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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

6 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão europeia de investigação — Diretiva 2014/41/UE — Artigo 24.° — Audição por videoconferência ou outros meios de transmissão audiovisual — Ações penais intentadas num Estado‑Membro contra uma pessoa residente noutro Estado‑Membro — Possibilidade de esta pessoa participar no seu julgamento por videoconferência na falta de decisão europeia de investigação»

Nos processos apensos C‑255/23 e C‑285/23,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Ekonomisko lietu tiesa (Tribunal dos Assuntos Económicos, Letónia), por Decisões de 28 de março de 2023 e de 21 de abril de 2023, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 19 de abril de 2023 e em 3 de maio de 2023, nos processos penais contra

A,

B,

C,

D,

F,

E,

G,

SIA «AVVA»,

SIA «Liftu alianse»,

sendo intervenientes:

Rīgas tiesas apgabala prokuratūra (C‑255/23),

e

A,

B,

C,

Z,

F,

AS «Latgales Invest Holding»,

SIA «METEOR HOLDING»,

METEOR Kettenfabrik GmbH,

SIA «Tool Industry»,

AS «Ditton pievadķēžu rūpnīca»,

sendo intervenientes:

Latvijas Investīciju un attīstības aģentūra,

Rīgas tiesas apgabala prokuratūra (C‑285/23),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Sexta Secção, e P. G. Xuereb, juiz,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de A, por I. Balmaks, advokāts,

–        em representação do Governo Letão, por J. Davidoviča e K. Pommere, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e Zs. Biró‑Tóth, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Baumgart, V. Hitrovs, H. Leupold e M. Wasmeier, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 1.°, n.° 1, do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), e do artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (JO 2014, L 130, p. 1), bem como do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos penais instaurados contra A, B, C, D, F, E, G, SIA «AVVA» e SIA «Liftu alianse» (C‑255/23), bem como contra A, B, C, Z, F, AS «Latgales Invest Holding», SIA «METEOR HOLDING», METEOR Kettenfabrik GmbH, SIA «Tool Industry» e AS «Ditton pievadķēžu rūpnīca» (C‑285/23) pela prática de crimes de burla qualificada em associação criminosa, branqueamento de capitais em associação criminosa, abuso de poder e cumplicidade em burla agravada e branqueamento de capitais agravado.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2014/41

3        Nos termos da primeira frase do considerando 8 da Diretiva 2014/41, «[a] DEI deverá ter um âmbito horizontal, aplicando‑se, por conseguinte, a todas as medidas de investigação que visam recolher elementos de prova».

4        O artigo 1.° desta diretiva, sob a epígrafe «A decisão europeia de investigação e a obrigação de a executar», enuncia, nos n.os 1 e 3 deste:

«1.      A decisão europeia de investigação (DEI) é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro (“Estado de emissão”) para que sejam executadas noutro Estado‑Membro (“Estado de execução”) uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a presente diretiva.

Também pode ser emitida uma DEI para obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes do Estado de execução.

[...]

3.      A emissão de uma DEI pode ser requerida por um suspeito ou por um arguido, ou por um advogado em seu nome, no quadro dos direitos da defesa aplicáveis nos termos do processo penal nacional.»

5        O artigo 3.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação da DEI», tem a seguinte redação:

«A DEI abrange qualquer medida de investigação, com exceção da criação de uma equipa de investigação conjunta e da obtenção de elementos de prova por essa equipa, tal como previsto no artigo 13.° da Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados‑Membros da União Europeia [...] e na Decisão‑Quadro 2002/465/JAI do Conselho[, de 13 de junho de 2002, relativa às equipas de investigação conjuntas (JO 2002, L 162, p. 1)], exceto para efeitos de aplicação, respetivamente, do artigo 13.°, n.° 8, [desta] Convenção, e do artigo 1.°, n.° 8, dessa decisão‑quadro.»

6        O artigo 6.° da Diretiva 2014/41, sob a epígrafe «Condições de emissão e de transmissão de uma DEI», prevê, no n.° 1 deste:

«A autoridade de emissão só pode emitir uma DEI se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)      A emissão da DEI é necessária e proporcionada para efeitos dos processos a que se refere o artigo 4.°, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido; e

b)      A medida ou medidas de investigação indicadas na DEI poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições em processos nacionais semelhantes.»

7        O artigo 24.° desta diretiva, sob a epígrafe «Audição por videoconferência ou outros meios de transmissão audiovisual», dispõe, no seu n.° 1:

«Caso uma pessoa se encontre no território do Estado de execução e deva ser ouvida como testemunha ou perito pelas autoridades competentes do Estado de emissão, a autoridade de emissão pode emitir uma DEI para ouvir a testemunha ou perito por videoconferência ou outros meios de transmissão audiovisual, nos termos dos n.os 5 a 7.

A autoridade de emissão também pode emitir uma DEI para a audição de um suspeito ou arguido, por videoconferência ou outros meios de transmissão audiovisual.»

 Diretiva 2016/343

8        De acordo com o considerando 9 da Diretiva 2016/343, «[a] presente diretiva tem por objeto reforçar o direito a um processo equitativo em processo penal, estabelecendo normas mínimas comuns relativas a certos aspetos da presunção de inocência e ao direito de comparecer em julgamento».

9        O artigo 8.° desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de comparecer em julgamento», enuncia, nos n.os 1 e 2 deste:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

2.      Os Estados‑Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar‑se na sua ausência, desde que:

a)      o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou

b)      o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.»

 Direito letão

10      O artigo 140.° do Kriminālprocesa likums (Código de Processo Penal) tem a seguinte redação:

«(1)      A entidade responsável pelo processo pode realizar diligências com recurso a meios técnicos (conferência telefónica, videoconferência) se o interesse do processo penal assim o exigir.

(2)      Durante uma diligência com recurso a meios técnicos, deve assegurar‑se de que a entidade responsável pelo processo e as pessoas que participam na diligência, e que se encontram em locais ou edifícios diferentes, podem ouvir‑se mutuamente durante uma conferência telefónica e ouvir‑se e ver‑se mutuamente durante uma videoconferência.

(21)      Na situação prevista no n.° 2 do presente artigo, a entidade responsável pelo processo autoriza ou encarrega o responsável da instituição situada no outro local onde é realizada a diligência de autorizar uma entidade que assegure a realização da diligência no local onde se encontra (a seguir “entidade autorizada”).

[...]

(5)      A entidade autorizada verifica e certifica a identidade das pessoas que participam na diligência, mas que não se encontram no mesmo local da entidade responsável pelo processo.

[...]

(7)      A entidade autorizada elabora uma ata na qual indica o local, a data e a hora da diligência, o cargo, o apelido e nome, os dados de identificação e a morada de cada uma das pessoas presentes na diligência, bem como a advertência feita a estas pessoas, quando a lei estabeleça a responsabilidade por incumprimento dos respetivos deveres. As pessoas visadas pela advertência devem assiná‑la. A ata também deve indicar as interrupções da diligência e a respetiva hora de término. A ata deve ser assinada por todas as pessoas presentes no local onde decorre a diligência e transmitida à entidade responsável pelo processo para ser junta aos autos.

(71)      O disposto nos n.os 21, 5 e 7 do presente artigo poderá não ser aplicável quando a entidade responsável pelo processo tiver a possibilidade de determinar, através de meios técnicos, a identidade das pessoas que se encontram noutros locais ou edifícios.

[...]»

11      Nos termos do artigo 463.°, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal:

«(1)      A participação do arguido no julgamento em processo penal é obrigatória.

(2)      Se o arguido não comparecer na audiência, o julgamento é adiado.»

12      O artigo 464.° deste código prevê:

«(1)      O tribunal pode conhecer de processos penais que tenham por objeto pequenas infrações penais, crimes de menor gravidade ou crimes graves puníveis com pena privativa de liberdade não superior a 5 anos sem a participação do arguido se este, repetidamente e sem motivo válido, não comparecer nas audiências ou tiver apresentado um pedido ao tribunal para que o processo seja julgado sem a sua participação.

(2)      Um processo penal pode ser julgado sem a participação do arguido se este padecer de uma doença grave que o impeça de comparecer no julgamento.

(3)      Um processo penal com vários arguidos pode decorrer sem a participação de um dos arguidos quando as acusações contra os restantes arguidos forem examinadas na audiência, se a participação do arguido em questão nessa audiência não for necessária e se o arguido tiver informado o tribunal de que não pretende participar na audiência em causa.»

13      O artigo 465.° do referido código dispõe, no seu n.° 1:

«O tribunal pode julgar um processo penal na ausência do arguido (in absentia) num dos seguintes casos:

1)      O local onde se encontra o arguido é desconhecido, o que é mencionado nas informações sobre o resultado da investigação;

2)      Se o arguido se encontrar no estrangeiro e não for possível assegurar a sua comparência em tribunal.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C255/23

14      O Ekonomisko lietu tiesa (Tribunal dos Assuntos Económicos, Letónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, foi chamado a pronunciar‑se num processo penal contra, nomeadamente, E, acusado da prática do crime de branqueamento de capitais agravada. E é um nacional lituano que reside na Lituânia.

15      Na audiência de 22 de setembro de 2022, o Ministério Público, tendo em conta o pedido de E, opôs‑se a que este participasse nas audiências à distância, por videoconferência, baseando‑se nas disposições do artigo 140.°, n.° 71, do Código de Processo Penal conforme interpretadas pelo Plenário da Secção Criminal do Augstākā tiesa (Supremo Tribunal, Letónia) na sua Decisão de 4 de novembro de 2021.

16      Em 16 de outubro de 2022, o defensor de E pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que submetesse ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à interpretação das disposições da Diretiva 2014/41, a fim de esclarecer a natureza dos direitos de E a participar no processo judicial à distância com recurso a meios técnicos.

17      O órgão jurisdicional de reenvio indica que o artigo 140, n.° 71, do Código de Processo Penal alarga as possibilidades de realização de diligências à distância e que, com este complemento legal, o legislador nacional pretendeu incentivar o recurso a meios técnicos no processo penal, no sentido de agilizar e simplificar a sua tramitação, especialmente quando as partes num processo se encontram em cidades ou em países diferentes.

18      Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta da interpretação do artigo 140.°, n.° 71, do Código de Processo Penal adotada pelo Plenário da Secção Criminal do Augstākā tiesa (Supremo Tribunal) que, no caso de uma parte do processo não se encontrar sob a jurisdição da República da Letónia, ou seja, no território nacional, o recurso a meios técnicos para realizar uma diligência só é possível através de uma decisão europeia de investigação ou de outro instrumento de cooperação judiciária. Assim, uma pessoa residente num país diferente da Letónia não pode participar, na qualidade de arguido, numa audiência à distância utilizando meios técnicos, mesmo que a sua participação assuma um papel passivo no decurso do processo penal.

19      Dado que E reside na Lituânia, a sua participação à distância, com recurso a meios técnicos, no processo judicial na Letónia exigiria que o órgão jurisdicional letão solicitasse, no âmbito de uma decisão europeia de investigação, ao órgão jurisdicional lituano que assegurasse uma possibilidade de participação à distância durante um período de tempo alargado. Ora, tendo em conta a duração e o custo da sua execução, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a emissão de uma decisão europeia de investigação para garantir a participação passiva do arguido nas audiências é desproporcionada, na aceção do artigo 6.° da Diretiva 2014/41.

20      Atendendo a que E é acusado da prática do crime de branqueamento de capitais agravado, a sua participação nas audiências é obrigatória, tendo em conta a gravidade do crime imputado, durante a análise dos elementos de prova relacionados com a sua acusação, mesmo que o arguido não pretenda participar nas audiências. Tendo em conta a interpretação dada pelo Plenário da Secção Criminal do Augstākā tiesa (Supremo Tribunal), E tem, durante a análise destes elementos de prova, de comparecer, regularmente e durante um período de tempo alargado, nas audiências na Letónia, ou pedir que o órgão jurisdicional da Lituânia, no contexto de uma decisão europeia de investigação, assegure a possibilidade de participação à distância durante um período de tempo alargado.

21      Uma vez que tem dúvidas sobre a aplicabilidade da Diretiva 2014/41 no que respeita à participação de um arguido em audiências nas quais não é ouvido, o Ekonomisko lietu tiesa (Tribunal dos Assuntos Económicos) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 1.°, n.° 1 […] 6.°, n.° 1, alínea a), e 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/41 autorizam a legislação de um Estado‑Membro segundo a qual uma pessoa que reside noutro Estado‑Membro pode, sem que seja emitida uma decisão europeia de investigação, participar numa diligência, por videoconferência, na qualidade de arguido, quando, na fase processual em causa, o arguido não é ouvido, isto é, não são obtidos elementos de prova, se a entidade responsável pelo processo no Estado‑Membro em que corre o processo tiver a possibilidade de verificar, através de meios técnicos, a identidade da pessoa no outro Estado‑Membro e se os direitos de defesa dessa pessoa e a assistência por um intérprete forem garantidos?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode o consentimento da pessoa a ouvir constituir um critério ou um requisito prévio autónomo ou adicional para a participação, por videoconferência, da pessoa a ouvir numa diligência no âmbito da qual não são obtidos elementos de prova se a entidade responsável pelo processo no Estado‑Membro em que corre o processo tiver a possibilidade de verificar, através de meios técnicos, a identidade da pessoa no outro Estado‑Membro e se os direitos de defesa dessa pessoa e a assistência por um intérprete forem garantidos?»

22      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, à data da adoção do pedido de decisão prejudicial, restam cerca de 60 depoimentos a examinar que não dizem respeito à acusação de E. Ora, ser‑lhe‑á consideravelmente mais difícil decidir sobre o processo principal num prazo razoável se decidir suspender a instância. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o processo pode seguir os seus termos, pelo menos enquanto não forem examinadas as provas em que se baseia a acusação de E e a presença deste não for considerada obrigatória.

23      Tendo o Tribunal de Justiça dirigido, em 7 de março de 2024, um pedido de esclarecimentos, no âmbito deste processo, ao órgão jurisdicional de reenvio, em aplicação do artigo 101.° do seu Regulamento de Processo, este respondeu, por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de março de 2024, indicando que as testemunhas citadas pelo Ministério Público e as referidas pela defesa foram todas ouvidas. Concretamente, as diferentes audiências permitiram interrogar doze testemunhas, cujo depoimento era pertinente para provar a culpabilidade do arguido, o qual participou nestas audiências tanto presencialmente como à distância, por videoconferência.

 Processo C285/23

24      O Ekonomisko lietu tiesa (Tribunal dos Assuntos Económicos), que é o órgão jurisdicional de reenvio, foi chamado a pronunciar‑se num processo penal em que um dos arguidos, A, é um nacional alemão residente na Alemanha e está acusado da prática dos crimes de burla qualificada em associação criminosa e de branqueamento de capitais agravado em associação criminosa. Estas infrações são qualificadas como crimes e são puníveis com pena privativa de liberdade.

25      As infrações de que A é acusado constituem crimes de acordo com o direito letão. Atendendo a esta qualificação e ao facto de não estarem reunidas as condições para o julgamento de um processo penal na ausência do arguido, previstas no artigo 465.° do Código de Processo Penal, conclui‑se que, de acordo com os artigos 463.° e 464.° deste código, não é possível proceder a um julgamento sem a participação do arguido e que a sua presença é obrigatória.

26      A e o seu advogado informaram o órgão jurisdicional de reenvio das circunstâncias, nomeadamente relacionadas com a idade e a situação pessoal e familiar de A, que o impedem de assistir presencialmente à maioria das audiências no presente processo. Não pretendendo fugir à justiça, A deseja comparecer no julgamento, mas através de videoconferência a partir da Alemanha.

27      Tanto a decisão europeia de investigação emitida pelo órgão jurisdicional de reenvio como o pedido de auxílio judiciário apresentado pelo Ministério da Justiça da Letónia foram recusados pelas autoridades alemãs competentes. As autoridades alemãs indicaram que a execução da decisão europeia de investigação não era possível, uma vez que foi pedida para garantir não a execução de uma medida de investigação, mas a participação de um arguido numa audiência por videoconferência. Além disso, no âmbito de um pedido de auxílio judiciário, não existe nenhuma base jurídica que permita a participação no processo por videoconferência. No direito alemão, a presença física do arguido no julgamento é obrigatória e a participação à distância no julgamento por videoconferência é contrária aos princípios fundamentais do direito alemão.

28      De acordo com os esclarecimentos prestados na Decisão do Plenário da Secção Criminal do Augstākā tiesa (Supremo Tribunal), de 4 de novembro de 2021, tendo em conta o âmbito de aplicação territorial do Código de Processo Penal, a jurisdição da República da Letónia está limitada ao território nacional. Além disso, a realização de uma videoconferência fora do pedido de auxílio judiciário internacional só é possível se o ato processual for praticado na jurisdição da República da Letónia.

29      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a audição de um arguido por videoconferência, prevista no artigo 24.°, n.° 1, Diretiva 2014/41, abrange a participação desta pessoa no julgamento em processo penal, incluindo o direito de comparecer no e de acompanhar o seu julgamento. O órgão de reenvio também se interroga se o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 2016/343 consagra o direito de o arguido poder participar no julgamento por videoconferência a partir do seu Estado‑Membro de residência.

30      Nestas circunstâncias, o Ekonomisko lietu tiesa (Tribunal dos Assuntos Económicos) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva [2014/41], ser interpretado no sentido de que a audição do arguido por videoconferência também abrange a sua participação no julgamento de um processo penal noutro Estado‑Membro por videoconferência a partir do seu Estado‑Membro de residência?

2)      Deve o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva [2016/343], ser interpretado no sentido de que o direito do arguido de participar na fase oral do processo também se pode considerar garantido quando este participa num processo penal noutro Estado‑Membro por videoconferência a partir do seu Estado‑Membro de residência?

3)      Pode a participação de um arguido num processo noutro Estado‑Membro por videoconferência a partir do seu Estado‑Membro de residência ser equiparada à sua presença física na audiência no tribunal do Estado‑Membro que conhece do processo?

4)      Em caso de resposta afirmativa à primeira e/ou segunda questões prejudiciais, deve considerar‑se que a videoconferência só pode ser organizada por intermédio das autoridades competentes do Estado‑Membro?

5)      Em caso de resposta negativa à quarta questão prejudicial, pode o tribunal do Estado‑Membro que conhece do processo contactar diretamente o arguido noutro Estado‑Membro e enviar‑lhe uma ligação para participar numa videoconferência?

6)      A organização de uma videoconferência sem a mediação das autoridades competentes de um Estado‑Membro não é incompatível com a manutenção do espaço comum de liberdade, segurança e justiça da União?»

31      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, uma vez que a questão a decidir à luz do direito da União só diz respeito à forma de participação do arguido, ou seja, presencialmente ou por videoconferência, pode, enquanto aguarda que seja proferida uma decisão prejudicial, prosseguir com o processo como fez até agora, na presença física de A. Assim, não fica comprometido o direito dos arguidos a serem julgados num prazo razoável no processo penal principal, previsto no artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Por conseguinte, não é suspensa a instância no presente processo.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

32      Por Decisão de 14 de junho de 2023, os processos C‑255/23 e C‑285/23 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

33      Tendo em conta a natureza das questões submetidas, o presidente do Tribunal de Justiça, por Decisão de 14 de junho de 2023, concedeu aos processos C‑255/23 e C‑285/23 tratamento prioritário ao abrigo do artigo 53.°, n.° 3, do Regulamento de Processo.

34      Em contrapartida, tendo o órgão jurisdicional de reenvio pedido, no processo C‑285/23, com base no artigo 105.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, que este processo fosse submetido a tramitação acelerada, ouvidos o presidente do Tribunal de Justiça, o juiz‑relator e o advogado‑geral, este pedido foi indeferido por Decisão de 21 de julho de 2023.

 Quanto às questões prejudiciais

35      De acordo com jurisprudência constante, o artigo 267.° TFUE estabelece um diálogo de juiz para juiz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, que tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União, permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter próprio do direito instituído pelos Tratado [Acórdão de 17 de maio de 2023, BK e ZhP (Suspensão parcial do processo principal), C‑176/22, EU:C:2023:416, n.° 26 e jurisprudência referida].

36      Assim, um acórdão proferido no âmbito deste processo vincula o juiz nacional quanto à interpretação do direito da União para a solução do litígio que lhe foi submetido [Acórdão de 17 de maio de 2023, BK e ZhP (Suspensão parcial do processo principal), C‑176/22, EU:C:2023:416, n.° 27].

37      Ora, a preservação do efeito útil do referido processo não se tornou impossível na prática ou excessivamente difícil por uma regra nacional que permite, entre a data em que um pedido de decisão prejudicial é submetido ao Tribunal de Justiça e a do despacho ou do acórdão pelo qual este último responde a este pedido, prosseguir o processo principal para levar a cabo atos processuais, que o órgão jurisdicional de reenvio considera necessários e que dizem respeito a aspetos que não estão relacionados com as questões prejudiciais submetidas, a saber, atos processuais que não são suscetíveis de impedir o órgão jurisdicional de reenvio de dar cumprimento, no âmbito do litígio no processo principal, a este despacho ou a este acórdão [Acórdão de 17 de maio de 2023, BK e ZhP (Suspensão parcial do processo principal), C‑176/22, EU:C:2023:416, n.° 28].

38      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio indicou, no âmbito do processo C‑255/23, que, apesar de ter apresentado o seu pedido de reenvio prejudicial, não suspendeu a instância e prosseguiu com as audiências em que E tinha participado tanto presencialmente como à distância, por videoconferência. No que respeita ao processo C‑285/23, o órgão jurisdicional de reenvio especificou que também não suspendeu a instância e que pretendia prosseguir com as audiências na presença física de A. Ora, tais diligências, que incluem nomeadamente o exame dos elementos de prova em que assenta a acusação dos arguidos, são suscetíveis de esvaziar do seu objeto e do seu interesse em relação aos litígios nos processos principais as questões prejudiciais relativas à possibilidade de o arguido participar no processo por videoconferência, e são, por conseguinte, suscetíveis de impedir o órgão jurisdicional de reenvio de cumprir, no âmbito dos litígios nos processos principais, as decisões com que o Tribunal de Justiça responderia aos pedidos de decisão prejudicial.

39      A este respeito, há que recordar que o Tribunal não é competente para dar, em matéria prejudicial, respostas que tenham um efeito puramente consultivo (Acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.° 12).

40      Acresce que o artigo 23.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia prevê que o pedido de decisão prejudicial suspenda a instância no processo nacional. Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça admitiu, em circunstâncias especiais, exceções para este efeito, importa salientar que, como resulta da jurisprudência referida no n.° 37 do presente acórdão, o fez na condição de estas exceções não prejudicarem o efeito útil do mecanismo de cooperação previsto no artigo 267.° TFUE. Ora, no presente caso, este efeito útil seria prejudicado se as questões submetidas no âmbito dos processos C‑255/23 e C‑285/23 fossem declaradas admissíveis, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio, após a data de apresentação dos pedidos de decisão prejudicial, prosseguiu com a tramitação dos processos principais para efetuar diligências que dizem respeito a aspetos relacionados com as questões submetidas.

41      Tendo em conta as considerações precedentes, não há que responder às questões prejudiciais submetidas no âmbito dos processos C‑255/23 e C‑285/23.

 Quanto às despesas

42      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

Não há que decidir sobre os pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Ekonomisko lietu tiesa (Tribunal dos Assuntos Económicos, Letónia), por Decisões de 28 de março de 2023 e de 21 de abril de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: letão.