ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
13 de Dezembro de 1999 (1)
«Concorrência - Distribuição automóvel - Exame das queixas - Acção por
omissão, recurso de anulação e acção de indemnização»
Nos processos apensos T-9/96 e T-211/96,
Européenne automobile SARL, sociedade de direito francês, com sede em
Carcassonne (França), representada por Jean-Claude Fourgoux, advogado no foro
de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Pierrot Schiltz,
4, rue Béatrix de Bourbon,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Giuliano
Marenco, consultor jurídico, e Guy Charrier, funcionário nacional destacado junto
da Comissão, seguidamente Marenco e Loïc Guérin, funcionário nacional destacado
junto da Comissão, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no
Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço
Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto pedidos de anulação da decisão da Comissão, de 9 de
Outubro de 1996, que rejeita uma queixa da recorrente baseada no artigo 85.° do
Tratado CE (actual artigo 81.° CE) e de reparação de um prejuízo,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),
composto por: B. Vesterdorf, presidente, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,
secretário: A. Mair, administrador
vistos os autos e após a audiência de 2 de Março de 1999,
profere o presente
Acórdão
Matéria de facto e tramitação processual
- 1.
- A recorrente, a Européene automobile SARL, exerce na França, segundo as suas
próprias indicações, as actividades, por um lado, de vendedor de veículos em
segunda mão e, por outro, de mandatário na acepção do Regulamento (CEE)
n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3
do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de
serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis [(JO L 1985, L 15, p. 16;
EE 8 F2, p. 150, a seguir «Regulamento n.° 123/85», substituído, a partir de 1 de
Outubro de 1995, pelo Regulamento CE n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho
de 1995 (JO L 145, p. 25)].
- 2.
- Em 31 de Janeiro de 1994, a sociedade Auto Cité, concessionária da marca
Peugeot em Carcassone (França), obteve a condenação da recorrente, pelo tribunal
de commerce de Carcassone, por concorrência desleal, pelo facto de esta não ter
respeitado as exigências do Regulamento n.° 123/85 no que concerne às
importações paralelas de veículos automóveis provenientes de outro
Estado-Membro.
- 3.
- Em 27 de Julho de 1994, a recorrente apresentou à Comissão uma queixa ao
abrigo do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro
de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado
(JO 1962, 13, p. 204; EE 8 F1, p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»), contra o
construtor de veículos automóveis das marcas Peugeot e Citröen (a seguir «PSA»).
- 4.
- Em 8 de Junho de 1995, a cour d'appel de Montpellier revogou o acórdão do
tribunal de commerce de Carcassonne de 31 de Janeiro de 1994 e negou
provimento ao pedido do concessionário.
- 5.
- Por carta de 27 de Setembro de 1995, a recorrente notificou a Comissão a dar
seguimento à sua queixa. Em 24 de Janeiro de 1996, interpôs no Tribunal de
Primeira Instância uma acção destinada a obter a declaração de omissão da
Comissão e reparação dos prejuízos (processo T-9/96).
- 6.
- Em 28 de Março de 1996, a Comissão dirigiu à recorrente uma comunicação nos
termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho
de 1963, relativa às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.°, do Regulamento
n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 8 F1, p. 62). Em 26 de Abril de
1996, a recorrente apresentou as suas observações sobre esta comunicação.
- 7.
- Por decisão de 9 de Outubro de 1996, a Comissão rejeitou a queixa da recorrente.
- 8.
- Por petição entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de
Dezembro de 1996, a recorrente interpôs recurso em que pede anulação desta
decisão e a reparação dos prejuízos (processo T-211/96).
- 9.
- Por despacho de 21 de Janeiro de 1999, o presidente da Primeira Secção do
Tribunal de Primeira Instância decidiu apensar os processos para efeitos de
audiência e de acórdão.
- 10.
- Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo
tribunal na audiência pública de 2 de Março de 1999.
Conclusões das partes
- 11.
- No processo T-9/96, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- declarar a omissão da Comissão;
- condenar a Comissão a pagar-lhe a soma de 200 000 euros, a título de
indemnização pelos prejuízos;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 12.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso inadmissível;
- considerar, a título subsidiário, o recurso como desprovido de objecto e,
além disso, improcedente;
- condenar a recorrente nas despesas.
- 13.
- No processo T-211/96, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular a decisão de 9 de Outubro de 1996;
- declarar a responsabilidade extracontratual da Comissão e atribuir à
recorrente a soma de 246 000 euros;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 14.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso inadmissível no que concerne à existência de
responsabilidade da Comissão;
- considerar os outros fundamentos deste recurso como improcedentes;
- condenar a recorrente nas despesas.
Quanto à desistência da recorrente no processo T-9/96
- 15.
- Em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal, o representante da recorrente
anunciou, na audiência, que desistiria por escrito dos seus pedidos relativos à
omissão e à indemnização no processo T-9/96. Por carta de 23 de Março de 1999,
a recorrente declarou que «se resigna a aceitar que o Tribunal não tome posição
sobre a omissão (inacção que lhe foi gravemente prejudicial)».
- 16.
- À luz das declarações feitas pelo seu representante na audiência, o Tribunal
considera que esta carta deve ser interpretada no sentido de que a recorrente
desiste dos seus pedidos relativos à omissão e à indemnização no processo T-9/96.
Quanto ao mérito do processo T-211/96
Quanto ao recurso de anulação da decisão de 9 de Outubro de 1996
- 17.
- Nos seus memorandos, a recorrente invoca, essencialmente, quatro fundamentos.
O primeiro fundamento baseia-se em incumprimento de formalidades essenciais,
mais especialmente em violação de garantias processuais, o segundo em violação
do Tratado, o terceiro em erro manifesto de apreciação da Comissão no exercício
do seu poder de tomar medidas provisórias e o quarto de desvio de poder.
- 18.
- Na audiência, a recorrente invocou dois fundamentos novos, baseados,
respectivamente, em o carácter irrazoável do prazo entre a sua queixa e a decisão
impugnada bastar para justificar a anulação desta e em a decisão não estar
suficientemente fundamentada.
- 19.
- Em primeiro lugar, há que examinar conjuntamente os primeiro e segundo
fundamentos e os dois fundamentos invocados na audiência que se destinam,
essencialmente, a provar que a Comissão não cumpriu as suas obrigações relativas
ao tratamento da queixa.
Quanto aos fundamentos baseados em incumprimento, pela Comissão, das suas
obrigações relativas ao tratamento da queixa
- Argumentação das partes
- 20.
- No âmbito do seu primeiro fundamento, a recorrente censura a Comissão por não
ter feito um exame cuidadoso e imparcial da sua queixa, como era sua obrigação.
- 21.
- O segundo fundamento está articulado em quatro partes. Na primeira parte, a
recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação da
força probatória dos elementos de prova que lhe foram apresentados.
- 22.
- Na segunda parte do fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu
um erro manifesto de apreciação do interesse comunitário.
- 23.
- Na terceira parte do fundamento, a recorrente alega erro manifesto quanto à
localização do centro de gravidade da infracção e quanto à competência dos órgãos
jurisdicionais e das autoridades administrativas francesas.
- 24.
- No âmbito da quarta parte do seu fundamento, a recorrente alega que a Comissão
cometeu um erro manifesto quanto às medidas adoptadas pela PSA para
acompanhar o programa de ajudas estatais à compra de viaturas novas,
denominado «prime Balladur».
- 25.
- A Comissão recorda que tem o poder, e mesmo o dever, de afectar
prioritariamente os meios de que dispõe apenas aos processos que tenham um
interesse comunitário bastante.
- 26.
- Contesta, de resto, a admissibilidade do fundamento baseado em violação das
garantias processuais e em incumprimento de formalidades essenciais, pelo facto
de as críticas da recorrente não terem qualquer apoio.
- Apreciação do Tribunal
- 27.
- As obrigações da Comissão, quando lhe é apresentada uma queixa, foram definidas
por uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira
Instância, confirmado em último lugar, pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 4
de Março de 1999, Ufex e o./Comissão (C-119/97 P, Colect., p. I-1341, n.os 86 e
seguintes).
- 28.
- Resulta, nomeadamente, desta jurisprudência que a Comissão, quando decide
atribuir graus de prioridades diferentes às queixas que lhe são apresentadas, pode
não apenas determinar a ordem em que as queixas serão examinadas mas também
rejeitar uma queixa por falta de interesse comunitário bastante para a prossecução
da análise do processo (v. também, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de
24 de Janeiro de 1995, Tremblay e o./Comissão, T-5/93, Colect., p. II-185, n.° 60).
- 29.
- O poder discricionário de que a Comissão dispõe para este efeito não é, no
entanto, ilimitado. A Comissão está, assim, sujeita a uma obrigação de
fundamentação quando recusa prosseguir o exame de uma queixa, devendo esta
ser suficientemente precisa e detalhada para colocar o Tribunal em condições de
exercer um controlo efectivo do exercício pela Comissão do seu poder
discricionário de definição das prioridades (v., acórdão Ufex e o./Comissão, já
referido, n.os 89 a 95). Este controlo não deve levar o Tribunal a substituir a
apreciação da Comissão do interesse comunitário pela sua própria, antes se destina
a verificar que a decisão em litígio não se baseia em factos materialmente
inexactos, não está ferida de qualquer erro de direito nem de qualquer erromanifesto de apreciação ou de desvio de poder (v., acórdão do Tribunal de
Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90,
Colect., p. II-2223, n.° 80).
- 30.
- À luz destes princípios, há que examinar os primeiro e segundo fundamentos da
recorrente, bem como os fundamentos invocados na audiência.
- 31.
- Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento, há que recordar que o Tribunal
pode examinar oficiosamente o incumprimento de formalidades essenciais e,
nomeadamente, a violação das garantias processuais conferidas pela ordem jurídica
comunitária (v., acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991,
Interhotel/Comissão, C-291/89, Colect., p. I-2257, n.° 14), o que vale também para
o fundamento baseado em insuficiência de fundamentação da decisão impugnada
invocada na audiência.
- 32.
- No caso em apreço, deve dizer-se que a decisão de 9 de Outubro de 1996 expõe
claramente as considerações de direito e de facto que levaram a Comissão a
concluir pela inexistência de um interesse comunitário bastante. Por conseguinte,
a acusação baseada em violação do dever de fundamentação é improcedente.
- 33.
- Quanto à acusação baseada, no âmbito do primeiro fundamento, em a Comissão
não ter cumprido o seu dever de examinar a queixa com a atenção exigida, resulta
da fundamentação da decisão impugnada, conjugada com a comunicação dirigida
à recorrente nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, de 25 de Julho de
1963, já referido, que a Comissão examinou atentamente os elementos adiantados
pela recorrente. Resulta, além disso, dos autos que a Comissão, em conformidade
com o que implicava neste caso uma análise imparcial, examinou igualmente as
observações feitas a seu pedido pela PSA sobre as acusações contidas na queixa.
Por conseguinte, esta acusação não tem fundamento.
- 34.
- Quanto ao fundamento suscitado na audiência e baseado na duração do processo
na Comissão, há que recordar que, em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, do
Regulamento de Processo, a apresentação de novos fundamentos no decurso da
instância é proibida, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos
de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Tendo o presente
fundamento, que não pode ser considerado como a ampliação de um fundamento
anteriormente invocado, directa ou implicitamente, na petição inicial do processo,
um nexo estreito com este, deve, portanto, ser declarado inadmissível. De resto, nas
circunstâncias do presente caso, não há que examinar oficiosamente este
fundamento.
- 35.
- Seguidamente, no que respeita à primeira parte do segundo fundamento, baseada
em falta de reconhecimento da força probatória dos elementos fornecidos pela
recorrente, há que examinar separadamente as diferentes alegações que a queixa
continha.
- 36.
- No que concerne às acções judiciais contra a recorrente e outras empresas que
exercem actividades semelhantes, a existência de um importante contencioso
relativo à actividade dos mandatários e de revendedores independentes não basta,
na falta de outros elementos de prova, para demonstrar que, na origem destas
acções, está uma concertação entre a PSA e os seus concessionários.
- 37.
- Depois, no que se refere às recusas de venda feitas ao recorrente e a outras
empresas que exercem actividades semelhantes, bem como às medidas destinadas
a desencorajar as vendas dos concessionários estrangeiros da PSA a essas
empresas, os elementos de prova apresentados pela recorrente não bastam, por si
sós, para demonstrar a existência de um acordo destinado a criar obstáculos à
actividade dos intermediários mandatados agindo em conformidade com o artigo
3.°, n.° 11, do Regulamento n.° 123/85. Além disso, estes elementos foram objecto
de uma explicação plausível da parte da PSA, no sentido de que esta se opunha
unicamente à actividade de revendedores independentes, o que não contraria o
direito da concorrência. A Comissão não podia considerar, neste caso, ter sido
provada uma infracção (v., acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de
Janeiro de 1999, Riviera auto service e o./Comissão, T-185/96, T-189/96, T-190/96,
Colect., p. II-93, n.° 47).
- 38.
- Deve acrescentar-se que a decisão impugnada não está viciada de erro manifesto
no que concerne à actividade da recorrente. Com efeito, a Comissão não baseia a
rejeição da queixa na conclusão de que a recorrente não exercia apenas a
actividade de intermediário mas também a de revendedor independente. Limita-se
a considerar que as duas hipóteses são possíveis.
- 39.
- Quanto à acusação relativa à apresentação pela PSA e seus concessionários da
regulamentação francesa relativa aos anos de matrícula dos automóveis, devesalientar-se que os problemas suscitados pela queixa não bastam para provar a
existência de um acordo ilícito a este respeito.
- 40.
- Finalmente, quanto ao argumento relativo à multiplicidade de queixas apresentadas
contra a PSA, a recorrente não apresentou qualquer elemento concreto que
permita deduzir que a Comissão tenha ignorado os elementos de prova fornecidos
no âmbito dessas queixas nem que tenha deixado de cumprir as suas obrigações no
seu exame. Pelo contrário, a Comissão, em quem tinham sido feitas numerosas
queixas, dirigidas não apenas contra a PSA, mas também contra outros
construtores, interveio no sector em causa através da sua decisão 98/273/CE, de 28
de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado
CE (IV/35.733 - VW)(JO L 124, p. 60, a seguir «processo VW»).
- 41.
- Por conseguinte, a acusação baseada em erro manifesto de apreciação quanto à
força probatória dos elementos de prova apresentados pela recorrente não tem
fundamento.
- 42.
- quanto à segunda parte do primeiro fundamento, baseada em erro manifesto
quanto à apreciação do interesse comunitário em instruir a queixa, compete,
nomeadamente, ao Tribunal verificar se resulta da decisão que a Comissão pôs em
confronto a importância do prejuízo que a infracção alegada é susceptível de fazer
ao funcionamento do mercado comum, a probabilidade de poder provar a sua
existência e a extensão das medidas de instrução necessárias para cumprir, nas
melhores condições, a sua missão de zelar pelo respeito dos artigos 85.° e 86.° do
Tratado CE (actuais artigos 81 CE e 82 CE) (v., acórdãos Automec/Comissão, já
referido, n.° 86, Tremblay e o./Comissão, já referido, n.° 62, e Riviera auto services
e o./Comissão, já referido, n.° 46).
- 43.
- A este respeito, a Comissão não pode, quando fixa a ordem de prioridade no
tratamento das queixas que lhe são apresentadas, considerar como excluídas a
priori do seu campo de acção certas situações que se inserem na missão que lhe
é confiada pelo Tratado. A Comissão é, nomeadamente, obrigada a apreciar em
cada caso, a gravidade dos prejuízos à concorrência alegados (v., acórdão Ufex e
o./Comissão, já referido, n.os 92 e 93).
- 44.
- Ora, a decisão impugnada não contém qualquer indicação que permita supor que
a Comissão tenha ignorado que o comportamento censurado à PSA no presente
caso, destinado a entravar as importações paralelas de veículos por intermediários
mandatados, a supor aprovado, constituiria um atentado particularmente grave à
concorrência.
- 45.
- Para poder determinar, neste caso, se havia ou não infracção às regras da
concorrência, a Comissão deveria, além disso, procurar obter elementos de prova
suplementares, o que, verosimilmente, teria necessitado de medidas de instrução
nos termos dos artigos 11.° e seguintes nos termos do Regulamento n.° 17 e, mais
especialmente, de verificações nos termos do artigo 14.°, n.° 3, deste regulamento.A apreciação da Comissão de que as investigações necessárias para que se pudesse
pronunciar, neste caso, sobre a existência das infracções alegadas pela recorrente
implicaria recurso a meios importantes não se mostra, portanto, como
manifestamente errada.
- 46.
- Além disso, é legítimo que a Comissão tenha em conta, a apreciação do interesse
comunitário em instruir uma queixa, não somente a gravidade da infracção alegada
e a extensão das medidas de instrução necessárias para poder provar a sua
existência, mas também a necessidade de clarificar a situação jurídica relativa ao
comportamento referido na queixa e de definir os direitos e obrigações, à luz do
direito comunitário da concorrência, dos diferentes operadores económicos
atingidos por esse comportamento.
- 47.
- No caso em apreço, a decisão impugnada sublinha correctamente que os direitos
e obrigações respectivos dos intermediários mandatados, dos construtores de
automóveis e dos distribuidores foram definidos e precisados pelos regulamentos
de isenção por categoria no n.° 123/85 e n.° 1475/95, de 28 de Junho de 1995, já
referido, pela comunicação 91/C 329/06 da Comissão, de 4 de Dezembro de 1991,
intitulada «Clarificação da actividade dos intermediários no sector automóvel»
(JO C 329, p. 20), bem como pela jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância
e do Tribunal de Justiça, respectivamente, nos acórdãos de 22 de Abril de 1993,
Peugeot/Comissão (T-9/92, Colect., p. II-493), e de 16 de Junho de 1994,
Peugeot/Comissão (C-322/93 P, Colect., p. I-2727). Nestas condições, a Comissão
podia considerar, sem cometer erro manifesto, que os órgãos jurisdicionais e as
autoridades nacionais estavam em condições de tratar as infracções alegadas na
queixa da recorrente e de salvaguardar os direitos desta resultantes do direito
comunitário.
- 48.
- O facto de ter tido, no processo VW, comportamentos à primeira vista análogos
aos provados pela recorrente à PSA e à sua rede e pondo em causa um outro
construtor de automóveis não demonstra que a Comissão tenha cometido um erro
de apreciação do interesse comunitário no presente processo.
- 49.
- Com efeito, quando é confrontada com uma situação em que numerosos elementos
permitem suspeitar de actuações contrárias ao direito da concorrência por parte
de diversas grandes empresas pertencentes ao mesmo sector económico, a
Comissão tem o direito de concentrar os seus esforços numa das empresas em
causa, sem deixar de indicar os operadores económicos eventualmente lesados pelo
comportamento infractor dos outros contraventores que lhes compete propor
acções nos órgãos jurisdicionais nacionais. Se assim não fosse, a Comissão seria
obrigada a repartir os seus meios em diferentes inquéritos de grande envergadura,
o que implicaria um risco de nenhum deles poder ser levado a termo. O benefício
para a ordem jurídica comunitária resultante do valor de exemplo de uma decisão
em relação a uma das empresas a infracção perder-se-ia então, nomeadamente em
relação aos operadores económicos lesados pelo comportamento das outrassociedades. Neste contexto, é igualmente conveniente recordar que ?? interveio já
em relação à Peugeot com a sua decisão 92/154/CEE, de 4 de Dezembro de 1991,
relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/33.157 -
Eco System/Peugeot) (JO 1992, L 66, p. 1), que constituiu objecto dos acórdãos de
22 de Abril de 1993 Peugeot/Comissão, já referido, e de 16 de Junho de 1994,
Peugeot/Comissão, já referido.
- 50.
- Nestas condições, o facto de a Comissão ter preferido prosseguir o exame das
queixas que deram lugar à sua decisão no processo VW e não as queixas dirigidas
contra a PSA, no número das quais se encontrava a da recorrente, não permite
declarar que a Comissão tenha deixado de cumprir a sua obrigação de examinar,
caso por caso, a gravidade das infracções alegadas e o interesse comunitário em
que ela intervenha, nem que tenha cometido um erro de apreciação a este respeito.
- 51.
- quanto à terceira parte do fundamento, baseada em erro manifesto relativamenteà localização do centro de gravidade da infracção, deve salientar-se, em primeiro
lugar, que a decisão impugnada não pode ser compreendida no sentido de a
Comissão ter considerado que não havia interesse comunitário em que interviesse
apenas por o centro de gravidade das actuações referidas na queixa se encontrar
no interior de um único Estado-Membro. Esta circunstância constitui apenas um
dos dados que a Comissão teve em consideração no âmbito da sua apreciação e
a redacção da decisão impugnada mostra que este elemento aí figura a título
subsidiário e por preocupação de exaustão.
- 52.
- Seguidamente, resulta da decisão impugnada que a Comissão não ignorou o
carácter transfronteiriço das operações em causa. Tem, no entanto, razão em
considerar que os principais actores em causa no presente processo, ou seja, o
construtor, a recorrente e os consumidores, clientes desta, se situam na França e
que os órgãos jurisdicionais e as autoridades administrativas francesas são
competentes para resolver o contencioso que opõe a recorrente à PSA e à sua
rede. Os órgãos jurisdicionais nacionais estão, nomeadamente, em melhores
condições do que a Comissão para procederem ao exame dos factos necessário
para se poderem pronunciar sobre a questão de saber se a recorrente exerce
apenas a actividade de mandatária ou também a de revendedor independente.
- 53.
- Por conseguinte, a apreciação, feita pela Comissão, do interesse comunitário em
dar seguimento à queixa da recorrente não está viciada de erro manifestos relativos
à localização dos factos pertinentes.
- 54.
- Finalmente, no que se refere à quarta parte do fundamento, baseada em erro
manifesto relativamente às medidas adoptadas pela PSA na sequência da
instituição, pelo Governo francês, da prime Balladur, basta salientar que o facto de
um construtor permitir aos seus concessionários a concessão de descontos
suplementares sem delas fazer beneficiar as importações paralelas não pode ser
considerada como uma infracção ao direito da concorrência.
- 55.
- Segue-se que o primeiro e segundo fundamentos e os fundamentos invocados na
audiência devem ser rejeitados.
Quanto ao terceiro fundamento, baseado em erro manifesto de apreciação da
Comissão relativamente à questão da adopção de medidas provisórias
- 56.
- A queixa da recorrente não contém qualquer pedido formal de medidas provisórias.
Na sua carta de 27 de Setembro de 1995 (citada supra no n.° 5), a recorrente
pediu, é certo, que a Comissão «notifique a PSA para que deixe de fazer pressão
sobre os seus concessionários italianos». Todavia, este pedido não visa
explicitamente a adopção de medidas provisórias. Também pode perfeitamente ser
entendida no sentido de que a recorrente pede a adopção de uma decisão
definitiva nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. De resto, a carta d 26
de Abril de 1996, pela qual a recorrente deu a conhecer as suas observações sobre
a comunicação da Comissão nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, de
25 de Julho de 1963, já referido, não contém, quanto a ela, qualquer referência a
um eventual pedido de medidas provisórias. A decisão impugnada também não
toma posição sobre um tal pedido. Nestas condições, o fundamento baseado em
erro manifesto em relação a um alegado pedido de medidas provisórias não é
procedente.
Quanto ao quarto fundamento, baseado em desvio de poder
- 57.
- A recorrente limitou-se a citar nos seus memorandos, de forma abstracta, princípios
de direito e acórdãos relativos à noção de desvio de poder, sem precisar de que
maneira, em seu entender, este fundamento de anulação devia ser acolhido no
presente caso. Este fundamento não preenche, portanto, as condições do artigo 19.°
do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do
Regulamento de Processo do Tribunal. Por conseguinte, deve ser julgado
inadmissível.
- 58.
- Segue-se que o pedido de anulação da decisão impugnada não é procedente.
Quanto à acção de indemnização
Argumentação das partes
- 59.
- A recorrente alega que a Comissão, ao recusar-se a instruir processos que
mostravam as práticas anticoncorrenciais dos construtores e ao abster-se de pôr
termo a essas práticas, cometeu uma falta susceptível de provocar a
responsabilidade extracontratual da Comunidade.
- 60.
- A Comissão alega que o recurso não respeita as condições fixadas pelo disposto no
artigo 19.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do
Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.
Apreciação do Tribunal
- 61.
- Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência constante, os pedidos de
reparação de prejuízo devem ser indeferidos na medida em que tenham um nexo
estreito com os pedidos de anulação que tenham, eles próprios, sido indeferidos
(acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Riviera auto service e o./Comissão,
já referido, n.° 90, e de 18 de Junho de 1996, Vela Palacios/CES, T-150/94, Colect.
FP, p. II-877, n.° 51). Em todo o caso, é de jurisprudência pacífica que a Comissão
não é obrigada, quando lhe é apresentada uma queixa nos termos do artigo 3.° do
Regulamento n.° 17, a tomar uma decisão quanto à existência ou não da alegada
infracção, salvo quando a queixa depender da sua competência exclusiva, o que não
sucede no presente caso (v., por exemplo, acórdão Tremblay e o./Comissão, já
referido, n.° 59). Segue-se que o comportamento da Comissão visado pelo presente
pedido de indemnização não pode constituir uma falta susceptível de provocar a
responsabilidade da comunidade.
- 62.
- Nestas condições, há que dar provimento ao pedido de indemnização, sem que seja
necessário examinar a questão de saber se os desenvolvimentos da recorrente
quanto à natureza e à extensão do prejuízo e quanto ao nexo de causalidade entre
o comportamento censurado à Comissão e esse prejuízo são bastantes à luz das
exigências do artigo 19.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1,
alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.
Quanto às despesas
- 63.
- Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de
Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido.
De acordo o artigo 87.°, n.° 5, primeiro parágrafo, a parte que ?? deve ser
condenada nas despesas se tal for requerido pela outra parte nas suas observações
sobre a desistência. Todavia, a pedido da parte que desiste, as despesas serão
suportadas pela outra parte, se isso justificar em virtude da atitude desta última.
- 64.
- No processo T-9/96, a recorrente desistiu da sua acção por omissão quando esta
ficou sem objecto devido à adopção de uma decisão definitiva da Comissão sobre
a queixa. Nestas condições, justifica-se que a Comissão suporte as despesas, em
conformidade com o artigo 87.°, n.° 5, do Regulamento de Processo.
- 65.
- Tendo a recorrente sido vencida no processo T-211/96, há que condená-la nas
despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.
- 66.
-
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),
decide:
1) É negado provimento ao recurso no processo T-211/96.
2) A recorrente suportará as despesas no processo T-211/96.
3) O processo T-9/96 é cancelado do registo.
4) A Comissão suportará as despesas no processo T-9/96.
VesterdorfPirrung
Vilaras
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 1999.
O secretário
O presidente
H. Jung
B. Vesterdorf