrente relativa à incomparabilidade das experiências do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence em Moçambique e no Brasil é improcedente.

187    Com efeito, por um lado resulta do documento de notificação, nomeadamente das suas páginas [21] e [23], que as próprias autoridades portuguesas referiram que o investimento em Moçambique constituía a «primeira fase» na estratégia de internacionalização do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence e que a «experiência de internacionalização adquirida [pelo referido grupo] com Moçambique» constituía um dos seus pontos fortes, que lhe permitia avançar com a sua estratégia de implantação no mercado brasileiro.

188    Por outro lado, verifica‑se que a recorrente não demonstrou que os riscos induzidos pelo exercício de atividades em Moçambique e no Brasil eram manifestamente diferentes, nem que a experiência adquirida em Moçambique não permitia ao grupo hoteleiro a que a recorrente pertence formar as primeiras estruturas específicas para as operações de investimento no estrangeiro, que podiam ser subsequentemente utilizadas no exercício de atividades no Brasil.

189    A este respeito refira‑se que, como a Comissão alega, tanto Moçambique como a República Federativa do Brasil são países que têm uma língua comum e nexos culturais e históricos estreitos com a República Portuguesa, o que pode facilitar a penetração dos respetivos mercados por um empresa portuguesa. Quanto aos riscos comerciais associados à internacionalização nesses dois países, mesmo que se considere que há uma certa diferença no estado dos mercados hoteleiros em causa, e no quadro mais geral político e financeiro, não é menos verdade que ambos os referidos mercados eram mercados em formação. De resto, a alegação da recorrente de que o setor hoteleiro brasileiro era mais desenvolvido e concorrencial parece estar em contradição com as afirmações das autoridades portuguesas, feitas na página 19 do documento de notificação, de que o Brasil era «um país onde a indústria hoteleira est[ava] pouco desenvolvida» e, em todo o caso, mais não é do que um indício de que, devido à concorrência presente nesse mercado, o risco comercial era de ordem diferente, sem por isso se poder concluir se era inferior ou, pelo contrário, superior ao verificado no investimento no mercado moçambicano, alegadamente menos desenvolvido.

190    Por conseguinte, a Comissão podia levar em conta, com razão, na sua apreciação da necessidade e do caráter de incentivo do auxílio em causa e dos riscos associados ao investimento no Brasil, a experiência adquirida pela recorrente em Moçambique.

191    Quanto à alegação da recorrente de que a própria Comissão devia recolher elementos adicionais que provassem a desnecessidade do auxílio em causa, basta recordar que resulta da jurisprudência acima referida no n.° 108 que é à recorrente que cabe apresentar elementos de prova para efeitos de privar de plausibilidade as apreciações dos factos tomados em consideração na decisão impugnada. Ora, como resulta destes desenvolvimentos, a recorrente não demonstrou que a Comissão não levou em conta elementos relevantes para fundamentar a sua conclusão de que o auxílio em causa não tinha efeito de incentivo e tão‑pouco era necessário para o lançamento ou a realização do projeto de investimento.

192    Por todo o exposto, há que julgar improcedente a alegação da recorrente de violação do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE e, consequentemente, afastar a terceira vertente do segundo fundamento e rejeitar integralmente esse fundamento, sem que seja necessário responder às outras alegações da recorrente relativas, designadamente, ao efeito positivo do investimento em causa nas trocas comerciais e nos fatores de competitividade no mercado da União e, em especial, no mercado português. Com efeito, não se verificando nem o efeito de incentivo nem a necessidade do auxílio em causa, mesmo que o referido investimento tivesse uma repercussão positiva em Portugal, esta não poderia, em princípio, ser imputada ao auxílio em causa, pois o investimento foi efetuado antes de ser apresentado qualquer pedido de auxílio de Estado.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

193    A recorrente alega que uma comparação do seu projeto de investimento com os desenvolvidos por outras entidades, nomeadamente com o projeto Vila Galé, demonstra que a concessão do auxílio solicitado é justificado e conforme com a lei portuguesa.

194    A recorrente sustenta também que, apesar de o seu projeto ser comparável com o projeto Vila Galé, projetos estes que implicam idênticas condições inerentes ao investimento, a Comissão avaliou‑os de forma diferente e injustificada, considerando unicamente o auxílio ao segundo projeto compatível com o Tratado CE, nomeadamente por aplicação das normas derrogatórias previstas no artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE.

195    A recorrente afirma, além disso, que ao passo que havia semelhanças entre os referidos casos, no tocante, em primeiro lugar, ao montante e à intensidade dos auxílios, em segundo lugar, às características dos respetivos beneficiários e ao facto de estes iniciarem os respetivos projetos sem auxílios de Estado, em terceiro lugar, às respetivas posições nos mercados brasileiros e português e no da União, em quarto lugar, às condições gerais nos referidos mercados e aos efeitos dos auxílios nos mesmos, a Comissão não levou em conta esses elementos comuns ou avaliou‑os de forma diferente no caso vertente e no caso subjacente à decisão Vila Galé.

196    Por último, a recorrente alega que a Comissão, apesar de ter declarado na decisão Vila Galé que não pretendia definir nela as suas políticas futuras no domínio em causa (v. n.° 71, supra), não podia chegar, sem a discriminar, a conclusões opostas sobre a compatibilidade dos auxílios com o Tratado CE, mesmo apesar de as suas considerações sobre os factos subjacentes aos dois investimentos serem equivalentes. Na réplica, a recorrente alega que o princípio da igualdade de tratamento se aplica no caso vertente e limita o amplo poder de apreciação invocado pela Comissão.

197    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

198    Em primeiro lugar, importa notar que, em primeiro lugar, segundo jurisprudência constante, a legalidade de uma decisão da Comissão que declara que um auxílio novo não corresponde às condições de aplicação dessa exceção deve ser apreciada exclusivamente no âmbito do artigo 87.°, n.° 3, alínea c), CE, e não à luz de uma anterior prática decisória da Comissão, admitindo que a mesma foi demonstrada (acórdão Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, referido no n.° 122, supra, n.° 54).

199    Em segundo lugar, como acima se recordou no n.° 86, o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva que é apreciada à data em que a Comissão adota a sua decisão. Assim, as razões pelas quais a Comissão havia apreciado diversamente a situação numa decisão anterior não devem ter incidência na apreciação da legalidade da decisão impugnada (v., nesse sentido, acórdão Chronopost e La Poste/UFEX e o., referido no n.° 81, supra, n.° 95).

200    Em terceiro lugar, refira‑se que a Comissão não pode ser privada da possibilidade de fixar condições de compatibilidade mais rigorosas se a evolução do mercado comum e o objetivo de uma concorrência não falseada o exigirem (v., nesse sentido, acórdão Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, referido no n.° 122, supra, n.° 53 e jurisprudência referida). Além disso, os operadores económicos não podem depositar uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente, que pode ser alterada no âmbito do poder de apreciação das instituições comunitárias (acórdão do Tribunal Geral de 24 de outubro de 1997, Wirtschaftsvereinigung Stahl e o./Comissão, T‑244/94, Colet., p. II‑1963, n.os 58 e 59).

201    De resto, como acima se recordou no n.° 72, a Comissão não se limitou, na decisão impugnada, a examinar autonomamente a medida em causa, mas apreciou também, de forma sumária é certo, determinadas diferenças entre essa medida e a do caso subjacente à decisão Vila Galé, tendo aliás o cuidado de referir, nas notas de rodapé n.os 7, 9 e 10 da decisão impugnada, outros exemplos anteriores da sua anterior prática decisória.

202    Em segundo lugar, há que recordar que a observância do princípio da igualdade exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 2006, Koninklijke Coöperatie Cosun, C‑248/04, Colet., p. I‑10211, n.° 72; acórdão Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, referido no n.° 122 supra, n.° 57).

203    No caso vertente, não se pode deixar de observar que, como a Comissão sustenta, a situação da recorrente e a da empresa em causa no caso subjacente à decisão Vila Galé não eram comparáveis face à exigência da necessidade dos auxílios de Estado e aos seus efeitos de incentivo.

204    Com efeito, em primeiro lugar, se a Comissão, no caso vertente, concluiu que o auxílio notificado não cumpria os referidos critérios, em especial devido ao facto de o pedido oficial de auxílio apenas ter sido apresentado após a data da realização do investimento relevante, declarou, no considerando 39 da decisão Vila Galé, que «a candidatura a apoio público foi apresentada antes do início do investimento, muito embora este tenha sido efetuado sem qualquer apoio» e indicou expressamente, referindo também os fundamentos jurídicos para essa declaração, que «[o] facto de o beneficiário ter solicitado assistência financeira pública antes de iniciar o investimento constitui prova de que o necessário efeito de incentivo exist[ia]».

205    Em segundo lugar, resulta dos considerandos 36 a 40 da decisão Vila Galé que a Comissão tinha dado destaque ao facto de, no caso subjacente a essa decisão, o investimento no Brasil representar a primeira experiência de internacionalização do beneficiário do auxílio. Assim, esta falta de experiência internacional anterior foi um dos elementos principais que levaram a Comissão a concluir que o referido beneficiário, apesar de não ser uma PME de acordo com a definição do direito da União, se deparava, na realização do seu projeto de investimento, com dificuldades comparáveis às encontradas, de modo geral, pelas PME e que o auxílio solicitado tinha um efeito de incentivo que compensaria o seu beneficiário pelos riscos financeiros adicionais em que incorria ao investir num mercado desconhecido e arriscado.

206    Em contrapartida, na decisão impugnada foi várias vezes sublinhado, nomeadamente nos considerandos 6, 36 e 44, que o investimento no Brasil não tinha constituído as primeira experiência de internacionalização do grupo hoteleiro a que a recorrente pertence, e este aspeto foi expressamente invocado para distinguir o presente caso do subjacente à decisão Vila Galé.

207    Nestas circunstâncias e atendendo à jurisprudência acima recordada nos n.os 198 a 200 e à declaração da Comissão acima recordada no n.° 71, não é necessário examinar com mais detalhe as alegações da recorrente sobre a alegada identidade das condições inerentes ao investimento no seu projeto e no projeto em causa no procedimento que levou à decisão Vila Galé, nem as alegações em que são criticadas as pretensas contradições nas análises, pela Comissão, de determinadas questões económicas concretas, nomeadamente quanto às características dos mercados brasileiros e português ou quanto à posição das empresas em causa nos referidos mercados. Pelos mesmos motivos, julgam‑se igualmente inoperantes as alegações da recorrente de que a Comissão, em cada um desses dois processos, qualificou de modo diferente determinados elementos concretos que no entanto eram semelhantes, como a intensidade líquida total do auxílio, as quotas de mercado das empresas em causa, o impacto do auxílio nas trocas, no setor do turismo, os efeitos promocionais dos auxílios e a posição das empresas face aos concorrentes.

208    Por todo o exposto, julga‑se improcedente o terceiro fundamento, assim como a totalidade do recurso, sem que seja necessário proceder à prova testemunhal que a recorrente propõe, uma vez que o Tribunal Geral pode utilmente decidir da causa com base nas conclusões, fundamentos e argumentos desenvolvidos durante a instância e nos documentos apresentados pelas partes. Além disso, verifica‑se que a referida proposta de prova testemunhal não tem qualquer precisão quanto ao seu objeto e à sua utilidade no presente processo.

 Quanto às despesas

209    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, conforme pedido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Djebel – SGPS, SA é condenada a suportar as suas próprias despesas e as da Comissão Europeia.

Forwood

Dehousse

Schwarcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de janeiro de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: português.