Language of document : ECLI:EU:T:2012:112

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

8 de março de 2012 *

«Recurso de anulação ― Auxílios de Estado ― Regime de auxílios que permite a amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras ― Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado comum e que não ordena a recuperação dos auxílios ― Ato que comporta medidas de execução ― Não afetação individual ― Inadmissibilidade»

No processo T‑221/10,

Iberdrola, SA, com sede em Bilbau (Espanha), representada por J. Ruiz Calzado, M. Núñez‑Müller e J. Domínguez Pérez, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por R. Lyal e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras, Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07), aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48),

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada),

composto por: L. Truchot (relator), presidente, M. E. Martins Ribeiro, N. Wahl, S. Soldevila Fragoso e H. Kanninen, juízes,

secretário: B. Pastor, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 24 de outubro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Através de várias questões que colocaram por escrito em 2005 e em 2006 (E‑4431/05, E‑4772/05, E‑5800/06 e P‑5509/06), alguns membros do Parlamento Europeu interrogaram a Comissão das Comunidades Europeias sobre a qualificação de auxílio de Estado do dispositivo previsto no artigo 12.°, n.° 5, introduzido na lei espanhola relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, que institui medidas fiscais, administrativas e de caráter social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.° 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e também consagrado no Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que consolida as alterações efetuadas à Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.° 61, de 11 de março de 2004, p. 10951) (a seguir «regime controvertido»). A Comissão respondeu, no essencial, que, segundo as informações de que dispunha, o regime controvertido não parecia entrar no âmbito de aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado.

2        Por ofícios de 15 de janeiro e 26 de março de 2007, a Comissão convidou as autoridades espanholas a fornecer‑lhe informações que lhe permitissem determinar o alcance e efeitos do regime controvertido. Por ofícios de 16 de fevereiro e 4 de junho de 2007, o Reino de Espanha enviou à Comissão as informações pedidas.

3        Por fax de 28 de agosto de 2007, a Comissão recebeu uma queixa de um operador privado que afirmava que o regime controvertido constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum.

4        Por decisão de 10 de outubro de 2007 (resumo no JO C 311, p. 21), a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação relativamente ao regime controvertido.

5        Por ofício de 5 de dezembro de 2007, a Comissão recebeu as observações do Reino de Espanha sobre essa decisão de dar início ao procedimento formal. Entre 18 de janeiro e 16 de junho de 2008, a Comissão recebeu igualmente as observações de 32 terceiros interessados, entre as quais as da recorrente, Iberdrola, SA. Por ofícios de 30 de junho de 2008 e 22 de abril de 2009, o Reino de Espanha apresentou os seus comentários sobre as observações dos terceiros interessados.

6        Em 18 de fevereiro de 2008, 12 de maio e 8 de junho de 2009, realizaram­‑se reuniões de caráter técnico com as autoridades espanholas. Também se realizaram outras reuniões de caráter técnico com alguns dos 32 terceiros interessados.

7        Por ofício de 14 de julho de 2008 e por correio eletrónico de 16 de junho de 2009, o Reino de Espanha enviou informações adicionais à Comissão.

8        A Comissão encerrou o procedimento, no que se refere às aquisições de participações ocorridas no interior da União Europeia, com a sua Decisão 2011/5/CE, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras, Processo C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07), aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48, a seguir «decisão impugnada»).

9        A decisão impugnada declara incompatível com o mercado comum o regime controvertido, que consiste num benefício fiscal que permite às sociedades espanholas amortizar a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) resultante de uma aquisição de participações em empresas estrangeiras, quando aplicado a aquisições de participações em sociedades estabelecidas no interior da União.

10      Contudo, o artigo 1.°, n.os 2 e 3, da decisão impugnada permite que o regime controvertido continue a aplicar‑se, ao abrigo do princípio da proteção da confiança legítima, às aquisições de participações realizadas antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, ocorrida em 21 de dezembro de 2007, bem como às aquisições de participações cuja realização, subordinada a uma autorização de uma autoridade reguladora à qual a operação tenha sido notificada antes dessa data, tivesse sido irrevogavelmente iniciada antes de 21 de dezembro de 2007.

 Tramitação processual e pedidos das partes

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de maio de 2010, a recorrente interpôs o presente recurso.

12      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de setembro de 2010, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

13      Em 16 de novembro de 2010, a recorrente apresentou as suas observações quanto à questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

14      Em 8 de junho de 2011, em aplicação do disposto no artigo 14.° do Regulamento de Processo e sob proposta da Oitava Secção, o Tribunal decidiu remeter o presente processo à formação de julgamento alargada.

15      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção alargada) decidiu dar início à fase oral para se pronunciar quanto à questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e colocar questões às partes, questões essas a que as partes responderam nos prazos estabelecidos.

16      As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 24 de outubro de 2011.

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular o artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada;

¾        rejeitar a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão;

¾        ordenar o prosseguimento do processo e fixar um prazo, improrrogável devido ao indevido atraso ocorrido no processo, à Comissão para que esta apresente a sua contestação;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        declarar o recurso inadmissível;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

19      As observações da recorrente sobre a questão prévia de inadmissibilidade também incluem um pedido de medidas de organização do processo, no sentido de que o Tribunal solicite à Comissão que, por um lado, lhe transmita os pedidos de informações sobre os contribuintes que fizeram uso do regime controvertido que esta enviou ao Reino de Espanha no decurso do procedimento de investigação, bem como as respostas recebidas, e, por outro, lhe indique se ficou a conhecer o número exato e a identidade dos beneficiários do regime controvertido até outubro de 2009.

 Questão de direito

20      A Comissão alega que o presente recurso é inadmissível porquanto a recorrente não demonstrou que tinha interesse em agir nem que a decisão impugnada lhe dizia individualmente respeito.

21      Cumpre começar por examinar o segundo fundamento de inadmissibilidade apresentado pela Comissão.

22      Nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, «[q]ualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução».

23      Uma vez que a decisão impugnada foi adotada no termo de um procedimento formal de investigação e não estava endereçada à recorrente, o facto de lhe dizer individualmente respeito deve ser apreciado segundo os critérios definidos no acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colet. 1962‑1964, pp. 279, 284). Assim, a recorrente deve demonstrar que a decisão impugnada a afeta devido a certas qualidades que lhe são próprias ou a uma situação de facto que a carateriza em relação a qualquer outra pessoa e, assim, a individualiza de maneira análoga à do destinatário dessa decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colet., p. I‑4087, n.° 36 e jurisprudência aí referida).

24      A título principal, a recorrente invoca, no essencial, a sua qualidade de beneficiário do regime controvertido para demonstrar que a decisão impugnada, que declara o referido regime ilegal e incompatível com o mercado comum, lhe diz individualmente respeito.

25      Segundo jurisprudência constante, uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios setorial se essa decisão apenas lhe diz respeito em virtude de pertencer ao setor em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Com efeito, esta decisão apresenta‑se, em relação a essa empresa, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objetivamente e que comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstrato (v. acórdão Itália/Comissão, já referido, n.° 37 e jurisprudência aí referida, e acórdão do Tribunal Geral de 11 de junho de 2009, Acegas/Comissão, T‑309/02, Colet., p. II‑1809, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

26      Todavia, a partir do momento em que a empresa recorrente não só é afetada pela decisão em causa enquanto empresa do setor em questão, potencialmente beneficiária do regime de auxílios, mas também enquanto beneficiária efetiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão, é individualmente afetada pela referida decisão e o recurso que interpôs dessa decisão deve ser julgado admissível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão, C‑15/98 e C‑105/99, Colet., p. I‑8855, n.os 34 e 35, e acórdão do Tribunal Geral de 10 de setembro de 2009, Banco Comercial dos Açores/Comissão, T‑75/03, não publicado na Coletânea, n.° 44).

27      Há, pois, que verificar se a recorrente tem a qualidade de beneficiário efetivo de um auxílio individual concedido ao abrigo do regime de auxílios objeto da decisão impugnada e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, Colet., p. I‑4727, n.° 53 e jurisprudência aí referida).

28      A este propósito, em primeiro lugar, a recorrente alega que adquiriu participações no grupo grego Metal Industry of Arcadia C. Rokas, SA, em 2008 e em 2009 e que a decisão impugnada obriga a que se recupere dos beneficiários os auxílios relativos às operações posteriores a 21 de dezembro de 2007. Em segundo lugar, sustenta que também é individualmente afetada devido às operações que realizou antes de 21 de dezembro de 2007.

29      No tocante às operações posteriores a 21 de dezembro de 2007, há que salientar que a recorrente não fornece nenhum elemento que demonstre que o regime controvertido foi aplicado às suas aquisições de participações no grupo grego em causa. Assim, nos seus articulados só evocou a sua intenção de aplicar o referido regime, tendo vindo a confirmar na audiência nunca ter pedido, nas suas declarações fiscais, que esse regime lhe fosse aplicado.

30      A recorrente não se encontra, portanto, a esse título, numa situação diferente da de qualquer outra empresa que tenha realizado uma operação suscetível de beneficiar do regime controvertido, sendo, portanto, um beneficiário potencial, e não efetivo, do referido regime (v., neste sentido, acórdão Acegas/Comissão, já referido, n.os 51 a 54). Por conseguinte, não se pode considerar que, a título das operações posteriores a 21 de dezembro de 2007, a decisão impugnada lhe dizia individualmente respeito.

31      No tocante às operações anteriores a 21 de dezembro de 2007, a recorrente demonstrou a sua qualidade de beneficiário efetivo do regime controvertido. Com efeito, juntou às suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade um documento que comprova ter aplicado o regime controvertido a aquisições de participações, uma, em 23 de abril de 2007, numa sociedade com sede no Reino Unido e, as outras, em 1 de dezembro de 2004 e 1 de dezembro de 2005, numa sociedade com sede na Grécia. Todavia, por força do artigo 1.°, n.° 2, e do artigo 4.°, n.° 1, da decisão impugnada, não está abrangida pela obrigação de recuperação prevista nessa decisão.

32      A este propósito, a recorrente sustenta, em primeiro lugar, que o reconhecimento de que um ato que declara um auxílio incompatível diz individualmente respeito a um recorrente não pode estar limitado aos casos em que o referido ato impõe a recuperação desse auxílio. No caso em apreço, a circunstância de lhe dizer individualmente respeito decorre do facto de pertencer a um círculo fechado de beneficiários do auxílio cujo número e identidade são determinados e verificáveis quando da adoção da decisão impugnada. Quanto a este ponto, pede ao Tribunal que defira o pedido de medidas de organização do processo acima mencionado no n.° 19. Além disso, a participação ativa da recorrente no procedimento formal de investigação, atestada nomeadamente pela reunião dos seus representantes com a Comissão em 16 de abril de 2008, mencionada no considerando 11 da decisão impugnada, bem como a menção no considerando 2 da decisão impugnada da sua aquisição de participações na sociedade Scottish Power, demonstram que a sua situação particular foi tomada em conta e que, portanto, o ato lhe diz individualmente respeito.

33      Deve, antes de mais, recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a quem uma medida se aplica não implica de modo algum que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, desde que se verifique que, como no caso em apreço, essa aplicação se faz devido a uma situação objetiva de direito ou de facto definida pelo ato em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho, C‑451/98, Colet., p. I‑8949, n.° 52, e acórdão do Tribunal Geral de 11 de junho de 2009, Confservizi/Comissão, T‑292/02, Colet., p. II‑1659, n.° 53). Não há, por isso, que ordenar a medida de organização do processo pedida pela recorrente e que visa, no essencial, determinar se a Comissão logrou identificar os beneficiários do regime controvertido.

34      Por outro lado, a jurisprudência reconheceu efetivamente que um recorrente podia ser individualmente afetado devido à sua participação ativa no procedimento que conduziu à adoção do ato impugnado. Todavia, estavam em causa situações específicas em que o recorrente ocupava uma posição de negociador claramente circunscrita e intimamente ligada ao próprio objeto da decisão, que o colocavam numa situação de facto que o caraterizava em relação a qualquer outra pessoa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, Colet., p. I‑5963, n.os 85 a 95 e jurisprudência aí referida).

35      Ora, no caso em apreço, a recorrente limitou‑se a apresentar observações, tal como as outras 31 partes interessadas, e os seus representantes participaram, com os de outros terceiros interessados, numa reunião com a Comissão em 16 de abril de 2008. Estas circunstâncias não são suscetíveis de demonstrar que ocupava uma posição de negociador que permitia o reconhecimento da sua afetação individual.

36      Embora a recorrente sustente que tanto essa participação no procedimento formal de investigação como a menção, na decisão impugnada, da sua aquisição de participações na Scottish Power demonstram que a sua situação particular foi objeto de discussões aprofundadas suscetíveis de confirmar a sua afetação individual nos termos do acórdão do Tribunal Geral de 22 de novembro de 2001, Mitteldeutsche Erdöl‑Raffinerie/Comissão (T‑9/98, Colet., p. II‑3367), não apresenta elementos que permitam considerar que a sua situação é comparável à do recorrente no processo que deu origem a esse acórdão.

37      Com efeito, no acórdão Mitteldeutsche Erdöl‑Raffinerie/Comissão, já referido (n.os 80 a 82), a adoção da disposição da lei fiscal alemã declarada incompatível pela decisão da Comissão em causa tinha sido, nomeadamente, motivada pelas particularidades da situação do recorrente. Essa situação particular tinha sido objeto não somente de observações escritas do Governo alemão e da sociedade‑mãe do recorrente mas também de discussões aprofundadas entre esse governo e a Comissão. Além disso, o Governo alemão tinha proposto à Comissão só aplicar a disposição controvertida ao recorrente e notificar individualmente todos os outros casos eventuais de aplicação dessa disposição. A Comissão examinou, na sua decisão, essa proposta e indicou os motivos pelos quais não podia ser aceite.

38      Ora, no presente caso, a recorrente não aduziu nenhum elemento suscetível de demonstrar a existência de uma situação particular que tenha sido objeto de discussões aprofundadas entre o Governo espanhol e a Comissão. Além disso, não há qualquer dúvida de que a adoção do regime controvertido não foi motivada pela tomada em conta da sua alegada situação particular. O facto de a aquisição da Scottish Power pela recorrente ser mencionada no considerando 2 da decisão impugnada também não significa que a sua situação particular tenha sido tomada em conta, pois essa menção é apenas ilustrativa.

39      A recorrente sustenta, em segundo lugar, que a exclusão das operações anteriores a 21 de dezembro de 2007 do âmbito de aplicação da obrigação de recuperação ao abrigo do princípio da proteção da confiança legítima, por um lado, não é definitiva, em razão do recurso interposto pela Deutsche Telekom no processo T‑207/10 dessa parte do dispositivo da decisão impugnada, e, por outro, não se impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer de recursos interpostos pelos seus concorrentes.

40      Como a Comissão corretamente salienta, através dessa argumentação, a recorrente confunde o requisito de admissibilidade que é o dizer‑lhe individualmente respeito com o do interesse em agir. Com efeito, embora o interesse em agir possa ser demonstrado graças, nomeadamente, a ações promovidas nos órgãos jurisdicionais nacionais posteriormente à interposição do recurso para o juiz da União (acórdão do Tribunal Geral de 22 de outubro de 2008, TV 2/Danmark e o./Comissão, T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, Colet., p. II‑2935, n.os 78 a 82), a afetação individual de uma pessoa singular ou coletiva aprecia‑se na data da interposição do recurso e depende apenas da decisão impugnada. Assim, uma pessoa a quem uma decisão que declara um auxílio incompatível com o mercado comum e ordena a sua recuperação diz individualmente respeito continua a ser destinatário individual dessa mesma decisão, mesmo que em seguida se afigure que o reembolso não lhe será pedido (v., neste sentido, acórdão Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, já referido, n.° 56, e conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak nesse processo, Colet. 2011, p. I‑4732, n.os 81 e 82).

41      Além disso, há que recordar que, para que o ato impugnado lhe diga individualmente respeito, o recorrente tem de demonstrar que faz parte de um círculo fechado, isto é, de um grupo que já não pode ser aumentado após a adoção do ato impugnado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colet., p. I‑2477, n.° 11, e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, Colet., p. I‑5479, n.° 63).

42      Daqui resulta que, no caso em apreço, a eventual anulação do artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada pelo Tribunal Geral e a subsequente recuperação dos auxílios controvertidos junto da recorrente, do mesmo modo que as ações a intentar nos órgãos jurisdicionais nacionais, para além de serem puramente hipotéticas, já que a recorrente admitiu em resposta a questões escritas do Tribunal e na audiência que nenhum recurso tinha sido interposto para um órgão jurisdicional nacional, não permitem considerar que lhe diz individualmente respeito.

43      Por outro lado, na medida em que a recorrente se baseia no recurso interposto no processo T‑207/10 para afirmar que recusar permitir‑lhe contestar a parte do dispositivo da decisão impugnada que lhe é desfavorável ao mesmo tempo que se considera o recurso admissível relativamente à parte do dispositivo da decisão impugnada que lhe é favorável equivale a privá‑la de uma proteção jurisdicional efetiva, importa recordar que a União é uma União de direito em que as suas instituições estão submetidas à fiscalização da conformidade dos seus atos com o Tratado e com os princípios gerais do direito, de que fazem parte os direitos fundamentais. Por isso, os particulares devem poder beneficiar de uma proteção jurisdicional efetiva dos direitos que para eles decorrem da ordem jurídica da União. Todavia, no caso vertente, a recorrente não está de modo algum privada de qualquer proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, mesmo que o presente recurso seja declarado inadmissível, nada se opõe a que proponha nos órgãos jurisdicionais nacionais, no quadro dos litígios perante os órgãos jurisdicionais nacionais cuja existência invoca e onde seriam suscitados fundamentos suscetíveis de pôr em causa a inexistência da obrigação de recuperação de que beneficia ao abrigo da decisão impugnada, que se proceda a um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, a fim de pôr em causa a validade da decisão impugnada na medida em que declara a incompatibilidade do regime controvertido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 2011, Freistaat Sachsen e o./Comissão, T‑443/08 e T‑455/08, Colet., p. II‑1311, n.° 55 e jurisprudência aí referida).

44      Resulta do exposto que a decisão impugnada não diz individualmente respeito à recorrente.

45      A recorrente alega, a título subsidiário, que o último membro de frase do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE não a obriga a demonstrar que a decisão impugnada lhe diz individualmente respeito. Com efeito, a decisão impugnada é um ato regulamentar que lhe diz diretamente respeito e que não necessita de medidas de execução.

46      No caso em apreço, a decisão impugnada não pode ser qualificada de ato que não necessita de medidas de execução. Com efeito, o artigo 6.°, n.° 2, da decisão impugnada menciona a existência de «medidas nacionais adotadas para [lhe] dar cumprimento […] até à total recuperação do auxílio concedido no âmbito do regime [controvertido]». A própria existência dessas medidas de recuperação, que constituem medidas de execução, justifica que a decisão impugnada seja considerada um ato que necessita de medidas de execução. Com efeito, essas medidas poderão ser contestadas nos órgãos jurisdicionais nacionais pelos seus destinatários.

47      De resto, essas medidas também poderão, eventualmente, ser contestadas pela recorrente na hipótese de, como afirma (v. n.° 39 supra), a obrigação de recuperação ser cumprida no que lhe diz respeito. Além disso, como a Comissão referiu na audiência, as medidas de execução da decisão impugnada não se limitam a essas medidas de recuperação, mas compreendem igualmente todas as medidas destinadas a executar a decisão de incompatibilidade, entre as quais, nomeadamente, a que consiste em rejeitar um pedido de benefício da vantagem fiscal em causa, rejeição que a recorrente também poderá contestar nos órgãos jurisdicionais nacionais. Por conseguinte, deve ser rejeitado o argumento da recorrente segundo o qual a decisão impugnada não necessita, nem implica, de medidas de execução para produzir os seus efeitos, dado que obsta automaticamente à prossecução da aplicação do regime controvertido pelos beneficiários e pelo Reino de Espanha.

48      Conclui‑se, portanto, que a decisão impugnada necessita de medidas de execução e que, assim, sem que seja necessário apreciar a natureza de ato regulamentar da referida decisão, o argumento subsidiário da recorrente baseado no último membro de frase do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE deve ser rejeitado.

49      Tendo em conta o exposto, há, portanto, que julgar o recurso inadmissível, sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento de inadmissibilidade apresentado pela Comissão, relativo à falta de interesse em agir da recorrente.

 Quanto às despesas

50      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Iberdrola, SA, é condenada nas despesas.

Truchot

Martins Ribeiro

Wahl

Soldevila Fragoso

 

      Kanninen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de março de 2012.

Assinaturas