Language of document : ECLI:EU:C:2008:382

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 3 de Julho de 20081(1)

Processo C‑113/07 P

SELEX Sistemi Integrati SpA

contra

Comissão das Comunidades Europeias

e

Eurocontrol

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Direito da concorrência – Artigo 82.° CE – Conceito de empresa – Actividade económica – Alegado abuso de uma posição dominante no mercado pela Eurocontrol – Reclamação – Rejeição – Posição processual de um interveniente – Substituição dos fundamentos»





Índice

I –   Quadro jurídico

A –   Bases jurídicas da Eurocontrol

B –   Direito comunitário

II – Factos e tramitação processual

A –   Factos do litígio

B –   Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

C –   Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

III – Quanto ao presente recurso

A –   Considerações introdutórias

1.     A qualificação da Eurocontrol como empresa na acepção do artigo 82.° CE

2.     Sistemática dos fundamentos do recurso

B –   A excepção de imunidade, invocada pela Eurocontrol na qualidade de interveniente

C –   Análise dos fundamentos do recurso

1.     Quanto aos fundamentos do recurso relativos ao direito processual

a)     Violação do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por ter sido admitida a intervenção da Eurocontrol

b)     Violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, decorrente da desvirtuação dos factos com base nos quais foram declarados inadmissíveis os novos fundamentos da recorrente

c)     Violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por não ter sido examinado o comportamento da Comissão relativamente aos factos com base nos quais foram declarados inadmissíveis os novos fundamentos da recorrente

d)     Violação do artigo 66.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância por não ter sido proferido qualquer despacho sobre o pedido de diligências de instrução

2.     Quando aos fundamentos substantivos do recurso

a)     Quanto à actividade da Eurocontrol a nível da assistência às administrações nacionais

i)     Pedido apresentado pela Comissão, para que seja modificada a fundamentação

–       Significado do pedido da Comissão

–       Exame da sugestão da Comissão

ii)   Desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida

iii) Fundamentação contraditória, por não se ter anulado a decisão controvertida não obstante o acolhimento do primeiro fundamento de recurso

iv)   Fundamentação contraditória, por o Tribunal de Primeira Instância ter substituído a fundamentação da Comissão na decisão controvertida pela sua própria fundamentação

v)     Violação da jurisprudência comunitária assente em matéria de limites à fiscalização jurisdicional

vi)   Erro de apreciação quanto à violação do artigo 82.° CE

b)     Quanto à actividade de normalização da Eurocontrol

i)     O pedido apresentado pela Comissão para que se modifique a fundamentação

–       Argumentos das partes

–       Apreciação jurídica

ii)   Desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida

iii) Utilização de um conceito de actividade económica contrário ao conceito desenvolvido pela jurisprudência comunitária

iv)   Interpretação e aplicação incorrectas da jurisprudência comunitária relativa a prestações de assistência social

v)     Violação do dever de fundamentação

c)     Quanto às actividades de investigação e desenvolvimento exercidas pela Eurocontrol

i)     Desvirtuamento da decisão controvertida

ii)   Utilização de um conceito de actividade económica contrário ao conceito desenvolvido pela jurisprudência comunitária

iii) Distorção e desvirtuamento das provas produzidas pela recorrente quanto ao carácter económico da gestão dos direitos de propriedade intelectual pela Eurocontrol

IV – Resultado da análise

V –   Quanto às despesas

VI – Conclusão


I –    Introdução

1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é chamado a decidir do recurso interposto pela sociedade SELEX Sistemi Integrati SpA (anteriormente Alenia Marconi Systems SpA) do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 12 de Dezembro de 2006, no processo T‑155/04, SELEX Sistemi Integrati/Comissão (2).

2.        A recorrente no presente processo e recorrente em primeira instância (a seguir «recorrente») pede a anulação do referido acórdão, no qual o Tribunal de Primeira Instância confirmou a Decisão da Comissão, de 12 de Fevereiro de 2004 (a seguir «decisão impugnada») que, no essencial, negou que a Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (Eurocontrol) tivesse a qualidade de empresa ou que as suas actividades constituíssem um abuso de posição dominante no mercado, na acepção do artigo 82.° CE e, em consequência, julgou improcedente o seu recurso de anulação e/ou modificação daquela decisão.

II – Quadro jurídico

A –    Bases jurídicas da Eurocontrol

3.        A Eurocontrol, uma organização internacional, de vocação regional, no domínio da aviação, foi criada por vários Estados europeus (3), membros e não membros da Comunidade, através da Convenção Internacional de Cooperação para a Segurança da Navegação Aérea, de 13 de Dezembro de 1960, que foi por diversas vezes alterada e, em seguida, revista e consolidada pelo Protocolo de 27 de Junho de 1997 (a seguir «convenção»), com o objectivo de reforçar a cooperação dos Estados contratantes no domínio da navegação aérea e de desenvolver actividades comuns entre eles, de modo a realizar a harmonização e a integração necessárias à instituição de um sistema uniforme de gestão da circulação aérea, Air traffic management (ATM). Embora a convenção não esteja ainda formalmente em vigor, uma vez que não foi ratificada por todas as partes contratantes, as suas disposições são aplicadas provisoriamente desde 1998, em conformidade com uma decisão da comissão permanente da Eurocontrol, adoptada no mês de Dezembro de 1997. A Itália aderiu à Eurocontrol em 1 de Abril de 1996. Em 2002, a Comunidade e os seus Estados‑Membros assinaram um protocolo – que ainda não entrou em vigor – relativo à adesão da Comunidade Europeia à Eurocontrol. A Comunidade decidiu aprovar este protocolo através da Decisão 2004/636/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à conclusão pela Comunidade Europeia do protocolo de adesão da Comunidade Europeia à Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (4). Desde 2003, determinadas disposições deste protocolo são aplicadas provisoriamente, enquanto se aguarda a sua ratificação por todas as partes contratantes.

B –    Direito comunitário

4.        Nos termos do artigo 82.° CE, é incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste.

5.        Na Directiva 93/65/CEE do Conselho, de 19 de Julho de 1993, relativa à definição e à utilização de especificações técnicas compatíveis para a aquisição de equipamentos e de sistemas para a gestão de tráfego aéreo (5), alterada pela Directiva 97/15/CE da Comissão, de 25 de Março de 1997, que adopta as normas Eurocontrol (6), o Conselho previu adoptar especificações técnicas comunitárias em matéria de ATM com base nas especificações técnicas correspondentes definidas pela Eurocontrol.

6.        Os artigos 1.° a 5.° da Directiva 93/65 têm a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

A presente directiva tem por objecto a definição e a utilização de especificações técnicas compatíveis para a aquisição de equipamentos e de sistemas para a gestão do tráfego aéreo, e especialmente no que se refere a:

–        sistemas de comunicação,

–        sistemas de vigilância,

–        sistemas de assistência automática ao controlo do tráfego aéreo,

–        sistemas de navegação.

Artigo 2.°

Para efeitos da presente directiva, deve entender‑se por:

a)      ‘especificação técnica’, qualquer exigência técnica que conste, nomeadamente, dos cadernos de encargos que definam as características exigidas de um trabalho, de um material, de um produto ou de um fornecimento, e que permitam caracterizar objectivamente um trabalho, um material, um produto ou um fornecimento de forma a que correspondam à utilização a que são destinados pela entidade adjudicante. Estas prescrições técnicas podem incluir a qualidade, o desempenho, a segurança, as dimensões, bem como as prescrições aplicáveis ao material, ao produto ou ao fornecimento no que respeita aos sistemas de garantia da qualidade, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem;

b)      ‘norma’, qualquer especificação técnica aprovada por um organismo de normalização reconhecido, para aplicação repetida ou continuada, cuja observância não é, em princípio, obrigatória;

c)      ‘normas Eurocontrol’, os elementos obrigatórios das especificações Eurocontrol relativas às características físicas, à configuração, ao material, ao desempenho, ao pessoal ou às questões de procedimento, cuja aplicação uniforme seja reconhecida como sendo essencial para aplicação de um sistema de Serviços de Tráfego Aéreo (ATS) integrado. (Os elementos obrigatórios fazem parte de um documento de normas Eurocontrol.)

Artigo 3.°

1.      A Comissão identificará e adoptará, em conformidade com o procedimento definido no artigo 6.°, nomeadamente no que se refere aos domínios indicados no anexo I, as normas Eurocontrol e as posteriores alterações Eurocontrol a essas normas, cuja observância será tornada obrigatória ao abrigo da legislação comunitária. A Comissão deve publicar no Jornal Oficial das Comunidades Europeias as referências de todas as especificações técnicas que passem assim a ser obrigatórias.

2.      A fim de garantir que o anexo I – que contém a lista dos domínios que devem ser abrangidos pelas normas Eurocontrol a elaborar – seja tão completo quanto possível, a Comissão alterá‑lo‑á de acordo com as alterações efectuadas pel[a] Eurocontrol, seguindo o processo do artigo 6.° e em consulta com [a] Eurocontrol.

[…]

Artigo 4.°

Com vista a complementar, se necessário, o trabalho de aplicação das normas Eurocontrol, a Comissão pode, em conformidade com as disposições da Directiva 83/189/CEE e em consulta com [a] Eurocontrol, confiar mandatos de normalização às organizações europeias de normalização.

Artigo 5.°

1.      Sem prejuízo do disposto nas directivas 77/62/CEE e 90/531/CEE, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as entidades adjudicantes civis definidas no anexo II façam remissão para as especificações adoptadas nos termos da presente directiva nos documentos gerais ou nos cadernos de encargos relativos a cada contrato aquando da aquisição de equipamentos de navegação aérea.

2.      Com o objectivo de assegurar que o anexo II seja tão completo quanto possível, os Estados‑Membros notificarão à Comissão as alterações efectuadas nas suas listas. A Comissão alterará este anexo em conformidade com o procedimento previsto no artigo 6.°»

III – Factos e tramitação processual

A –    Factos do litígio

7.        A recorrente opera desde 1961 no sector dos sistemas de gestão do tráfego aéreo. Em 28 de Outubro de 1997, apresentou uma denúncia à Comissão, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (7), na qual chamava a atenção da Comissão para determinados alegados incumprimentos da Eurocontrol às regras da concorrência no exercício da sua missão de estandardização relativa aos equipamentos e sistemas ATM (a seguir «denúncia»).

8.        A recorrente alegou aí que a Eurocontrol tinha abusado de uma posição dominante no mercado. Em especial, aludiu a distorções da concorrência que, segundo ela, resultam da gestão dos direitos de propriedade intelectual relativos a contratos celebrados pela Eurocontrol em matéria de desenvolvimento e aquisição de protótipos, bem como das actividades de assistência que a Eurocontrol presta às administrações nacionais, a pedido destas.

9.        Por carta de 12 de Fevereiro de 2004, a Comissão rejeitou a denúncia, com a fundamentação de que as actividades que dela eram objecto não tinham natureza económica e, portanto, a Eurocontrol não podia ser considerada uma empresa na acepção do artigo 82.° CE. Indicou ainda que, mesmo que essas actividades fossem consideradas actividades empresariais, elas não violavam o artigo 82.° CE.

B –    Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

10.      Através de petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Abril de 2004, a recorrente interpôs recurso contra a Comissão e pediu que a decisão impugnada fosse anulada e/ou alterada e que a Comissão fosse condenada nas despesas do processo.

11.      Na sua contestação de 23 de Julho de 2004, a Comissão pediu que fosse negado provimento ao recurso e se condenasse a recorrente nas despesas.

12.      Através de articulado com data de 1 de Setembro de 2004, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Setembro de 2004, a Eurocontrol pediu que fosse autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 25 de Outubro de 2004, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção da Eurocontrol, nos termos do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

13.      Por requerimento de 25 de Fevereiro de 2005, a recorrente pediu que a Comissão fosse convidada, no âmbito de uma medida de organização do processo, a apresentar uma carta de 3 de Novembro de 1998 e qualquer outro documento elaborado pelos seus serviços durante o procedimento administrativo, as análises técnicas, a eventual correspondência dos seus serviços com a Eurocontrol e os documentos por esta fornecidos. Por carta de 11 de Março de 2005, que deu entrada em 18 de Março de 2005, a Comissão juntou a carta de 3 de Novembro de 1998. Afirmou que não dispunha de outros documentos que julgasse útil juntar aos autos desse processo.

14.      Mediante requerimento apresentado em 27 de Abril de 2005, a recorrente deduziu um pedido de medidas de instrução, que visava a audição de testemunhas e a apresentação de documentos pela Comissão.

15.      Com o acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso e condenou a recorrente nas despesas do processo.

C –    Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

16.      Por petição de 23 de Fevereiro de 2007, registada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Fevereiro de 2007, a recorrente interpôs o presente recurso, pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, de 12 de Dezembro de 2006, no processo T‑155/04, e remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para que este se pronuncie sobre o mérito à luz das indicações a fornecer pelo Tribunal de Justiça;

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas do presente processo e nas do processo T‑155/04.

17.      Em 29 de Maio e em 1 de Junho de 2007, a Comissão e a Eurocontrol, esta na qualidade de interveniente, apresentaram as respectivas respostas, nas quais pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar o recurso improcedente na sua totalidade ou parcialmente inadmissível, baseando‑se, se necessário, numa modificação parcial da fundamentação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância;

–        condenar a recorrente nas despesas do processo.

–        Na sua réplica de 29 de Julho de 2007, a recorrente precisou os seus pedidos no sentido de que:

–        seja declarada inadmissível a excepção de imunidade, invocada pela Eurocontrol;

–        seja indeferido o pedido, apresentado pela Comissão, de que se modifique a fundamentação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância;

–        seja dado provimento ao recurso, se anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, de 12 de Dezembro de 2006, no processo T‑155/04 e se remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância, a fim de que este decida em conformidade com o acórdão do Tribunal de Justiça.

18.      Nas suas tréplicas de 12 e 9 de Outubro de 2007, respectivamente, a Comissão e a Eurocontrol mantiveram os seus pedidos.

19.      Decorrida a fase escrita realizou‑se, em 8 de Maio de 2008, uma audiência na qual as partes apresentaram as suas alegações.

IV – Quanto ao presente recurso

A –    Considerações introdutórias

1.      A qualificação da Eurocontrol como empresa na acepção do artigo 82.° CE

20.      Pela primeira vez desde o acórdão de 19 de Janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol (8), o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se a Eurocontrol é uma «empresa», na acepção do artigo 82.° CE. Segundo jurisprudência assente (9) do Tribunal de Justiça, no direito comunitário da concorrência o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de financiamento.

21.      No referido acórdão, o Tribunal de Justiça examinou, em primeiro lugar, se as diferentes áreas de actividade da Eurocontrol são dissociáveis das competências de que dispõe para exercer funções de autoridade pública, sobretudo de controlo do tráfego aéreo (10), e, em seguida, verificou se estas actividades têm carácter económico (11). Neste contexto, o Tribunal de Justiça constatou que a Eurocontrol assegura, por conta dos Estados contratantes, missões de interesse geral cujo objectivo é contribuir para a manutenção e a melhoria da segurança da navegação aérea (12). Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que, consideradas na sua globalidade, as actividades da Eurocontrol, pela sua natureza, pelo seu objecto e pelas regras às quais estão sujeitas, estão ligadas ao exercício de prerrogativas relativas ao controlo e ao policiamento do espaço aéreo. O Tribunal de Justiça deduziu daqui que estas actividades não têm um carácter económico que justifique a aplicação das regras de concorrência do Tratado (13).

22.      A qualificação como «empresa», na acepção do artigo 82.° CE, pressupõe, porém, que as disposições comunitárias possam ser aplicadas à Eurocontrol. Isto é contestado pela Eurocontrol, na sua qualidade de interveniente em apoio da Comissão no presente processo, ao invocar expressamente a imunidade de que goza por força do direito internacional, graças ao seu estatuto de organização internacional. Neste contexto, pode colocar‑se a questão de saber em que medida a imunidade de uma das partes deve ser conhecida oficiosamente pelo juiz comunitário ao examinar a admissibilidade de um recurso.

2.      Sistemática dos fundamentos do recurso

23.      Estas questões constituem o âmbito temático do presente processo. Em apoio dos seus pedidos, a recorrente invoca uma série de erros de direito, a nível processual e substantivo. Apresenta um total de dezasseis fundamentos contra o acórdão recorrido, dos quais os relativos ao direito substantivo podem ser agrupados em três categorias que coincidem, atendendo ao conteúdo, com os vários âmbitos de actividade da Eurocontrol: a assistência às administrações nacionais, a sua tarefa de normalização e, finalmente, as suas actividades no campo da investigação e do desenvolvimento.

24.      Para maior clareza, os fundamentos do recurso serão examinados sucessivamente e no contexto em que se inserem.

B –    A excepção de imunidade, invocada pela Eurocontrol na qualidade de interveniente

25.      É, todavia, necessário examinar, antes de mais, a excepção da inadmissibilidade do recurso para os tribunais comunitários, que a Eurocontrol suscita com base na sua imunidade. Com efeito, a Eurocontrol defende que a sua imunidade é do conhecimento oficioso do juiz comunitário. Deste modo, repete os argumentos que apresentou em primeira instância.

26.      Fundamenta o seu entendimento alegando, no essencial, que é uma organização internacional de que fazem parte Estados não membros da Comunidade Europeia e cujo ordenamento jurídico se diferencia também do da Comunidade Europeia, pelo que esta última, à luz do princípio geral par in parem non habet imperium, não pode submetê‑la às suas próprias regras.

27.      Além disso, refere que a Comunidade assinou um protocolo de adesão à Eurocontrol, de modo que, por força do princípio da boa fé, consagrado no artigo 18.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, se deve abster de todo e qualquer acto que prive este protocolo de adesão das suas finalidades e objectivos. O mesmo decorre do direito consuetudinário internacional, que a protege extensivamente, pelo menos, quanto a todas as actividades em questão no presente processo.

28.      Julgo ser necessário lembrar que a Eurocontrol foi inicialmente admitida como interveniente no processo em primeira instância e que a sua posição actual se mantém inalterada também no processo perante o Tribunal de Justiça. No âmbito de um recurso, continua a ser aplicável o princípio enunciado no artigo 93.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, de que o interveniente deve aceitar o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.

29.      É certo que o interveniente tem uma posição processual própria na medida em que, ao ser admitido, tem a possibilidade de, nos termos do artigo 93.°, n.° 5, do Regulamento de Processo, apresentar as suas alegações, que devem conter os seus pedidos, fundamentos e argumentos e, se for caso disso, as provas oferecidas. O seu direito de apresentar pedidos processuais está, porém, restringido de acordo com a sua função, devendo sempre limitar‑se a sustentar as conclusões da parte principal, nos termos do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça. Por conseguinte, o interveniente não pode, ao agir nesta qualidade, apresentar pedidos com um conteúdo autónomo relativamente aos pedidos das partes principais, nem modificar o objecto do litígio. O interveniente também não pode alterar o quadro do litígio definido pela petição, invocando novos fundamentos (14). A fortiori, o interveniente não tem legitimidade para suscitar uma questão prévia de admissibilidade que não foi formulada nas alegações da parte demandada (15).

30.      Como o Tribunal de Primeira Instância concluiu, com razão, no n.° 42 do acórdão recorrido, a excepção de imunidade, invocada pela Eurocontrol modifica substancialmente o quadro do litígio. O pedido apresentado pela Comissão no processo em primeira instância, bem como o de não provimento do recurso de anulação da decisão controvertida, e de não provimento do recurso no processo perante o Tribunal de Justiça, não são apoiados pelo argumento da Eurocontrol. Sucede precisamente o contrário. Com efeito, se o argumento da Eurocontrol fosse considerado fundado, seria forçoso concluir, como a recorrente indica, que a decisão da Comissão impugnada pela recorrente violava a suposta imunidade da Eurocontrol sendo, por isso, ilegal.

31.      Note‑se ainda que a Comissão nunca chegou a invocar a imunidade como meio de defesa (16). A Comissão e a recorrente estão de acordo quanto a este ponto. Pelo contrário, decorre dos argumentos da Comissão que esta, ao adoptar a decisão controvertida, baseando‑se no acórdão SAT Fluggesellschaft, nas conclusões do advogado‑geral C. Tesauro nesse processo e no acórdão Höfner e Elser (17), reconheceu que, em princípio, as regras comunitárias da concorrência são também aplicáveis às organizações internacionais, na medida em que estas últimas exerçam uma actividade económica (18). A Comissão recusou a aplicação do artigo 82.° CE à Eurocontrol apenas por esta não exercer qualquer actividade económica, mas não em virtude da imunidade por ela invocada.

32.      Aponta no mesmo sentido o argumento da Eurocontrol, segundo o qual a imunidade é uma questão do conhecimento oficioso do juiz comunitário. Como a própria Eurocontrol admite (19), a jurisprudência do Tribunal de Justiça não oferece qualquer ponto de apoio para este argumento. Além disso, as considerações tecidas pela Eurocontrol quanto ao alcance da sua imunidade são alheias ao presente processo, no qual se trata exclusivamente da questão de saber se cabe ou não dar provimento a um recurso (20).

33.      Dado que a Eurocontrol, na sua qualidade de interveniente em apoio da Comissão, modifica o quadro do litígio na medida em que contesta a competência do Tribunal de Justiça para decidir o processo, invocando a sua imunidade, e não apoia o pedido da Comissão, este argumento deve ser julgado inadmissível.

C –    Análise dos fundamentos do recurso

1.      Quanto aos fundamentos do recurso relativos ao direito processual

34.      No que se refere aos erros processuais cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância, a recorrente alega:

–        a violação do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por terem sido enviadas à Eurocontrol comunicações dos actos do processo e esta ter sido autorizada a apresentar observações escritas;

–        a violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por desvirtuação dos factos com base nos quais foram declarados inadmissíveis os novos fundamentos da recorrente;

–        a violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por não ter sido considerada a conduta da Comissão relativamente aos factos com base nos quais foram declarados inadmissíveis os novos fundamentos da recorrente;

–        a violação do artigo 66.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por não ter sido proferido qualquer despacho sobre o pedido de diligências de instrução.

a)      Violação do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por ter sido admitida a intervenção da Eurocontrol

A recorrente alega, em primeiro lugar, a violação do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por terem sido enviadas à Eurocontrol comunicações dos actos do processo e esta ter sido autorizada a apresentar observações escritas, embora o seu pedido de intervenção só tenha sido recebido após o decurso do prazo de seis semanas, previsto no artigo 115.°, n.° 1, do Regulamento de Processo. A recorrente lembra que as regras processuais têm carácter imperativo e sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não pode invocar o artigo 64.° do seu Regulamento de Processo para contornar os prazos de caducidade previstos no direito processual.

35.      A isto cabe objectar que, no contexto dos objectivos das medidas de organização do processo previstos no artigo 64.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância dispõe, necessariamente, de um amplo poder de apreciação ao exercer a sua competência, nos termos do artigo 64.°, n.° 2, do Regulamento de Processo. Para que se pudesse concluir pela violação das regras processuais, a recorrente teria de provar que o Tribunal de Primeira Instância exerceu as suas competências com a finalidade exclusiva ou, pelo menos, determinante de atingir fins diversos (21). No entanto, a recorrente nada alegou neste sentido.

36.      Independentemente disto, cabia à recorrente demonstrar de que maneira os seus interesses terão sido prejudicados por uma eventual violação do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância resultante da admissão tardia da intervenção da Eurocontrol. Com efeito, nos termos do artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, um recurso só pode ter por fundamento irregularidades processuais que prejudiquem os interesses da recorrente. A recorrente não apresentou, no entanto, qualquer prova nesse sentido. Em especial, não é possível descortinar em que medida a intervenção da Eurocontrol poderia alterar algo no desfecho do processo, sobretudo atendendo a que o Tribunal de Primeira Instância não examinou a imunidade da Eurocontrol, de acordo com o pedido desta, considerando‑o inadmissível.

37.      Este fundamento deve, assim, ser julgado improcedente.

b)      Violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, decorrente da desvirtuação dos factos com base nos quais foram declarados inadmissíveis os novos fundamentos da recorrente

38.      A recorrente alega ainda uma violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, atendendo à circunstância de o Tribunal de Primeira Instância ter declarado inadmissíveis os seus novos fundamentos, que assentam na carta de 3 de Novembro de 1998, apresentada pela Comissão no decurso do processo. Entende que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou o conteúdo de uma carta da Comissão a ela dirigida.

39.      É de notar que o argumento da recorrente se refere manifestamente a um facto que foi já apreciado pelo Tribunal de Primeira Instância no processo que nele decorreu. Atendendo às extensas e detalhadas explicações da recorrente sobre a exacta correspondência trocada entre ela e a Comissão antes e durante a fase escrita do processo em primeira instância, entendo ser necessário lembrar que, por força do artigo 225.°, n.° 1, segundo parágrafo, CE, o recurso para o Tribunal de Justiça está limitado às questões de direito. O artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça precisa que o recurso pode ter por fundamento a incompetência do Tribunal de Primeira Instância, irregularidades processuais ou a violação do direito comunitário.

40.      Por conseguinte, ao determinar se uma censura é admissível no âmbito de um recurso, deve ter‑se em conta que o recurso tem por objectivo controlar a aplicação do direito pelo Tribunal de Primeira Instância e, de modo algum, obter a repetição do processo que nele correu. Acresce que a apreciação dos factos cabe, em princípio, apenas ao Tribunal de Primeira Instância (22) e que o Tribunal de Justiça só a pode examinar na medida em que a inexactidão material das suas conclusões resultar dos documentos dos autos (23). Sempre que as provas tenham sido obtidas regularmente e que tenham sido respeitados os princípios gerais de direito e as disposições em matéria de ónus e de produção da prova, compete unicamente ao Tribunal de Primeira Instância apreciar a importância a atribuir aos elementos de prova que lhe foram submetidos (24).

41.      No entanto, não é claro em que consiste o erro de direito no caso concreto. Como o Tribunal de Primeira Instância indicou no n.° 36 do acórdão recorrido, a carta do director da Eurocontrol, de 2 de Julho de 1999, não continha mais informações do que a carta da Comissão, de 12 de Novembro de 1998. Por este motivo, a recorrente não podia invocar a referida carta de 2 de Julho de 1999 como um elemento de facto revelado durante o processo. Por consequência, o Tribunal de Primeira Instância teve razão ao julgar inadmissíveis os fundamentos que lhe foram apresentados, por extemporâneos.

42.      Assim, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

c)      Violação do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, por não ter sido examinado o comportamento da Comissão relativamente aos factos com base nos quais foram declarados inadmissíveis os novos fundamentos da recorrente

43.      Com este fundamento, a recorrente censura o Tribunal de Primeira Instância por ter rejeitado os novos fundamentos acima referidos, sem examinar o comportamento da Comissão durante os processos administrativo e judicial. Com efeito, a recorrente afirma que a alegação desses fundamentos se deve à recusa da Comissão de apresentar os correspondentes documentos, em especial a carta de 3 de Novembro de 1998. Estes documentos só estiveram disponíveis numa fase adiantada do processo, pelo que a recorrente só a partir desse momento teve a possibilidade de os consultar e de alegar vários novos fundamentos.

44.      A isto cabe objectar que, manifestamente, a recorrente nunca alegou em primeira instância a violação de um eventual dever de produzir os correspondentes documentos. Isto poderia constituir um novo fundamento que, não obstante, devia ser declarado inadmissível, dado que o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância prevê expressamente que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito ou de facto que se tenham revelado durante o processo.

45.      Dado que tal pressuposto processual não está preenchido no presente caso, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

d)      Violação do artigo 66.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância por não ter sido proferido qualquer despacho sobre o pedido de diligências de instrução

46.      A recorrente alega ainda a violação do artigo 66.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância que, segundo ela, decorre da decisão do Tribunal de Primeira Instância de indeferir por acórdão, em vez de por despacho, os pedidos de medidas de instrução que apresentou na petição e no requerimento de 27 de Abril de 2005. Argumenta que o indeferimento de pedidos de medidas de instrução através do acórdão que põe termo a um processo priva as partes da possibilidade de utilizarem os instrumentos colocados à sua disposição pelo direito processual, como a fundamentação dos seus pedidos com base em argumentos novos e mais convincentes.

47.      Como a Comissão nota, a justo título, este argumento da recorrente é contraditório, na medida em que esta última reconhece expressamente, no n.° 56 da sua petição de recurso, referindo‑se à jurisprudência comunitária, que o Tribunal de Primeira Instância dispõe de amplo poder de apreciação ao aplicar o artigo 66.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo. Com efeito, decorre do despacho do Tribunal de Justiça, de 12 de Janeiro de 2006, no processo C‑162/05 P, Entorn/Comissão (25), referido pela própria recorrente, que não é necessário decidir por despacho nem ouvir as partes quando o Tribunal de Primeira Instância entende que os pedidos de medidas de instrução apresentados por uma das partes não são necessários.

48.      Foi isto que se verificou em primeira instância, como resulta dos n.os 132 e 133 do acórdão recorrido. O Tribunal de Primeira Instância declarou aí que os pedidos de medidas de instrução deviam ser indeferidos, dado que podia pronunciar‑se utilmente com base nos pedidos, fundamentos e argumentos deduzidos, quer durante a fase escrita quer durante a fase oral, bem como nos documentos apresentados. Por outras palavras, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que os pedidos de medidas de instrução apresentados pela recorrente não eram necessários.

49.      De resto, é de notar que a recorrente não critica a exactidão do conteúdo, mas apenas a forma pela qual esta decisão foi adoptada. Por conseguinte, não se entende como é que podem ter sido prejudicados os direitos da recorrente.

50.      Assim, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

2.      Quando aos fundamentos substantivos do recurso

a)      Quanto à actividade da Eurocontrol a nível da assistência às administrações nacionais

51.      No que se refere aos erros de direito relativos à aplicabilidade do artigo 82.° CE à actividade de assistência às administrações nacionais desenvolvida pela Eurocontrol, a recorrente alega:

–        desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida;

–        fundamentação contraditória, por não se ter anulado a decisão controvertida, não obstante o acolhimento do primeiro fundamento de recurso;

–        fundamentação contraditória, por o Tribunal de Primeira Instância ter substituído a fundamentação da Comissão na decisão controvertida pela sua própria fundamentação;

–        violação da jurisprudência comunitária assente em matéria de limites à fiscalização jurisdicional;

–        manifesto erro de apreciação quanto à infracção ao artigo 82.° CE.

52.      A Comissão critica a fundamentação do acórdão recorrido e, por conseguinte, pede que seja modificada.

i)      Pedido apresentado pela Comissão, para que seja modificada a fundamentação

53.      Se se considerar justificado o pedido da Comissão para que seja modificada a fundamentação, não se pode excluir que isto venha a influenciar a apreciação dos restantes fundamentos do recurso. Logo, por razões sistemáticas, importa examinar o pedido da Comissão antes de analisar as alegações da recorrente.

–       Significado do pedido da Comissão

54.      Em primeiro lugar, importa salientar que o pedido de modificação da fundamentação se refere às razões em que o acórdão recorrido assenta. Assim, coloca‑se a questão de saber se este pedido deve ser qualificado como recurso subordinado da Comissão. A qualificação de uma alegação como recurso subordinado pressupõe, nos termos do artigo 117.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, que com esta seja requerida a anulação total ou parcial do acórdão recorrido com base num fundamento não aduzido na petição de recurso. Há que investigar se isto se verifica no caso vertente, com base na redacção, na finalidade e no contexto da passagem controvertida da contestação da Comissão (26).

55.      A este propósito, cabe assinalar que a Comissão nunca utiliza o conceito de «recurso subordinado» no seu articulado. A própria Comissão parece entender a sua actuação nesta matéria apenas como referência à aplicação oficiosa do direito (27). Neste contexto, deve partir‑se do princípio de que o «pedido» da Comissão não deve ser entendido como recurso subordinado e que, portanto, não é necessária uma decisão específica do Tribunal de Justiça a esse respeito.

56.      Assim, penso que não é preciso decidir sobre a admissibilidade de tal «pedido». Este deve ser entendido como mera sugestão feita pela Comissão ao Tribunal de Justiça, para que este modifique a fundamentação do acórdão no sentido por ela proposto (28).

–       Exame da sugestão da Comissão

Argumentos das partes

57.      A Comissão entende que o Tribunal de Primeira Instância designou incorrectamente a Eurocontrol como empresa, na acepção do artigo 82.° CE, com base na sua actividade de assistência às administrações nacionais. Afirma que esta actividade da Eurocontrol é indissociável das funções de autoridade pública que lhe foram confiadas. A apreciação individualizada desta actividade também não permite concluir que tenha carácter económico. O Tribunal de Primeira Instância baseou‑se num ponto de vista incompatível com o acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol quando declarou, no n.° 86 do acórdão recorrido, que não se tratava de forma alguma de uma actividade «essencial ou mesmo indispensável à garantia da segurança da navegação aérea». Além disso, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta que esta actividade está directamente relacionada com as típicas prerrogativas de ius imperii das autoridades e faz parte das tarefas básicas da Eurocontrol. Ao concluir que esta actividade de assistência constitui uma prestação de serviços no mercado de consultadoria, mercado em que podem também operar empresas especializadas na matéria, ignorou ainda o nexo entre esta actividade e as tarefas de interesse geral, bem como a natureza específica dos conselhos fornecidos pela Eurocontrol.

58.      A Eurocontrol critica igualmente as afirmações do Tribunal de Primeira Instância quanto ao carácter desta actividade e chega à mesma conclusão que a Comissão. Alega que a sua actividade de assistência às administrações nacionais tem carácter exclusivamente não económico, embora seja de natureza facultativa.

59.      A recorrente contesta os argumentos da Comissão, alegando, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância decidiu de acordo com os princípios do acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol.

Apreciação jurídica

60.      Como a recorrente correctamente indicou, na sua resposta, o Tribunal de Primeira Instância, ao apreciar a questão de saber se a Eurocontrol é uma empresa na acepção do artigo 82.° CE, orientou‑se pelo acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol do Tribunal de Justiça, quando começou por verificar se a actividade em questão (no caso vertente a assistência às administrações nacionais), em particular nos processos de concurso público relativos à aquisição de sistemas e de equipamentos ATM, é dissociável da tarefa atribuída à Eurocontrol, de gestão do espaço aéreo e de garantia da segurança da circulação aérea.

61.      Com efeito, esta abordagem pode encontrar‑se no n.° 28 do referido acórdão, no qual o Tribunal de Justiça constatou que a actividade da Eurocontrol relativa à cobrança das taxas de rota não é dissociável das outras actividades da organização. De resto, resulta da jurisprudência comunitária que as disposições do Tratado em matéria de concorrência são aplicáveis às actividades de um organismo que sejam destacáveis das que exerce enquanto autoridade pública, pelo que as diferentes actividades de uma entidade devem ser analisadas individualmente (29). Por conseguinte, o entendimento adoptado pelo Tribunal de Primeira Instância não é criticável do ponto de vista jurídico.

62.      Não obstante, penso que as conclusões tiradas pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 86 a 92 do acórdão recorrido suscitam dúvidas, em particular porque os argumentos formulados militam, no seu conjunto, mais contra que a favor da qualificação da actividade de assistência da Eurocontrol como actividade económica. Há que concordar com a Eurocontrol em que a fundamentação no n.° 87 do acórdão recorrido contém a única argumentação realmente susceptível de sustentar a conclusão do Tribunal de Primeira Instância. O Tribunal de Primeira Instância declara aí, relativamente às actividades da Eurocontrol no âmbito da assistência às administrações nacionais que consistem em conselhos, que «se trata [...] de uma prestação de serviços no mercado de consultadoria, mercado em que podem também operar empresas especializadas na matéria». Porém, não é claro em que se baseia esta afirmação do Tribunal de Primeira Instância, não sendo apresentadas quaisquer provas em defesa desta tese.

63.      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância relativiza a sua própria conclusão ao reconhecer, no n.° 89 do acórdão recorrido, que «os serviços em causa não s[ão] actualmente prestados por empresas privadas». Como a Eurocontrol indica, com razão, face à natureza muito específica e ao carácter altamente técnico dos conselhos prestados por esta organização às administrações nacionais, não é possível julgar, apenas com base em conhecimentos de cultura geral, se estes serviços podem também ser prestados por empresas privadas.

64.      Acresce que o Tribunal de Primeira Instância não teve suficientemente em conta o facto de a Eurocontrol ser uma organização internacional, que é financiada pelas contribuições dos seus Estados‑Membros (30) e que, ao mesmo tempo, prossegue a sua actividade de assistência com um objectivo de interesse geral. É certo que, por um lado, o Tribunal de Primeira Instância remeteu para o acórdão Höfner e Elser (31) e, referindo como exemplo os serviços de colocação do Instituto Federal Alemão do Emprego, concluiu que o financiamento através de contribuições não é relevante para determinar o carácter económico de uma actividade. Por outro lado, estabeleceu um paralelo com organismos que gerem sistemas legais de segurança social (32), para demonstrar que também não é decisivo o exercício de uma actividade de carácter social. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância não chegou a apreciar as referidas características no seu conjunto (33). O critério aplicado pelo Tribunal de Primeira Instância corresponde, portanto, a um método de eliminação que não permite determinar de modo concludente se a actividade controvertida deve ser considerada uma actividade económica.

65.      Não posso concordar com o Tribunal de Primeira Instância quando afirma, no n.° 86 do acórdão recorrido, que a actividade de assistência às administrações nacionais apresenta apenas uma relação indirecta com a segurança da circulação aérea. Em apoio deste entendimento, o Tribunal de Primeira Instância indicou que a assistência prestada pela Eurocontrol abrange apenas as especificações técnicas na organização de concursos públicos para equipamentos ATM e só se repercute, portanto, na segurança da navegação aérea através dos referidos concursos públicos.

66.      No entanto, contra este entendimento deve referir‑se que, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea h), da Convenção Eurocontrol, as Partes Contratantes acordam «[e]m encorajar a aquisição em comum de sistemas e de instalações do tráfego aéreo». O artigo 2.°, n.° 2, alínea a), prevê ainda expressamente que «[a] Organização pode, a pedido de uma ou mais Partes Contratantes e com base num ou em vários acordos especiais concluídos entre a Organização e as Partes Contratantes interessadas [,] [p]restar assistência às referidas Partes Contratantes em matéria de planificação, especificação e criação de sistemas e serviços do tráfego aéreo». Daqui resulta que, como a Comissão correctamente explica, a assistência que a Eurocontrol presta às administrações nacionais no âmbito da contratação pública se conta, sem dúvida, entre as tarefas institucionais desta organização e constitui uma importante contribuição para o alcance dos objectivos de integração, harmonização e convergência dos sistemas nacionais de garantia da segurança da circulação aérea (34).

67.      Ao contrário do que foi afirmado pelo Tribunal de Primeira Instância, não me parece ser decisiva a circunstância de a Eurocontrol oferecer a sua actividade apenas a pedido das administrações nacionais, dado que, por um lado, é concebível que algumas administrações estejam em melhores condições de preparar concursos que correspondem às especificações técnicas da Eurocontrol, sem dependerem da sua ajuda. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância ignora o facto de que não pode ser decisivo o carácter opcional de uma determinada actividade, especialmente porque a Eurocontrol, como o Tribunal de Justiça constatou no acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol (35), exerce também funções típicas de autoridade pública, como a actividade operativa do controlo do tráfego aéreo, a pedido dos Estados membros.

68.      À luz das precedentes considerações, há que concluir que os fundamentos constantes dos n.os 86 a 93 do acórdão recorrido indicam que existe uma violação do direito comunitário. Porém, a circunstância de o acórdão recorrido assentar numa fundamentação juridicamente errada não justifica a sua anulação, dado que a parte decisória se mostra fundada por outras razões jurídicas (36). Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância acabou por rejeitar o primeiro fundamento do recurso, embora tenha qualificado como económica a actividade de assistência da Eurocontrol e, nesta medida, reconhecido que a Eurocontrol tinha a qualidade de empresa. Quanto à fundamentação, o Tribunal de Primeira Instância indicou, no n.° 94 do acórdão recorrido, que a determinação da qualidade de empresa da Eurocontrol não pode conduzir à anulação da decisão impugnada, dado que esta última se baseia igualmente na conclusão da Comissão de que, mesmo que se considere que as actividades da Eurocontrol são actividades económicas, estas não são contrárias ao artigo 82.° CE.

69.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça modifique a fundamentação do acórdão de modo correspondente.

ii)    Desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida

70.      A recorrente critica o desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida nos n.os 15 e 48 do acórdão recorrido. O Tribunal de Primeira Instância declara aí que a Comissão baseou a sua decisão na dupla conclusão de que a Eurocontrol não era uma empresa e, por outro lado, que, em todo o caso, os comportamentos criticados não eram contrários ao artigo 82.° CE. A recorrente entende que a Comissão não examinou se as actividades da Eurocontrol violavam o artigo 82.° CE, limitando‑se a verificar se as actividades em causa podiam ser qualificadas como actividades económicas.

71.      A isto cabe objectar que resulta claramente dos n.os 28 e 29 da decisão impugnada que, por um lado, a Comissão constatou que as actividades controvertidas da Eurocontrol não tinham carácter económico e, por outro, afirmou «que estas actividades, mesmo que fossem qualificadas de empresariais, não infringem o artigo 82.°» (37). Isto torna evidente que a Comissão se pronunciou sobre a questão de saber se as actividades da Eurocontrol violam o artigo 82.° CE.

72.      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não desvirtuou o conteúdo da decisão controvertida. Este fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

iii) Fundamentação contraditória, por não se ter anulado a decisão controvertida não obstante o acolhimento do primeiro fundamento de recurso

73.      A recorrente alega que, devido ao desvirtuamento do conteúdo da decisão impugnada, o acórdão recorrido enferma de uma contradição manifesta, dado que a decisão não foi anulada não obstante o acolhimento do primeiro fundamento de recurso.

74.      Como a recorrente precisou na sua petição de recurso, esta crítica é «a consequência lógica da desvirtuação dos factos pelo Tribunal de Primeira Instância» (38). Por outras palavras, o presente fundamento assenta na conjectura de que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os factos ao partir do princípio, nos n.os 15 e 48 do acórdão recorrido, de que a Comissão não apurou a existência, na decisão impugnada, de qualquer actividade da Eurocontrol, incluindo a assistência às administrações nacionais, que violasse o artigo 82.° CE.

75.      Ora, como já foi referido (39), o Tribunal de Primeira Instância limita‑se, na fundamentação do acórdão, a reproduzir o conteúdo da decisão impugnada, pelo que não se pode falar de uma desvirtuação dos factos.

76.      Por conseguinte, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

iv)    Fundamentação contraditória, por o Tribunal de Primeira Instância ter substituído a fundamentação da Comissão na decisão controvertida pela sua própria fundamentação

77.      Segundo a recorrente, a fundamentação apresenta uma outra inconsistência, dado que o Tribunal de Primeira Instância, por um lado, declarou inadmissível o seu pedido de alteração da decisão impugnada, indicando que, no âmbito da fiscalização da legalidade por ele exercida, não cabe ao juiz comunitário dirigir injunções às instituições, ou substituir‑se a estas últimas e, por outro, se substituiu à Comissão ao examinar o segundo fundamento, para tirar complexas conclusões económicas, no n.° 108 do acórdão recorrido, quanto a um eventual comportamento abusivo da Eurocontrol, conclusões que não constam da decisão impugnada.

78.      Como a Comissão notou, a justo título, a recorrente ignora, nas suas alegações, o n.° 104 do acórdão recorrido, do qual decorre que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua apreciação jurídica, em primeira linha, nas considerações tecidas pela Comissão na decisão impugnada («Em primeiro lugar […] há que referir, como fez legitimamente a Comissão»). A Comissão concluiu aí que as actividades da Eurocontrol no âmbito da assistência às administrações nacionais não violavam o artigo 82.° CE.

79.      Nos n.os 106 a 108, o Tribunal de Primeira Instância referiu apenas que a recorrente, tendo em conta as circunstâncias mencionadas no n.° 104, que levaram a Comissão a concluir que não existe qualquer abuso de uma posição dominante no mercado, devia ter apresentado indicações circunstanciadas sobre a existência de uma posição dominante no mercado e de um comportamento abusivo. Assim, o Tribunal de Primeira Instância não forneceu uma fundamentação própria.

80.      Deste modo, mesmo que as considerações feitas nos n.os 105 a 108 do acórdão recorrido não se encontrem na decisão controvertida, isto não justifica a anulação do acórdão, dado que o Tribunal de Primeira Instância as formulou ad abundantiam («Em segundo lugar, há que recordar»), relativamente às que, sem dúvida, constam da decisão impugnada. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância, na sua observação final constante do n.° 109 do acórdão, reproduz exclusivamente o resultado da sua apreciação no n.° 104 («Por conseguinte, a recorrente não demonstrou qualquer erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão no que respeita à existência de uma violação do artigo 82.° CE pela Eurocontrol»). Isto demonstra que as considerações criticadas, feitas no n.° 108, não constituem os pilares deste acórdão. Ora, segundo jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça rejeita, desde logo, as acusações dirigidas contra fundamentos subsidiários de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância, uma vez que estes não podem conduzir à sua anulação (40).

81.      Este fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

v)      Violação da jurisprudência comunitária assente em matéria de limites à fiscalização jurisdicional

82.      A recorrente alega ainda uma violação da jurisprudência comunitária em matéria de limites à fiscalização jurisdicional. Remete, sobretudo, para o acórdão Haladjian Frères/Comissão (41), no qual o Tribunal de Primeira Instância declarou que «a fiscalização jurisdicional dos actos da Comissão que implicam apreciações económicas complexas, como é o caso em matéria de infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE, deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como à verificação da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder».

83.      Em apoio deste fundamento, alega que o Tribunal de Primeira Instância não se limitou a examinar, no n.° 109 do acórdão recorrido, se a Comissão cometeu um erro de apreciação, mas que se substituiu a ela, para efectuar um exame complexo do comportamento da Eurocontrol.

84.      Note‑se que, com este fundamento, a recorrente se limita a repetir as críticas que formulou relativamente às considerações do Tribunal de Primeira Instância no n.° 108 do acórdão recorrido, sem apresentar novos argumentos. Além de não ser claro como é que o Tribunal de Primeira Instância terá ultrapassado os limites à fiscalização jurisdicional, uma vez que se limitou a declarar que a recorrente devia ter apresentado indicações circunstanciadas quanto à existência de uma posição dominante no mercado e de um comportamento abusivo para refutar a apreciação da Comissão (42), importa recordar de novo que a censura da recorrente não se dirige contra os fundamentos essenciais do referido acórdão.

85.      Assim, este fundamento deve ser julgado improcedente.

vi)    Erro de apreciação quanto à violação do artigo 82.° CE

86.      Com este fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de apreciação ao confirmar a validade da decisão e excluir que os comportamentos da Eurocontrol criticados pela recorrente pudessem ser abusivos.

87.      No essencial, a recorrente sustenta que são irrelevantes tanto o facto de a Eurocontrol não ter a possibilidade de influenciar as decisões das administrações nacionais como a natureza facultativa da actividade de assistência – critérios aplicados pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 104 do acórdão recorrido para negar um comportamento abusivo da Eurocontrol. Por um lado, o artigo 82.° CE não pressupõe qualquer comportamento abusivo sistemático, por outro, a falta de poder decisório é compensada pela influência efectivamente exercida por esta organização através dos seus serviços.

88.      Atendendo à extensa argumentação da recorrente, importa lembrar que o recurso tem por objectivo o controlo da aplicação do direito pelo Tribunal de Primeira Instância e, de modo algum, a repetição em segunda instância do processo da primeira instância. Por conseguinte, as alegações da recorrente não podem ser objecto de nova apreciação e só podem ser verificadas pelo Tribunal de Justiça na medida em que se trate de controlar a sua qualificação jurídica pelo Tribunal de Primeira Instância e as consequências jurídicas que este daí extraiu (43).

89.      A este respeito, há que referir que a recorrente utiliza, em parte, argumentos inadmissíveis, pois as suas alegações visam obter um novo apuramento dos factos e não exclusivamente um controlo jurídico das considerações do Tribunal de Primeira Instância, o que não é da competência do Tribunal de Justiça enquanto instância de recurso. É o que se verifica, por exemplo, com a afirmação do Tribunal de Primeira Instância no n.° 104 do acórdão recorrido, de que a recorrente não demonstrou que a Eurocontrol tenha realmente influenciado, num caso concreto, a decisão de adjudicar um contrato a um proponente, e que o tenha feito por considerações diferentes das que resultam da procura da melhor solução técnica ao preço mais vantajoso.

90.      Como a Comissão correctamente nota, não se descortina aqui qualquer erro de apreciação. A recorrente também não apresenta quaisquer argumentos em apoio do seu ponto de vista. Pelo contrário, há que concordar com a Comissão em que a simples prestação de conselhos dificilmente pode ser qualificada como abuso de uma posição dominante no mercado, pois fica ao critério da administração nacional seguir ou não os conselhos recebidos. Como o Tribunal de Primeira Instância concluiu, com razão, no n.° 104 do acórdão recorrido, a intervenção da Eurocontrol, na qualidade de consultora, não é nem obrigatória nem sistemática. Só tem lugar, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da convenção, a pedido expresso das administrações interessadas. Em última análise, um eventual comportamento abusivo é imputável às administrações nacionais e não à Eurocontrol.

91.      Contrariamente ao entendimento da recorrente (44), também não é possível descortinar qualquer contradição entre as afirmações feitas no n.° 104 e a seguinte afirmação, feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 108 do acórdão recorrido:

«Em especial, não se verifica que a Eurocontrol tenha podido retirar qualquer vantagem concorrencial do facto de ter podido influenciar, através dos seus serviços de consultadoria prestados às administrações nacionais, a escolha por estas últimas dos seus fornecedores de equipamentos ATM em favor de determinadas empresas.»

92.      A constatação, feita no n.° 108, de que a Eurocontrol tem a possibilidade de influenciar as decisões de adjudicação de contratos das autoridades nacionais não contradiz, de modo algum, a constatação feita no n.° 104, segundo a qual a recorrente não demonstrou que a Eurocontrol tenha realmente influenciado, num caso concreto, a decisão de adjudicar um contrato a um proponente. Portanto, este argumento deve ser rejeitado.

93.      Por último, a recorrente critica o desvirtuamento de elementos de prova em relação à carta da Comissão, de 3 de Novembro de 1998. Neste contexto, remete para as considerações tecidas pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 110 a 112 do acórdão recorrido.

94.      A este respeito, há que notar, antes de mais, que o Tribunal de Primeira Instância não estava obrigado a apreciar os argumentos da recorrente baseados nesta carta, dado que tinham sido apresentados no contexto de novos fundamentos e que estes foram declarados inadmissíveis pelo Tribunal de Primeira Instância (45).

95.      De resto, o Tribunal de Primeira Instância apreciou suficientemente os argumentos da recorrente. No n.° 112 do acórdão recorrido constatou, sem cometer qualquer erro de direito, que o facto de a Comissão ter formulado uma série de observações críticas relativamente a determinadas actividades da Eurocontrol não demonstrava que a própria Comissão estivesse persuadida da ilegalidade do comportamento da Eurocontrol à luz das regras da concorrência. Assim, não se pode falar de um desvirtuamento das provas.

96.      Este fundamento deve, por isso, ser julgado improcedente.

b)      Quanto à actividade de normalização da Eurocontrol

97.      No que se refere aos erros de direito quanto à aplicabilidade do artigo 82.° CE à actividade de normalização da Eurocontrol, a recorrente alega:

–                 o desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida;

–                 a utilização de um conceito de actividade económica contrário ao conceito desenvolvido pela jurisprudência comunitária;

–        a interpretação e a aplicação incorrectas da jurisprudência comunitária relativa a prestações de assistência social;

–                 a violação do dever de fundamentação.

98.      A Comissão critica a fundamentação do acórdão recorrido e, por conseguinte, sugere outra modificação.

i)      O pedido apresentado pela Comissão para que se modifique a fundamentação

99.      Em consonância com o que foi acima referido (46), este «pedido» da Comissão deve também ser entendido como uma mera sugestão feita ao Tribunal de Justiça para que modifique a fundamentação do acórdão no sentido que propõe.

–       Argumentos das partes

100. A Comissão pede que a fundamentação do acórdão seja modificada no que se refere à distinção, efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 59 e 60 do acórdão recorrido, entre uma actividade de preparação ou elaboração de normas e especificações técnicas, tarefa realizada pela agência da Eurocontrol na qualidade de órgão executivo, por um lado, e a adopção das normas pelo conselho da Eurocontrol, por outro. A Comissão entende que esta distinção é artificial. Tal como em relação à actividade de assistência às administrações nacionais, o Tribunal de Primeira Instância aplicou critérios errados e não conformes com o acórdão SAT Fluggesellschaft/Eurocontrol, para determinar se a primeira actividade referida era dissociável das outras funções de autoridade pública. Além disso, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância fez uma apreciação errada da natureza desta actividade.

101. A Eurocontrol critica igualmente a distinção efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido.

102. Em contrapartida, a recorrente defende que o Tribunal de Primeira Instância se orientou, a este respeito, pelos princípios enunciados no acórdão SAT Fluggesellschaft.

–       Apreciação jurídica

103. Nos n.os 59 e 60 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância justificou esta distinção indicando que a adopção das normas pelo conselho da Eurocontrol faz parte do domínio legislativo. Com efeito, o conselho da Eurocontrol é composto pelos directores‑gerais da aviação civil de cada Estado membro da organização, mandatados pelos respectivos Estados para adoptar as especificações técnicas, que terão força obrigatória em todos os Estados membros. Esta actividade inclui‑se directamente no exercício de prerrogativas de poder público por estes Estados. O papel da Eurocontrol é, deste modo, equiparável ao de um ministério que, a nível nacional, prepara as medidas legislativas ou regulamentares que, em seguida, serão adoptadas pelo Governo. Segundo o Tribunal de Primeira Instância trata‑se, portanto, de uma actividade que está ligada à missão de serviço público da Eurocontrol.

104. Porém, isto não se aplica à preparação ou à elaboração das normas técnicas pela Eurocontrol. Os argumentos invocados pela Comissão para demonstrar que a actividade de normalização da Eurocontrol está ligada à missão de serviço público desta organização (47) referem‑se, na realidade, apenas à adopção dessas normas e não à sua elaboração. A necessidade da adopção de normas a nível internacional não significa que a entidade que elabora estas normas deva ser também aquela que, em seguida, as adopta. O Tribunal de Primeira Instância deduz daí que esta actividade é dissociável da sua missão de gestão do espaço aéreo e de desenvolvimento da segurança aérea.

105. Penso que esta argumentação revela uma qualificação errada dos factos.

106. Com efeito, decorre claramente do artigo 2.°, n.° 1, alínea f), da Convenção Eurocontrol, que a Eurocontrol fica encarregada, designadamente, da tarefa de «[e]laborar, adoptar e manter em estudo normas comuns, especificações e práticas para os sistemas e serviços de gestão do tráfego aéreo». A este propósito, há que indicar que a convenção, contrariamente ao entendimento do Tribunal de Primeira Instância, não distingue entre a preparação ou a elaboração das normas e a sua adopção. Por conseguinte, o texto desta disposição não oferece qualquer ponto de apoio para a distinção efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância.

107. A interpretação defendida pelo Tribunal de Primeira Instância também não é compatível com a finalidade deste preceito, pois a preparação e a elaboração de normas e especificações técnicas são instrumentos essenciais à disposição da Eurocontrol para alcançar o objectivo, previsto no artigo 1.°, n.° 1, da convenção, de realizar «a harmonização e a integração necessárias com vista a criar um sistema europeu uniforme de gestão do tráfego aéreo» (48).

108. Também não se esclarece em que factos baseia o Tribunal de Primeira Instância a sua conclusão de que a tarefa de preparação e de elaboração de normas e especificações técnicas, transferida para a Eurocontrol pelos seus Estados membros, pode também ser desempenhada por outra entidade ou empresa. Cabia ao Tribunal de Primeira Instância constatar, de forma concludente, se isto se verificava no caso em apreço. Em vez disso, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a declarar, no n.° 60 do acórdão recorrido, que a Comissão «não demonstrou que, no caso vertente, essas duas actividades devam necessariamente ser exercidas por uma única e mesma entidade, em vez de por duas entidades diferentes».

109. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância relativiza as suas próprias conclusões, ao negar, no n.° 61, o carácter económico desta actividade, o que justifica referindo não ter sido demonstrado que existia um mercado para os «serviços de normalização técnica no sector dos equipamentos ATM». Ora, o próprio Tribunal de Primeira Instância reconhece que a falta de um mercado para a normalização técnica neste sector decorre do facto de esses serviços serem procurados apenas pelos Estados na sua qualidade de autoridades de controlo do tráfego aéreo. Ora, os Estados decidiram elaborar eles próprios essas normas, no âmbito de uma cooperação internacional, por intermédio da Eurocontrol. No domínio da normalização, a Eurocontrol constitui apenas um fórum de concertação, que criaram para coordenar os standards técnicos dos seus sistemas ATM.

110. Em minha opinião, as afirmações em parte contraditórias do Tribunal de Primeira Instância mostram claramente que, pelo menos no que diz respeito ao caso em apreço, também a preparação e a elaboração de normas e especificações técnicas devem ser entendidas como expressão do desempenho de uma missão de serviço público (49), não sendo dissociáveis da actividade legislativa da Eurocontrol na acepção do exercício de uma prerrogativa de poder público (50). As normas elaboradas pela agência da Eurocontrol são adoptadas pelo conselho da Eurocontrol e declaradas vinculativas para os Estados membros. Por conseguinte, como sujeito de direito internacional sui generis, a Eurocontrol exerce estes poderes, por conta dos seus Estados membros, com base nas competências que lhe foram atribuídas (51). A transferência de uma actividade de poder público para uma organização internacional pelos seus Estados membros constitui a continuação desta actividade num quadro multilateral de direito internacional. Logo, não é adequada a comparação com organizações privadas de normalização. Se os Estados membros pretendessem admitir a participação de tais organizações privadas na elaboração de normas e especificações técnicas na área da segurança aérea, teriam de prever uma derrogação correspondente na Convenção Eurocontrol.

111. Como o Tribunal de Primeira Instância concluiu, a justo título, a actividade de normalização da Eurocontrol não pode ser considerada uma actividade económica.

112. Face às considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que altere de modo correspondente a fundamentação do acórdão.

ii)    Desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida

113. Com este fundamento, a recorrente (52) critica de novo o desvirtuamento do conteúdo da decisão controvertida nos n.os 15 e 48 do acórdão recorrido. Alega que a Comissão não analisou a existência de um abuso de posição dominante no mercado. Pelo contrário, isto foi constatado não pela Comissão mas sim pelo Tribunal de Primeira Instância que, deste modo, desvirtuou a decisão da Comissão.

114. Como já foi indicado (53), a Comissão negou claramente a existência de abuso de uma posição dominante no mercado. Por conseguinte, este fundamento deve ser julgado improcedente.

iii) Utilização de um conceito de actividade económica contrário ao conceito desenvolvido pela jurisprudência comunitária

115. Segundo a recorrente, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que ela não demonstrou a existência de um mercado para os serviços de normalização técnica é irrelevante para efeitos da análise da questão de saber se a actividade em causa é de natureza económica ou, em qualquer caso, inexacta. Ao contrário do que o Tribunal de Primeira Instância entendeu, a Eurocontrol presta um serviço próprio, que consiste na elaboração de normas técnicas. De qualquer modo, o facto de a actividade em questão não consistir na oferta de bens ou serviços num determinado mercado não é relevante, atendendo à jurisprudência e à prática da Comissão. Pelo contrário, será decisivo se for possível entender que a actividade em causa tem carácter económico.

116. Como já foi indicado (54), o conceito de empresa na acepção do artigo 82.° CE é um conceito autónomo de direito comunitário. Deve entender‑se que abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Caracteristicamente, a actividade económica é uma actividade dirigida à troca de bens e serviços no mercado (55).

117. Como a Comissão afirma, a justo título, uma actividade económica pressupõe necessariamente um «mercado», no sentido da existência de oferta e procura de determinados bens ou serviços (56). A isto se refere o Tribunal de Primeira Instância nos n.os 61 e 62 do acórdão recorrido e não a um suposto «mercado pertinente», como a recorrente parece entender.

118. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância declarou, correctamente, não ter sido demonstrado que existia um mercado para os serviços de normalização técnica no sector dos equipamentos ATM. O Tribunal de Primeira Instância examinou a existência de oferta e procura neste domínio e, na falta de indícios concretos, respondeu pela negativa. Por consequência, o Tribunal de Primeira Instância tinha razão ao entender que a actividade de normalização da Eurocontrol não era de natureza económica.

119. Logo, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

iv)    Interpretação e aplicação incorrectas da jurisprudência comunitária relativa a prestações de assistência social

120. A recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por ter rejeitado os seus argumentos relativos à aplicação, no caso vertente, dos princípios do acórdão FENIN/Comissão.

121. Antes de mais, como certeiramente indica a Comissão (57), é de notar que o conteúdo desta crítica se dirige contra as afirmações do Tribunal de Primeira Instância respeitantes ao carácter não económico da aquisição de protótipos pela Eurocontrol e não contra a actividade de normalização desta organização, aqui em causa. Por conseguinte, não pode ser acolhida a argumentação da recorrente.

122. De resto, esta crítica é, desde logo, inadmissível. A recorrente aproveita as afirmações do Tribunal de Primeira Instância relativas ao acórdão FENIN/Comissão, que foram feitas num contexto diferente, para apresentar alegações que não foram formuladas no processo em primeira instância. No processo em primeira instância, a recorrente não criticou o facto de não ter sido examinado se o serviço tinha sido prestado de acordo com o princípio da solidariedade.

123. Se, todavia, o Tribunal de Justiça entender que esta crítica é admissível, cabe atender às seguintes considerações quanto ao mérito.

124. Deduz‑se da petição de recurso que a recorrente parece interpretar a jurisprudência referida no sentido de que os princípios em que se baseia só são aplicáveis aos casos em que uma entidade desempenhe funções de carácter exclusivamente social (58).

125. A este respeito importa esclarecer, antes de mais, que as afirmações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 65 a 69 do acórdão recorrido, às quais a recorrente se refere, tinham por objecto a questão de saber se a actividade de normalização da Eurocontrol deve ou não ser qualificada de económica.

126. Como o Tribunal de Primeira Instância indicou no n.° 61, remetendo para a citada jurisprudência comunitária (59), deve entender‑se por actividade económica qualquer actividade que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou correctamente que o conceito comunitário de actividade económica assenta na oferta e não na aquisição de bens e serviços. No mesmo sentido, o Tribunal de Primeira Instância referiu o acórdão FENIN/Comissão (60), no qual foi também constatado, de modo correspondente, que o mero facto de uma entidade comprar um produto, mesmo quando o faz em grande quantidade, para o usar no âmbito de outra actividade, por exemplo, de uma actividade de natureza puramente social, não é suficiente para qualificar essa entidade como empresa. A presença de uma entidade compradora num mercado não basta para classificar essa actividade de económica, dado que falta a característica essencial da oferta de bens e serviços.

127. A recorrente não nega que esta jurisprudência seja correcta. Porém, entende que assenta numa interpretação excessivamente restritiva e, por isso, errada, do acórdão FENIN/Comissão. Como já foi exposto, no referido acórdão o Tribunal de Primeira Instância pretendia esclarecer, em primeira linha, que só a actividade que consiste em oferecer bens e serviços pode ser entendida como actividade económica (61).

128. Assim, foi a justo título que o Tribunal de Primeira Instância rejeitou os argumentos da recorrente.

129. Por conseguinte, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

v)               Violação do dever de fundamentação

130. A crítica relativa à violação do dever de fundamentação não me parece ser suficientemente circunstanciada, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância expõe, nos n.os 59 e segs., sobretudo no n.° 61 do acórdão recorrido, as razões que o levaram a concluir que a actividade de elaboração das normas não pode ser entendida como uma actividade económica.

131. Assim, este fundamento deve ser julgado improcedente.

c)      Quanto às actividades de investigação e desenvolvimento exercidas pela Eurocontrol

132. Quanto aos erros de direito relativos à aplicabilidade do artigo 82.° CE às actividades de investigação e de desenvolvimento da Eurocontrol (em especial à aquisição de protótipos e à gestão dos direitos de propriedade intelectual), a recorrente alega:

–        o desvirtuamento da decisão controvertida;

–        a utilização de um conceito de actividade económica contrário ao conceito desenvolvido pela jurisprudência comunitária;

–        a distorção e o desvirtuamento das provas produzidas pela recorrente quanto ao carácter económico da gestão dos direitos de propriedade intelectual pela Eurocontrol.

i)      Desvirtuamento da decisão controvertida

133. A recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os factos do litígio ao atribuir à decisão da Comissão um significado que esta não tem.

134. Em concreto, trata‑se da declaração de que a actividade de aquisição de protótipos e de gestão dos direitos de propriedade intelectual não constitui uma actividade económica. A recorrente afirma que a Comissão não contestou, na decisão impugnada, o carácter económico desta actividade, limitando‑se a excluir o eventual abuso de uma posição dominante no mercado.

135. No entanto, como o Tribunal de Primeira Instância constatou no n.° 74 do acórdão recorrido, basta uma simples leitura da decisão impugnada para compreender que esta afirmação carece de fundamento. Assim, no n.° 28 da sua decisão, a Comissão declara de forma inequívoca entender que as actividades controvertidas não têm natureza económica, afirmação que corrobora nos n.os 29 e 30 da referida decisão.

136. Assim, este fundamento deve ser julgado improcedente.

ii)    Utilização de um conceito de actividade económica contrário ao conceito desenvolvido pela jurisprudência comunitária

137. Com este fundamento, a recorrente critica as conclusões do Tribunal de Primeira Instância relativamente ao carácter não económico da actividade da Eurocontrol no domínio da aquisição de protótipos e da gestão dos direitos de propriedade intelectual.

138. Em primeiro lugar, contesta as afirmações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 76 do acórdão recorrido, indicando ser irrelevante que os protótipos não sejam desenvolvidos pela própria Eurocontrol mas por empresas do sector em causa, dado que a actividade em questão no presente processo é a aquisição destes protótipos.

139. O argumento da recorrente baseia‑se, manifestamente, numa interpretação incorrecta do acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância não excluiu o carácter económico da aquisição de protótipos por estes serem desenvolvidos por terceiros, mas, como resulta inequivocamente do n.° 75 do acórdão, em primeira linha, por a aquisição de protótipos não implicar a oferta de bens e serviços num determinado mercado. Assim, falta uma característica essencial para que a actividade possa ser qualificada de económica.

140. Como a Eurocontrol esclarece a este respeito, de modo convincente, ela não utiliza os protótipos para fabricar outro produto comercial nem lança no mercado os protótipos desenvolvidos. Pelo contrário, no contexto da aquisição de protótipos esforça‑se por criar um sistema europeu uniforme para a gestão do tráfego aéreo (62). Penso que isto confirma o entendimento do Tribunal de Primeira Instância, segundo o qual a actividade da Eurocontrol não pode ser considerada uma actividade económica.

141. Além disso, a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por considerar importante o critério da inexistência de remuneração, embora este critério não seja reconhecido como decisivo na jurisprudência comunitária. Considera irrelevante o facto de a Eurocontrol não prosseguir fins lucrativos e de ceder a título gratuito os direitos de propriedade adquiridos no âmbito do desenvolvimento, dado que, em qualquer caso, é negligenciável a característica da inexistência de remuneração.

142. A isto cabe objectar que a jurisprudência comunitária atribui importância ao aspecto da inexistência de remuneração (63), mas também ao eventual fim lucrativo das empresas, ao apreciar o carácter económico de uma actividade. Embora o fim não lucrativo de uma entidade não seja, por si só, determinante, constitui pelo menos um indício que pode ser confirmado por outros elementos (64). Logo, devem ser rejeitadas as alegações da recorrente a este respeito.

143. A recorrente considera ainda que enferma de erro de direito a seguinte afirmação do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 77 do acórdão:

«No entanto, no caso vertente, o facto de as licenças relativas aos direitos de propriedade adquiridas pela Eurocontrol no âmbito do desenvolvimento dos protótipos serem concedidas a título gratuito acresce ao facto de que se trata aqui de uma actividade acessória à promoção do desenvolvimento técnico, que se insere no âmbito do objectivo de interesse geral da missão da Eurocontrol e não é prosseguida [num] interesse próprio da organização que [seja] dissociável do referido objectivo, o que exclui o carácter económico de uma actividade.»

144. Como fundamentação, a recorrente alega que esta constatação assenta na conjectura de que uma actividade no domínio do desenvolvimento técnico não pode ser de natureza económica. Porém, isto está em contradição com a jurisprudência comunitária que reconheceu, recentemente, o carácter económico da tarefa de desenvolvimento técnico.

145. A recorrente tem razão ao afirmar que, segundo a jurisprudência comunitária (65), o desenvolvimento de novas tecnologias pode, em certas condições, constituir também uma actividade económica. Mas ignora, por um lado, como a Comissão a justo título nota, que o Tribunal de Primeira Instância não se referiu a uma «actividade de desenvolvimento técnico», mas sim a uma «actividade de promoção do desenvolvimento técnico». Por outro lado, cabe objectar que isto não pode ser entendido como regra geral, mas, quando muito, como um indício entre vários, sendo sempre necessário examinar se, no caso concreto, a promoção do desenvolvimento técnico por uma entidade, atendendo a outros aspectos como a falta de fim lucrativo ou de natureza de actividade acessória, pode razoavelmente levar a concluir que se trata de uma actividade económica. Isto foi feito pelo Tribunal de Primeira Instância de modo não criticável do ponto de vista jurídico.

146. Por conseguinte, este fundamento deve ser julgado improcedente.

iii) Distorção e desvirtuamento das provas produzidas pela recorrente quanto ao carácter económico da gestão dos direitos de propriedade intelectual pela Eurocontrol

147. Com este fundamento, a recorrente critica o desvirtuamento das provas que produziu na audiência perante o Tribunal de Primeira Instância relativamente aos pagamentos recebidos pela Eurocontrol. A recorrente afirma que não pretendia fazer referência à onerosidade, mas à variedade de actividades da Eurocontrol e à contradição que existe entre a gestão dos direitos de propriedade intelectual pela Eurocontrol, por um lado e o conteúdo de um documento interno da Eurocontrol intitulado «ARTAS Intellectual Property Rights and Industrial Policy», por outro.

148. A Comissão contesta que este documento tenha sido junto à petição inicial ou à contestação. Entende que este argumento é, em qualquer caso, extemporâneo e, por isso, inadmissível, mesmo que tivesse sido invocado pela recorrente na audiência do processo no Tribunal de Primeira Instância.

149. Quanto a este fundamento, cabe assinalar que a argumentação da recorrente visa, manifestamente, questionar a posteriori o apuramento dos factos efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 79 do acórdão recorrido, sem ter demonstrado de modo suficientemente circunstanciado em que consiste exactamente o desvirtuamento das provas. Pelo contrário, verifica‑se que o Tribunal de Primeira Instância apreciou suficientemente os meios de prova que lhe foram apresentados. O Tribunal de Primeira Instância examinou a gestão dos direitos de propriedade intelectual pela Eurocontrol no âmbito do sistema ARTAS e constatou, a justo título, que os direitos de utilização deste sistema eram de um ECU, o que equivalia a serem grátis.

150. Logo, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

V –    Resultado da análise

151. Resulta das considerações anteriores que o presente recurso não é procedente. Assim, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

152. Proponho que se modifique a fundamentação do acórdão recorrido, atendendo às considerações que teci (66).

VI – Quanto às despesas

153. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

154. Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, também aplicável ao processo de recurso de decisão de primeira instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, o Tribunal de Justiça pode determinar que um interveniente, que não os mencionados nos parágrafos 1 e 2, suporte as suas próprias despesas. Por força desta disposição, a Eurocontrol suportará as despesas em que incorreu como interveniente.

VII – Conclusão

155. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

–        negue provimento ao recurso na sua totalidade;

–        condene a interveniente nas suas próprias despesas e

–        condene a recorrente nas restantes despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2006, SELEX Sistemi Integrati/Comissão (T‑155/04, Colect., p. II‑4797).


3 – Fundada inicialmente pela Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, são actualmente membros da Eurocontrol os seguintes Estados (por ordem alfabética segundo a sua designação em inglês): Albânia, Arménia, Áustria, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Chipre, República Checa, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Moldávia, Mónaco, Montenegro, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Sérvia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça, Antiga República Jugoslava da Macedónia, Turquia, Ucrânia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.


4 – JO L 304, p. 209.


5 – JO L 187, p. 52.


6 – JO L 95, p. 16.


7 – JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22.


8 – Acórdão de 19 de Janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft (C‑364/92, Colect., p. I‑43).


9 – Acórdãos de 11 de Dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, Colect., p. I‑0000, n.° 38), de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão (C‑205/03 P, Colect., p. I‑6295, n.° 25), de 23 de Março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, Colect., p. I‑2843, n.° 28), de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o. (C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.° 107), de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 112), de 16 de Março de 2004, AOK‑Bundesverband e o. (C‑264/01, C‑306/01, C‑354/01 e C‑355/01, Colect., p. I‑2493, n.° 46), de 12 de Setembro de 2000, Pavlov e o. (C‑180/98 a C‑184/98, Colect., p. I‑6451, n.° 74), e de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser (C‑41/90 Colect., p. I‑1979, n.° 21).


10 – Nos termos do artigo 1.° da Convenção de Chicago de 1944 (UN Treaty Series vol. 15, n.° 105), os Estados Contratantes reconhecem que «cada Estado tem a soberania completa e exclusiva sobre o espaço aéreo que cobre o seu território». Esta convenção baseia‑se no princípio de que a segurança da circulação aérea é da responsabilidade de cada Estado (Majid, A., Legal status of international institutions: SITA, INMARSAT and Eurocontrol examined, Aldershot 1996, p. 91). Porém, isto não impede que os Estados possam transferir esta competência para uma organização internacional. A Eurocontrol foi fundada para controlar o espaço aéreo superior na Europa. Mas, na prática, isto nunca chegou a verificar‑se. Na realidade, até ser concluído o Protocolo de alteração de 12 de Fevereiro de 1981, a Eurocontrol limitou‑se a garantir a segurança no espaço aéreo superior a partir das suas centrais de Karlsruhe e Maastricht. Através do acordo de alteração, a competência da Eurocontrol passou a abranger várias outras áreas, mas só o centro regional de Maastricht assegura agora o controlo do tráfego no espaço aéreo superior do Norte da Alemanha, da Bélgica, dos Países Baixos e do Luxemburgo (Seidl‑Hohenveldern, I., «Eurocontrol und EWG‑Wettbewerbsrecht», Völkerrecht zwischen normativem Anspruch und politischer Realität, Berlim 1994, p. 252).


11 – Idot, L., «Retour sur la notion d’entreprise», Europe, Fevereiro 2007, n.° 68, p. 25, designa como aplicação do «princípio da dissociação» («principe de dissociation») a análise individual de diversas actividades.


12 – Acórdão SAT Fluggesellschaft (já referido na nota 9, n.° 27).


13 – Ibid., n.° 30.


14 – V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade (30/59, Colect. 1954‑1961, p. 551), de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão (C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.° 22), e de 8 de Julho de 1999, Chemie Linz/Comissão (C‑245/92 P, Colect., p. I‑4643, n.° 32), bem como acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão (T‑459/93, Colect., p. II‑1675, n.° 21), de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão (T‑371/94 e T‑394/94, Colect., p. II‑2405, n.° 75), de 1 de Dezembro de 1999, Boehringer/Conselho e Comissão (T‑125/96 e T‑152/96, Colect., p. II‑3427, n.° 183), de 28 de Fevereiro de 2002, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑395/94, Colect., p. II‑875, n.° 382), e de 3 de Abril de 2003, BaByliss/Comissão (T‑114/02, Colect., p. II‑1279, n.° 417). Rengeling, H.‑W./Middeke, A./Gellermann, M., Handbuch des Rechtsschutzes in der Europäischen Union, Munique 2003, § 22, n.° 40, p. 405.


15 – Acórdãos de 19 de Março de 2002, Comissão/Irlanda (C‑13/00, Colect., p. I‑2943, n.os 3 a 6), CIRFS e o./Comissão (já referido na nota 14, n.os 21 e 22), e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão (C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.os 11 e 12).


16 – V. acórdão SAT Fluggesellschaft (já referido na nota 8, n.° 41).


17 – A Comissão remete para o acórdão Höfner e Elser (já referido na nota 9, n.° 24). O Tribunal de Justiça esclarece aí que um serviço público de emprego encarregado, nos termos da legislação de um Estado‑Membro, da gestão de serviços de interesse geral, como os previstos no § 3 da Arbeitsförderungsgesetz alemã, continua sujeito às regras de concorrência, nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado CEE, a não ser que se prove que a aplicação dessas regras é incompatível com o desempenho da sua missão.


18 – V. n.° 3 da tréplica da Comissão.


19 – V. n.° 56 da resposta da Eurocontrol.


20 – De resto, esta apreciação está em consonância com as conclusões do Tribunal de Justiça no acórdão SAT Fluggesellschaft (já referido na nota 8, n.os 10 e 11), no qual o Tribunal de Justiça respondeu à excepção da incompetência (decorrente da imunidade) arguida pela Eurocontrol que, no âmbito de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, lhe tinha sido submetida uma questão relativa à interpretação das regras comunitárias de concorrência e não à Convenção Eurocontrol. Deste modo, a questão de saber se as disposições comunitárias podem ser invocadas contra a Eurocontrol é um problema de direito substantivo e não afecta a competência do Tribunal de Justiça. A imunidade das organizações internacionais é explicada, em primeira linha, de modo funcional: a imunidade serve para garantir a independência de que necessitam para desempenharem as suas tarefas e alcançarem os seus objectivos (v. Wenckstern, M., Handbuch des Internationalen Zivilverfahrensrechts, Die Immunität internationaler Organisationen, vol. II/1, Tübingen 1994, n.° 44, p. 13). No entanto, o presente processo não se dirige contra a Eurocontrol. No âmbito deste recurso, o Tribunal de Justiça é chamado exclusivamente a decidir se deve dar ou não provimento ao recurso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância, sendo determinante apenas, tal como no processo acima referido, a interpretação das normas comunitárias em matéria de concorrência. Neste sentido, a Eurocontrol não é afectada no desempenho das tarefas que lhe cabem como organização internacional.


21 – Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, existe desvio de poder quando uma instituição exerce as suas competências com a finalidade exclusiva ou, pelo menos, determinante de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço. V. acórdãos de 25 de Janeiro de 2007, Dalmine/Comissão (C‑407/04 P, I‑829, n.° 99), de 10 de Março de 2005, Espanha/Conselho (C‑342/03, Colect., p. I‑1975, n.° 64), e de 14 de Maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão (C‑48/96 P, Colect., p. I‑2873, n.° 52).


22 – Acórdãos de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o. (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 48), e de 2 de Outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C‑194/99 P, Colect., p. I‑10821, n.° 33). Lenaerts, K./Arts, D./Maselis, I., Procedural Law of the European Union, 2.ª edição, Londres 2006, p. 453, n.° 16‑003, indicam que o Tribunal de Justiça não é competente para apurar os factos. A circunstância de um recurso estar limitado às questões de direito significa que o Tribunal de Primeira Instância tem competência exclusiva neste domínio. Daqui decorre que um recorrente não pode pôr em causa os factos apurados pelo Tribunal de Primeira Instância, nem alegar factos que não foram apurados pelo Tribunal de Primeira Instância.


23 – Acórdão Aalborg Portland e o. (já referido na nota 22, n.° 48). V., a este respeito, as minhas conclusões de 13 de Março de 2008, no processo ainda pendente CAS/Comissão (C‑204/07 P, n.° 84).


24 – V. conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, apresentadas no processo de 11 de Fevereiro de 2003, Aalborg Portland e o. (acórdão já referido na nota 22, n.° 38); acórdãos de 21 de Junho de 2001, Moccia Irme e o./Comissão (C‑280/99 P a C‑282/99 P, Colect., p. I‑4717, n.° 78), e de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewerbe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 24).


25 – Despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2006, Entorn/Comissão (C‑162/05 P, Colect., p. I‑12, n.os 54 e 55).


26 – V., neste sentido, conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott, em 13 de Dezembro de 2007, no processo ainda pendente Bertelsmann e Sony Corporation of America (C‑413/06 P, Colect., n.° 283).


27 – V., a este respeito, conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi, no processo ainda pendente de 8 de Abril de 2008, Campoli/Comissão (C‑71/07 P, n.° 41).


28 – V., a este respeito, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Bertelsmann e Sony Corporation of America (já referidas na nota 26, n.° 286), nas quais a advogada‑geral entendeu as «observações complementares» da Comissão tendentes à modificação da fundamentação não como recurso subordinado, mas como uma exposição adicional, que apenas servia para uma melhor compreensão do próprio argumento da Comissão em resposta ao recurso.


29 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Colect., p. 2655, n.os 14 e 15), e do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Aéroports de Paris/Comissão (T‑128/98, Colect., p. II‑3929, n.° 108).


30 – A Eurocontrol é financiada, essencialmente, pelas contribuições dos seus Estados membros. As contribuições são determinadas num regulamento financeiro, elaborado pelo Comité Administrativo da agência e aprovado pela Comissão da Eurocontrol, que estabelece uma fórmula de repartição entre os vários Estados membros. Esta é determinada de acordo com o produto nacional bruto de cada Estado membro, que resulta das correspondentes estatísticas da OCDE. Os projectos de orçamento anuais são elaborados pelo Comité Administrativo e aprovados pela Comissão da Eurocontrol (v., a este respeito, Schwenk, W./Giemulla, E., Handbuch des Luftverkehrsrechts, 3.ª edição, Colónia/Berlim/Munique 2005, p. 96).


31 – Acórdão Höfner e Elser (já referido na nota 9, n.° 22).


32 – Acórdãos de 16 de Novembro de 1995, Fédération française des sociétés d’assurances e o. (C‑244/94, Colect., p. I‑4013, n.° 22), e de 21 de Setembro de 1999, Albany (C‑67/96, Colect., p. I‑5751, n.os 84 a 87).


33 – Segundo Mestmäcker/Schweitzer, Wettbewerbsrecht (edição de Ulrich Immeng e Ernst‑Joachim Mestmäcker), 4.ª edição, Munique 2007, artigo 86.°, n.° 18, para determinar se uma actividade é exercida na veste de autoridade pública, importa realizar uma apreciação global. Assim, no acórdão SAT Fluggesellschaft (já referido na nota 8, n.° 30), o Tribunal de Justiça atendeu à natureza, ao objecto e às regras a que a actividade está sujeita.


34 – Prompl, W., Luftverkehr – Eine ökonomische und politische Einführung, 5.ª edição, Berlim/Heidelberg 2007, p. 23, indica, de modo marcante, em que medida é necessário harmonizar os sistemas de controlo aéreo na Europa. Assim, o «European Air Traffic Control Harmonisation and Integration Program» (EATCHIP) visa harmonizar e tornar compatíveis os vários sistemas de controlo aéreo (49 unidades de controlo de tráfego aéreo utilizam 31 sistemas informáticos diferentes, com 22 sistemas operativos e 30 linguagens de programação).


35 – Acórdão SAT Fluggesellschaft (já referido na nota 8, n.° 24).


36 – Assim, nos acórdãos de 19 de Janeiro de 1994, Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 120), e de 9 de Junho de 1992, Lestelle/Comissão (C‑30/91 P, Colect., p. I‑3755, n.° 28), o Tribunal de Justiça decidiu que, mesmo que os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância mostrem uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada, por outras razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto.


37 – V. n.° 51 da resposta da Comissão.


38 – V. n.° 73 da petição de recurso.


39 – V. n.° 71 das presentes conclusões.


40 – Cabe destacar, entre a extensa jurisprudência, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1993, Parlamento/Frederiksen (C‑35/92 P, Colect., p. I‑991, n.° 31), de 16 de Setembro de 1997, Blackspur/Conselho e Comissão (C‑362/95 P, Colect., p. I‑4775, n.os 18 a 23), e de 25 de Janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries/Comissão (C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colect., p. I‑729, n.° 106), bem como o despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2001, Comité do Pessoal do BCE e o./BCE (C‑467/00 P, Colect., p. I‑6041, n.os 34 a 36).


41 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Setembro de 2006, Haladjian Frères/Comissão (T‑204/03, Colect., p. II‑3779, n.° 30).


42 – V. n.° 79 das presentes conclusões.


43 – Quando o Tribunal de Primeira Instância apura ou aprecia os factos, o Tribunal de Justiça é competente para exercer, nos termos do artigo 225.° CE, uma fiscalização sobre a qualificação jurídica desses factos e sobre as consequências jurídicas que deles foram extraídas pelo Tribunal de Primeira Instância [v., neste sentido, Lenaerts, K./Arts, D./Maselis, I., loc. cit. (nota 22), p. 457, n.° 16‑007]. Como o Tribunal de Justiça frequentemente declarou, esta operação de qualificação constitui uma questão de direito que, enquanto tal, pode ser sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso. V. acórdãos de 3 de Março de 2005, Biegi (C‑499/03 P, Colect., n.° 41), de 19 de Outubro de 1995, Rendo e o./Comissão (C‑19/93 P, Colect., p. I‑3319, n.° 26), e de 29 de Abril de 2004, Parlamento/Ripa di Meana e o. (C‑470/00 P, Colect., p. I‑4167, n.° 41).


44 – V. n.os 92 e 93 da petição de recurso.


45 – Acórdão SELEX Sistemi Integrati/Comissão (já referido na nota 2, n.os 33 a 40).


46 – V. n.os 54 a 56 das presentes conclusões.


47 – A versão alemã do acórdão recorrido fala «der Aufgabe dieser Organisation als öffentliche Anstalt». Pelo contrário, a versão italiana fala de «missione di servizio pubblico di tale organizzazione». A versão em francês é do mesmo teor: «mission de service public de cette organisation». A versão inglesa fala de «that organisation’s public service mission».


48 – Yves Lambert, antigo secretário‑geral da Organização de Aviação Civil Internacional (1976‑1988) e antigo director‑geral da Eurocontrol (1994‑2000), indica, no seu artigo «Eurocontrol et l’OACI», Annals of air and space law/Annales de droit aérien et spatial, vol. 19 (1994), p. 360, que a preparação e a elaboração de normas e especificações técnicas devem ser entendidas como instrumentos essenciais para atingir os objectivos de harmonização e integração prosseguidos pela agência.


49 – O conceito de «missão de serviço público» é um conceito amplo que, como conceito científico, exprime a importância social de uma realidade que, esporadicamente, também se encontra como conceito jurídico. Quando se diz que algo constitui uma missão de serviço público não se indica logo que se trata de uma missão do Estado. Como Raschauer, B., Allgemeines Verwaltungsrecht, Viena/Nova Iorque 1998, p. 358, n.° 722, correctamente indica, as missões de serviço público podem também ser desempenhadas por entidades privadas (por exemplo, a actividade exercida pelas associações de ajuda à ressocialização ou de luta contra a SIDA, que exoneram o Estado dessas tarefas).


50 – O poder público reflecte o que é específico do Estado, o poder de autoridade, de impor e exigir unilateralmente: o Estado revestido do «imperium» que lhe é peculiar [v. Raschauer, B., loc. cit. (nota 49), p. 357, n.° 720]. Um exemplo de autoridade pública ou «imperium» é o poder legislativo exercido pelos órgãos do Estado. Ela não está, porém, reservada unicamente aos Estados como sujeitos originários de direito internacional, podendo também ser transferida para organizações internacionais e ser por elas exercida (v. Schliesky, U., Souveränität und Legitimität von Herrschaftsgewalt, Tübingen 2004, p. 336, que refere a Comunidade Europeia como exemplo de um legislador supranacional que substitui o legislador nacional).


51 – Actualmente, os Estados já não são os únicos que actuam no plano internacional. Paralelamente, desde o início do século XX, apareceram as organizações internacionais, em número sempre crescente. A ascensão das organizações internacionais decorre do facto de o tráfego internacional ser cada vez mais dificilmente concebível sem uma forma institucionalizada de cooperação. As organizações internacionais são os elementos determinantes desta institucionalização, porque podem ser criadas pelos seus membros praticamente para qualquer fim e ser dotadas das competências adequadas às suas funções. A sua estrutura interna consolidada e o seu próprio processo de formação da vontade permitem, em larga medida, garantir o exercício permanente da sua actividade [v., a este respeito, Klein, E., «Die Internationalen und Supranationalen Organisationen als Völkerrechtssubjekte», Völkerrecht (edição de Wolfgang Graf Vitzthum), Berlim/Nova Iorque 1997, p. 273, n.° 1].


52 – V. n.os 104 e 105 da petição de recurso.


53 – V. n.os 71 e 72 das presentes conclusões.


54 – V. n.° 20 das presentes conclusões.


55 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália (118/85, Colect., p. 2599, n.° 7), de 18 de Março de 1997, Diego Cali & Figli (C‑343/95, Colect., p. I‑1547, n.° 16), Pavlov e o. (já referido na nota 9, n.° 75), Cassa di Risparmio di Firenze (já referido na nota 9, n.° 108), Enirisorse (já referido na nota 9, n.° 29), e do Tribunal de Primeira Instância, Aéroports de Paris/Comissão (já referido na nota 29, n.° 107).


56 – Arcelin, L., «Être ou (et?) ne pas être une entreprise. C’est la question…», Revue Lamy de la Concurrence, 2007 n.° 11, p. 22, nota que o «mercado» é tradicionalmente definido como interacção entre a oferta e a procura. Neste sentido, não há oferta sem procura.


57 – V. n.° 101 da resposta da Comissão.


58 – V. n.° 122 da petição de recurso.


59 – V. n.° 116 das presentes conclusões e a jurisprudência referida na nota 55.


60 – Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 2003, FENIN/Comissão (T‑319/99, Colect., p. II‑357, n.° 37). Encontra‑se aí a seguinte afirmação do Tribunal de Primeira Instância: «Por conseguinte, sempre que uma entidade compra um produto, mesmo quando o faz em grande quantidade, não para oferecer bens ou serviços no âmbito de uma actividade económica, mas para o usar no âmbito de outra actividade, por exemplo, uma actividade de natureza puramente social, essa entidade não actua como uma empresa pela sua simples qualidade de comprador num mercado. Embora, de facto, tal entidade possa exercer um poder económico muito importante, que poderia eventualmente dar lugar a uma situação de monopsónio, não deixa de ser verdade que, na medida em que a actividade para cujo exercício ela compra tais produtos não possui natureza económica, essa entidade não actua como uma empresa na acepção das regras comunitárias em matéria de concorrência, não estando, por isso, abrangida pelas proibições previstas nos artigos 81.°, n.° 1, CE e 82.° CE.»


61 – Isto foi confirmado pelo acórdão FENIN/Comissão (já referido na nota 9, n.° 25), proferido pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o Tribunal de Primeira Instância, de harmonia com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, realçou, no n.° 36 do acórdão recorrido, que a oferta de bens ou serviços num determinado mercado é o que caracteriza o conceito de actividade económica. O Tribunal de Primeira Instância deduziu daqui, correctamente, que não se deve dissociar a actividade de compra de um produto da sua utilização ulterior e que o carácter económico ou não da utilização ulterior do produto comprado determina necessariamente o carácter da actividade de compra. Segundo Prieto, C., «Chronique de jurisprudence du Tribunal et de la Cour de justice des Communautés européennes», Journal du droit international, 2007, p. 670, o Tribunal de Justiça pretendeu com isso esclarecer que é sempre decisivo o aspecto da oferta de bens e serviços. V. também, neste sentido, Kovar, J.‑P., «Le Tribunal précise la notion d’activité économique et confirme la jurisprudence Fenin sur la qualification de l’acte d’achat», Concurrences, 2007, n.° 1, pp. 168, 170 e Arcelin, L., loc. cit. (nota 56), p. 22, que vêem no acórdão recorrido do Tribunal de Primeira Instância, SELEX Sistemi Integrati/Comissão (já referido na nota 2), uma confirmação da jurisprudência comunitária FENIN.


62 – V. n.° 102 da resposta da Eurocontrol. Na opinião de Idot, L., loc. cit. (nota 11), p. 25, quanto aos aspectos a analisar não se trata tanto da questão de saber se existe um mercado como da decisão política de dar preferência à investigação pública relativamente à investigação privada.


63 – V., quanto à importância do critério da inexistência de remuneração ao apreciar o carácter económico de uma actividade, acórdãos de 17 de Fevereiro de 1993, Poucet e Pistre (C‑159/91, Colect., p. I‑637, n.° 10), relativo às funções de um sistema de segurança social, de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, Colect., n.° 37), relativo à actividade de despachantes alfandegários, e Pavlov (já referido na nota 29, n.os 76, 77), relativo à actividade dos médicos especialistas independentes. Prieto, C., loc. cit. (já referido na nota 61), p. 670, remete para a jurisprudência supracitada e declara que a participação remunerada num mercado deve ser sempre tida em conta.


64 – No acórdão FENIN/Comissão (já referido na nota 60, n.° 39) o Tribunal de Primeira Instância verificou se a entidade em causa exercia uma actividade sem fim lucrativo. No acórdão Enirisorse (já referido na nota 55, n.° 31), o Tribunal de Justiça determinou, por um lado, que a actividade concreta de uma empresa consistia numa actividade económica – estava aí em causa o desenvolvimento de novas tecnologias para a utilização do carvão, bem como o apoio especializado às administrações, aos organismos públicos e às empresas interessadas no desenvolvimento dessas tecnologias. Por outro lado, o Tribunal de Justiça teve em conta que a empresa em causa tinha fins lucrativos.


65 – V. acórdão Enirisorse (já referido na nota 55, n.° 31), no contexto da actividade de desenvolvimento técnico.


66 – V. n.os 53 a 69, bem como n.os 98 a 110 das presentes conclusões.