Language of document : ECLI:EU:T:2004:105

Ordonnance du Tribunal

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
2 de Abril de 2004 (1)

«Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem individualmente respeito – Regulamento – Normas de comercialização do azeite – Inadmissibilidade»

No processo T-231/02,

Piero Gonnelli, residente em Reggello (Itália),

e

Associazione Italiana Frantoiani Oleari (AIFO), com sede em Roma (Itália),

representados por U. Scuro, advogado,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Cattabriga e C. Loggi, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.° 1019/2002 da Comissão, de 13 de Junho de 2002, relativo às normas de comercialização do azeite (JO L 155, p. 27),



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),



composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente



Despacho




Quadro jurídico

1
O artigo 35.°, n.° 1, do Regulamento n.° 136/66/CEE do Conselho, de 22 de Setembro de 1966, que estabelece uma organização comum de mercado no sector das matérias gordas (JO 1966, 172, p. 3025; EE 03 F1 p. 214), com as alterações nele introduzidas, impõe, para a comercialização do azeite e do óleo de bagaço de azeitona em cada um dos Estados‑Membros e nas trocas comerciais intracomunitárias com países terceiros, o uso das denominações e definições anexas ao referido regulamento. O n.° 2 do referido artigo precisa que só podem ser comercializados a retalho os azeites referidos nos pontos 1, alíneas a) e b), 3 e 6 do anexo.

2
Com base no artigo 35.°‑A do Regulamento n.° 136/66, segundo o qual, tanto em relação ao azeite como a todos os outros produtos abrangidos pela organização comum de mercado das matérias gordas, a Comissão pode adoptar normas de comercialização, que podem incidir, nomeadamente, na classificação por qualidade, na embalagem e na apresentação, a Comissão adoptou, em 13 de Junho de 2002, o Regulamento (CE) n.° 1019/2002, relativo às normas de comercialização do azeite (JO L 155, p. 27, a seguir «Regulamento n.° 1019/2002» ou «regulamento impugnado»).

3
O Regulamento n.° 1019/2002 fixa as normas de comercialização a retalho dos azeite e dos óleos de bagaço de azeitona, com a finalidade, por um lado, de garantir a autenticidade dos azeites que são vendidos e uma informação adequada ao consumidor e, por outro, de evitar todo e qualquer risco de distorção da concorrência no mercado dos azeites comestíveis.

4
Em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento n.° 1019/2002, estes óleos devem ser apresentados ao consumidor final pré‑embalados em embalagens de capacidade máxima de cinco litros e munidas de um sistema de abertura que perca a sua integridade após a primeira utilização. Todavia, os Estados‑Membros podem fixar uma capacidade máxima das embalagens superior a cinco litros para óleos destinados às colectividades (hospitais e cantinas, por exemplo).

5
De acordo com o mesmo artigo 2.°, as embalagens devem ser rotuladas em conformidade com os artigos 3.° a 6.° do regulamento impugnado.

6
Segundo o artigo 3.° do referido regulamento, a rotulagem deve incluir, além da denominação de venda em conformidade com o artigo 35.° do Regulamento n.° 136/66, a informação seguinte sobre a categoria do azeite ou óleo, em caracteres claros e indeléveis:

«a)    Azeite virgem extra:

‘azeite de categoria superior obtido directamente de azeitonas, unicamente por processos mecânicos’;

b)      Azeite virgem:

‘azeite obtido directamente de azeitonas, unicamente por processos mecânicos’;

c)      Azeite – contém azeite refinado e azeite virgem:

‘azeite constituído exclusivamente por azeites submetidos a um tratamento de refinação e por azeites obtidos directamente de azeitonas’;

d)      Óleo de bagaço de azeitona:

‘óleo constituído exclusivamente por óleos provenientes do tratamento do produto obtido após a extracção do azeite e por azeites obtidos directamente de azeitonas’

ou

‘óleo constituído exclusivamente por óleos provenientes do tratamento de bagaço de azeitona e por azeites obtidos directamente de azeitonas’.»

7
O artigo 4.° rege a designação de origem na rotulagem (ou seja, a indicação de um nome geográfico na embalagem ou no rótulo que lhe está ligado). A rotulagem é autorizada apenas para o azeite virgem extra e para o azeite virgem e consiste, regra geral, na menção de um Estado‑Membro ou da Comunidade ou de um país terceiro. A indicação de um nome geográfico de nível regional é autorizada para os produtos que beneficiem de uma denominação de origem protegida ou de uma indicação geográfica protegida em conformidade com o Regulamento (CEE) n.° 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1). O nome da marca ou o nome da empresa cujo pedido de registo tenha sido apresentado até 31 de Dezembro de 1998, em conformidade com a Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 159, p. 60), ou, o mais tardar, em 31 de Maio de 2002, em conformidade com o Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO L 11, p. 1), não são, todavia, considerados como designação de origem sujeita às disposições do Regulamento n.° 1019/2002.

8
O artigo 4.° dispõe igualmente que a designação de origem que mencione um Estado‑Membro ou a Comunidade corresponde à zona geográfica em que as azeitonas em questão foram colhidas ou em que se situa o lagar no qual o azeite foi extraído das azeitonas. Caso as azeitonas tenham sido colhidas num Estado‑Membro ou num país terceiro diferente daquele em que se situa o lagar no qual o azeite foi extraído das azeitonas, a designação de origem comportará a menção seguinte:

«Azeite virgem (extra) obtido em (designação da Comunidade ou do Estado‑Membro em causa) a partir de azeitonas colhidas em (designação da Comunidade, do Estado‑Membro ou do país em causa).»

9
Em caso de loteamentos de azeites virgens extra ou de azeites virgens dos quais mais de 75% provenham de um mesmo Estado‑Membro ou da Comunidade, pode ser designada a origem preponderante, seguida de uma menção que indique a percentagem mínima, superior ou igual a 75%, que provém efectivamente dessa origem preponderante.

10
Além da designação de origem, as embalagens podem igualmente conter indicações facultativas. Algumas delas estão, no entanto, sujeitas a condições especiais. Assim, em conformidade com o artigo 5.° do regulamento impugnado, a menção «primeira pressão a frio» está reservada aos azeites virgens ou virgens extra obtidos a menos de 27°C, aquando de uma primeira prensagem mecânica da massa de azeitona, por um sistema de extracção de tipo tradicional com prensas hidráulicas. A menção «extraído a frio» está reservada aos azeites virgens ou virgens extra obtidos a menos de 27°C, por percolação ou por centrifugação da massa de azeitona. As menções das características organolépticas apenas podem figurar na rotulagem se se basearem em resultados de um método de análise previsto pelo Regulamento (CEE) n.° 2568/91 da Comissão, de 11 de Julho de 1991, relativo às características dos azeites e dos óleos de bagaço de azeitona, bem como aos métodos de análise relacionados (JO L 248, p. 1). Finalmente, a menção da acidez e da acidez máxima apenas pode constar da rotulagem se for acompanhada da menção, em caracteres do mesmo tamanho e no mesmo campo visual, do índice de peróxidos, do teor em ceras e da absorvência no ultravioleta, determinados em conformidade com o Regulamento n.° 2568/91.

11
Outras regras quanto à rotulagem e às denominações de venda dos óleos referidos no ponto 1, alíneas a) e b), e nos pontos 3 e 6 do anexo do Regulamento n.° 136/66 estão contidas no artigo 6.° do regulamento impugnado. Assim, o artigo 6.° prevê que, se for referida na rotulagem, para além da lista dos ingredientes, a presença de azeites ou de óleo de bagaço de azeitona numa mistura de azeites ou óleos vegetais, por termos, imagens ou representações gráficas, a denominação de venda da mistura em questão será a seguinte: «Mistura de óleos vegetais (ou nomes específicos dos óleos vegetais em causa) e de azeite», seguida directamente da indicação da percentagem de azeite na mistura. Do mesmo modo, só pode ser referida a presença de azeite por meio de imagens ou representações gráficas se a sua percentagem for superior a 50%.

12
No caso da presença de óleo de bagaço de azeitona, as mesmas disposições são aplicáveis mutatis mutandis, substituindo os termos «azeite» por «óleo de bagaço de azeite».


Tramitação processual e pedidos das partes

13
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Agosto de 2002, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

14
Os recorrentes são, por um lado, um lagareiro, proprietário de uma empresa agrícola cuja actividade consiste no esmagamento das azeitonas e na venda de azeite, na sua tripla qualidade de produtor, de consumidor de azeite e de presidente da Associazione Italiana Frantoiani Oleari (associação italiana dos produtores de azeite, a seguir «AIFO»), e, por outro, a AIFO.

15
Os recorrentes alegam, essencialmente, que o regulamento impugnado é ilegal, por desvio de poder na acepção do artigo 230.° CE, e por violação do artigo 253.° CE, uma vez que não permite realizar o objectivo declarado de proteger a livre concorrência no mercado interno dos azeites comestíveis e de proteger os consumidores. O regulamento favorece a manutenção, ou mesmo o crescimento, das posições dominantes das grandes empresas do sector e não dá qualquer garantia ao consumidor quanto à proveniência e à qualidade do produto.

16
Por requerimento separado entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Outubro de 2002, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Os recorrentes apresentaram as suas observações sobre esta questão prévia em 4 de Dezembro de 2002.

17
Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

anular o Regulamento n.° 1019/2002;

a título subsidiário, anular os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° deste mesmo regulamento.

18
Na sua questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o recurso inadmissível;

condenar os recorrentes nas despesas do processo.


Questão jurídica

19
Nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, se uma parte o pedir, o Tribunal pode decidir quanto à inadmissibilidade sem iniciar o debate quanto ao mérito. Em conformidade com o n.° 3 do mesmo artigo, a tramitação do processo é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal. No presente caso, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelo exame das peças processuais para decidir sobre o pedido apresentado pela recorrida sem iniciar a fase oral do processo.


Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

20
A Comissão alega que o recurso é inadmissível pelo facto de o regulamento impugnado não dizer individualmente respeito aos recorrentes.

21
Os recorrentes alegam que são «destinatários directos, imediatos e específicos» do regulamento impugnado. Destinando‑se este último à protecção dos consumidores e prevendo a comercialização do azeite, afecta de modo particular e directo tanto a situação de P. Gonnelli na sua qualidade de consumidor final e de explorador de um lagar de azeite como a da AIFO, destinatários formais do referido regulamento.

22
Além disso, o Regulamento n.° 1019/2002 constitui um acto de natureza decisional, que limita os direitos e cria obrigações para os recorrentes.

23
Os recorrentes alegam ter legitimidade, por o regulamento impugnado lhes dizer directa e individualmente respeito na acepção da jurisprudência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C‑358/89, Colect., p. I‑2501, n.° 13; de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C‑309/89, Colect., p. I‑1853, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Maio de 2002, Jégo‑Quéré/Comissão, T‑177/01, Colect., p. II‑2365).

24
A este respeito, os recorrentes alegam que o regulamento em causa favorece de modo desrazoável e excessivo as grandes explorações em detrimento dos pequenos produtores.

25
Além disso, invocam o facto de o regulamento lhes impor obrigações e de limitar os seus direitos.

26
Os recorrentes alegam ainda que a anulação pedida pode ser‑lhes benéfica (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2000, Parlamento/Richard, C‑174/99 P, Colect., p. I‑6189, n.° 33) graças à eliminação dos obstáculos desrazoáveis à produção que afectam a actividade dos pequenos e médios produtores de azeite, e, para os consumidores, eliminação das garantias insuficientes em matéria de rotulagem do produto.

27
Finalmente, nas suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, os recorrentes alegam, essencialmente, que, se o Tribunal declarar o seu pedido inadmissível, ficarão privados de todo e qualquer recurso contencioso. Trata‑se de uma violação do direito de recurso efectivo reconhecido a todos os cidadãos, cujos direitos e liberdades, alegam os recorrentes, são garantidos pelo direito da União Europeia. O direito a um recurso efectivo é reconhecido pelos artigos 6.° e 13.° da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, que faz parte dos princípios comuns aos Estados‑Membros na acepção do artigo 6.° do Tratado da União Europeia, e que consta actualmente do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice aos 7 de Dezembro de 2000. Os recorrentes referem‑se, a este respeito, ao acórdão Jégo‑Quéré/Comissão, n.° 23, supra, que preconiza uma interpretação ampla do direito de recurso e alegam que um órgão jurisdicional nacional não tem competência para anular actos comunitários.

Apreciação do Tribunal

28
Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «[q]ualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor [...] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

29
Segundo uma jurisprudência assente, o critério de distinção entre um regulamento e uma decisão deve ser procurado no alcance geral ou não do acto em questão, podendo esse alcance geral deduzir‑se do facto de o acto se aplicar a situações determinadas objectivamente e produzir os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas consideradas de maneira geral e abstracta (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2001, Sadam Zuccherifici e o./Conselho, C‑41/99 P, Colect., p. I‑4239, n.° 24; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1999, CSR Pampryl/Comissão, T‑114/99, Colect., p. II‑3331, n.° 41; de 6 de Maio de 2003, DOW AgroSciences/Parlamento e Conselho, T‑45/02, Colect., p. II‑0000, n.° 31, e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Novembro de 2003, Schmoldt e o./Comissão, T‑264/03 R, Colect., p. II‑0000, n.° 59).

30
No caso presente, é incontestável que o regulamento impugnado constitui um acto de natureza normativa. Com efeito, as normas que contém, nomeadamente as normas de comercialização a retalho do azeite relativas à embalagem, à rotulagem ou à designação, são enunciadas em termos gerais e abstractos e têm por objecto a fixação de normas específicas para a comercialização a retalho de categorias determinadas de azeites e de óleos de bagaço de azeitona. Aplicando‑se estas disposições indistintamente a todas as empresas que operam nos sectores de produção e de comercialização dos azeites e óleos de bagaço de azeitona e destinando‑se a proteger os interesses de todos os consumidores, o regulamento constitui claramente um acto legislativo de alcance geral, aplicável a situações determinadas objectivamente. Este acto, destinado a produzir efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas consideradas de maneira geral e abstracta, constitui efectivamente um acto regulamentar em sentido estrito.

31
Todavia, o facto de o acto impugnado ter, por natureza, um carácter normativo e não constituir uma decisão na acepção do artigo 249.° CE não basta, por si só, para excluir a possibilidade de um particular interpor recurso de anulação deste (acórdãos do Tribunal de Justiça Codorniu/Conselho, n.° 23, supra, n.° 19, e de 22 de Novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho, C‑451/98, Colect., p. I‑8949, n.° 49; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, T‑223/01, Colect., p. II‑3259, n.° 29, e de 21 de Março de 2003, Établissements Toulorge/Parlamento e Conselho, T‑167/02, Colect., p. II‑0000, n.° 26).

32
Com efeito, em certas circunstâncias, mesmo um acto normativo que se aplique à generalidade dos operadores económicos interessados pode dizer directa e individualmente respeito a alguns deles, revestindo‑se então de carácter decisional (acórdãos Extramet Industrie/Conselho, n.° 23, supra, n.° 13, e Codorniu/Conselho, n.° 23, supra, n.° 19, e despacho Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, n.° 31, supra, n.° 29).

33
Por conseguinte, há que verificar se, no presente caso, os elementos dos autos permitem considerar que o regulamento em causa diz respeito aos recorrentes devido a qualidades que lhes são específicas ou se existe uma situação de facto que os caracterize, face ao referido regulamento, em relação a todas as outras pessoas.

34
Há que examinar, em primeiro lugar, a admissibilidade do recurso interposto pelo recorrente, P. Gonnelli, na sua qualidade de produtor e consumidor de azeite.

35
Segundo uma jurisprudência constante, uma pessoa singular ou colectiva só pode pretender que o acto em causa lhe diz individualmente respeito se essa pessoa for atingida pelo acto em causa em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por isso, a individualiza de modo análogo ao de um destinatário (despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2003, Bactria/Comissão, C‑258/02 P, Colect., p. I‑0000, n.° 34, e acórdão Antillean Rice Mills/Conselho, n.° 31, supra, n.° 49).

36
Tal como o Tribunal de Justiça recordou no seu acórdão de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 37), se não preencher esta condição, nenhuma pessoa singular ou colectiva tem, em caso algum, legitimidade para interpor recurso de anulação contra um regulamento (v. também, a este respeito, despacho do Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, CNPAAP/Conselho, C‑87/95 P, Colect., p. I‑2003, n.° 38).

37
No caso presente, as regras contidas no regulamento impugnado são enunciadas de modo geral, aplicam‑se a situações determinadas objectivamente e implicam efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas definidas de modo geral e abstracto.

38
O regulamento impugnado só diz respeito ao recorrente, P. Gonnelli, na sua qualidade objectiva de consumidor ou de produtor, respectivamente, e isto do mesmo modo a que qualquer outro consumidor ou operador económico que actue neste sector. Ora, o facto de um regulamento influir na situação jurídica de um particular não é suficiente para o distinguir da generalidade (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 2002, Di Leonardo/Comissão, T‑178/01, Colect., p. II‑0000, n.° 51).

39
Esta conclusão não é infirmada pela argumentação do recorrente, P. Gonnelli, quanto ao carácter alegadamente específico dos direitos que pretende deter e do qual será privado pelo regulamento impugnado.

40
Deve dizer‑se, a este respeito, que o regulamento impugnado, que prevê no seu artigo 2.° a proibição de comercialização a granel do azeite do lagar e impõe restrições em matéria de embalagem, de fecho e de rotulagem, aplica‑se indistintamente a todas as empresas que operam na cadeia de produção e de comercialização do azeite, quer se trate de pequenos ou de grandes produtores de azeite. É, por conseguinte, erradamente que o recorrente alega que o regulamento impugnado apenas ocasiona restrições aos pequenos produtores.

41
Do mesmo modo, não resulta, de modo algum, do regulamento impugnado que este prejudique os interesses dos consumidores provocando‑lhes confusão na determinação das categorias de azeites, pois, pelo contrário, ele se destina a informar os consumidores do tipo de azeite que lhes é proposto, tal como resulta do terceiro considerando do regulamento impugnado, e protege estes últimos, no seu conjunto, do mesmo modo.

42
Por conseguinte, esta circunstância não é susceptível de individualizar P. Gonnelli em relação aos outros operadores económicos sujeitos ao regulamento impugnado, que são afectados da mesma maneira nos seus direitos e obrigações.

43
De resto, esta conclusão não pode ser infirmada pela argumentação do recorrente segundo a qual as disposições do regulamento têm incidência directa na sua situação, em especial quando «tornam facultativa a indicação das designações de origem (artigo 4.°) e da percentagem dos azeites misturados (artigo 6.°), e permitem indicar na etiqueta qualificações que não são determinantes para a qualidade (artigo 5.°)», pois essas considerações inserem‑se na apreciação do mérito do recurso e não têm qualquer incidência na determinação da individualização do recorrente.

44
Em todo o caso, mesmo supondo que esses elementos se mostrem exactos quanto ao mérito, há que daí deduzir que o regulamento penaliza P. Gonnelli na sua qualidade de consumidor do mesmo modo que qualquer outro consumidor. Com efeito, o recorrente não faz prova de circunstâncias que permitam considerar que o prejuízo alegadamente sofrido é susceptível de o individualizar em relação a todos os outros consumidores atingidos pelo regulamento impugnado do mesmo modo que ele.

45
Quanto ao argumento do recorrente, P. Gonnelli, de que o regulamento impugnado favorece de modo desrazoável e excessivo as grandes explorações em detrimento dos pequenos produtores, basta dizer que esse facto não pode, em todo o caso, por si só, ser susceptível de individualizar os recorrentes na acepção da jurisprudência acima recordada. Com efeito, não basta que alguns operadores sejam economicamente mais atingidos por um acto que os seus concorrentes para que aqueles sejam considerados como individualmente atingidos por esse acto (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1999, Van Parys e o./Comissão, T‑11/99, Colect., p. II‑2653, n.os 50 e 51). Mesmo que a afirmação do recorrente de que as medidas previstas pelo regulamento impugnado são susceptíveis de lhe provocar consequências económicas importantes tivesse fundamento, nem por isso deixariam de resultar consequências semelhantes para os outros pequenos produtores de azeite (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen, C‑142/00 P, Colect., p. I‑3483, n.° 77).

46
Finalmente, não pode deixar de se dizer que a circunstância invocada pelo recorrente, P. Gonnelli, de que o resultado do recurso lhe pode ser benéfico, ao eliminar obstáculos desrazoáveis à produção que afectam os pequenos e médios produtores, bem como certas lacunas na protecção do consumidor, não tem qualquer relação com a questão de saber se os recorrentes são individualmente atingidos pelo acto impugnado, antes só é pertinente para determinar o interesse existente e actual do recorrente em interpor recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1992, NBV e NVB/Comissão, T‑138/89, Colect., p. II‑2181).

47
Daqui resulta que o recorrente, P. Gonnelli, não se encontra numa situação de facto que o caracterize em relação a todo e qualquer outro operador económico ou qualquer outro consumidor e que ele não é afectado individualmente pelo acto impugnado.

48
Em segundo lugar, quanto à admissibilidade do recurso interposto pela AIFO, há que dizer que uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de pessoas não pode ser considerada como sendo individualmente afectada por um acto que atinge os interesses gerais dessa categoria de pessoas, quando estas não sejam afectadas a título individual (despacho Schmoldt e o./Comissão, n.° 29, supra, n.° 84). Não sendo P. Gonnelli e todos os outros produtores membros da associação individualmente atingidos, a associação de que são membros também não pode, por conseguinte, ter essa qualidade. De resto, há que dizer que a recorrente não apresentou qualquer elemento susceptível de provar que ela é individualmente atingida.

49
Do mesmo modo, embora a existência de circunstâncias particulares, tais como o papel desempenhado por uma associação no âmbito do processo que levou à adopção de um acto na acepção do artigo 230.° CE, possa justificar a admissibilidade de um recurso interposto por uma associação cujos membros não são individualmente atingidos pelo acto em litígio, nomeadamente quando a sua posição negocial tenha sido afectada por este último (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 21 a 24, e de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.os 28 a 30; despacho Schmoldt e o./Comissão, n.° 29, supra, n.° 88), não resulta dos autos, nem de resto a recorrente o alegou, que assim sucede no caso presente.

50
Daqui resulta que os recorrentes não podem ser considerados como sendo individualmente atingidos na acepção da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça.

51
Todavia, é conveniente examinar se, como sustentam os recorrentes, esta conclusão não deve ser posta em causa pela exigência de uma protecção contenciosa efectiva.

52
A este respeito, o Tribunal nota que, tal como o Tribunal de Justiça indicou no acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (n.° 36, supra, n.° 44), o Tratado CE, nos seus artigos 230.° e 241.°, por um lado, e no seu artigo 234.°, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de processos destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos actos das instituições, confiando‑a ao juiz comunitário (v., também, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Les Verts/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.° 23). Neste sistema, não podendo pessoas singulares ou colectivas, devido às condições de admissibilidade referidas no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, impugnar directamente actos comunitários de alcance geral, têm a possibilidade, consoante o caso, de alegar a invalidade desses actos, quer a título incidental ao abrigo do artigo 241.° CE, perante o juiz comunitário, quer perante os órgãos jurisdicionais nacionais, e levar estes, que não são competentes para declarar eles próprios a invalidade desses actos (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colect., p. 4199, n.° 20), a interrogar a esse respeito o Tribunal de Justiça através de uma questão prejudicial.

53
Além de incumbir aos Estados‑Membros prever um sistema completo de vias de recurso e de processo que permitam garantir o respeito do direito a uma protecção jurisdicional efectiva, o Tribunal de Justiça decidiu também que uma interpretação das regras de admissibilidade enunciadas no artigo 230.° CE, nos termos da qual o recurso de anulação deve ser declarado admissível quando se demonstre, após um exame concreto pelo juiz comunitário das regras processuais nacionais, que estas não autorizam um particular a interpor recurso que lhe permita pôr em causa a validade do acto comunitário contestado, não é admissível. Um recurso directo de anulação perante o juiz comunitário não pode desencadear‑se mesmo que possa ser demonstrado, após um exame concreto por este último das regras processuais nacionais, que estas não autorizam o particular a interpor recurso que lhe permita pôr em causa a validade do acto comunitário contestado (despacho Bactria/Comissão, n.° 35, supra, n.° 58). Com efeito, um tal regime exigiria, em cada caso concreto, que o juiz comunitário examinasse e interpretasse o direito processual nacional, o que extrasava da sua competência no quadro da fiscalização da legalidade dos actos comunitários (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, n.° 36, supra, n.° 43).

54
Finalmente, em todo o caso, o Tribunal de Justiça decidiu claramente (acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, n.° 36, supra), quanto à condição do interesse individual exigida pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, que, embora esta última deva ser interpretada à luz do princípio de uma protecção jurisdicional efectiva (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651), tendo em conta diversas circunstâncias que são susceptíveis de individualizar um recorrente, tal interpretação não pode levar a afastar a condição em causa, que está expressamente prevista no Tratado, sem extravasar das competências atribuídas por este aos órgãos jurisdicionais comunitários.

55
De resto, embora seja certamente perspectivável um sistema de fiscalização da legalidade dos actos comunitários de alcance geral diverso do adoptado pelo Tratado original e nunca modificado nos seus princípios, compete, eventualmente, aos Estados‑Membros, nos termos do artigo 48.° UE, reformar o sistema actualmente em vigor.

56
Por conseguinte, os recorrentes não podem alegar que, se o recurso de anulação for declarado inadmissível, ficarão privados de todo e qualquer meio de acção para defender os seus direitos perante um órgão jurisdicional, facto de que de resto não fazem prova.

57
Os recorrentes também não podem sustentar, nas suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, que, para remediar este alegado défice de protecção contenciosa, o Tribunal Constitucional italiano pode deixar de aplicar os actos comunitários contrários aos direitos fundamentais contidos na Constituição nacional, uma vez que o direito comunitário tem, segundo uma jurisprudência assente, primado sobre o direito nacional (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1964, Costa, 6/64, Colect. 1962‑1964, p. 549).

58
A exigência de uma protecção contenciosa efectiva não é, por conseguinte, susceptível de pôr em causa a conclusão de que o recurso deve ser declarado manifestamente inadmissível, por os recorrentes não serem individualmente afectados pelo acto impugnado.


Quanto às despesas

59
Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas do processo, de acordo com o pedido da Comissão.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)



decide:

1)
O recurso é declarado inadmissível.

2)
As recorrentes suportarão as suas próprias despesas e as da recorrida.

Proferido no Luxemburgo, em 2 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi


1
Língua do processo: italiano.