Language of document : ECLI:EU:C:2024:374

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

30 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Energia — Diretiva 2009/119/CE — Aprovisionamento de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos — Artigo 3.o — Obrigação de os Estados‑Membros manterem reservas de segurança — Artigo 8.o — Operadores económicos — Regulamento (CE) n.o 1099/2008 — Estatísticas da energia — Legislação nacional que permite impor a um operador económico a obrigação de criar e manter reservas de segurança de um produto petrolífero, mesmo quando esse produto é alheio à atividade económica desse operador — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 16.o — Liberdade de empresa — Artigo 17.o — Direito de propriedade»

Nos processos apensos C‑395/22 e C‑428/22,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária), por Decisões de 3 e 14 de junho de 2022, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 14 e 28 de junho de 2022, respetivamente, nos processos

«Trade ExpressL» OOD (C‑395/22),

«DEVNIA TSIMENT» AD (C‑428/22)

contra

Zamestnikpredsedatel na Darzhavna agentsia «Darzhaven rezerv i voennovremenni zapasi»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, N. Piçarra e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 5 de julho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da «DEVNIA TSIMENT» AD, por E. Evtimov, Y. Mateeva, S. Vasilev, V. Vidolov, advokati, e B. Lazarov,

–        em representação do Governo Búlgaro, por T. Mitova e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Neerlandês, por E. M. M. Besselink, M. K. Bulterman e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Eslovaco, por S. Ondrášiková, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por V. Bozhilova, B. De Meester e C. Georgieva, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 1.o, do artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas i) e j), bem como dos artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2009/119/CE do Conselho, de 14 de setembro de 2009, que obriga os Estados‑Membros a manterem um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos (JO 2009, L 265, p. 9), conforme alterada pela Diretiva de Execução (UE) 2018/1581 da Comissão, de 19 de outubro de 2018 (JO 2018, L 263, p. 57) (a seguir «Diretiva 2009/119»), do artigo 2.o, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 1099/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativo às estatísticas da energia (JO 2008, L 304, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/2146 da Comissão, de 26 de novembro de 2019 (JO 2019, L 325, p. 43) (a seguir «Regulamento n.o 1099/2008»), bem como do artigo 17.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a «Trade Express‑L» OOD (a seguir «Trade Express») (C‑395/22) e a «Devnia TSIMENT» AD (a seguir «Devnia Tsiment») (C‑428/22) ao Zamestnik‑predsedatel na Darzhavna agentsia «Darzhaven rezerv i voennovremenni zapasi» (Vice‑Presidente da Agência Nacional «Reservas Estatais e Provisões de Guerra») a respeito da legalidade de decretos adotados por este último que impõem a estas sociedades a obrigação de criar e manter reservas de segurança de fuelóleo pesado pelo período de um ano.

 Quadro jurídico

 Acordo AIE

3        O Acordo relativo a um Programa Internacional da Energia, assinado em Paris em 18 de novembro de 1974 (a seguir «Acordo AIE»), instituiu, no âmbito da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos, a Agência Internacional da Energia (AIE).

 Direito da União

 Diretivas 68/414/CEE e 2006/67/CE

4        As primeiras regras reguladoras das reservas de segurança de petróleo ou de produtos petrolíferos foram introduzidas pela Diretiva 68/414/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1968, que obriga os Estados‑Membros da CEE a manterem um nível mínimo de existências de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos (JO 1968, L 308, p. 14).

5        A Diretiva 68/414, com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 98/93/CE do Conselho, de 14 de dezembro de 1998 (JO 1998, L 358, p. 100) (a seguir «Diretiva 68/414»), foi revogada pela Diretiva 2006/67/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006, que obriga os Estados‑Membros a manterem um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos (JO 2006, L 217, p. 8). Por sua vez, a Diretiva 2006/67 foi revogada pela Diretiva 2009/119. É esta última diretiva que é aplicável ratione temporis aos litígios nos processos principais.

6        O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 68/414, que corresponde, em substância, ao artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2006/67, dispunha:

«Os Estados‑Membros adotarão todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas adequadas para manter em toda a Comunidade, de forma permanente e sem prejuízo das disposições no artigo 7.o, um nível de existências de produtos petrolíferos equivalente a, pelo menos, 90 dias do consumo interno diário médio durante o ano civil anterior mencionado no artigo 4.o, para cada uma das categorias de produtos petrolíferos mencionadas no artigo 2.o»

7        O artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 68/414, que corresponde, em substância, ao artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/67, tinha a seguinte redação:

«Serão tidas em conta as seguintes categorias de produtos para o cálculo do consumo interno:

–        gasolinas para automóveis e combustíveis para aviões (gasolina para avião, combustível para motores de reação do tipo gasolina),

–        gasóleos, combustíveis diesel, petróleo de iluminação e combustível para motores de reação do tipo querosene,

–        fuelóleos.»

 Diretiva 2009/119

8        Os considerandos 3, 5, 8, 11, 21 e 33 da Diretiva 2009/119 têm a seguinte redação:

«(3)      No seu Plano de Ação (2007‑2009), intitulado “Uma política Energética para a Europa”, o Conselho Europeu sublinhou a necessidade de reforçar a segurança do aprovisionamento, tanto no que respeita à União Europeia […] no seu conjunto como a cada Estado‑Membro, analisando, designadamente, os mecanismos de armazenagem de petróleo da União, com especial destaque para a disponibilidade de petróleo em caso de crise.

[…]

(5)      Segundo as disposições da Diretiva [2006/67], as reservas são calculadas com base no consumo interno diário médio do ano civil anterior. Em contrapartida, as obrigações de armazenagem impostas no âmbito do [Acordo AIE] são calculadas com base nas importações líquidas de petróleo e de produtos petrolíferos. Por este motivo, e também devido a outras diferenças de metodologia, é necessário adaptar os métodos de cálculo das obrigações de armazenagem e das reservas de segurança comunitárias, a fim de os aproximar dos métodos utilizados no âmbito do Acordo AIE […]

[…]

(8)      A disponibilidade de reservas de petróleo e a salvaguarda do aprovisionamento energético constituem elementos essenciais da segurança pública dos Estados‑Membros e da Comunidade. A existência de entidades centrais de armazenagem (ECA) na Comunidade permite avançar no sentido da consecução destes objetivos. Para que os Estados‑Membros interessados possam utilizar da melhor forma o direito nacional para definir os estatutos do respetivo ECA, moderando simultaneamente a carga financeira que recai sobre os consumidores finais em resultado dessas atividades de armazenagem, basta proibir a utilização dessas reservas para fins comerciais, ao mesmo tempo que se permite as reservas de petróleo possam ser detidas em qualquer local da Comunidade e por qualquer ECA estabelecida para esse efeito.

[…]

(11)      Os Estados‑Membros deverão assegurar uma disponibilidade absoluta de todas as reservas detidas por força da legislação comunitária. A fim de garantir essa disponibilidade, o direito de propriedade dessas reservas não deverá sofrer qualquer restrição ou limitação suscetível de dificultar a sua utilização em caso de rutura no aprovisionamento em petróleo. Não deverão ser tidos em conta os produtos petrolíferos de empresas expostas a riscos substanciais de processos de execução que visem os seus ativos. Quando é imposta aos operadores uma obrigação de armazenagem, o início de um processo de falência ou de concordata poderá ser considerado revelador de uma situação de risco desse tipo.

[…]

(21)      A fim de evitar a multiplicação de informações sobre as diferentes categorias de produtos a fornecer pelos Estados‑Membros, o Regulamento (CE) n.o 1099/2008 […] deverá servir de referência para as diferentes categorias de produtos petrolíferos abrangidos pela presente diretiva.

[…]

(33)      Atendendo a que o objetivo da presente diretiva, a saber, a manutenção de um elevado nível de segurança do aprovisionamento em petróleo na Comunidade graças a mecanismos fiáveis e transparentes baseados na solidariedade entre os Estados‑Membros, assegurando simultaneamente o cumprimento das regras do mercado interno e da concorrência, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros e pode, pois, devido à sua dimensão ou efeitos, ser melhor alcançado a nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado [CE]. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para atingir aquele objetivo.»

9        O artigo 1.o da Diretiva 2009/119, sob a epígrafe «Objetivo», dispõe:

«A presente diretiva estabelece regras que visam assegurar um nível elevado de segurança do aprovisionamento em petróleo na Comunidade graças a mecanismos fiáveis e transparentes assentes na solidariedade entre os Estados‑Membros, manter um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos, bem como criar os meios processuais necessários para obviar a uma eventual escassez grave.»

10      O artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas f), i), j) e l), dessa diretiva contém as seguintes definições:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

f)      “entidade central de armazenagem” (ECA): o organismo ou serviço ao qual podem ser conferidas competências para atuar com vista à aquisição, manutenção ou venda de reservas de petróleo, incluindo reservas de segurança e reservas específicas;

[…]

i)      “reservas de petróleo”: reservas dos produtos energéticos enumerados no anexo A, secção 3.4, do Regulamento (CE) n.o 1099/2008[, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2017/2010 da Comissão, de 9 de novembro de 2017 (JO 2017, L 292, p. 3)];

j)      “reservas de segurança”: as reservas de petróleo cuja manutenção é imposta a cada Estado‑Membro pelo artigo 3.o;

[…]

l)      “reservas específicas”: as reservas de petróleo que satisfazem as condições referidas no artigo 9.o»

11      O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Reservas de segurança — Cálculo das obrigações de armazenagem», enuncia, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros tomam todas as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas adequadas para assegurar, o mais tardar em 31 de dezembro de 2012, a manutenção por sua conta, no território da Comunidade e de forma permanente, de um nível total de reservas de petróleo equivalente, no mínimo, à maior das quantidades representada quer por 90 dias de importações líquidas diárias médias quer por 61 dias de consumo interno diário médio.»

12      O artigo 4.o da mesma diretiva, relativo ao «[c]álculo do nível das reservas», prevê, no seu n.o 1:

«O nível das reservas detidas é calculado em conformidade com os métodos enunciados no anexo III. […]»

13      No que respeita às ECA, o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2009/119 dispõe:

«Os Estados‑Membros podem criar ECA.

Os Estados‑Membros não podem criar mais do que uma ECA ou organismo semelhante. Um Estado‑Membro pode criar a sua ECA em qualquer local da Comunidade.

Sempre que um Estado‑Membro crie uma ECA, esta deve assumir a forma de organismo ou serviço sem fins lucrativos que funciona no interesse geral, não devendo ser considerada um operador económico na aceção da presente diretiva.»

14      O artigo 8.o desta diretiva, sob a epígrafe «Operadores económicos», tem a seguinte redação:

«1.      Cada Estado‑Membro vela por conferir a todos os operadores económicos aos quais imponha obrigações de armazenagem, para cumprimento das suas obrigações decorrentes do artigo 3.o, o direito de delegar essas obrigações pelo menos em parte, à escolha do operador económico, mas unicamente:

a)      na ECA do Estado‑Membro por conta do qual as reservas são detidas;

b)      numa ou mais ECA que tenham declarado anteriormente pretender deter essas reservas, desde que as delegações tenham sido previamente autorizadas tanto pelo Estado‑Membro por conta do qual as reservas são detidas como por todos os Estados‑Membros em cujos territórios as reservas serão detidas;

c)      noutros operadores económicos que disponham de reservas excedentárias ou de capacidade de armazenagem fora do território do Estado‑Membro por conta do qual as reservas são detidas na Comunidade, desde que a delegação tenha sido autorizada anteriormente tanto pelo Estado‑Membro por conta do qual essas reservas são mantidas como por todos os Estados‑Membros em cujos territórios as reservas serão mantidas; e/ou

d)      noutros operadores económicos que disponham de reservas excedentárias ou de capacidade de armazenagem dentro do território do Estado‑Membro por conta do qual as reservas são detidas, desde que a delegação tenha sido comunicada anteriormente ao Estado‑Membro. Os Estados‑Membros podem impor limites ou condições à delegação.

[…]

2.      Cada Estado‑Membro pode restringir os direitos de delegação conferidos aos operadores económicos a quem imponha ou tenha imposto obrigações de armazenagem.

No entanto, se essas restrições limitarem os direitos de delegação do operador económico a uma parte correspondente a menos de 10 % da obrigação de armazenagem que lhe é imposta, o Estado‑Membro deve garantir a criação de uma ECA que deva aceitar a parte de delegação necessária para salvaguardar o direito do operador económico a delegar pelo menos 10 % da obrigação de armazenagem que lhe é imposta.

A percentagem mínima referida no presente número é aumentada de 10 % para 30 % até 31 de dezembro de 2017.

[…]»

15      Nos termos do artigo 9.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Reservas específicas»:

«1.      Cada Estado‑Membro pode comprometer‑se a manter um nível mínimo de reservas de petróleo, determinado em número de dias de consumo, nas condições estabelecidas no presente artigo.

As reservas específicas são da propriedade do Estado‑Membro ou da ECA por ele criada e são mantidas no território da Comunidade.

2.      As reservas específicas só podem ser constituídas por uma ou mais das seguintes categorias de produtos, definidas no anexo A, secção 3.4, do Regulamento (CE) n.o 1099/2008[, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2017/2010]:

–        Etano;

–        GPL;

–        Gasolina para motores;

–        Gasolina de aviação;

–        Carborreatores do tipo gasolina (carborreatores do tipo nafta ou JP4);

–        Combustíveis do tipo querosene para motores de reação;

–        Outro querosene;

–        Gasóleo/diesel (fuelóleo destilado);

–        Fuelóleo (de baixo e de alto teor de enxofre);

–        White spirit e SBP;

–        Lubrificantes;

–        Betume;

–        Ceras parafínicas;

–        Coque de petróleo.

[…]

5.      Cada Estado‑Membro que não se tiver comprometido a deter, em todo um ano civil, pelo menos 30 dias de reservas específicas deve garantir que pelo menos um terço das suas obrigações de armazenagem seja detido sob a forma de produtos compostos nos termos dos n.os 2 e 3.

[…]»

16      O anexo III da mesma diretiva, sob a epígrafe «Métodos aplicáveis ao cálculo do nível de reservas mantido», prevê, no seu sexto parágrafo:

«Os Estados‑Membros podem:

a)      Incluir todas as outras reservas de produtos petrolíferos identificados no anexo A, secção 3.4, do Regulamento (CE) n.o 1099/2008[, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2017/2010,] e calcular o equivalente de petróleo bruto mediante a aplicação de um coeficiente multiplicador de 1,065 às quantidades identificadas; ou

b)      incluir as reservas exclusivamente dos seguintes produtos: gasolina para motores, gasolina de aviação, carborreatores do tipo gasolina (carborreatores do tipo nafta ou JP4), combustíveis do tipo querosene para motores de reação, outro querosene, gasóleo/diesel (fuelóleo destilado), fuelóleo (de baixo e de alto teor de enxofre) e calcular o equivalente de petróleo bruto multiplicando as quantidades pelo fator de 1,2.»

 Regulamento n.o 1099/2008

17      O artigo 2.o, alínea d), do Regulamento n.o 1099/2008 define o conceito de «produtos energéticos», para efeitos deste regulamento, como «os combustíveis, o calor, a energia renovável, a eletricidade ou qualquer outra forma de energia».

18      O anexo A do referido regulamento contém «Esclarecimentos sobre a terminologia». A secção 3.4 deste anexo diz respeito ao conceito de «[p]etróleo (petróleo bruto e produtos petrolíferos)», de que fazem parte, nomeadamente, o fuelóleo pesado (fuelóleo pesado), os lubrificantes e o coque de petróleo, na aceção, respetivamente, dos pontos 3.4.18, 3.4.20 e 3.4.23 do referido anexo.

 Direito búlgaro

19      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Zakon za zapasite ot Neft i neftoprodukti (Lei relativa às Reservas de Petróleo e de Produtos Petrolíferos, DV n.o 15, de 15 de fevereiro de 2013), na redação aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «ZZNN»):

«Por força da presente lei, são criadas, mantidas, atualizadas, utilizadas, reconstituídas e controladas reservas de segurança de petróleo e das categorias de produtos petrolíferos a seguir enumeradas:

1.      gasolina para automóveis;

2.      gasóleo, combustível para motores de reação do tipo querosene e combustível para motores diesel;

3.      fuelóleo pesado;

4.      gás de petróleo liquefeito.»

20      O artigo 3.o, n.o 4, do ZZNN dispõe:

«As pessoas sujeitas a esta obrigação organizam e financiam elas próprias, a suas expensas e com os seus próprios meios, a constituição, a manutenção, a renovação e a reconstituição dos níveis das reservas de segurança que lhes são ordenadas.»

21      O artigo 12.o do ZZNN enuncia:

«(1)      […] O presidente da [Agência Nacional “Reservas Estatais e Provisões de Guerra”] estabelece anualmente, o mais tardar até 30 de abril, as reservas de segurança a criar e a manter pelas pessoas sujeitas a esta obrigação e pela empresa estatal «Darzhavna petrolna compania» [(Companhia Petrolífera Nacional)], por decretos que fixam os níveis de reservas globais e individuais […]

[…]

(4)      Os níveis das reservas de segurança de cada pessoa sujeita a esta obrigação são determinados proporcionalmente à sua parte das importações líquidas totais e das chegadas intracomunitárias ou do consumo interno total durante o ano civil anterior em relação à quota‑parte total de todas as entidades sujeitas a esta obrigação.

[…]

(11)      A qualquer pessoa singular ou coletiva búlgara ou estrangeira registada como comerciante, bem como as respetivas sucursais, que, durante o ano civil anterior, tenha importado e/ou fornecido, a partir de chegadas intracomunitárias, óleos lubrificantes (incluindo os óleos de base), betume, ceras de parafina, coque de petróleo, alcatrão e enxofre, são atribuídos níveis de reservas de segurança sob a forma de fuelóleo pesado.»

22      O artigo 21.o do ZZNN tem a seguinte redação:

«(1)      As reservas de segurança podem ser mantidas sob a forma de petróleo e/ou de produtos petrolíferos a que se refere o artigo 2.o, n.o 1.

[…]

(11)      Os níveis das reservas de segurança de fuelóleo pesado, determinados com base nas importações líquidas e nas aquisições intracomunitárias ou no consumo diário médio, podem ser criados e mantidos, até 100 %, sob a forma de gasóleo, gasolina e/ou combustível para motores a diesel, devendo a quantidade ser igual à quantidade de reserva de fuelóleo pesado para a qual é solicitada a substituição.

[…]»

 Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

23      A Trade Express, recorrente no litígio que deu origem ao processo C‑395/22, declarou, na Bulgária, aquisições intracomunitárias de 89,6 toneladas de óleos lubrificantes em 2020. Estes óleos lubrificantes, correspondentes ao ponto 3.4.20 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008, destinavam‑se à venda.

24      A Devnia Tsiment, recorrente no litígio que deu origem ao processo C‑428/22, declarou ter importado para a Bulgária 34 657,39 toneladas de coque de petróleo durante o ano de 2020. Este coque de petróleo, incluído no ponto 3.4.23 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008, é utilizado num processo mineralógico para a produção de cimentos não pulverizados chamados «clinkers».

25      Devido a essas atividades, através de dois decretos, um datado de 28 de abril e outro datado de 29 de abril de 2021, o Vice‑Presidente da Agência Nacional «Reservas Estatais e Provisões de Guerra» ordenou, respetivamente, à Devnia Tsiment e à Trade Express que criassem e mantivessem, a suas expensas e com os seus próprios meios, no período compreendido entre 1 de julho de 2021 e 30 de junho de 2022, níveis de reservas de segurança de fuelóleo pesado. A Devnia Tsiment devia criar uma reserva de segurança na quantidade de 7 806,058 toneladas, a Trade Express na quantidade de 15,947 toneladas.

26      Cada uma destas sociedades interpôs no Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária), o órgão jurisdicional de reenvio nos presentes processos, um recurso de anulação do decreto de que foi objeto. Em substância, impugnam a obrigação de criar, a seu cargo, reservas de segurança de fuelóleo pesado, quando esse produto petrolífero não é objeto das suas atividades económicas.

27      Esse órgão jurisdicional constata que a Trade Express e a Devnia Tsiment não exerciam, durante o ano de 2020, nenhuma atividade económica que envolva os tipos de produtos enumerados na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008 com exceção, respetivamente, dos óleos lubrificantes e do coque de petróleo. Sublinha que essas sociedades não dispõem das quantidades de reservas de segurança de fuelóleo pesado reclamadas pelos decretos referidos no n.o 25 do presente acórdão nem de um depósito para conservar essas reservas. Por esse facto, a constituição e o armazenamento dos níveis de reservas de segurança estabelecidos por esses decretos implicariam um encargo financeiro significativo para as recorrentes.

28      Neste contexto, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à compatibilidade do ZZNN com as disposições da Diretiva 2009/119, lidas à luz da Carta, uma vez que esta lei permite obrigar sociedades, como a Trade Express e a Devnia Tsiment, a criar e a manter reservas de segurança de produtos petrolíferos alheios às suas atividades.

29      Com efeito, decorre, em substância, do considerando 33, do artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas i) e j), e dos artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2009/119 que esta tem o objetivo de criar reservas de segurança de todos os produtos mencionados na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008.

30      Ora, o ZZNN só prevê a constituição de tais reservas para o petróleo e quatro outros produtos petrolíferos, entre os quais o fuelóleo pesado. Esta lei obriga assim qualquer operador económico que tenha importado produtos referidos nessa secção a criar e a manter reservas de segurança de um destes últimos produtos.

31      Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a obrigação de um operador económico armazenar um produto petrolífero que não utiliza no âmbito das suas atividades económicas obriga este operador a comprar ou a pedir emprestado, delegando em parte esta obrigação, a quantidade necessária desse produto e a armazená‑lo em conformidade com as exigências regulamentares. Tal cria um encargo financeiro significativo para esse operador e pode afetar as regras do mercado interno e da concorrência. A sistemática geral da Diretiva 2009/119 e a exigência de coerência advogam mais a favor de uma interpretação que consista em impor a este operador obrigações em espécie, a saber, uma obrigação de armazenar um produto energético que se enquadre no âmbito das suas atividades económicas, a fim de assegurar um equilíbrio razoável entre os interesses públicos da União e os interesses privados.

32      Foi nestas circunstâncias que o Administrativen sad — Varna (Tribunal Administrativo de Varna) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais no processo C‑395/22:

«1)      Devem o considerando 33, os artigos 1.o, 3.o, 8.o e 2.o, [primeiro parágrafo,] alíneas i) e j), da [Diretiva 2009/119], tendo em conta o objetivo [desta diretiva] e do artigo 2.o, alínea d), do [Regulamento n.o 1099/2008], e ainda à luz do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 52.o, n.o 1, [da Carta], [lido] em conjugação com o artigo 17.o [desta], ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de direito nacional como as que estão em causa no processo principal, segundo as quais as pessoas que realizam aquisições intracomunitárias de óleos lubrificantes nos termos do [ponto] 3.4.20, do anexo A, do Regulamento n.o 1099/2008 (ou os importadores desses óleos lubrificantes) podem ser obrigadas a criar reservas de segurança?

2)      Devem o considerando 33, os artigos 1.o, 3.o, 8.o e 2.o, [primeiro parágrafo,] alíneas i) e j), da [Diretiva 2009/119], tendo em conta o objetivo [desta diretiva] e à luz do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 52.o, n.o 1, [da Carta], [lido] em conjugação com o artigo 17.o [desta], ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de direito nacional como as que estão em causa no processo principal, segundo as quais os tipos de produtos relativamente aos quais devem ser criadas e mantidas reservas de segurança se limitam a uma parte dos tipos de produtos constantes do artigo 2.o, [primeiro parágrafo,] alínea i), da [referida] diretiva, [lido] em conjugação com o anexo A, [secção] 3.4, do [Regulamento n.o 1099/2008]?

3)      Devem o considerando 33, os artigos 1.o, 3.o, 8.o e 2.o, [primeiro parágrafo,] alíneas i) e j), da [Diretiva 2009/119], tendo em conta o objetivo [desta diretiva] e à luz do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 52.o, n.o 1, [da Carta], [lido] em conjugação com o artigo 17.o [desta], ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de direito nacional como as que estão em causa no processo principal, segundo as quais a realização de introduções ou importações intracomunitárias de um tipo de produtos descritos no artigo 2.o, [primeiro parágrafo] alínea i), da [referida] diretiva, lido em conjugação com o anexo A, [secção] 3.4, do [Regulamento n.o 1099/2008], por uma pessoa, implica a assunção por parte da mesma da obrigação de criar e manter reservas de segurança de um produto de outro tipo diferente?

4)      Devem o considerando 33, os artigos 1.o, 3.o, 8.o e 2.o, [primeiro parágrafo,] alíneas i) e j), da [Diretiva 2009/119], tendo em conta o objetivo [desta diretiva] e à luz do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 52.o, n.o 1, [da Carta], [lido] em conjugação com o artigo 17.o [desta], ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de direito nacional como as que estão em causa no processo principal, segundo as quais uma pessoa é obrigada a criar e a manter reservas de um produto que não utiliza no âmbito da sua atividade económica e que não está relacionado com esta atividade, implicando esta obrigação, além disso, um encargo financeiro considerável (que, na prática, torna impossível o cumprimento da mesma), uma vez que a pessoa não dispõe do produto nem é o importador e/ou o detentor do mesmo?

5)      Em caso de resposta negativa a uma das questões anteriores: devem o considerando 33, os artigos 1.o, 3.o, 8.o e 2.o, [primeiro parágrafo,] alíneas i) e j), da [Diretiva 2009/119], tendo em conta o objetivo [desta diretiva] e à luz do princípio da proporcionalidade nos termos do artigo 52.o, n.o 1, [da Carta], [lido] em conjugação com o artigo 17.o [desta], ser interpretados no sentido de que uma pessoa que tenha realizado aquisições ou importações intracomunitárias de um determinado tipo de produto só pode ser obrigada a criar e a manter reservas de segurança do mesmo tipo de produto que foi objeto das aquisições/importações intracomunitárias?»

33      No processo C‑428/22, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu cinco questões prejudiciais que são, em substância, idênticas às referidas no número anterior, a não ser que a primeira questão diga respeito à hipótese de pessoas que efetuaram chegadas intracomunitárias de coque de petróleo, na aceção do ponto 3.4.23 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008, para efeitos de produção.

34      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de agosto de 2022, os processos C‑395/22 e C‑428/22 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

35      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de janeiro de 2024, a Devnia Tsiment pediu que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

36      Como fundamento do seu pedido, a Devnia Tsiment invoca a existência de um facto novo, a saber, uma alteração legislativa ocorrida após a audiência de alegações no Tribunal de Justiça. Segundo a Devnia Tsiment, esta alteração legislativa deve ser tida em conta nas respostas às questões prejudiciais, mesmo que não seja aplicável ratione temporis aos litígios nos processos principais. Neste pedido, a Devnia Tsiment invoca ainda argumentos de mérito em resposta a estas questões.

37      A este respeito, importa relembrar que, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

38      No caso vertente, ouvido o advogado‑geral, o Tribunal de Justiça considera que os pressupostos enunciados neste artigo 83.o não se verificam. Com efeito, além do facto de o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, não ser chamado a pronunciar‑se sobre o direito nacional, há que salientar que a alteração legislativa invocada pela Devnia Tsiment não é, segundo ela própria, aplicável aos litígios nos processos principais. Nestas condições, esta alteração legislativa não pode ser considerada como «um facto novo suscetível de exercer uma influência decisiva na decisão do Tribunal de Justiça», na aceção do referido artigo 83.o

39      Em todo o caso, o Tribunal de Justiça considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir sobre os pedidos de decisão prejudicial e que não se deve pronunciar sobre os presentes processos apensos com base num argumento que não foi debatido perante si.

40      Por conseguinte, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda questão

41      Com a sua segunda questão em cada um dos presentes processos apensos, que importa tratar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o da Diretiva 2009/119, lido em conjugação com o artigo 1.o e com o artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas i) e j), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados a manter reservas de segurança para todas as categorias de produtos energéticos referidas na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008, ou se os Estados‑Membros podem cumprir a obrigação de manutenção de reservas de segurança que lhes incumbe por força desse artigo 3.o mantendo reservas de segurança compostas unicamente por algumas dessas categorias.

42      A título preliminar, há que recordar que, como resulta do artigo 1.o da Diretiva 2009/119, lido à luz dos seus considerandos 3, 8 e 33 desta, o objetivo desta diretiva é garantir um elevado nível de segurança do aprovisionamento de petróleo na União através de mecanismos transparentes baseados na solidariedade entre os Estados‑Membros, assegurando o cumprimento das regras do mercado interno e da concorrência, mantendo um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos, e criando os meios processuais necessários para corrigir uma grave escassez. Ao fazê‑lo, a referida diretiva visa garantir a segurança pública dos Estados‑Membros e da União, de que a disponibilidade das reservas de petróleo e a salvaguarda do aprovisionamento energético constituem elementos essenciais.

43      O artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas i) e j), da Diretiva 2009/119 define os conceitos de «reservas de petróleo» e de «reservas de segurança» para efeitos desta diretiva.

44      As «reservas de petróleo», na aceção deste artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea i), são as reservas dos produtos energéticos enumerados no anexo A, secção 3.4, do Regulamento (CE) n.o 1099/2008. Esta secção contém uma lista de 24 categorias de produtos agrupadas sob a epígrafe «[p]étroleo (petróleo bruto e produtos petrolíferos)», entre as quais figuram o fuelóleo pesado, os lubrificantes e o coque de petróleo.

45      Quanto às «reservas de segurança», na aceção do artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea j), da Diretiva 2009/119, são definidas como as reservas de petróleo cuja manutenção é imposta a cada Estado‑Membro pelo artigo 3.o desta diretiva.

46      Assim, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/119, impõe aos Estados‑Membros que tomem todas as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas adequadas para assegurar a manutenção por sua conta, no território da União e de forma permanente, de um nível total de reservas de petróleo equivalente, no mínimo, à maior das quantidades representada quer por 90 dias de importações líquidas diárias médias quer por 61 dias de consumo interno diário médio. O artigo 3.o, n.os 2 e 3, desta diretiva determina os métodos e os procedimentos de avaliação desse nível.

47      Para a interpretação destas disposições do direito da União, há que ter em conta, segundo jurisprudência constante, não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Bank Melli Iran, C‑124/20, EU:C:2021:1035, n.o 43 e jurisprudência referida).

48      Em primeiro lugar, resulta da redação do artigo 3.o da Diretiva 2009/119 que os Estados‑Membros são obrigados a assegurar a manutenção de um «nível total de reservas de petróleo», calculado segundo os métodos e os procedimentos definidos nesse artigo. Como salientou o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, o referido artigo determina, assim, o volume exigido dessas reservas. Em contrapartida, esta redação não define de modo algum a composição concreta destas últimas no que respeita às categorias de produtos que devem ser incluídos nas mencionadas reservas.

49      À luz da referida redação, não se afigura, portanto, que os Estados‑Membros sejam obrigados a manter reservas de segurança para todos os produtos energéticos enumerados na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008. Pelo contrário, a mesma redação indica que o legislador da União quis conceder aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação para determinar, em particular, a composição concreta das reservas de segurança.

50      A circunstância de, no artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea i), da Diretiva 2009/119, as «reservas de petróleo», na aceção desta diretiva, serem definidas por referência aos produtos energéticos enumerados na secção 3.4, do anexo A, do Regulamento n.o 1099/2008, não pode ser suscetível de induzir uma interpretação diferente. Com efeito, tal como decorre do considerando 21 da referida diretiva, este regulamento constitui um ato jurídico de referência em relação a esta. O referido regulamento não pode, por conseguinte, alterar o âmbito da obrigação nem a margem de apreciação dos Estados‑Membros tal como decorrem do artigo 3.o da mesma diretiva, lido em conjugação com a definição de «reservas de segurança» que figura no artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea j), desta.

51      Em segundo lugar, a interpretação literal apresentada no n.o 49 do presente acórdão é corroborada pelo contexto e pela génese do artigo 3.o da Diretiva 2009/119, bem como pelos objetivos desta última.

52      Primeiro, quanto ao contexto deste artigo 3.o, por um lado, há que salientar que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, e com o anexo III da Diretiva 2009/119, os níveis das reservas detidas, que não as reservas de petróleo bruto, são calculados com base no equivalente de petróleo bruto. A este respeito, o sexto parágrafo, alíneas a) e b), do anexo III desta diretiva prevê dois métodos de cálculo alternativos. Assim, os Estados‑Membros podem incluir, no cálculo do nível das reservas detidas, «todas as outras reservas de produtos petrolíferos identificados no anexo A, secção 3.4, do [Regulamento n.o 1099/2008]» ou apenas as reservas de alguns desses produtos [gasolina para motores, gasolina de aviação, carborreatores do tipo gasolina (carborreatores do tipo nafta ou JP4), combustíveis do tipo querosene para motores de reação, outro querosene, gasóleo/diesel (fuelóleo destilado), fuelóleo (de baixo e de alto teor de enxofre)].

53      Ora, como observou o advogado‑geral no n.o 65 das suas conclusões, a concessão de tal escolha aos Estados‑Membros pressupõe que estes disponham de uma margem de apreciação para determinar a composição concreta das respetivas reservas de segurança.

54      Por outro lado, decorre de uma leitura integral da Diretiva 2009/119 que apenas o seu artigo 9.o, n.o 5, contém elementos de definição da composição das reservas de segurança dos Estados‑Membros. Nos termos desta disposição, cada Estado‑Membro que não se tiver comprometido a deter, em todo um ano civil, pelo menos 30 dias de reservas específicas, na aceção do artigo 2.o, primeiro parágrafo, alínea l), desta diretiva, deve garantir que pelo menos um terço das suas obrigações de armazenagem seja detido sob a forma de produtos compostos nos termos dos n.os 2 e 3, da referida diretiva. Este n.o 2 contém uma lista de catorze categorias de produtos petrolíferos, conforme definidas na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008.

55      Pode deduzir‑se de uma comparação entre o artigo 3.o e o artigo 9.o, n.o 5, da Diretiva 2009/119 que, quando o legislador da União pretende limitar a margem de apreciação dos Estados‑Membros quanto à composição das reservas de segurança, o prevê expressamente.

56      Segundo, esta conclusão é também corroborada pela génese do artigo 3.o da Diretiva 2009/119.

57      A este respeito, há que especificar que o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 2.o das Diretivas 68/414 e 2006/67 impunham aos Estados‑Membros a obrigação de manterem reservas de segurança para três categorias de produtos petrolíferos específicas expressamente referidas nesse artigo 2.o, a saber, primeiro, a gasolina para automóvel e combustível para avião (gasolina para avião, combustível para motores de reação do tipo gasolina), segundo, os gasóleos, os combustíveis diesel, o petróleo de iluminação e o combustível para motores de reação do tipo querosene, e terceiro, os fuelóleos.

58      Em contrapartida, como foi exposto no n.o 48 do presente acórdão, o artigo 3.o da Diretiva 2009/119 já não identifica as categorias de produtos que devem ser incluídos nas reservas de segurança. Ao não definir estas categorias, o legislador da União exprimiu a sua vontade de conceder aos Estados‑Membros uma margem de apreciação a este respeito. Por outro lado, como resulta do considerando 5 desta diretiva, esta mudança de abordagem explica‑se pela necessidade de adaptar o método de cálculo das obrigações de armazenamento, a fim de o aproximar dos métodos utilizados no âmbito do Acordo AIE.

59      Terceiro, no que respeita aos objetivos da Diretiva 2009/119, recordados no n.o 42 do presente acórdão, há que considerar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 67 das suas conclusões, que o objetivo de assegurar um elevado nível de segurança dos abastecimentos de petróleo na União justifica que se confira aos Estados‑Membros essa margem de apreciação. Com efeito, quando estes exercem tal margem de apreciação, podem, nomeadamente, decidir manter as reservas de segurança dos produtos mais indispensáveis e estratégicos, tendo em conta os modos de consumo nacionais, bem como a produção ou as importações nacionais desses produtos.

60      À luz de todas as razões precedentes, há que responder à segunda questão em cada um dos presentes processos apensos que o artigo 3.o da Diretiva 2009/119, lido em conjugação com o artigo 1.o e com o artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas i) e j), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros não são obrigados a manter reservas de segurança para todas as categorias de produtos energéticos referidas na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008. Pelo contrário, podem cumprir a obrigação de manutenção de reservas de segurança que lhes incumbe por força desse artigo 3.o mantendo reservas de segurança compostas unicamente por algumas dessas categorias.

 Quanto à primeira questão

61      Com a sua primeira questão em cada um dos presentes processos apensos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2009/119 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional ao abrigo da qual pode ser imposta uma obrigação de criar e de manter reservas de segurança a um operador económico que efetuou importações de produtos energéticos abrangidos pela secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008.

62      A este respeito, importa recordar que, ao abrigo do artigo 3.o da Diretiva 2009/119, os Estados‑Membros são obrigados a manter um certo nível de reservas petrolíferas de segurança.

63      O artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva prevê, nomeadamente, que cada Estado‑Membro vela por conferir a todos os operadores económicos aos quais imponha obrigações de armazenagem, para cumprimento das suas obrigações decorrentes do artigo 3.o da referida diretiva, o direito de delegar essas obrigações de armazenagem, pelo menos em parte, numa ECA ou noutros operadores económicos que disponham de reservas excedentárias ou de capacidade de armazenagem dentro do território da União.

64      Decorre inequivocamente de uma leitura conjugada destas duas disposições que, como de resto reconhecem todas as partes e interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros podem cumprir a sua obrigação de manter reservas de segurança impondo obrigações de armazenamento aos operadores económicos.

65      No entanto, nem as referidas disposições nem nenhuma outra disposição da Diretiva 2009/119 definem os termos «operador económico». Nestas condições, o significado e o alcance destes termos devem ser determinados, segundo jurisprudência constante, de acordo com o sentido habitual destes na linguagem corrente, tendo em atenção o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 12 de junho de 2018, Louboutin e Christian Louboutin, C‑163/16, EU:C:2018:423, n.o 20 e jurisprudência referida).

66      A este respeito, antes de mais, há que constatar que os termos «operador económico» remetem, geralmente, para qualquer pessoa singular ou coletiva que exerça uma atividade económica.

67      No que respeita, em seguida, ao contexto em que estes termos são utilizados, há que observar que o artigo 7.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2009/119 distingue, em substância, o operador económico, na aceção desta diretiva, da ECA, a qual, segundo a redação desta disposição «tem a forma de um organismo ou serviço sem fins lucrativos que funciona no interesse geral».

68      Por último, à luz do objetivo da Diretiva 2009/119, que consiste em garantir um elevado nível de segurança do aprovisionamento em petróleo na União, justifica‑se considerar operadores económicos, na aceção desta diretiva, nomeadamente os operadores cuja atividade esteja relacionada com os produtos energéticos abrangidos pela secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008. Trata‑se, em particular, dos produtores, dos importadores e dos comerciantes desses produtos, bem como dos fabricantes que os utilizam para fins de produção.

69      À luz de todas as razões precedentes, há que responder à primeira questão em cada um dos presentes processos apensos que os artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2009/119 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional ao abrigo da qual pode ser imposta uma obrigação de criar e de manter reservas de segurança a um operador económico que efetuou importações de produtos energéticos abrangidos pela secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008.

 Quanto à terceira a quinta questões

70      Com a terceira a quinta questões em cada um dos presentes processos apensos, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 2009/119, lidas à luz do artigo 17.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que a importação, por um operador económico, de produtos energéticos abrangidos por uma categoria de produtos prevista na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008 imponha a esse operador a obrigação de criar e manter reservas de segurança de um produto energético abrangido por outra categoria de produtos referida nessa secção, mesmo que o referido operador não utilize esse produto no âmbito da sua atividade económica, com a qual não tenha nenhuma relação, e que essa obrigação constitua um encargo financeiro significativo para ele.

71      Em primeiro lugar, importa recordar que resulta das respostas dadas à primeira e à segunda questões em cada um dos presentes processos apensos que, em conformidade com os artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2009/119, os Estados‑Membros gozam de margem de apreciação quanto à determinação da composição das reservas de segurança que devem manter ao abrigo deste artigo 3.o e que podem impor obrigações de armazenagem aos operadores económicos, como um operador que tenha efetuado importações de óleos lubrificantes ou de coque de petróleo, na aceção, respetivamente, dos pontos 3.4.20 e 3.4.23 da secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008.

72      Na falta de qualquer disposição expressa da Diretiva 2009/119 e tendo em conta essa margem de apreciação, há que considerar que esta diretiva não se opõe, enquanto tal, a que um Estado‑Membro, que decidiu que a sua reserva de segurança seria composta unicamente por quatro categorias de produtos petrolíferos referidas nessa secção 3.4, imponha a um operador económico uma obrigação de criar e de manter reservas de segurança de uma dessas categorias, ainda que esta seja alheia à atividade económica desse operador.

73      Todavia, à luz das interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, importa, em segundo lugar, verificar se as disposições da Carta não se opõem a uma legislação que preveja essa obrigação. Embora esse órgão jurisdicional tenha limitado as suas questões à interpretação do artigo 17.o da Carta, que garante o direito de propriedade, e do princípio da proporcionalidade, as partes e os interessados também debateram, nomeadamente na audiência realizada no Tribunal de Justiça, a compatibilidade dessa legislação com a liberdade de empresa, na aceção do artigo 16.o da Carta. Por conseguinte, para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta completa e útil, há que ter em conta as disposições conjugadas dos artigos 16.o e 17.o da Carta.

74      A este respeito, há que recordar que o âmbito de aplicação da Carta está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, as disposições da Carta têm estes por destinatários apenas quando apliquem o direito da União (Acórdãos de 13 de junho de 2017, Florescu e o., C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 44 e jurisprudência referida, e de 27 de janeiro de 2022, Sātiņi‑S, C‑234/20, EU:C:2022:56, n.o 51).

75      Ora, como constatou o advogado‑geral no n.o 74 das suas conclusões, quando um Estado‑Membro adota medidas no âmbito do exercício da margem de apreciação que lhe é conferida por um ato da União, como a Diretiva 2009/119, e impõe a operadores económicos, na aceção desta diretiva, obrigações de armazenamento para cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.o da referida diretiva, deve considerar‑se que aplica o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

76      Nos termos do artigo 16.o da Carta é reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e as práticas nacionais. A proteção conferida por este artigo abrange a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial, a liberdade contratual e a livre concorrência (Acórdãos de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 42; e de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 82).

77      Em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, da Carta, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte, e ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

78      No entanto, a liberdade de empresa e o direito de propriedade não constituem prerrogativas absolutas (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.os 83 e 85).

79      Assim, decorre do artigo 52.o, n.o 1, da Carta que podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta, como a liberdade de empresa e o direito de propriedade, desde que estas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

80      No caso vertente, importa salientar que a obrigação imposta a um operador económico de criar e de manter, pelo período de um ano, a suas expensas e com os seus próprios meios, reservas de segurança de um produto petrolífero, a saber, o fuelóleo pesado, que não consta das suas atividades económicas, é suscetível de restringir a sua liberdade de empresa e o seu direito de propriedade.

81      A este respeito, na medida em que esta restrição está prevista na legislação nacional pertinente, a saber, o ZZNN, deve ser considerada prevista na lei, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

82      Quanto ao conteúdo essencial do direito de propriedade e da liberdade de empresa, importa salientar que a obrigação de criar e de manter reservas de segurança, que é, de resto, limitada no tempo, não implica uma privação de propriedade e não constitui, portanto, uma intervenção que afete a própria substância do direito de propriedade. Do mesmo modo, uma vez que tal obrigação não impede de modo algum, em princípio, o exercício das atividades do operador económico em causa, também respeita o conteúdo essencial da liberdade de empresa (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 89).

83      No que respeita aos objetivos prosseguidos pelo ZZNN e pelas obrigações de armazenamento impostas por esta lei às recorrentes no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio específica que estes visam garantir a segurança dos abastecimentos de petróleo.

84      Tal intuito constitui um objetivo de interesse geral reconhecido pela União, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a manutenção no território nacional de reservas de produtos petrolíferos que permitam garantir a continuidade do abastecimento constitui um objetivo de segurança pública (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 1984, Campus Oil e o., 72/83, EU:C:1984:256, n.o 35, e de 25 de outubro de 2001, Comissão/Grécia, C‑398/98, EU:C:2001:565, n.o 29), cuja importância se reflete, no que respeita ao petróleo, na Diretiva 2009/119 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal, C‑212/09, EU:C:2011:717, n.o 82).

85      Ora, uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a possibilidade de o Estado‑Membro em causa impor aos operadores económicos obrigações de armazenamento a fim de cumprir a obrigação de manter reservas de segurança que lhe incumbe, ao abrigo do artigo 3.o da Diretiva 2009/119, e, portanto, a imposição dessas obrigações a esses operadores, afigura‑se apta a atingir esse objetivo.

86      Por último, quanto à proporcionalidade das obrigações de armazenagem suscetíveis de serem impostas aos operadores económicos, ao abrigo dessa legislação nacional, na medida em que tais obrigações dizem respeito a produtos petrolíferos que não são os utilizados por esses operadores no âmbito das suas atividades, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar essa proporcionalidade procedendo a uma apreciação global de todas as circunstâncias pertinentes dos litígios nos processos principais.

87      A este respeito, cabe‑lhe considerar os pressupostos em que os referidos operadores podem, ao abrigo da legislação nacional que transpõe o artigo 8.o da Diretiva 2009/119, delegar pelo menos uma parte das suas obrigações de armazenamento numa ECA ou noutro operador económico na União. A este título, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, uma possibilidade real de delegar, a um custo razoável, essas obrigações de armazenamento numa ECA ou noutro operador económico deve ser considerada como uma garantia de que as referidas obrigações são proporcionadas.

88      O órgão jurisdicional de reenvio também deve ter em conta o âmbito das obrigações em causa, quanto à duração da armazenagem exigida e às quantidades de produtos petrolíferos que devem ser armazenados, bem como as possibilidades de locação, ou mesmo de aquisição e de revenda, das reservas no termo do período de armazenagem obrigatória. A circunstância de a obrigação de armazenagem imposta ser limitada no tempo para uma quantidade predeterminada é também suscetível de advogar a favor de uma conclusão segundo a qual essas obrigações são proporcionadas.

89      Esse órgão jurisdicional deverá ainda considerar o efeito financeiro das obrigações de armazenamento relativamente à dimensão dos operadores económicos em causa e ao volume de negócios gerado por estes no âmbito das suas atividades, bem como comparar esse efeito com o encargo imposto a todos os outros operadores económicos sujeitos a obrigações de armazenamento. A este título, tendo em conta, por outro lado, o considerando 11 da Diretiva 2009/119, a circunstância de a imposição de uma obrigação de armazenagem comportar um risco sério para a sobrevivência económica do operador económico em causa ou ser suscetível de afetar substancialmente a sua posição concorrencial constitui um indício do caráter desproporcionado dessa obrigação, a menos que esta seja acompanhada de uma indemnização adequada.

90      Sem prejuízo da apreciação da sua proporcionalidade, à luz das considerações precedentes, as disposições conjugadas dos artigos 16.o e 17.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta não se opõem à imposição, a um operador económico, de uma obrigação de criação e de manutenção de reservas de segurança relativas a produtos alheios à atividade desse operador, mesmo quando a execução dessa obrigação gera um encargo financeiro significativo para o referido operador.

91      Tendo em conta todas as razões precedentes, há que responder às terceira a quinta questões em cada um dos presentes processos apensos que as disposições da Diretiva 2009/119, lidas à luz dos artigos 16.o e 17.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que a importação, por um operador económico, de produtos energéticos abrangidos por uma categoria de produtos prevista na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008 imponha a esse operador a obrigação de criar e manter reservas de segurança de um produto energético abrangido por outra categoria de produtos referida nessa secção, mesmo que o referido operador não utilize esse produto no âmbito da sua atividade económica, com a qual não tenha nenhuma relação, e que essa obrigação constitua um encargo financeiro significativo para ele, desde que essa obrigação seja proporcionada.

 Quanto às despesas

92      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 3.o da Diretiva 2009/119/CE do Conselho, de 14 de setembro de 2009, que obriga os EstadosMembros a manterem um nível mínimo de reservas de petróleo bruto e/ou de produtos petrolíferos, conforme alterada pela Diretiva de Execução (UE) 2018/1581 da Comissão, de 19 de outubro de 2018, lido em conjugação com o artigo 1.o e com o artigo 2.o, primeiro parágrafo, alíneas i) e j), da Diretiva 2009/119, conforme alterada,

deve ser interpretado no sentido de que:

os EstadosMembros não são obrigados a manter reservas de segurança para todas as categorias de produtos energéticos referidas na secção 3.4 do anexo A do Regulamento (CE) n.o 1099/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativo às estatísticas da energia, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/2146 da Comissão, de 26 de novembro de 2019. Pelo contrário, podem cumprir a obrigação de manutenção de reservas de segurança que lhes incumbe por força desse artigo 3.o mantendo reservas de segurança compostas unicamente por algumas dessas categorias.

2)      Os artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2009/119, conforme alterada pela Diretiva de Execução 2018/1581,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma legislação nacional ao abrigo da qual pode ser imposta uma obrigação de criar e de manter reservas de segurança a um operador económico que efetuou importações de produtos energéticos abrangidos pela secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008, conforme alterado pelo Regulamento 2019/2146.

3)      As disposições da Diretiva 2009/119, conforme alterada pela Diretiva de Execução 2018/1581, lidos à luz dos artigos 16.o e 17.o e do artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a que a importação, por um operador económico, de produtos energéticos abrangidos por uma categoria de produtos prevista na secção 3.4 do anexo A do Regulamento n.o 1099/2008, conforme alterado pelo Regulamento 2019/2146, imponha a esse operador a obrigação de criar e manter reservas de segurança de um produto energético abrangido por outra categoria de produtos referida nessa secção, mesmo que o referido operador não utilize esse produto no âmbito da sua atividade económica, com a qual não tenha nenhuma relação, e que essa obrigação constitua um encargo financeiro significativo para ele, desde que essa obrigação seja proporcionada.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.