Language of document : ECLI:EU:C:2021:875

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de outubro de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Acordo entre o Governo do Reino da Bélgica e o Governo do Grão‑Ducado do Luxemburgo, por um lado, e o Governo da República Popular da Polónia, por outro, sobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos, assinado em 19 de maio de 1987 — Processo de arbitragem — Litígio entre um investidor de um Estado‑Membro e outro Estado‑Membro — Cláusula de arbitragem contrária ao direito da União prevista nesse acordo — Nulidade — Convenção de arbitragem ad hoc entre as partes nesse litígio — Participação no processo de arbitragem — Manifestação tácita da vontade deste outro Estado‑Membro de celebrar essa convenção de arbitragem — Ilegalidade»

No processo C‑109/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia), por Decisão de 4 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2020, no processo

Republiken Polen

contra

PL Holdings Sàrl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, S. Rodin e I. Jarukaitis, presidentes de secção, J. C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen, P. G. Xuereb, N. Piçarra, L. S. Rossi (relatora) e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de março de 2021,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Republiken Polen, por F. Hoseinian, A.‑M. Tamminen, J. Tavaststjerna e M. Wallin, advokater, assistidas por L. Guterstam,

—        em representação da PL Holdings Sàrl, por R. Oldenstam, D. Sandberg, J. Rosell Svensson, advokater, L. Rees‑Evans, counsel, P. Paschalidis, advocate, e S. Fietta, QC,

—        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil, T. Müller, I. Gavrilova, T. Machovičová e L. Březinová, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo alemão, por J. Möller e D. Klebs, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta e J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo francês, por E. de Moustier e A. Daniel, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri e S. Fiorentino, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo luxemburguês, por C. Schiltz, A. Germeaux e T. Uri, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, C. S. Schillemans e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, M. Rzotkiewicz, M. Martyński, B. Soloch e J. Jackowska‑Majeranowska, na qualidade de agentes, assistidos por J. Zasada, radca prawny,

—        em representação do Governo eslovaco, por B. Ricziová, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

—        em representação do Governo sueco, por H. Shev, M. Salborn Hodgson, C. Meyer‑Seitz, A. M. Runeskjöld, H. Eklinder, R. Shahsvan Eriksson e J. Lundberg, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por F. Erlbacher, K. Simonsson, L. Malferrari, T. Maxian Rusche e E. Ljung Rasmussen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 22 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 267.o e 344.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Republiken Polen (República da Polónia) e a PL Holdings Sàrl, a respeito da competência de um organismo de arbitragem que proferiu duas sentenças arbitrais no diferendo que as opõe.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 TBI

3        O artigo 9.o do Acordo entre o Governo do Reino da Bélgica e o Governo do Grão‑Ducado do Luxemburgo, por um lado, e o Governo da República Popular da Polónia, por outro, sobre a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos, assinado em 19 de maio de 1987 (a seguir «TBI»), prevê:

«1. a)      Os diferendos entre uma das Partes Contratantes e um investidor da outra Parte Contratante serão objeto de notificação por escrito, acompanhada de uma exposição detalhada, enviada pelo referido investidor à Parte Contratante em causa.

b)      Na aceção do presente artigo, o termo “diferendos” designa os litígios relativos à expropriação, à nacionalização, ou a quaisquer outras medidas que afetem de forma similar os investimentos, incluindo a transferência de um investimento para o domínio público, a sujeição do mesmo a supervisão pública, bem como qualquer outra privação ou restrição de direitos reais através de medidas estatais suscetíveis de ter consequências similares às de uma expropriação.

c)      Os referidos diferendos são, tanto quanto possível, resolvidos de forma amigável entre as duas partes em causa.

2.      Se o diferendo não puder ser resolvido no prazo de seis meses a contar da data da notificação escrita referida no n.o 1, será submetido a arbitragem perante um dos organismos a seguir indicados, à escolha do investidor:

a)      Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo [a seguir “CCE”];

[…]

5.      O organismo de arbitragem deve proferir a sua decisão com base:

—      no direito nacional da Parte Contratante que é parte no litígio, em cujo território o investimento está localizado, incluindo as regras da resolução de conflitos de leis;

—      nas disposições do presente Acordo;

—      nos termos de qualquer convenção especial relativa à entidade que realizou o investimento;

—      nas regras e princípios do direito internacional geralmente aceites.

6.      As sentenças arbitrais são definitivas e vinculativas para as partes no diferendo. Cada uma das Partes Contratantes deverá adotar medidas destinadas a dar execução a essas sentenças em conformidade com o seu direito nacional.»

 Acordo relativo à cessação da vigência de Tratados Bilaterais de Investimento entre os EstadosMembros da União Europeia

4        O artigo 4.o, n.o 1, do Acordo relativo à cessação da vigência de Tratados Bilaterais de Investimento entre os Estados‑Membros da União Europeia (JO 2020, L 169, p. 1) enuncia:

«As Partes Contratantes confirmam que as Cláusulas de Arbitragem [entre um investidor e um Estado previstas num tratado bilateral de investimento] são contrárias aos Tratados da UE e, por conseguinte, inaplicáveis. Em virtude desta incompatibilidade entre as Cláusulas de Arbitragem e os Tratados da UE, a partir da data em que a última das partes num Tratado Bilateral de Investimento se tornou Estado‑Membro da União Europeia, a Cláusula de Arbitragem prevista nesse Tratado Bilateral de Investimento não pode servir de base jurídica para um Processo de Arbitragem.»

5        O artigo 7.o deste acordo dispõe:

«Caso as Partes Contratantes sejam partes em Tratados Bilaterais de Investimento, com base nos quais tenham sido iniciados Processos de Arbitragem Pendentes ou Novos Processos de Arbitragem, devem:

a)      informar, em cooperação entre si e com base na declaração constante do anexo C, os tribunais arbitrais das consequências jurídicas do Acórdão [de 6 de março de 2018,] Achmea [(C‑284/16, EU:C:2018:158)], tal como descritas no artigo 4.o; e

b)      caso sejam partes num processo judicial relativo a uma sentença arbitral proferida com base num Tratado Bilateral de Investimento, solicitar ao tribunal nacional competente, ainda que em país terceiro, se for o caso, a revogação ou anulação da sentença arbitral ou a recusa a proceder ao seu reconhecimento e execução.»

 Direito sueco

 Lei da Arbitragem

6        O § 1 da lag om skiljeförfarande (Lei relativa ao Processo de Arbitragem) (SFS 1999, n.o 116), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei da Arbitragem»), tem a seguinte redação:

«Os litígios relativos a matérias suscetíveis de serem objeto de um acordo amigável entre as partes podem, por acordo entre estas, ser submetidos a um ou mais árbitros com vista à sua resolução. Tal acordo pode incidir sobre futuros diferendos relativos a uma relação jurídica mencionada no acordo. O litígio pode ter por objeto a existência de um facto particular.

[…]»

7        O § 2 da Lei da Arbitragem prevê:

«Os árbitros podem examinar a sua própria competência para decidir o litígio.

Se os árbitros, por via de decisão, tiverem concluído que eram competentes para decidir o litígio, a parte insatisfeita com esta decisão pode requerer que a questão seja examinada por um tribunal de recurso. Esse recurso deve ser interposto no prazo máximo de trinta dias a contar da data em que a referida decisão foi notificada a essa parte. Enquanto aguardam a decisão de recurso, os árbitros podem prosseguir o processo de arbitragem.

No caso de um recurso de uma sentença arbitral que contém uma decisão em matéria de competência, são aplicáveis os §§ 34 e 36.»

8        O § 33, primeiro parágrafo, desta lei dispõe:

«Uma sentença arbitral é nula e sem efeito

1)      se incluir o exame de uma questão que, no direito sueco, não pode ser decidida por árbitros,

2)      se a sentença arbitral ou a forma como foi proferida for manifestamente incompatível com a ordem pública sueca, ou

[…]»

9        O § 34, segundo parágrafo, da referida lei enuncia:

«Uma parte não tem o direito de invocar uma circunstância a cuja alegação se possa considerar que renunciou ao participar no processo sem levantar objeções a esse respeito ou de outra forma. O simples facto de uma parte ter designado um árbitro não implica necessariamente que tenha aceitado a competência dos árbitros para se pronunciarem sobre a questão submetida. […]»

10      Segundo o pedido de decisão prejudicial, resulta dos trabalhos preparatórios relativos ao § 34 da mesma lei que uma parte que intervém no processo sem, no início, contestar a competência do tribunal arbitral aceitou a competência do mesmo para decidir do litígio. A não impugnação da validade de uma convenção de arbitragem também é considerada como suscetível de vincular as partes à arbitragem com fundamento no direito dos contratos. O órgão jurisdicional de reenvio precisa a este respeito que, segundo as regras gerais do referido direito, uma convenção de arbitragem válida pode resultar, por exemplo, da ação ou da omissão de uma das partes.

 Regulamento de Arbitragem

11      Em conformidade com o artigo 2.o do Regulamento de Arbitragem do Instituto de Arbitragem da CCE de 2010, um pedido de arbitragem deve, nomeadamente, conter «uma cópia ou uma descrição da convenção de arbitragem ou da cláusula de arbitragem invocada para a resolução do litígio».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      A PL Holdings é uma sociedade de direito luxemburguês constituída no Luxemburgo. Entre 2010 e 2013, entrou no capital de dois bancos polacos. Tendo estes últimos sido objeto de fusão em 2013, a PL Holdings tornou‑se proprietária de 99% das ações do novo banco resultante desta fusão.

13      Em julho de 2013, a Komisja Nadzoru Finansowego (Autoridade de Supervisão Financeira, Polónia), organismo de direito polaco responsável pela supervisão dos bancos e das instituições de crédito na Polónia, decidiu suspender os direitos de voto associados às participações sociais da PL Holdings nesse novo banco e obrigar à venda dessas participações sociais.

14      A PL Holdings decidiu instaurar um processo de arbitragem contra a República da Polónia num tribunal arbitral constituído no Instituto de Arbitragem da CCE (a seguir «tribunal arbitral»).

15      Com o seu pedido de 28 de novembro de 2014, a PL Holdings invocou o artigo 9.o do TBI para justificar a competência desse tribunal para conhecer do litígio em causa no processo principal. Pediu ao referido tribunal que declarasse que a República da Polónia tinha violado o TBI e que condenasse este Estado‑Membro no pagamento de uma indemnização.

16      Em 30 de novembro de 2014, a República da Polónia respondeu a esse pedido, enviando uma carta ao Secretariado da CCE, na qual exprimiu a sua intenção de contestar a existência do seu consentimento válido para o processo de arbitragem instaurado pela PL Holdings.

17      Em 7 de agosto de 2015, a PL Holdings apresentou uma petição no tribunal arbitral, explicitando, nomeadamente, as suas acusações relativas às medidas referidas no n.o 13 do presente acórdão.

18      Na sua contestação de 13 de novembro de 2015, a República da Polónia contestou a competência do tribunal arbitral com o fundamento de que a PL Holdings não era um «investidor», na aceção do TBI.

19      Por articulado de 27 de maio de 2016, a República da Polónia invocou um argumento adicional para contestar a competência do tribunal arbitral, relativo ao facto de a cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI ser contrária ao direito da União.

20      Por Sentença arbitral parcial de 28 de junho de 2017, o tribunal arbitral declarou‑se competente com base no artigo 9.o do TBI. Esse tribunal constatou que, ao ordenar a venda das participações da PL Holdings no novo banco polaco, a República da Polónia tinha violado o TBI e que a PL Holdings tinha, portanto, direito a indemnização.

21      Por Sentença arbitral definitiva de 28 de setembro de 2017, o tribunal arbitral condenou a República da Polónia a pagar à PL Holdings uma indemnização e a suportar as despesas efetuadas por esta última no âmbito do processo de arbitragem.

22      Em 28 de setembro de 2017, a República da Polónia interpôs recurso, no Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea, Suécia), de anulação das Sentenças arbitrais de 28 de junho e de 28 de setembro de 2017.

23      Em apoio desse recurso, a República da Polónia alegou que, antes de mais, os artigos 267.o e 344.o TFUE se opõem a que um diferendo entre um investidor de um Estado‑Membro e outro Estado‑Membro que tenha por objeto investimentos seja submetido a um organismo de arbitragem. Assim, o artigo 9.o do TBI é contrário ao direito da União, o que implica que as sentenças arbitrais proferidas com fundamento neste artigo são contrárias à ordem pública da União e, por conseguinte, nulas, em conformidade com o § 33, primeiro parágrafo, n.os 1 e 2, da Lei da Arbitragem. Uma vez que a nulidade destas sentenças arbitrais decorre diretamente da aplicação do direito da União, deve poder ser declarada oficiosamente pelo juiz.

24      Em seguida, a República da Polónia contestou, no prazo previsto no § 34, segundo parágrafo, da Lei da Arbitragem, a competência do tribunal arbitral invocando a nulidade do artigo 9.o do TBI. Em todo o caso, na hipótese de a aplicação deste § 34, segundo parágrafo, conduzir à inadmissibilidade da exceção de incompetência suscitada pela República da Polónia, esta disposição deveria ser afastada na medida em que impedia a plena eficácia do direito da União.

25      Por último, a República da Polónia sustentou que não tinha renunciado a invocar, por meio de uma exceção, a incompetência do tribunal arbitral, pelo que não era possível inferir da sua atuação, adotada na sequência da apresentação do pedido de arbitragem da PL Holdings, a sua intenção tácita de celebrar com esta última uma convenção de arbitragem ad hoc, diferente da cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI.

26      A PL Holdings contestou a argumentação da República da Polónia. Sustentou que o diferendo em causa no processo principal tem por objeto questões, como a violação pela República da Polónia das suas obrigações ao abrigo do TBI e o seu direito a uma indemnização, que podem ser decididas por via arbitral, em conformidade com o § 1 da Lei da Arbitragem.

27      Ora, o artigo 9.o do TBI constitui uma «proposta de arbitragem» válida formulada pela República da Polónia, que a PL Holdings aceitou ao apresentar o seu pedido de arbitragem. Por outro lado, a República da Polónia contestou tardiamente a validade da cláusula de arbitragem e a questão de saber se esta cláusula é contrária ao direito da União não pode ser declarada oficiosamente pelo juiz.

28      Em todo o caso, mesmo admitindo que a «proposta de arbitragem» da República da Polónia decorrente do artigo 9.o do TBI tenha sido nula, uma convenção de arbitragem ad hoc entre as partes no litígio em causa no processo principal foi, no entanto, celebrada, em conformidade com o direito sueco e com os princípios da arbitragem comercial, tendo em conta a atuação destas partes. Com efeito, ao apresentar um pedido de arbitragem, a PL Holdings apresentou uma proposta de arbitragem segundo as mesmas modalidades que as previstas no artigo 9.o do TBI e a República da Polónia aceitou tacitamente essa proposta ao não contestar validamente a competência do tribunal arbitral com base nessa convenção.

29      O Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea) decidiu negar provimento, em primeira instância, ao recurso da República da Polónia. Esse órgão jurisdicional considerou, antes de mais, que, embora o Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), aplicável, em seu entender, ao litígio no processo principal, implique a nulidade do artigo 9.o do TBI e, por conseguinte, a da proposta permanente feita pela República da Polónia aos investidores de outros Estados‑Membros, segundo a qual um diferendo relativo a este acordo deve ser decidido por um organismo de arbitragem, tal nulidade não impede um Estado‑Membro e um investidor de outro Estado‑Membro de celebrar, numa fase posterior, uma convenção de arbitragem ad hoc para resolver este diferendo. Tal convenção de arbitragem ad hoc encontra o seu fundamento na vontade comum das partes no referido diferendo e é celebrada segundo os mesmos princípios que um processo de arbitragem comercial.

30      Em seguida, o Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea) declarou que as sentenças arbitrais em causa no processo principal versaram sobre questões suscetíveis de serem decididas por via arbitral e que o seu conteúdo não era contrário à ordem pública, pelo que não se justificava anulá‑las com fundamento no § 33, primeiro parágrafo, n.os 1 ou 2, da Lei da Arbitragem.

31      Por último, a contestação, pela República da Polónia, da validade da cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI foi tardia e, por conseguinte, ferida de preclusão, por força do § 34, segundo parágrafo, da Lei da Arbitragem.

32      Tendo a República da Polónia interposto recurso da decisão do Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Svea), o órgão jurisdicional de reenvio, o Högsta domstolen (Supremo Tribunal, Suécia), considera que está demonstrado que a cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI é contrária ao direito da União. Assim sendo, julga necessário interrogar o Tribunal de Justiça a fim de poder pronunciar‑se sobre as posições das partes, que foram reiteradas perante si, uma vez que a forma como se deve interpretar, no caso em apreço, as disposições do direito da União em causa não é clara.

33      Nestas condições, o Högsta domstolen (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 267.o e 344.o TFUE, conforme interpretados pelo Acórdão [de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158)], implicam que uma convenção de arbitragem é inválida quando tiver sido celebrada entre um Estado‑Membro e um investidor — nos casos em que um acordo de investimento inclui uma cláusula de arbitragem que é inválida pelo facto de o contrato ter sido celebrado entre dois Estados‑Membros — [apesar de] o Estado‑Membro, depois de iniciado o processo de arbitragem por iniciativa do investidor, ter renunciado, por sua livre vontade, a invocar exceções relativas à competência?»

 Quanto à questão prejudicial

34      Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 15 de julho de 2021, Ministrstvo za obrambo, C‑742/19, EU:C:2021:597, n.o 31 e jurisprudência referida).

35      Segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, está demonstrado, no processo principal, que a cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o TBI é nula porque põe em causa a autonomia do direito da União, a sua plena eficácia e a sua aplicação uniforme, e que nenhum processo de arbitragem pode ser validamente instaurado com fundamento nesta cláusula de arbitragem.

36      Embora a PL Holding tenha inicialmente intentado um processo de arbitragem contra a República da Polónia com fundamento no artigo 9.o do TBI, afirmou em seguida que o seu pedido de arbitragem, em vez de constituir a aceitação da proposta de arbitragem da República da Polónia contida no artigo 9.o do TBI, devia ser considerado uma proposta de arbitragem com o mesmo conteúdo que a República da Polónia aceitou implicitamente, uma vez que esta não contestou validamente a competência do tribunal arbitral no prazo previsto para esse efeito pelo direito sueco, aplicável ao referido processo de arbitragem. Por conseguinte, essa convenção substituiu a referida cláusula de arbitragem no contexto do TBI, que continuou a aplicar‑se ao mesmo processo de arbitragem com esta nova base jurídica. Com efeito, a República da Polónia foi finalmente condenada pela violação do TBI.

37      Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 267.o e 344.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que permite a um Estado‑Membro celebrar com um investidor de outro Estado‑Membro uma convenção de arbitragem ad hoc que torna possível a prossecução de um processo de arbitragem instaurado com fundamento numa cláusula de arbitragem de conteúdo idêntico a essa convenção, contida num acordo internacional celebrado entre esses dois Estados‑Membros e nula por ser contrária a esses mesmos artigos.

38      A título preliminar, há que precisar que esta questão assenta na premissa de que a República da Polónia, tendo em conta a nulidade da cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI, aceitou tacitamente, com fundamento no direito sueco aplicável, a proposta de arbitragem da PL Holdings ao abster‑se de contestar em tempo útil a competência do tribunal arbitral e celebrou assim com esta última uma convenção de arbitragem ad hoc distinta, mas de conteúdo idêntico à cláusula de arbitragem baseada no artigo 9.o do TBI.

39      A este respeito, importa recordar que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que é baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, qualquer apreciação dos factos é da competência do juiz nacional (Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO et Horváth, C‑52/16 e C‑113/16, EU:C:2018:157, n.o 98 e jurisprudência referida).

40      Por conseguinte, cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar previamente todos os elementos de facto que rodeiam a situação em causa no processo principal a fim de demonstrar a eventual existência da vontade da República da Polónia, que esta última contesta, de aceitar a proposta de arbitragem da PL Holdings.

41      No entanto, há que salientar que decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a República da Polónia contestou desde o início a competência do tribunal arbitral com fundamento no TBI. Assim, começou por manifestar, na sua carta de 30 de novembro de 2014 dirigida ao Secretariado da CCE, a sua intenção de invocar a inexistência de qualquer convenção de arbitragem válida. Em seguida, refutou, na sua contestação de 13 de novembro de 2015 apresentada no tribunal arbitral, a competência deste último, com o fundamento de que a PL Holdings não era um «investidor», na aceção do TBI. Por último, no seu articulado de 27 de maio de 2016, alguns dias após a apresentação no Tribunal de Justiça do pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), alegou que o tribunal arbitral não era competente para conhecer do diferendo em causa no processo principal devido à invalidade da cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI, com fundamento na qual a PL Holdings tinha justificado o seu pedido de arbitragem, uma vez que esta cláusula era contrária ao direito da União.

42      Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta as objeções que a República da Polónia suscitou durante todo o processo de arbitragem para demonstrar a eventual existência da vontade deste Estado‑Membro de celebrar, não obstante a nulidade da cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI e, portanto, do fundamento jurídico invocado pela PL Holdings para instaurar o processo de arbitragem, uma convenção de arbitragem ad hoc de conteúdo idêntico a esta cláusula. Em especial, esse órgão jurisdicional deve certificar‑se de que o pedido de arbitragem da PL Holdings de 28 de novembro de 2014, em conformidade com o artigo 2.o do Regulamento de Arbitragem do Instituto de Arbitragem da CCE de 2010, permite, juntamente com a atuação subsequente da República da Polónia, deduzir claramente a existência de uma convenção de arbitragem ad hoc entre este investidor e a República da Polónia, e que esta última pôde, assim, contestar de forma útil a validade desta convenção no tribunal arbitral.

43      Por conseguinte, só no caso de o órgão jurisdicional de reenvio concluir que a República da Polónia aceitou efetivamente de maneira tácita ficar vinculada por tal convenção de arbitragem ad hoc, cujo conteúdo era idêntico ao da cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI, é que importa verificar se a celebração dessa convenção em tais condições é conforme com o direito da União.

44      A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 267.o e 344.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de um acordo internacional celebrado entre dois Estados‑Membros nos termos da qual um investidor de um desses Estados‑Membros pode, em caso de litígio relativo a investimentos realizados no outro Estado‑Membro, intentar uma ação contra este último Estado‑Membro num tribunal arbitral, cuja competência esse Estado‑Membro se comprometeu a aceitar (Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 60).

45      Com efeito, ao celebrarem tal acordo, os Estados‑Membros que nele são partes consentem subtrair à competência dos seus próprios órgãos jurisdicionais e, por conseguinte, ao sistema de vias de recurso jurisdicional que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE lhes impõe que estabeleçam nos domínios abrangidos pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 34) os litígios que possam dizer respeito à aplicação ou à interpretação desse direito. Tal acordo é, portanto, suscetível de excluir que esses litígios sejam dirimidos de uma forma que garanta a plena eficácia desse direito (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Komstroy, C‑741/19, EU:C:2021:655, n.os 59, 60 e jurisprudência referida).

46      É pacífico que a cláusula de arbitragem contida no artigo 9.o do TBI é, tal como a que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), suscetível de levar um organismo de arbitragem a decidir em litígios que podem ter por objeto a aplicação ou a interpretação do direito da União. Por conseguinte, esta cláusula de arbitragem é suscetível de pôr em causa, além do princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros, a preservação do caráter próprio do direito da União, assegurada pelo processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE. Por conseguinte, a referida cláusula não é compatível com o princípio da cooperação leal enunciado no primeiro parágrafo do n.o 3 do artigo 4.o TUE e viola a autonomia do direito da União consagrada, nomeadamente, no artigo 344.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.os 58 e 59). Além disso, como confirma o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo relativo à cessação da vigência de Tratados Bilaterais de Investimento entre os Estados‑Membros da União Europeia, a partir da data da adesão da República da Polónia à União Europeia em 1 de maio de 2004, o artigo 9.o do TBI já não podia servir de fundamento a um processo de arbitragem entre um investidor e esse Estado‑Membro.

47      Ora, permitir a um Estado‑Membro, que é parte num litígio suscetível de ter por objeto a aplicação e a interpretação do direito da União, submeter esse litígio a um organismo arbitral com as mesmas características que o previsto por uma cláusula de arbitragem nula contida num acordo internacional como o referido no n.o 44 do presente acórdão, através da celebração de uma convenção de arbitragem ad hoc com o mesmo conteúdo que essa cláusula, conduziria, na realidade, a contornar as obrigações que decorrem para esse Estado‑Membro dos Tratados e, muito especialmente, do artigo 4.o, n.o 3, TUE e dos artigos 267.o TFUE e 344.o TFUE, como interpretados no Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158).

48      Com efeito, antes de mais, tal convenção de arbitragem ad hoc produz, em relação ao litígio no âmbito do qual foi celebrada, os mesmos efeitos que os que estão associados a tal cláusula. A razão de ser desta convenção é precisamente substituir a cláusula de arbitragem contida numa disposição como o artigo 9.o do TBI a fim de manter os seus efeitos não obstante a nulidade da mesma.

49      Em seguida, como a Comissão Europeia salientou com razão, as consequências desse contornar das obrigações do Estado‑Membro em causa decorrentes das disposições referidas no n.o 47 do presente acórdão não são menos graves pelo facto de se tratar de um caso individual. Com efeito, a abordagem jurídica equacionada pela PL Holdings poderia ser adotada numa multiplicidade de litígios suscetíveis de dizer respeito à aplicação e à interpretação do direito da União, pondo assim em causa repetidamente a autonomia desse direito.

50      Importa igualmente salientar que cada pedido de arbitragem dirigido a um Estado‑Membro por um investidor de outro Estado‑Membro com base numa cláusula de arbitragem contida num tratado bilateral de investimento entre estes dois Estados‑Membros é, não obstante a nulidade desta cláusula, suscetível de comportar uma proposta de arbitragem relativamente ao Estado‑Membro demandado em causa, que se poderia então considerar ter aceitado esta proposta apenas pelo facto de não ter invocado argumentos específicos contra a existência de uma convenção de arbitragem ad hoc. Ora, tal situação teria como consequência manter os efeitos do compromisso, assumido por esse Estado‑Membro em violação do direito da União e, por conseguinte, ferido de nulidade, de aceitar a competência do organismo de arbitragem chamado a pronunciar‑se.

51      Além disso, a validade do título em que se baseia a competência de um organismo de arbitragem, à luz dos artigos 267.o e 344.o TFUE, não pode depender da atuação das partes no diferendo em causa, e muito particularmente da atuação do Estado‑Membro que está na origem da violação desses artigos, que levou à nulidade da cláusula de arbitragem por força da qual o referido organismo de arbitragem foi chamado a pronunciar‑se. Ora, se se devesse deduzir da atuação de um Estado‑Membro que este manifestou uma qualquer vontade de reconhecer a competência do referido organismo de arbitragem, esta vontade coincidiria necessariamente com a expressada quando da estipulação da referida cláusula de arbitragem e não pode, portanto, fundamentar essa competência.

52      Por último, decorre tanto do Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), como dos princípios do primado do direito da União e da cooperação leal que os Estados‑Membros não só não se podem comprometer a subtrair ao sistema jurisdicional da União os litígios suscetíveis de ter por objeto a aplicação e a interpretação do direito da União mas também que, uma vez que tal litígio é submetido a um organismo de arbitragem por força de um compromisso contrário ao referido direito, são obrigados a contestar, perante esse organismo de arbitragem ou perante o juiz competente, a validade da cláusula de arbitragem ou da convenção de arbitragem ad hoc por força da qual o referido organismo foi chamado a pronunciar‑se.

53      Isto é, aliás, confirmado pelo artigo 7.o, alínea b), do Acordo relativo à cessação da vigência de Tratados Bilaterais de Investimento entre os Estados‑Membros da União Europeia, nos termos do qual, quando as partes contratantes são partes em tratados de investimento bilaterais com base nos quais foi iniciado um processo de arbitragem em curso, estas devem, nomeadamente, quando são partes num processo judicial relativo a uma sentença arbitral proferida com base num tratado bilateral de investimento, pedir ao juiz nacional competente para anular essa sentença arbitral ou abster‑se de a reconhecer ou de a executar, conforme o caso. Esta regra é aplicável mutatis mutandis a uma situação em que o processo de arbitragem originalmente instaurado com fundamento numa cláusula de arbitragem nula devido à sua não conformidade com o direito da União é prosseguido com base numa convenção de arbitragem ad hoc celebrada pelas partes em conformidade com o direito nacional aplicável e cujo conteúdo é idêntico ao dessa cláusula.

54      Assim, qualquer tentativa de um Estado‑Membro de sanar a nulidade de uma cláusula de arbitragem através de um contrato com um investidor de outro Estado‑Membro iria contra a obrigação do primeiro Estado‑Membro de contestar a validade da cláusula de arbitragem e seria, assim, suscetível de ferir de ilegalidade a própria causa desse contrato, uma vez que seria contrária às disposições e princípios fundamentais que regem a ordem jurídica da União e referidos no n.o 46 do presente acórdão.

55      Nestas condições, cabe ao juiz nacional julgar procedente um pedido de anulação de uma sentença arbitral adotada com base numa convenção de arbitragem que viola os artigos 267.o e 344.o TFUE, bem como os princípios da confiança mútua, da cooperação leal e da autonomia do direito da União.

56      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 267.o e 344.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que permite a um Estado‑Membro celebrar com um investidor de outro Estado‑Membro uma convenção de arbitragem ad hoc que torna possível a prossecução de um processo de arbitragem instaurado com fundamento numa cláusula de arbitragem de conteúdo idêntico a essa convenção, contida num acordo internacional celebrado entre esses dois Estados‑Membros e nula por ser contrária a esses mesmos artigos.

 Quanto ao pedido de limitação dos efeitos no tempo do acórdão a proferir

57      A PL Holdings pediu ao Tribunal de Justiça, na hipótese de este decidir que os artigos 267.o e 344.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma convenção de arbitragem celebrada entre um Estado‑Membro e um investidor privado de outro Estado‑Membro, que limite no tempo os efeitos do acórdão a proferir para que este não afete os processos de arbitragem que tenham sido iniciados de boa‑fé com base em convenções de arbitragem ad hoc e concluídas antes da prolação desse acórdão.

58      Para decidir sobre este pedido, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma regra do direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.o TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa regra, tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde a data da sua entrada em vigor. Daqui decorre que a regra assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz a relações jurídicas nascidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que se pronuncia sobre o pedido de interpretação se, além disso, estiverem preenchidos os requisitos que permitem submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação dessa regra (Acórdão de 17 de março de 2021, Academia de Studii Economice din Bucureşti, C‑585/19, EU:C:2021:210, n.o 78 e jurisprudência referida).

59      Só a título verdadeiramente excecional pode o Tribunal de Justiça, em aplicação do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por ele interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para decidir esta limitação, é necessário que estejam preenchidos dois critérios essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (Acórdão de 17 de março de 2021, Academia de Studii Economice din Bucureşti, C‑585/19, EU:C:2021:210, n.o 79 e jurisprudência referida).

60      Mais especificamente, o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, nomeadamente quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas em especial ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa‑fé com base na regulamentação considerada validamente em vigor e quando se afigurava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido incitados a adotar um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão (Acórdão de 17 de março de 2021, Academia de Studii Economice din Bucureşti, C‑585/19, EU:C:2021:210, n.o 80 e jurisprudência referida).

61      Importa recordar que uma limitação no tempo dos efeitos da interpretação de uma disposição de direito da União que o Tribunal de Justiça confere nos termos do artigo 267.o TFUE só é admissível no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada. Este princípio garante a igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e dos demais interessados em face do direito da União e, por isso, cumpre as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica (Acórdão de 23 de abril de 2020, Herst, C‑401/18, EU:C:2020:295, n.o 57 e jurisprudência referida).

62      No caso em apreço, no que respeita, por um lado, ao critério relativo à boa‑fé, a PL Holdings alega que o presente processo é o primeiro no qual o Tribunal de Justiça é chamado a tomar posição sobre a validade de uma convenção de arbitragem ad hoc, como a que está em causa no processo principal. Na celebração desta convenção de arbitragem, nada indicou que a mesma era contrária ao direito da União, uma vez que o Tribunal de Justiça só proferiu o Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), depois de as Sentenças arbitrais de 28 de junho e 28 de setembro de 2017 terem sido proferidas. Por outro lado, a PL Holdings baseou‑se na atuação da República da Polónia, incluindo a participação da mesma no processo de arbitragem, sem suscitar em tempo útil uma exceção de incompetência do tribunal arbitral com base no direito da União.

63      No que respeita, por outro lado, ao critério relativo às perturbações graves, a PL Holdings sustenta que o acórdão a proferir é suscetível de afetar um grande número de intervenientes individuais que celebraram convenções de arbitragem com Estados‑Membros no âmbito de diferentes tipos de contratos. Por outro lado, nada na jurisprudência do Tribunal de Justiça indica que o conceito de «perturbações graves» não possa abranger uma situação em que uma sociedade estabelecida na União, como a PL Holdings, agindo de boa‑fé, tenha sido inicialmente objeto de uma expropriação ilegal em violação do direito da União, em especial em violação da sua liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.o e 54.o TFUE, e tenha depois sido privada do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, previsto no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

64      A este respeito, como salientou a advogada‑geral no n.o 84 das suas conclusões, os elementos de interpretação dos artigos 267.o e 344.o TFUE pertinentes para efeitos do presente processo decorrem diretamente do Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158), cujo efeito no tempo não foi limitado pelo Tribunal de Justiça.

65      Com efeito, permitir a um Estado‑Membro substituir uma cláusula de arbitragem, contida num acordo internacional entre Estados‑Membros, pela celebração de uma convenção de arbitragem ad hoc, a fim de possibilitar a prossecução de um processo de arbitragem instaurado com fundamento nessa cláusula, equivaleria, como foi declarado no n.o 47 do presente acórdão, a contornar as obrigações desse Estado‑Membro decorrentes dos Tratados e, em especial, do artigo 4.o, n.o 3, TUE e dos artigos 267.o e 344.o TFUE, conforme interpretados no Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158).

66      Assim, uma limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão implicaria, na realidade, a limitação dos efeitos da interpretação destas disposições dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158).

67      Além disso, quanto às perturbações graves alegadas, há que salientar que, no que respeita, por um lado, ao pretenso impacto que o presente acórdão poderia ter nas convenções de arbitragem celebradas pelos Estados‑Membros para diferentes tipos de contratos, a interpretação do direito da União dada no presente acórdão apenas faz referência às convenções de arbitragem ad hoc celebradas em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal e resumidas, nomeadamente, no n.o 65 do presente acórdão.

68      Por outro lado, a proteção dos direitos subjetivos que a PL Holdings retira do direito da União deve ser assegurada no quadro do sistema jurisdicional dos Estados‑Membros, no caso em apreço, o sistema jurisdicional polaco. Por conseguinte, admitindo que esteja demonstrada a lacuna na proteção desses direitos cuja existência a PL Holdings alega, esta lacuna deveria ser corrigida dentro desse sistema, se for caso disso, com a cooperação do Tribunal de Justiça no âmbito das suas competências, sem que tal lacuna justifique tolerar o incumprimento das disposições e dos princípios fundamentais referidos no n.o 65 do presente acórdão.

69      Nestas condições, há que julgar improcedente o pedido da PL Holdings requerendo que os efeitos do acórdão a proferir sejam limitados no tempo, sem que seja necessário verificar a boa‑fé da mesma.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Os artigos 267.o e 344.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que permite a um EstadoMembro celebrar com um investidor de outro EstadoMembro uma convenção de arbitragem ad hoc que torna possível a prossecução de um processo de arbitragem instaurado com fundamento numa cláusula de arbitragem de conteúdo idêntico a essa convenção, contida num acordo internacional celebrado entre esses dois EstadosMembros e nula por ser contrária a esses mesmos artigos.

Assinaturas


*      Língua do processo: sueco.