Language of document : ECLI:EU:C:2024:258

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 21 de março de 2024 (1)

Processos apensos C778/21 P e C798/21 P

Comissão Europeia

contra

Frente Popular para a Libertação de SaguiaelHamra e Rio de Oro (Frente Polisário),

Conselho da União Europeia (C778/21 P)

e

Conselho da União Europeia

contra

Frente Popular para a Libertação de SaguiaelHamra e Rio de Oro (Frente Polisário) (C798/21 P)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordo de Associação UE‑Marrocos — Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável — Âmbito de aplicação — Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118) — “Consentimento” do povo do Sara Ocidental — Princípio do efeito relativo dos tratados — Direito à autodeterminação»






I.      Introdução

1.        Pode a União Europeia celebrar com o Reino de Marrocos um acordo de parceria no domínio da pesca que abranja igualmente as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental? Em caso afirmativo, que obrigações impendem sobre a União Europeia em relação ao povo desse território?

2.        Estas questões surgem no contexto dos recursos do Acórdão de 29 de setembro de 2021, Frente Polisário/Conselho (T‑344/19 e T‑356/19, EU:T:2021:640) (2), no qual o Tribunal Geral concluiu que a União Europeia não respeitou as regras de direito internacional consuetudinário que o Tribunal de Justiça, nos seus Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, tinha interpretado como sendo vinculativas para a União Europeia (3). Por conseguinte, o Tribunal Geral anulou (4) a Decisão (UE) 2019/441 (5), que aprovou a celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável (6), o seu protocolo de execução (7) e a troca de cartas (8). O Conselho e a Comissão recorrem agora deste acórdão para o Tribunal de Justiça.

3.        Os presentes recursos devem ser lidos à luz de um conjunto de recursos paralelos que questionam a validade da decisão do Conselho que aprova alterações ao Acordo de Associação (9) com vista a alargar as preferências pautais aos bens originários do território do Sara Ocidental, bem como à luz de um reenvio prejudicial que procura obter orientações sobre a rotulagem correta do país de origem dos produtos originários do território do Sara Ocidental. Apresento hoje as minhas conclusões em todos estes processos (10).

4.        Como também explico nas minhas Conclusões paralelas de hoje no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, a luta contínua do povo do Sara Ocidental pela autodeterminação constitui um claro fracasso do processo político sob a égide da ONU, para o qual são absolutamente necessárias soluções práticas.

II.    Antecedentes dos presentes processos

A.      Breve história da questão do Sara Ocidental

5.        Nos n.os 8 a 28 das minhas Conclusões paralelas no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, explico mais pormenorizadamente os antecedentes históricos da questão do Sara Ocidental e as dificuldades enfrentadas pelo povo deste território para exercer o seu direito à autodeterminação.

6.        Passo a expor o que deve ser repetido ou acrescentado para efeitos dos presentes processos.

7.        O Sara Ocidental foi colonizado pelo Reino de Espanha no século XIX.

8.        No âmbito do processo de descolonização, em 1963, este território foi acrescentado pelas Nações Unidas à lista de territórios não autónomos (11).

9.        Em 1966, a Assembleia Geral das Nações Unidas confirmou o direito do povo do Sara Ocidental à autodeterminação e convidou Espanha a permitir e a organizar o exercício deste direito (12), que Espanha decidiu possibilitar através de um referendo. Este referendo nunca foi realizado.

10.      Em 1969, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Resolução 2554 (XXIV) (13). Esta resolução «reafirma o direito inalienável dos povos dos territórios dependentes à autodeterminação e independência e aos recursos naturais dos seus territórios, bem como o seu direito de dispor desses recursos no seu melhor interesse, à luz do oitavo parágrafo do preâmbulo da Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral» e «pede às potências administrantes e aos Estados interessados cujas empresas e nacionais se dediquem a essas atividades que tomem imediatamente medidas para pôr termo a todas as práticas que explorem os territórios e os povos sob domínio colonial».

11.      O estatuto do Sara Ocidental como território não autónomo e o direito do seu povo à autodeterminação foram confirmados pelo Tribunal Internacional de Justiça (a seguir «TIJ») no seu Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental (14).

12.      O Reino de Marrocos considera que o território do Sara Ocidental faz parte do seu território soberano, incluindo as águas adjacentes ao mesmo.

13.      Em 1975, a Espanha, o Reino de Marrocos e a República Islâmica da Mauritânia assinaram a Declaração de Princípios sobre o Sara Ocidental (também conhecida por «Acordos de Madrid») (15), através da qual o território do Sara Ocidental foi dividido entre estes dois últimos Estados (16). Pouco tempo depois, em janeiro de 1976, o exército marroquino entrou no território do Sara Ocidental.

14.      Segundo um canal diplomático norte‑americano de 1975 do secretário de Estado H. Kissinger, no âmbito das negociações respeitantes aos Acordos de Madrid, em contrapartida da sua retirada desse território, deviam ser garantidos à Espanha «direitos de pesca [...] nas águas do Sara e 35 % de participação espanhola nas minas de fosfato» (17).

15.      Em 26 de fevereiro de 1976, a Espanha informou o secretário‑geral das Nações Unidas de que tinha posto termo à sua presença no Sara Ocidental e renunciado à sua posição de potência administrante ao abrigo do artigo 73.° da Carta da ONU (18).

16.      Em 1985, a Comunidade Económica Europeia comprometeu‑se a assumir a responsabilidade pelos acordos de pesca existentes celebrados por Espanha e Portugal com o Reino de Marrocos, após a sua adesão à (então) Comunidade (19).

17.      Em 1988, 1992 e 2006, a Comunidade (Económica) Europeia celebrou os seus próprios acordos no setor das pescas com o Reino de Marrocos (20).

18.      O âmbito de aplicação destes acordos abrangia o «território de Marrocos e [as] águas sob jurisdição marroquina» (21), sem delimitar especificamente as zonas marítimas abrangidas.

19.      Uma componente essencial de todos estes acordos era o pagamento de contrapartidas financeiras ao Reino de Marrocos, em parte em contrapartida da emissão de licenças pelas autoridades deste último aos navios de pesca da União (22).

20.      Protocolos separados, válidos por um período de quatro anos, respetivamente, e que faziam parte integrante destes acordos, estabeleciam adicionalmente as possibilidades de pesca concedidas aos navios de pesca da União, a sua duração e as suas condições de utilização (23).

21.      O último protocolo que fixava as possibilidades de pesca e as contrapartidas financeiras (ou seja, o Protocolo de Execução de 2013) (24), que acompanhava o Acordo de Pesca de 2006, caducou em 14 de julho de 2018 (25).

22.      A aplicabilidade às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental do Acordo de Pesca de 2006 e do Protocolo de Execução de 2013 foi afetada pelo Acórdão Western Sahara Campaign UK do Tribunal de Justiça.

B.      O Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável

1.      Antecedentes processuais

23.      Em 2018, o Tribunal de Justiça decidiu que o Acordo de Pesca de 2006 não abrangia o território do Sara Ocidental nem as águas adjacentes ao mesmo, porque os termos «Reino de Marrocos» e «águas sob a [sua] soberania ou jurisdição» não podiam estar relacionados com o território não autónomo do Sara Ocidental (26). Do mesmo modo, no que respeita ao Protocolo de Execução de 2013, o Tribunal de Justiça concluiu que o termo «zona de pesca marroquina» não incluía as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (27).

24.      Neste sentido, o Tribunal de Justiça alinhou a interpretação destes termos com a de termos semelhantes em causa no seu Acórdão Conselho/Frente Polisário. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça tinha concluído que o conceito de «território do Reino de Marrocos» não podia ser interpretado no sentido de que abrange o território do Sara Ocidental (28).

25.      Após o Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Western Sahara Campaign UK, por Decisão de 16 de abril de 2018 (29), «o Conselho autorizou a Comissão a encetar negociações com o Reino de Marrocos com vista a alterar o Acordo e a acordar um novo Protocolo de Execução» (30).

26.      Em 14 de janeiro de 2019, a União Europeia e o Reino de Marrocos assinaram o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, o Protocolo de Execução e a Troca de Cartas, que fazem parte desse acordo (31).

27.      A Troca de Cartas refere, na parte pertinente, que a União Europeia e o Reino de Marrocos «reafirmam o seu apoio ao processo das Nações Unidas e aos esforços do seu Secretário‑Geral para encontrar uma solução política definitiva, conforme aos princípios e objetivos da [Carta da ONU] e baseada nas resoluções do Conselho de Segurança».

28.      A Troca de Cartas estipula igualmente que «[o] Acordo de Pesca é celebrado sem prejuízo das posições respetivas das Partes», o que, para a União Europeia, significa que «no respeitante ao estatuto do território não autónomo do Sara Ocidental, cujas águas adjacentes são abrangidas pela zona de pesca definida no artigo 1.°, alínea h), do Acordo de Pesca, e ao seu direito à autodeterminação, a referência no referido acordo às disposições legislativas e regulamentares marroquinas não afeta a sua posição» e, para o Reino de Marrocos, implica que «a região do Sara constitui parte integrante do território nacional sobre a qual exerce plenamente os seus direitos de soberania como no resto do território nacional.»

29.      Através da decisão impugnada de 4 de março de 2019, o Conselho aprovou, em nome da União Europeia, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, o Protocolo de Execução e a Troca de Cartas. Os considerandos 3, 5 e 7 a 11 da referida decisão têm a seguinte redação:

«(3)      No seu acórdão proferido no processo C‑266/16 em resposta a uma questão prejudicial sobre a validade e a interpretação do Acordo e do respetivo protocolo de execução, o Tribunal de Justiça declarou que nem o Acordo nem o protocolo de execução eram aplicáveis às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

[…]

(5)      Deverá ser possível que as frotas da União possam prosseguir as suas atividades de pesca exercidas desde a entrada em vigor do Acordo e que o âmbito de aplicação deste seja definido por forma a incluir as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental. A continuidade da parceria no domínio da pesca é também essencial para que este território possa continuar a beneficiar do apoio setorial proporcionado pelo Acordo, no respeito do direito da União e internacional, inclusive dos direitos humanos, e em benefício do povo em causa.

[…]

(7)      O Acordo de Pesca tem por objetivo permitir que a União e o Reino de Marrocos colaborem mais estreitamente na promoção de uma política de pesca sustentável e da exploração responsável dos recursos haliêuticos na zona de pesca definida no Acordo de Pesca, bem como apoiar os esforços do Reino de Marrocos para desenvolver o setor da pesca e uma economia azul. Por conseguinte, contribui para a realização dos objetivos prosseguidos pela União no âmbito do artigo 21.° do Tratado da União Europeia.

(8)      A Comissão avaliou as potenciais repercussões do Acordo de Pesca no desenvolvimento sustentável, incluindo no que respeita aos benefícios para o povo em causa e à exploração dos recursos naturais dos territórios em causa.

(9)      Em consonância com a referida avaliação, considera‑se que o Acordo de Pesca deverá ser altamente benéfico para a população em causa, devido às repercussões socioeconómicas positivas para esse povo, nomeadamente em termos de emprego e investimento, e ao seu impacto no desenvolvimento dos setores da pesca e da transformação dos produtos da pesca.

[…]

(11)      Atentando às considerações expostas no acórdão do Tribunal de Justiça, a Comissão, em ligação com o Serviço Europeu para a Ação Externa, tomou todas as medidas razoáveis e possíveis no contexto atual para associar de modo adequado a população em causa, a fim de determinar o seu consentimento. Foram realizadas amplas consultas no Sara Ocidental e no Reino de Marrocos e os intervenientes socioeconómicos e políticos que nelas participaram pronunciaram‑se claramente a favor da celebração do Acordo de Pesca. Todavia, a Frente Polisário e alguns outros intervenientes não aceitaram participar no processo de consulta.»

2.      Âmbito de aplicação

30.      A zona de aplicação do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável é estabelecida no seu artigo 14.° Em conformidade com esta disposição, «[o] presente Acordo aplica‑se aos territórios em que são aplicáveis, por um lado, o Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, por outro, as disposições legislativas e regulamentares referidas no artigo 6.°, n.° 1, do presente Acordo.»

31.      Por seu turno, o artigo 6.°, n.° 1, do mesmo acordo explica que «os navios da União que operam na zona de pesca devem respeitar as disposições legislativas e regulamentares marroquinas que regulam as atividades de pesca nessa zona, salvo disposição em contrário do presente Acordo» (32).

32.      A «zona de pesca» é definida no artigo 1.°, alínea h), do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável como «as águas do Atlântico Centro‑Este entre os paralelos 35° 47′ 18″ Norte e 20° 46′ 13″ Norte, incluindo as águas adjacentes do Sara Ocidental[(33)], que cobrem o conjunto das zonas de gestão; esta definição não afeta as eventuais negociações relativas à delimitação das zonas marítimas dos Estados costeiros ribeirinhos da zona de pesca nem, em geral, os direitos dos Estados terceiros».

33.      Segundo o Tribunal Geral, a fronteira entre o Sara Ocidental e o Reino de Marrocos situa‑se no paralelo 27° 42′ N (Ponto Stafford) (34).

34.      Consequentemente, «as coordenadas geográficas [...] referidas [nomeadamente, no artigo 1.°, alínea h), do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável] incluem tanto as águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos como as águas adjacentes ao Sara Ocidental» (35).

3.      Compensação financeira

35.      Por força do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, a União Europeia acorda no pagamento de uma contrapartida financeira ao Reino de Marrocos.

36.      O valor total desta contrapartida parece ter sido de 208 700 000 euros para o período de vigência do Protocolo de Execução (36), a saber, de 18 de julho de 2019 a 17 de julho de 2023 (37).

37.      Esta contrapartida é constituída por «a) Uma compensação financeira concedida pela União pelo acesso dos seus navios à zona de pesca; b) As taxas pagas pelos armadores dos navios da União; c) Um apoio setorial concedido pela União para a aplicação de uma política das pescas sustentável e a governação dos oceanos, que é objeto de uma programação anual e plurianual» (38).

38.      Por seu turno, o Reino de Marrocos afeta a contribuição financeira e as taxas do armador «de modo a garantir uma repartição geográfica e social equitativa das vantagens socioeconómicas em benefício das populações afetadas» (39).

39.      O apoio setorial recebido da União Europeia não parece estar sujeito a esta obrigação de repartição, mas «contribui para o desenvolvimento e execução da política setorial, no âmbito da estratégia nacional de desenvolvimento do setor das pescas» (40).

40.      Para o efeito, o Reino de Marrocos deve apresentar à comissão mista instituída pelo Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável (41) e composta por representantes do Reino de Marrocos e da União Europeia (42), «o método conducente à repartição geográfica e social [desses fundos] [...], bem como a chave de repartição dos montantes atribuídos» (43).

41.      Os diferentes componentes da contrapartida financeira a pagar às autoridades marroquinas são repartidos sob a supervisão da comissão mista (44).

42.      Por último, existe uma obrigação de apresentação de relatórios por parte do Reino de Marrocos, cujas autoridades devem elaborar um relatório anual, bem como um relatório final antes de o Protocolo de Execução caducar (45).

4.      Possibilidades de pesca e respetiva gestão

43.      As possibilidades de pesca são reguladas pelo Protocolo de Execução, que é renovado de quatro em quatro anos.

44.      Como já expliquei, o protocolo assinado por ocasião da celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável caducou em 17 de julho de 2023 (46).

45.      Até à data de redação das presentes conclusões, não foi negociado nenhum novo protocolo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos.

46.      Para poderem exercer atividades de pesca na zona abrangida pelo Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, os navios da União devem obter previamente uma autorização de pesca (47).

47.      Esta autorização é obtida em contrapartida do pagamento das taxas anuais dos armadores dos navios descritas no n.° 37 das presentes conclusões.

48.      Estas autorizações são emitidas pelo Departamento das Pescas Marítimas do Ministério da Agricultura, da Pesca Marítima, do Desenvolvimento Rural e das Águas e Florestas do Reino de Marrocos (48).

49.      Por força do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, os navios da União que operam na «zona de pesca» podem «pesca[r] unicamente o excedente das capturas admissíveis, conforme referido no artigo 62.°, n.os 2 e 3, da CNUDM [...] identificado [...] com base nos pareceres científicos disponíveis e pertinentes e em informações pertinentes [...] acerca do esforço de pesca total exercido sobre as unidades populacionais em causa por todas as frotas que operam na zona de pesca» (49).

50.      Na audiência, o Conselho e a Comissão explicaram que, na prática, este limite é determinado pelo Reino de Marrocos após avaliar a capacidade total de pesca das unidades populacionais de peixes locais, dos seus esforços de pesca internos e da proporção remanescente que pode ser pescada de forma sustentável (50).

51.      O Relatório Anual de 2021 da comissão mista (51) e a Avaliação Final de 2023 (52) explicam que todos os tipos de unidades populacionais da «zona de pesca», com exceção de dois, foram totalmente explorados ou sobreexplorados (53). Apenas as unidades populacionais de cachucho (Dentex macrophtalmus) e de sardinha (S. pilchardus) foram consideradas «não completamente exploradas» (54).

C.      Quanto ao acórdão recorrido

52.      Em 10 e 12 de junho de 2019, a Frente Polisário interpôs recursos em que pedia, nomeadamente, a anulação da decisão impugnada.

53.      Em 29 de setembro de 2021, o Tribunal Geral proferiu o acórdão recorrido, através do qual anulou a decisão impugnada(55).

54.      No que respeita à admissibilidade do recurso, o Tribunal Geral julgou improcedentes os dois principais fundamentos de inadmissibilidade da Comissão e do Conselho, relativos à capacidade judiciária da Frente Polisário e à sua legitimidade em relação à decisão impugnada (56).

55.      Quanto ao mérito do recurso, o Tribunal Geral julgou improcedente o primeiro fundamento de anulação da Frente Polisário relativo à alegada falta de capacidade do Conselho para adotar a decisão impugnada (57).

56.      Em contrapartida, julgou procedente o terceiro fundamento de anulação da Frente Polisário, relativo à obrigação de o Conselho se conformar com as exigências deduzidas da jurisprudência relativa ao direito à autodeterminação e ao princípio do efeito relativo dos tratados (58). O Tribunal Geral não examinou os outros fundamentos de anulação invocados pela Frente Polisário.

D.      Tramitação processual no Tribunal de Justiça

57.      Com os seus recursos interpostos em 14 de dezembro de 2021 e 16 de dezembro de 2021, a Comissão e o Conselho pedem, respetivamente, que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido na sua totalidade, se pronuncie sobre as questões suscitadas, negue provimento ao recurso em primeira instância e condene a Frente Polisário nas despesas. A título subsidiário, estas instituições pedem que o Tribunal de Justiça mantenha os efeitos da decisão impugnada por um período de doze meses a contar da data da prolação do seu acórdão.

58.      Esta linha de ação é apoiada pela Chambre des pêches maritimes de la Méditerranée e outros, bem como pelos Governos Belga, Espanhol, Francês, Húngaro, Português e Eslovaco.

59.      Foi realizada uma audiência em 23 e 24 de outubro de 2023, na qual a Comissão, o Conselho, a Frente Polisário, a Chambre des pêches maritimes de la Méditerranée e outros, bem como os Governos Belga, Francês, Espanhol e Húngaro, apresentaram alegações orais.

III. Análise

A.      Quanto à interpretação do direito internacional

60.      Os presentes recursos impugnam a validade da decisão da União Europeia de celebrar um acordo internacional à luz das regras de direito internacional que vinculam a União Europeia, mais precisamente à luz de dois princípios de direito internacional consuetudinário — o direito à autodeterminação e o princípio do efeito relativo dos tratados (59).

61.      Em comparação com o sistema jurídico da União ou dos seus Estados‑Membros, o direito internacional é um sistema menos compacto e, no que respeita à determinação da uniformidade do sentido das suas normas, muito mais descentralizado.

62.      Embora o direito internacional tenha o seu próprio sistema de fontes jurídicas (60) e algumas regras de interpretação geralmente aceites (61), não dispõe de um intérprete final cujas interpretações vinculem todos os participantes no sistema (62).

63.      A este respeito, na interpretação do teor das regras de direito internacional consuetudinário que fazem parte do sistema jurídico da União, as instituições da União, incluindo os órgãos jurisdicionais da União, não estão limitadas pelas diferentes interpretações da mesma regra dadas por outros sujeitos do direito internacional (63).

64.      No entanto, ao interpretar o sentido do direito internacional para efeitos da ordem jurídica da União, o Tribunal de Justiça deve determinar se foi alcançado um certo nível de consenso sobre o sentido de uma determinada regra a nível do direito internacional. Tal resulta, a meu ver, do compromisso da União Europeia de contribuir para a rigorosa observância e para o desenvolvimento do direito internacional, como previsto no artigo 3.°, n.° 5, TUE.

65.      Da mesma forma que as instituições da União não estão vinculadas pelas interpretações do direito internacional dadas por outros sujeitos desta ordem jurídica, a interpretação que o Tribunal de Justiça atribui a uma regra de direito internacional só é vinculativa no âmbito do ordenamento jurídico da União. Contudo, ao atribuir o significado a uma regra de direito internacional, é importante que o Tribunal de Justiça tenha presente o facto de que a sua interpretação tem efeitos no plano do direito internacional e contribui para a criação do costume e para a elaboração do seu sentido (64).

66.      A interpretação do direito internacional no ordenamento jurídico da União também suscita a questão da relação entre os órgãos jurisdicionais da União e as instituições políticas da União quando se trata de interpretar quais são as obrigações que o direito internacional impõe à União Europeia.

67.      No domínio da política externa da União Europeia, as instituições políticas da União dispõem de uma ampla margem de apreciação (65). A decisão de celebrar um acordo internacional com outro Estado, incluindo a decisão de alargar potencialmente a aplicação desse acordo a um território terceiro, faz parte dessa margem. O Tribunal de Justiça não pode pôr em causa esta escolha.

68.      No entanto, quando é tomada uma decisão política sobre o estabelecimento de relações com um Estado ou território terceiro, o Tribunal de Justiça não só está habilitado a fiscalizar se as relações externas da União Europeia estão em conformidade com as exigências constitucionais impostas pelo TUE e pelo TFUE, como é mesmo obrigado a fazê‑lo (66).

69.      Como o Tribunal de Justiça explicou no seu Acórdão Air Transport Association of America e o., «como resulta do artigo 3.°, n.° 5, TUE, a União contribui para a rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional. Por conseguinte, quando adota um ato, é obrigada a respeitar o direito internacional na sua totalidade, incluindo o direito internacional consuetudinário que vincula as instituições da União» (67).

70.      Na sua missão constitucional de assegurar o Estado de direito na União Europeia, o Tribunal de Justiça deve, por conseguinte, apreciar se, ao celebrar um acordo internacional, as instituições da União violaram os direitos que as regras de direito internacional consuetudinário conferem aos seus sujeitos.

71.      Tal exige que o Tribunal de Justiça interprete o conteúdo das regras de direito consuetudinário pertinentes. Numa situação em que existe uma opinio juris uniforme sobre a existência de uma obrigação jurídica (como a obrigação de reconhecer o direito à autodeterminação de um território não autónomo), mas não sobre o seu conteúdo exato, a margem de apreciação das instituições políticas da União nas relações externas exige que o Tribunal de Justiça aceite a interpretação seguida por estas instituições.

72.      As características do direito internacional acima referidas orientarão a minha análise nos presentes recursos.

B.      Quanto à admissibilidade

1.      Quanto ao interesse

73.      Como expliquei nos n.os 36 e 44 das presentes conclusões, o Protocolo de Execução, que rege as condições de acesso às zonas de pesca adjacentes ao território do Sara Ocidental, caducou em 17 de julho de 2023 (68).

74.      Sem um protocolo válido, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável não permite que os navios da União acedam à «zona de pesca».

75.      Este facto foi igualmente confirmado pela Comissão na audiência.

76.      Significa isto que a Frente Polisário perdeu o seu interesse em prosseguir este processo (69)?

77.      Na minha opinião, não.

78.      A Frente Polisário invoca uma pretensa invalidade da conduta da União Europeia resultante da celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável com o Reino de Marrocos.

79.      Devido à sua contestação da decisão impugnada, a exceção de ilegalidade por si deduzida abarca a totalidade do «pacote» acordado com o Reino de Marrocos — o Acordo de Parceria no domínio da Pesca, o Protocolo de Execução e a Troca de Cartas — e não apenas os seus efeitos práticos.

80.      Por conseguinte, os presentes recursos são suscetíveis de ter por efeito a obrigação, para a União Europeia, de renegociar certas partes desse «pacote», incluindo os direitos de acesso à pesca da frota de pesca da União no que respeita às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental, que a Frente Polisário controla e afirma representar parcialmente.

81.      A caducidade do Protocolo de Execução não afeta, portanto, a manutenção do interesse da Frente Polisário no presente processo.

82.      Em todo o caso, é evidente que, do ponto de vista constitucional, as ações e recursos diretos subjacentes são suscetíveis de reconhecer a ilegalidade de uma ação da União Europeia no plano internacional (70) e de evitar que esta se reproduza no futuro (71).

2.      Quanto à legitimidade e possibilidade de invocar o direito internacional consuetudinário perante os órgãos jurisdicionais da União

83.      Como refiro nas minhas Conclusões paralelas no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, concordo em geral com o entendimento do Tribunal Geral de que a Frente Polisário tem capacidade jurídica e legitimidade para contestar a decisão impugnada (72).

84.      Pode aplicar‑se a mesma argumentação aos presentes recursos. Remeto, por conseguinte, para os argumentos que apresentei nessas Conclusões e proponho que o Tribunal de Justiça conheça do mérito dos presentes recursos.

85.      Além disso, tal como nas minhas conclusões paralelas, considero que a Frente Polisário pode, em princípio, invocar as regras de direito internacional consuetudinário nos órgãos jurisdicionais da União. Uma vez preenchidas as condições de legitimidade, os recorrentes que interponham recursos de anulação ao abrigo do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE podem invocar as regras de direito internacional que sejam suficientemente claras para permitir aos órgãos jurisdicionais da União fiscalizar a validade dos atos das instituições da União. Por conseguinte, no presente processo, o Tribunal de Justiça não está impedido de exercer o seu poder de fiscalização jurisdicional quanto à compatibilidade da decisão impugnada com os princípios de direito internacional consuetudinário invocados, na medida em que possa interpretar o seu teor com um nível suficiente de clareza.

C.      Quanto ao mérito

86.      Como explico igualmente nas minhas Conclusões paralelas no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, também apresentadas hoje (73), importa começar a minha análise dos presentes recursos diretos salientando o âmbito limitado dos presentes recursos.

87.      Isto porque, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral apenas examinou o primeiro e o terceiro fundamentos invocados pela Frente Polisário, julgando improcedente o primeiro fundamento e julgando procedente o terceiro.

88.      Por conseguinte, mesmo que possam existir outras questões relacionadas com o direito à autodeterminação que possam ser pertinentes no presente processo, a competência do Tribunal de Justiça está limitada apenas ao tratamento das questões que foram objeto dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK (74).

89.      Por esta razão, devo começar por discernir o conteúdo que o Tribunal de Justiça atribuiu, nesses acórdãos, ao direito à autodeterminação e ao princípio do efeito relativo dos tratados (ponto C.1). Em segundo lugar, embora o raciocínio do acórdão recorrido seja substancialmente idêntico ao que está em causa nos Acórdãos Comissão e Conselho/Frente Polisário (C‑779/21 P e C‑799/21 P), considero que as regras de direito internacional aplicáveis nos presentes recursos diferem das que estão em causa nos conjuntos de recursos paralelos, nomeadamente no que respeita à estrutura dos respetivos acordos controvertidos (ponto C.2). Em terceiro lugar, por esta razão, concluirei que o Tribunal Geral cometeu um erro ao anular o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável com base no mesmo raciocínio que está subjacente aos recursos nos processos Comissão e Conselho/Frente Polisário (C‑779/21 P e C‑799/21 P) (ponto C.3). Em quarto lugar, e apesar desta conclusão, proporei que o Tribunal de Justiça confirme o acórdão recorrido e, por conseguinte, a anulação da decisão impugnada, embora com uma fundamentação diferente (ponto C.4). Por último, explicarei que, embora não se enquadre no âmbito dos presentes recursos, a falta de tratamento do território do Sara Ocidental e das águas adjacentes ao mesmo como separados e distintos do território do Reino de Marrocos tem igualmente consequências para o direito do povo do Sara Ocidental de beneficiar dos recursos naturais das águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (ponto C.5).

1.      Interpretação dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK

90.      Nos n.os 96 a 115 das minhas Conclusões paralelas no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, analiso detalhadamente o Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Conselho/Frente Polisário.

91.      As principais observações que decorrem desta apreciação são as que passo a expor.

92.      O Acórdão Conselho/Frente Polisário teve origem num recurso direto da decisão do Conselho que aprova a celebração do Acordo de Liberalização das Trocas Comerciais de 2012 (75), acordo este que concede um tratamento pautal preferencial aos bens originários do «território de Marrocos».

93.      Neste acórdão, o Tribunal de Justiça interpretou este acordo no sentido de que não abrange o território do Sara Ocidental, uma vez que a expressão «território de Marrocos» não podia ser interpretada de modo que incluísse o território do Sara Ocidental.

94.      O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão através da interpretação do direito à autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos tratados, que considerou vinculativos para a União Europeia nas suas relações com o território do Sara Ocidental por intermédio do Reino de Marrocos.

95.      O Tribunal de Justiça interpretou o direito à autodeterminação no sentido de que inclui a obrigação de a União Europeia tratar o território do Sara Ocidental como «separado e distinto» do território do Reino de Marrocos. Esta exigência decorre do facto de, ao abrigo do direito internacional, o Sara Ocidental ser considerado um território não autónomo.

96.      O Tribunal de Justiça não teve de interpretar outras eventuais obrigações para a União Europeia resultantes do direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental, pelo que não o fez (76).

97.      O Tribunal de Justiça concluiu igualmente que o estatuto separado e distinto do território do Sara Ocidental acionaria o princípio do efeito relativo dos tratados se a União Europeia e o Reino de Marrocos pretendessem aplicar um acordo celebrado entre si ao território do Sara Ocidental.

98.      Segundo a interpretação do Tribunal de Justiça do princípio do efeito relativo dos tratados, quando um terceiro é afetado pela aplicação de um acordo internacional entre duas partes, esse terceiro deve consentir na aplicação do referido acordo, independentemente do facto de a respetiva aplicação ser suscetível de o prejudicar ou de o beneficiar.

99.      Dando a entender que o princípio do efeito relativo dos tratados também seria aplicável quando o terceiro fosse um território não autónomo e não um Estado, o Tribunal de Justiça concluiu que o povo do Sara Ocidental não consentiu no alargamento da aplicação do Acordo de Liberalização das Trocas Comerciais de 2012 ao seu território.

100. No n.° 114 das minhas Conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, proponho que a exigência de consentimento, como decorre do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, não deve ser entendida como uma instrução sobre a questão de saber se ou como um acordo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos poderia abarcar o território do Sara Ocidental. Pelo contrário, esta afirmação deve ser entendida apenas como um dos argumentos que explicam por que razão o âmbito de aplicação do acordo controvertido nesse processo não podia incluir o território do Sara Ocidental (77).

101. O Acórdão Western Sahara Campaign UK foi proferido mais de um ano após o Acórdão Conselho/Frente Polisário. Este processo deu entrada no Tribunal de Justiça como reenvio prejudicial sobre a interpretação e a validade do Acordo de Pesca de 2006 e do Protocolo de Execução de 2013.

102. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que as expressões «território de Marrocos e águas sob jurisdição marroquina», «zona de pesca marroquina» e «águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos» (78) não podiam ser interpretadas no sentido de incluírem as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (79).

103. Para chegar a esta conclusão, no Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça orientou‑se pelo seu anterior Acórdão Conselho/Frente Polisário.

104. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça explicou que o Acordo de Pesca de 2006 se inseria na política da União Europeia de estabelecer relações mais estreitas com o Reino de Marrocos no quadro do Acordo de Associação (80). Por conseguinte, a expressão «território do Reino de Marrocos», constante do Acordo de Pesca de 2006, deve ser entendida da mesma maneira como foi interpretada no Acordo de Associação no Acórdão Conselho/Frente Polisário (81).

105. O Tribunal de Justiça remeteu depois para a parte do Acórdão Conselho/Frente Polisário na qual considerou que interpretar a expressão «território do Reino de Marrocos», que figura no Acordo de Associação, no sentido de que inclui o território do Sara Ocidental seria contrário ao «princípio da autodeterminação, afirmado no artigo 1.° da [Carta da ONU], e [a]o princípio do efeito relativo dos tratados, de que o artigo 34.° da [CVDT] constitui uma expressão particular» (82).

106. Nesta base, o Tribunal de Justiça concluiu que o Acordo de Pesca de 2006 e o Protocolo de Execução de 2013 não podiam ser interpretados no sentido de que abrangem o território do Sara Ocidental.

107. Em seguida, o Tribunal de Justiça debruçou‑se sobre a interpretação do conceito de «águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos», conforme figurava tanto no Acordo de Pesca de 2006 como no Protocolo de Execução de 2013.

108. Para efeitos deste exercício, o Tribunal de Justiça fez referência à CNUDM, considerando que esta convenção é «vinculativa para a União e à qual se refer [e] expressamente o [...] [Acordo de Pesca de 2006]» (83).

109. Efetuando deduções da CNUDM para a interpretação da expressão «águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos», o Tribunal de Justiça concluiu que esta expressão não podia ser interpretada no sentido de incluir as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental: o Reino de Marrocos só poderia ter soberania ou jurisdição sobre as águas adjacentes ao seu território, não estando o território do Sara Ocidental abrangido pelo conceito de «território do Reino de Marrocos» (84).

110. Em seguida, o Tribunal de Justiça examinou se haveria margem para concluir que a intenção da União Europeia e do Reino de Marrocos tinha sido subsumir as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental nas expressões «águas sob a soberania [...] do Reino de Marrocos» e «águas sob a [...] jurisdição do Reino de Marrocos», como figuram no Acordo de Pesca de 2006.

111. Concluiu que tal intenção não podia ser deduzida do eventual tratamento do Reino de Marrocos como «“potência administrante de facto” ou uma potência ocupante do [...] Sara Ocidental, uma vez que o Reino de Marrocos excluiu categoricamente ser uma potência ocupante ou uma potência administrante relativamente ao território do Sara Ocidental» (85). Por conseguinte, o Tribunal não pôde constatar a existência de uma intenção tácita das partes nesse sentido (86).

112. Por último, o Tribunal de Justiça concluiu que não seria necessário examinar se seria conforme com as regras do direito internacional que vinculam a União incluir as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental no âmbito de aplicação do Acordo de Pesca de 2006 e do Protocolo de Execução de 2013 se o Reino de Marrocos fosse qualificado de potência administrante ou de potência ocupante, uma vez que este acordo e este protocolo não podiam, em caso algum, ser interpretados como sendo aplicáveis às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (87).

113. No seu Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça não examinou mais aprofundadamente, nem sequer fez referência à necessidade de «consentimento» do povo do Sara Ocidental ao abrigo do princípio do efeito relativo dos tratados.

2.      Diferenças entre o quadro jurídico relevante aplicável aos Acordos de Preferências Comerciais e aos Acordos de Parceria no domínio da Pesca Sustentável

114. O Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável difere, em aspetos importantes, do acordo em causa nos recursos paralelos nos processos Comissão e Conselho/Frente Polisário (C‑779/21 P e C‑799/21 P).

115. Está em causa nestes recursos um acordo celebrado entre a União Europeia e o Reino de Marrocos com vista a alargar as preferências comerciais concedidas aos bens originários do Reino de Marrocos também aos bens originários do território do Sara Ocidental (88).

116. Assim, o Acordo de Preferências Comerciais em causa nos processos paralelos alarga claramente a aplicação de um acordo entre duas partes a um terceiro: alarga expressamente o tratamento concedido ao abrigo do Acordo de Liberalização das Trocas Comerciais de 2012 entre a União Europeia e o Reino de Marrocos — que, como o Tribunal de Justiça declarou, não se aplicava ao território do Sara Ocidental — aos bens originários do território do Sara Ocidental.

117. Por conseguinte, nas circunstâncias dos recursos nos processos Comissão e Conselho/Frente Polisário (C‑779/21 P e C‑799/21 P), resultam claros dois aspetos.

118. Em primeiro lugar, o quadro jurídico aplicável é o que rege o efeito relativo dos tratados.

119. Em segundo lugar, como interpretado pelo Tribunal de Justiça, o Acordo de Preferências Comerciais estabelece uma distinção clara entre o território do Sara Ocidental e os territórios do Reino de Marrocos e da União Europeia.

120. Em contrapartida, estas premissas não são válidas em relação ao Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável nem ao Protocolo de Execução.

121. Em primeiro lugar, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável não alarga ao território do Sara Ocidental um regime acordado para ser aplicável ao território do Reino de Marrocos.

122. Em vez disso, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e o seu Protocolo de Execução são estabelecidos para constituir um novo quadro jurídico que substitui integralmente o Acordo de Pesca de 2006 e o Protocolo de Execução de 2013, com o objetivo de regular os direitos de pesca na «zona de pesca» abrangida por este acordo.

123. Esta diferença tem como consequência a não aplicabilidade do princípio do efeito relativo dos tratados ao Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável nem ao Protocolo de Execução.

124. Em segundo lugar, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e o Protocolo de Execução não distinguem claramente o território do Sara Ocidental do território do Reino de Marrocos.

125. Como explico nos n.os 31 a 33 das presentes conclusões, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e o Protocolo de Execução aplicam‑se à «zona de pesca», uma área definida pelas suas coordenadas geográficas e que inclui as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

126. A consequência desta diferença é que os recursos em causa no presente processo exigem que os órgãos jurisdicionais da União apreciem se o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, o Protocolo de Execução e a Troca de Cartas respeitam a exigência, decorrente dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK e resultante do direito à autodeterminação, de tratar o território do Sara Ocidental como separado e distinto do território do Reino de Marrocos.

3.      Quanto à aplicação pelo Tribunal Geral dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK

127. Resulta do acórdão recorrido que o Tribunal Geral anulou a decisão impugnada invocando o n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário (89).

128. Interpretando este número no sentido de que exige que o Conselho obtenha o «consentimento» do povo do Sara Ocidental, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu, em substância, que não se podia considerar que as consultas realizadas pelo Conselho e pelo SEAE cumprem essa obrigação (90).

129. Por conseguinte, e com base numa argumentação essencialmente idêntica à apresentada no acórdão recorrido proferido no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário (C‑779/21 P e C‑799/21 P), o Tribunal Geral anulou a decisão impugnada.

130. Considero que o Tribunal Geral cometeu um erro nesta conclusão.

131. A exigência de «consentimento», que o Tribunal Geral considerou não existir no caso em apreço, foi extrapolada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Conselho/Frente Polisário como decorrendo do princípio do efeito relativo dos tratados.

132. No entanto, como explico no n.° 123 das presentes conclusões, a fiscalização da validade do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável à luz dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK não exige a aplicação do princípio do efeito relativo dos tratados (91).

133. Através desse acordo, as partes não tentaram alargar o regime acordado entre a União Europeia e o Reino de Marrocos ao território de um terceiro.

134. Em vez disso, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável foi celebrado para estabelecer diretamente o regime de pesca numa área geográfica determinada, a «zona de pesca», que abarca as águas adjacentes ao território de um terceiro, o Sara Ocidental.

135. Por conseguinte, o Conselho não era obrigado a obter o consentimento do povo do Sara Ocidental (92).

136. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça declare que o Tribunal Geral cometeu um erro na interpretação e na aplicação do n.° 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, uma vez que a fiscalização do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e do Protocolo de Execução não exigia a aplicação do princípio do efeito relativo dos tratados e o consentimento que resulta deste princípio.

4.      Respeito do direito de tratar os dois territórios como distintos e separados

137. Na decisão impugnada (93), o Conselho manifesta a sua intenção de tratar o Reino de Marrocos não como soberano do território do Sara Ocidental, mas como potência administrante deste território.

138. O mesmo decorre da Troca de Cartas (94), na qual a União Europeia reitera a sua posição de que o Sara Ocidental é um território não autónomo e que o povo desse território goza do direito à autodeterminação.

139. Como expliquei nas minhas conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça não pode fiscalizar a decisão política de estabelecer relações com o território do Sara Ocidental através do seu administrante, o Reino de Marrocos.

140. No entanto, se a União Europeia optar por estabelecer relações com o território do Sara Ocidental dessa forma, a obrigação de fiscalização constitucional do Tribunal de Justiça impõe que este controle se essas relações respeitam o estatuto deste território e os direitos do seu povo.

141. Para efeitos da competência do Tribunal de Justiça nos presentes recursos, isto significa que deve controlar se a forma como a União Europeia escolheu relacionar‑se com o território do Sara Ocidental através do Reino de Marrocos respeita o direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental, como interpretado pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK.

142. Como expliquei no n.° 95 das presentes conclusões, com base na interpretação que o Tribunal de Justiça lhe deu nestes acórdãos, o alcance deste direito inclui a obrigação de tratar o território do Sara Ocidental como «separado e distinto» do território do Reino de Marrocos.

143. O Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável não cumpre esta exigência.

144. No seu âmbito de aplicação, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável não respeita suficientemente o caráter «separado e distinto» do território do Sara Ocidental e das águas adjacentes ao mesmo.

145. Como expliquei nos n.os 31 a 33 das presentes conclusões, o âmbito de aplicação do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável é estabelecido por referência a uma única «zona de pesca», definida como abrangendo essencialmente a totalidade das águas adjacentes ao Reino de Marrocos e as do território do Sara Ocidental.

146. Resulta não só da definição desta zona, mas também da decisão impugnada (95) e da Troca de Cartas (96), que a área abrangida pela mesma inclui as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

147. No entanto, a definição de «zona de pesca» não estabelece uma distinção entre as águas adjacentes ao território do Reino de Marrocos e as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

148. Esta distinção não tem necessariamente de ser estabelecida em dois acordos separados. Poderia, por exemplo, ter sido alcançada através da delimitação das fronteiras territoriais destes territórios por referência às respetivas coordenadas geográficas.

149. Contudo, deve resultar claramente do acordo celebrado pela União Europeia com o Reino de Marrocos que parte dos direitos de pesca da União diz respeito às águas adjacentes ao Reino de Marrocos e que parte diz respeito às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

150. Só nesta situação pode ser claramente determinado que a União Europeia pretendeu tratar o Reino de Marrocos como soberano em relação ao seu próprio território e como autoridade administrante («de facto») em relação ao território do Sara Ocidental.

151. Esta conclusão não é afetada pela expressão da posição política da União Europeia, contida na Troca de Cartas, no que respeita ao tratamento do território do Sara Ocidental.

152. Não excluo que, em determinadas circunstâncias, a tomada em consideração deste tipo de declarações possa «fazer pender» a decisão do Tribunal de Justiça a favor da validade de um ato relacionado com as relações estabelecidas entre a União Europeia e um Estado ou território terceiro (97).

153. No entanto, a expressão da posição política da União Europeia não pode, por si só, sanar a falta de tratamento do território do Sara Ocidental como separado e distinto do território do Reino de Marrocos no Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e no Protocolo de Execução.

154. Por conseguinte, ao aprovar a celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e do Protocolo de Execução com o Reino de Marrocos, o Conselho não respeitou parte do direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental, como interpretado pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK.

5.      Respeito do direito de gozo dos recursos naturais

155. O facto de as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental e as águas adjacentes ao território do Reino de Marrocos não serem tratadas como separadas e distintas no Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e no Protocolo de Execução tem igualmente consequências para o direito do povo do Sara Ocidental de beneficiar dos recursos naturais das águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

156. O direito à autodeterminação, que vincula a União Europeia nas suas relações com o Reino de Marrocos no que respeita ao território do Sara Ocidental, implica o direito do povo do Sara Ocidental ao seu gozo dos recursos naturais do TNA do Sara Ocidental, incluindo as suas águas adjacentes (98).

157. No entanto, nos seus Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça não examinou este aspeto do direito à autodeterminação. Por conseguinte, está excluído do âmbito de aplicação dos presentes recursos.

158. Todavia, a obrigação da União Europeia de garantir que o povo do Sara Ocidental beneficie de um acordo que permita possibilidades de pesca nas águas adjacentes ao território do território não autónomo do Sara Ocidental decorre independentemente da sua adesão à CNUDM (99).

159. A este propósito, observo que a Resolução III, n.° 1, alínea a), contida no anexo I da Ata Final da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e que constitui, portanto, parte integrante da CNUDM, declara que «no caso de um território cujo povo não tenha alcançado a plena independência ou outro estatuto de autonomia reconhecido pelas Nações Unidas, ou de um território sob domínio colonial, as disposições relativas aos direitos e interesses ao abrigo da [CNUDM] devem ser aplicadas em benefício do povo do território, com vista a promover o seu bem‑estar e desenvolvimento.»

160. Consequentemente, em virtude das obrigações internacionais da União Europeia face a esta convenção, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e o Protocolo de Execução, na medida em que estes atos da União resultam no acesso a essas águas, devem ser aplicados em benefício do povo do Sara Ocidental, com vista a promover o seu bem‑estar e desenvolvimento (100).

161. No caso em apreço, é certo que o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e o Protocolo de Execução preveem a exigência de uma «repartição geográfica e social equitativa» dos benefícios socioeconómicos decorrentes da compensação financeira paga pela União Europeia ao Reino de Marrocos.

162. No entanto, como explica, em substância, o Tribunal Geral no n.° 316 do acórdão recorrido, sem que esta conclusão seja contestada quanto ao mérito, não resulta das estipulações do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, do Protocolo de Execução ou da Troca de Cartas a forma como «o princípio da repartição geográfica e social equitativa da contrapartida financeira [é] aplicado de maneira diferenciada no território do Sara Ocidental e no território de Marrocos».

163. Na minha opinião, a garantia de que o povo do Sara Ocidental não seja privado dos direitos legítimos sobre os seus próprios recursos naturais, exigiria, nomeadamente, que apenas a população do território do Sara Ocidental beneficiasse das receitas provenientes da exploração dos seus recursos naturais.

164. Não excluo que a incerteza quanto ao cumprimento desta exigência por parte da União Europeia possa ter sido dissipada através da apresentação, pelas instituições da União, do «método» e/ou da «chave de repartição» que o Reino de Marrocos deveria apresentar à comissão mista, como exigido pelo Protocolo de Execução (v. n.° 40 das presentes conclusões).

165. Contudo, não consta dos autos nenhuma informação nesse sentido (101).

166. Do mesmo modo, será certamente possível, mesmo na falta de tal método e chave de repartição, que a existência de indícios suficientes de uma supervisão estrita por parte da comissão mista (v. n.° 41 das presentes conclusões) quanto à repartição da compensação financeira paga pela União em contrapartida do acesso e da exploração das águas adjacentes ao território do Sara Ocidental possa cumprir as obrigações da União Europeia de respeitar a exploração sustentável dos recursos naturais das águas adjacentes ao Sara Ocidental (102).

167. No entanto, mais uma vez, não há informações nos autos do processo sobre a questão de saber se esta comissão efetuou qualquer tipo de supervisão e, em caso afirmativo, como supervisionou a necessária distribuição da compensação financeira.

168. Pelas razões acima expostas, sou de opinião que o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e o Protocolo de Execução não cumprem a exigência de tratar o território do Sara Ocidental como «separado e distinto» do território do Reino de Marrocos.

169. Uma vez que esta obrigação resulta dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o terceiro fundamento da Frente Polisário, apresentado em primeira instância, deve ser aceite e a decisão impugnada deve ser anulada com base neste fundamento.

170. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento aos recursos do Conselho e da Comissão e que confirme o acórdão recorrido, embora com base numa fundamentação diferente.

IV.    Consequências

171. Como previsto no artigo 264 .°, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça indica, quando o considerar necessário, quais os efeitos específicos do ato em causa que se devem considerar subsistentes.

172. Visto que o Protocolo de Execução caducou em julho de 2023, não podem atualmente ser exercidas quaisquer atividades de pesca por navios da União nas águas adjacentes ao território do Sara Ocidental. Este facto foi igualmente confirmado na audiência.

173. Assim sendo, como explicou o Tribunal Geral, «a anulação da decisão impugnada com efeitos imediatos é suscetível de ter consequências graves na ação externa da União e de pôr em causa a segurança jurídica dos compromissos internacionais que assumiu e que vinculam as instituições e os Estados‑Membros» (103).

174. Além disso, não excluo que uma anulação imediata da decisão impugnada possa ter repercussões graves num grande número de relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé.

175. Se, consequentemente, o Tribunal de Justiça optar por seguir a minha conclusão, sugiro que se mantenha o efeito da decisão impugnada, durante um período razoável, que não pode exceder dois anos a contar da data da prolação do acórdão no presente processo, para celebrar com o Reino de Marrocos as alterações necessárias ao Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável.

V.      Conclusão

176. Tendo em conta o exposto supra , proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento aos recursos do Conselho e da Comissão.


1      Língua original: inglês.


2      Acórdão de 29 de setembro de 2021, Frente Polisário/Conselho (T‑344/19 e T‑356/19, EU:T:2021:640; a seguir «acórdão recorrido»).


3      Ou seja, nos Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:973; a seguir «Acórdão Conselho/Frente Polisário»), e de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118; a seguir «Acórdão Western Sahara Campaign UK»).


4      V. acórdão recorrido, n.os 364 e 365.


5      Decisão (UE) 2019/441 relativa à celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu protocolo de execução e da troca de cartas que acompanha o Acordo (JO 2019, L 77, p. 4; a seguir «decisão impugnada»).


6      Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2019, L 77, p. 8; a seguir «Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável»).


7      Protocolo de Execução do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2019, L 77, p. 18; a seguir «Protocolo de Execução»).


8      Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos que acompanha o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2019, L 77, p. 53; a seguir «Troca de Cartas»).


9      Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2000, L 70, p. 2).


10      V. as minhas Conclusões de 21 de março de 2024 nos processos apensos C‑779/21 P e C‑799/21 P, Comissão e Conselho/Frente Polisário (a seguir «Comissão e Conselho/Frente Polisário»), bem como as minhas Conclusões de 21 de março de 2024 no processo C‑399/22 Confédération paysanne (Melões e tomates do Sara Ocidental).


11      Nações Unidas, Relatório do Comité da Informação dos Territórios Não Autónomos, Suplemento n.° 14 (A/5514) (1963), anexo III, «Lista de territórios não autónomos abrangidos pelo capítulo XI da Carta em 31 de dezembro de 1962, classificados por região geográfica».


12      Resolução 2229 (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de dezembro de 1966, «Questão do Ifni e do Sara espanhol».


13      Resolução 2554 (XXIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 12 de dezembro de 1966, «Atividades de interesses estrangeiros económicos e de outro tipo, que constituem um obstáculo à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos Coloniais na Rodésia do Sul, na Namíbia e aos territórios sob domínio português, bem como em todos os outros territórios sob domínio colonial, e esforços para eliminar o colonialismo, o apartheid e a discriminação racial na África Austral».


14      Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental (TIJ, Recueil, 1975, p 12).


15      V. Recueil des traités des Nations unies, vol. 988, p. 259.


16      O valor jurídico dos Acordos de Madrid é contestado; v., por exemplo, Simon, S. «Western Sahara», in Walter, C., von Ungern‑Sternberg, A. and Abushov, K (eds.)., Selfdetermination and secession in international law, Oxford University Press, Oxford, 2014, p. 260 (que questiona se, apesar do seu registo como Tratado no Secretariado da ONU, os Acordos de Madrid poderiam transferir a soberania explicitamente, «uma vez que a Espanha não tinha o direito de dispor de um território que pertencia ao povo desse território»). V., também, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Western Sahara Campaign (C‑266/16, EU:C:2018:1, n.os 161 e 162) (que explica que a falta de consenso a nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre as consequências a retirar dos Acordos de Madrid levou à adoção de duas resoluções de conteúdo diferente, uma que não faz qualquer menção a este acordo e continua a tratar a Espanha como a «potência administrante» e outra que não se refere a uma potência administrante, mas à «administração provisória»).


17      V. canal 1975STATE276309, de 21 de novembro de 1975, do secretário de Estado H. Kissinger para a Missão permanente dos Estados Unidos da América na ONU, referido nas Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Western Sahara Campaign (C‑266/16, EU:C:2018:1, nota de rodapé 121). Nas suas Conclusões, o advogado‑geral M. Wathelet explica igualmente que «as delegações espanhola, marroquina e [mauritana] acordaram o reconhecimento de direitos de pesca nas águas adjacentes ao Sara Ocidental a favor de 800 embarcações espanholas por um período de 20 anos em condições idênticas às que existiam em 14 de novembro de 1975.» Ibidem, nota de rodapé 118.


18      Esta disposição figura no capítulo XI da Carta da ONU, que trata dos territórios não autónomos. Obriga, nomeadamente, os membros da ONU «que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos», a «[p]romover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá‑los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres».


19      Decisão 87/442/CEE do Conselho, de 13 de agosto de 1987, respeitante à conclusão do Acordo sob a forma de Troca de Cartas relativo ao regime de pesca entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, aplicável a título preliminar durante o período compreendido entre 1 de agosto e 31 de dezembro de 1987 (JO 1987, L 232, p. 18) e Acordo sob a forma de Troca de Cartas relativo ao regime de pesca entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, aplicável a título preliminar durante o período compreendido entre 1 de agosto e 31 de dezembro de 1987 (JO 1987, L 232, p. 19) (que declara que, tendo em conta a adesão de Espanha e de Portugal e na pendência da conclusão de um Acordo de pesca Marrocos‑CEE, «Marrocos propõe à Comunidade a prorrogação até ao final de dezembro de 1987 das possibilidades de pesca concedidas a título do Acordo de pesca marroquino‑espanhol de 1 de agosto de 1983»). V. também artigos 354.° e 355.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23).


20      V. Acordo sobre as relações em matéria de pescas marítimas entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos (JO 1988, L 99, p. 49; a seguir «Acordo de 1988»); Acordo sobre as relações em matéria de pescas marítimas entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos (JO 1992, L 407, p. 3; a seguir «Acordo de 1992»); e Acordo de Parceria no Domínio da Pesca entre as Comunidades Europeias e o Reino de Marrocos (JO 2006, L 141, p. 4; a seguir «Acordo de Pesca de 2006»).


21      V. artigo 1.° do Acordo de 1988; artigo 1.° do Acordo de 1992; e artigo 11.° do Acordo de Pesca de 2006.


22      V. artigo 2.°, n.° 2, e artigo 6.° do Acordo de 1988, artigo 2.°, n.° 2, e artigo 7.° do Acordo de 1992 e artigos 6.° e 7.° do Acordo de Pesca de 2006.


23      Artigos 5.° e 7.° do Acordo de 1988 e Protocolo n.° 1 que fixa as possibilidades de pesca concedidas por Marrocos e a contrapartida concedida pela Comunidade, para o período compreendido entre 1 de março de 1988 e 29 de fevereiro de 1992 (JO 1988, L 99, p. 61); artigos 7.° e 9.° do Acordo de 1992 e Protocolo que fixa as possibilidades de pesca e os montantes da contrapartida financeira e dos apoios financeiros concedidos pela Comunidade (JO 1992, L 407, p. 15); e artigos 5.° a 7.° do Acordo de 2006 e Protocolo que fixa as possibilidades de pesca e a contrapartida financeira previstas no acordo de parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2006, L 141, p. 9).


24      Protocolo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos que fixa as possibilidades de pesca e a contrapartida financeira previstas no Acordo de Parceria no domínio da pesca entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2013, L 328, p. 2; a seguir «Protocolo de Execução de 2013»).


25      Decisão impugnada, considerando 2. V., também, neste sentido, acórdão recorrido, n.° 29.


26      V., neste sentido, Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 62 a 64, 69 e 73.


27      V. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 79.


28      V. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 61 e 62.


29      V. documento do Conselho 9716/17 — Resultado da reunião do Conselho [3544.ª reunião do Conselho, Competitividade (mercado interno, indústria, investigação e espaço)], p. 22.


30      Decisão impugnada, considerando 6.


31      V. artigo 16.° do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável.


32      O artigo 2.° do Protocolo de Execução estabelece uma ligação com este âmbito de aplicação, declarando que «[o] presente Protocolo tem por objetivo aplicar as disposições do Acordo de Pesca, nomeadamente estabelecendo as condições de acesso dos navios da União à zona de pesca definida no artigo 1.°, alínea h), do referido Acordo, bem como as disposições de execução d[o Acordo de] parceria no domínio da pesca sustentável.»


33      A nota de rodapé 1 tem a seguinte redação: «Região do Sara, segundo a posição marroquina.»


34      Acórdão recorrido, n.° 212.


35      Acórdão recorrido, n.° 111.


36      V. artigo 4.° do Protocolo de Execução.


37      V. artigo 16.° do Protocolo de Execução, lido em conjugação com a Informação sobre a entrada em vigor do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu protocolo de execução e da troca de cartas que acompanha o Acordo (JO 2019, L 195, p. 1).


38      Artigo 12.°, n.° 2, alínea c), do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável.


39      V. artigo 12.°, n.° 4, do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e artigo 6.°, n.° 1, do Protocolo de Execução. V. também acórdão recorrido, n.° 33.


40      V. artigo 7.°, n.° 1, do Protocolo de Execução. A ser comparado com o considerando 5 da decisão impugnada, que explica que a «continuidade da parceria no domínio da pesca é também essencial para que [o território do Sara Ocidental] possa continuar a beneficiar do apoio setorial proporcionado pelo Acordo, [...] em benefício do povo em causa.»


41      V. artigo 13.° do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável. Como indicado no n.° 1 deste artigo, esta comissão é constituída por representantes da União Europeia e do Reino de Marrocos. V. também acórdão recorrido, n.° 215.


42      V. artigo 13.° do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e acórdão recorrido, n.° 314.


43      Artigo 6.°, n.° 2, do Protocolo de Execução. Posso apenas pressupor que o «método conducente à repartição geográfica e social», bem como a própria «chave de repartição», foram apresentados pelo Reino de Marrocos à comissão mista, porque nenhum desses elementos faz parte dos autos do processo, nem em primeira instância nem em sede de recurso.


44      V. artigo 4.°, n.° 2, e artigos 6.° a 8.° do Protocolo de Execução. V. também acórdão recorrido, n.° 314. Nem os autos do processo em primeira instância nem os de recurso contêm documentos relativos à supervisão ou ao processo de decisão da comissão mista. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que esta obrigação de repartição significa que «as partes comprometem‑se a assegurar que as populações em causa, incluindo as do Sara Ocidental, usufruam desses benefícios proporcionalmente às atividades de pesca na zona definida por este acordo, que incluem as águas adjacentes a esse território, sem prever qualquer exceção a este princípio» (acórdão recorrido, n.° 213).


45      Artigo 6.°, n.os 4 e 5 do Protocolo de Execução.


46      V. artigo 16.° do Protocolo de Execução.


47      V. artigo 5.°, n.° 1, do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável e anexo do Protocolo de Execução. V. também n.° 209 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral explica que «o Reino de Marrocos [tem] o cuidado de determinar as coordenadas exatas dessas zonas de gestão bem como qualquer zona proibida à pesca no interior destas, fixando as fichas técnicas de pesca acima referidas apenas os limites máximos das referidas zonas de gestão.»


48      V. artigo 1.°, alínea j), do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.os 6 e 9, do Protocolo de Execução.


49      Artigo 3.°, n.° 4, do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável.


50      Estas instituições explicaram também que cerca de 20 % desse excedente seria atribuído aos navios de pesca da União.


51      Rapport de la Réunion annuelle du Comité Scientifique Conjoint relatif à l'Accord de pêche signé entre le Royaume du Maroc et l'Union européenne 2021 (disponível em: https://oceans‑and‑fisheries.ec.europa.eu/system/files/2022‑03/report‑jsc‑morocco‑2021_fr.pdf («a seguir Relatório Anual de 2021»)


52      Comissão Europeia, Direção‑Geral dos Assuntos Marítimos e das Pescas, Defaux, V., Caillart, B., Guélé, M., Évaluation rétrospective et prospective du Protocole à l’accord de partenariat dans le domaine de la pêche durable entre l’Union européenne et le Royaume du Maroc — Rapport final (disponível em: https://data.europa.eu/doi/10.2771/785958 (a seguir «Avaliação Final de 2023»).


53      V. Relatório Anual de 2021, pp. 15, 27 a 28, 37, 67, 91 a 93 e Avaliação Final de 2023, pp. 26 a 28 e 114 a 116.


54      V. Relatório Anual de 2021, pp. 37, 86 e 90 e Avaliação Final de 2023, pp. 26 a 28 e 115 a 116.


55      No entanto, este órgão jurisdicional decidiu igualmente manter os efeitos da decisão impugnada durante um período que não exceda o prazo previsto no artigo 56.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça ou, se um recurso for interposto dentro desse prazo, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça que decida desse recurso. Acórdão recorrido, n.° 369.


56      Acórdão recorrido, n.os 132 a 159 e 171 a 268.


57      Acórdão recorrido, n.os 270 a 274.


58      Acórdão recorrido, n.os 276 a 396.


59      Nos seus Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça considerou que o direito à autodeterminação é um princípio consuetudinário expresso no artigo 1.° da Carta das Nações Unidas e que o princípio do efeito relativo dos tratados é um princípio geral de direito internacional codificado na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, celebrada em Viena em 23 de maio de 1969 (United Nations Treaty Series, vol. 1155, p. 331) (a seguir «CVDT»), sendo ambas as regras vinculativas para a União Europeia. V., neste sentido, Acórdãos Conselho/Frente Polisário, n.° 88, e Western Sahara Campaign UK, n.° 63.


60      Em conformidade com o artigo 38.°, n.° 1, do Estatuto do TIJ, as fontes do direito internacional são os tratados e as convenções, o costume, os princípios gerais de direito e as decisões judiciais e a doutrina. V., também, em termos gerais, Shaw, M. N., International Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2006, pp. 69 segs.


61      Os artigos 31.° a 33.° da CVDT estabeleceram regras relativas à interpretação dos tratados internacionais. Algumas destas regras podem ser entendidas como a codificação do direito internacional consuetudinário. Por outro lado, o direito internacional consuetudinário exige que o intérprete determine, em primeiro lugar, se uma determinada regra representa o costume e, em seguida, interprete o seu significado numa situação concreta. Para o efeito, é necessário estabelecer a prática e a opinio juris dos Estados. Através deste exercício, o costume pode ainda adquirir um significado diferente num sistema que não dispõe de um intérprete com autoridade. Quanto à diferença entre chegar a uma decisão de que uma determinada regra constitui uma norma de direito internacional consuetudinário e a interpretação posterior do conteúdo dessa regra, v. Merkouris, P., «Interpretation of Customary International Law: Delineating the States in Its Life Cycle», in Merkouris, P., Follesdal, A., Ulfstein, G., Westerman, P. (eds.), The interpretation of customary international law in international courts: Methods of interpretation, normative interactions and the role of coherence, Cambridge University Press, Cambridge, 2023, p. 136.


62      Em conformidade com o artigo 38.°, n.° 1, alínea d), do Estatuto do TIJ, as decisões judiciais, incluindo as deste órgão jurisdicional, são apenas um meio auxiliar para determinar as regras de direito internacional.


63      Para exemplos de padrões de diferença entre interpretações do direito internacional, v. Roberts, A., «Patterns of difference and dominance», in Roberts, A., Is international law international?, Oxford University Press, Oxford, 2017, pp. 232 e segs.


64      V., a este respeito, Malenovský, J., «Le juge et la coutume internationale: perspectives de l’Union européenne et de la Cour de justice», The Law and Practice of International Courts and Tribunals, vol. 12, 2013, p. 218 e Odermatt, J., «The European Union’s role in the making and confirmation of customary international law», in Lusa Bordin, F., Müller, A., e Pascual‑Vives, F. (eds), The European Union and Customary International Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2023, pp. 74 e 75.


65      V., a este respeito, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Swiss International Air Lines (C‑272/15, EU:C:2016:993, n.° 24), e de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques (C‑673/20, EU:C:2022:449, n.° 99) (nos quais o Tribunal de Justiça considerou que, na condução das relações externas, as instituições da União dispõem de uma grande flexibilidade na tomada de decisões políticas, o que implica necessariamente escolhas de natureza política).


66      Assim, considerei que, mesmo no domínio da política externa e de segurança comum, em que a competência do Tribunal de Justiça é limitada, a sua competência para controlar a conformidade da ação da União com os direitos fundamentais não pode ser excluída. V., neste sentido, as minhas Conclusões nos processos apensos KS e KD/Conselho e o. e Comissão/KS e KD (C‑29/22 P e C‑44/22 P, EU:C:2023:901, n.os 115 a 120). Este processo ainda está pendente no Tribunal de Justiça.


67      V. Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.° 101).


68      Ou seja, quatro anos após a data de entrada em vigor do Protocolo de Execução, que foi a 18 de julho de 2019; v. Informação sobre a entrada em vigor do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu protocolo de execução e da troca de cartas que acompanha o Acordo (JO 2019, L 195, p. 1).


69      Segundo jurisprudência constante, o objeto do litígio deve perdurar até à prolação da decisão jurisdicional pelo Tribunal de Justiça, sob pena de não conhecimento do mérito, pressupondo assim que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (v., neste sentido, Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.° 15 e jurisprudência referida).


70      V., neste sentido, Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.os 78 e 79 e jurisprudência referida) (no qual o Tribunal de Justiça recordou a manutenção do interesse em agir mesmo quando o ato tenha deixado de existir quando o recurso puder conduzir ao reconhecimento de um alegado ato ilegal das instituições da União).


71      V., por exemplo, Acórdãos de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão (92/78, EU:C:1979:53, n.° 32); de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão (53/85, EU:C:1986:256, n.° 21); e de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.° 50).


72      V. as minhas Conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, n.os 68 a 91.


73      V. as minhas Conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, n.° 64.


74      Em primeira instância, a Frente Polisário invocou um total de dez fundamentos para o seu recurso, sendo que apenas o primeiro e o terceiro fundamentos constituíram a base do acórdão recorrido. Os outros oito fundamentos também suscitam questões de direito internacional, como o respeito pelo direito internacional humanitário (segundo fundamento); o direito à autodeterminação (oitavo fundamento); o efeito relativo dos tratados (nono fundamento); o direito da responsabilidade internacional (décimo fundamento), bem como questões de direito da União, como a confiança legítima e a proporcionalidade (quarto, quinto, sexto e sétimo fundamentos). V. acórdão recorrido, n.° 269.


75      Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos relativo às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2012, L 241, p. 4).


76      Consequentemente, nos seus Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça não interpretou de forma exaustiva o alcance do direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental. Por conseguinte, não se pode excluir que este direito possa também implicar obrigações adicionais para o Conselho no que respeita, por exemplo, ao esgotamento, pelos sujeitos de direito da União, dos recursos naturais deste território. V., também, a este respeito, Molnar, T., «The Court of Justice of the EU and the Interpretation of Customary International Law: Close Encounters of a Third Kind», in Merkouris, P., Follesdal, A., Ulfstein, G., Westerman, P. (eds), The interpretation of customary international law in international courts: Methods of interpretation, normative interactions and the role of coherence, Cambridge University Press, Cambridge, 2023, pp. 14 e 15 (que considera que «o Tribunal de Justiça da União Europeia se absteve de interpretar verdadeiramente o direito à autodeterminação»).


77      No âmbito das minhas Conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, proponho que o povo do Sara Ocidental não pode dar o seu consentimento, uma vez que este «povo» ainda não exerceu o seu direito à autodeterminação, o que significa igualmente que o povo do Sara Ocidental não tem nenhum representante que possa consentir em seu nome. Assim, considero que, no caso dos territórios não autónomos, o consentimento é dado pela potência administrante desse território. No caso em apreço, entendo que nada no direito internacional obsta à interpretação proposta pelas instituições da União, segundo a qual o Reino de Marrocos deve ser considerado, à luz do direito da União, o administrante («de facto») do território do Sara Ocidental (v. n.os 137 segs. das minhas Conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário).


78      Foram estas as três formas de definir o âmbito de aplicação territorial do Acordo de Pesca de 2006. V. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 57.


79      O Tribunal de Justiça iniciou a sua análise explicando que a questão da validade do Acordo de Pesca de 2006 e do Protocolo de Execução de 2013 não se colocava se o acordo em causa nesse processo não se aplicasse às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (v. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 54 e 55). Por conseguinte, começou por interpretar o âmbito de aplicação do Acordo de Pesca de 2006 e do Protocolo de Execução de 2013 e considerou que estes atos não se aplicavam às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental. Por esse motivo, o Tribunal de Justiça considerou que não havia nenhuma razão suscetível de afetar a validade da decisão do Conselho que os aprovava (v. Acórdão Western Sahara Campaign UK, dispositivo).


80      V. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 59.


81      V. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 61.


82      V. Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 63.


83      Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 58.


84      Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 67 a 69.


85      Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 72.


86      Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 70 a 72.


87      Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.° 72.


88      V. Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre a alteração dos Protocolos n.° 1 e n.° 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2019, L 34, p. 4; a seguir «Acordo de Preferências Comerciais»).


89      Acórdão recorrido, n.os 150, 201 a 202, 237, 304, 311, 319, 322, 328, 342, 353, 363 e 364.


90      Acórdão recorrido, n.° 364.


91      Como também explico no n.° 118 das presentes conclusões, o princípio do efeito relativo dos tratados é aplicável ao Acordo de Preferências Comerciais pelo facto de este acordo pretender alargar a aplicação de um acordo existente entre a União Europeia e o Reino de Marrocos ao território do Sara Ocidental. É por esta razão que, nas minhas Conclusões no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, analiso a forma como o Tribunal Geral aplicou a exigência de «consentimento» e concluo que cometeu um erro ao considerar que o consentimento pode ser dado pelo «povo» do Sara Ocidental. Enquanto o «povo» não tiver exercido o direito à autodeterminação, esse povo não dispõe de um representante legal que possa consentir em seu nome. Até este direito ser exercido, cabe, por conseguinte, à potência administrante consentir em nome do povo de um TNA (v., a este respeito, as minhas Conclusões nos processos Comissão e Conselho/Frente Polisário, n.os 133 a 134 e 169).


92      Não excluo, contudo, que um exercício de consulta da população local possa decorrer do direito à autodeterminação e do direito correlativo ao gozo dos recursos naturais de um TNA. V., por exemplo, Torres‑Spelliscy, G., «National Resources in Non‑Self‑Governing Territories», in Boukhars, A. e Rousselier, J. (eds), Perspective on Western Sahara: Myths, Nationalisms and Geopolitics, Rowman & Littlefield, Lanham, 2013, p. 235. V., também, Wrange, P., «Self‑Determination, occupation and the authority to exploit natural resources: trajectories from four European judgments on Western Sahara», Israel Law Review, vol. 52(1), 2019, pp. 3 a 30. De acordo com ambos os autores, a aplicação da lei relativa aos TNA e da lei que regula os direitos e obrigações das potências ocupantes reserva à população indígena da zona em causa o direito de gozo dos seus recursos naturais.


93      V. considerando 4 da decisão impugnada.


94      O ponto 2 da carta da União Europeia incluída na Troca de Cartas que faz parte integrante do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável contém a seguinte declaração: «O [Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável] é celebrado sem prejuízo das posições respetivas: — para a União Europeia, no respeitante ao estatuto do território não autónomo do Sara Ocidental, cujas águas adjacentes são abrangidas pela zona de pesca definida no artigo 1.°, alínea h), do [Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável], e ao seu direito à autodeterminação, a referência no [Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável] às disposições legislativas e regulamentares marroquinas não afeta a sua posição».


95      V. considerando 5 da decisão impugnada.


96      Ver n.° 2 da carta da União Europeia na Troca de Cartas.


97      V., por analogia, Acórdão de 17 de janeiro de 2023, Espanha/Comissão (C‑632/20 P, EU:C:2023:28, n.° 52), no qual o Tribunal de Justiça sustentou o seu raciocínio por referência a uma cláusula «sem prejuízo» semelhante no que respeita à participação da autoridade reguladora nacional do Kosovo nos trabalhos do Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas.


98      V. as minhas Conclusões nos processos apensos C‑779/21 P e C‑799/21 P, Comissão e Conselho/Frente Polisário, n.os 190 a 192. V. igualmente, em termos gerais, Wrange, P., «Self‑Determination, occupation and the authority to exploit natural resources: trajectories from four European judgments on Western Sahara», Israel Law Review, vol. 52(1), 2019, p. 3, e Kassoti, E., «The Empire Strikes Back: The Council Decision Amending Protocols 1 and 4 to the EU‑Morocco Association Agreement», European Papers, vol. 4(1), 2019, pp. 313 a 316. Do mesmo modo, New York City Bar Association, «Report on legal issues involved in the Western Sahara dispute: use of natural resources», Committee on United Nations, 2011, pp. 27 a 30.


99      A União Europeia (na altura, Comunidade Europeia) aprovou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (a seguir «CNUDM») em 1998. V. Decisão 98/392/CE do Conselho de 23 de março de 1998 relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 e do Acordo de 28 de julho de 1994, relativo à aplicação da parte XI da convenção (JO 1998, L 179, p. 1).


100      V., também, neste sentido, carta de 29 de janeiro de 2002 do Subsecretário‑Geral para os Assuntos Jurídicos, consultor jurídico, dirigida ao presidente do Conselho de Segurança (S/2002/161), n.° 22. De igual modo, Kenny, J. K., «Resolution III of the 1982 Convention on the Law of the Sea and the Timor Gap Treaty», Washington International Law Review, vol. 2(1), 1993, p. 147 (que indica que os documentos preparatórios da Resolução III «explicam o princípio básico subjacente à resolução: os povos não autónomos devem beneficiar dos recursos dos seus territórios»).


101      Também não consegui obter essa informação no registo de documentos do Conselho. A única informação acessível ao público é a que consta da Avaliação Final de 2023, um relatório encomendado pela Comissão que não faz parte dos autos, que parece explicar que foi apresentada uma chave de repartição à comissão mista e que a repartição dela resultante fazia depender a compensação financeira pelo acesso da frota da União da «distribuição geográfica da captura» (v. Avaliação Final de 2023, p. 38). Em apoio desta constatação, a Avaliação Final de 2023 concluiu que 95 % das receitas de acesso e 99 % das taxas de acesso foram distribuídas ao território do Sara Ocidental (v. p. 38), o que «a comissão mista considera equitativo» (v. Avaliação Final de 2023, p. v, n.° 33). Não excluo que uma fundamentação desses números pelas instituições da União possa desvanecer as minhas dúvidas quanto à adequação da compensação decorrente da exploração dos recursos naturais do povo do Sara Ocidental; no entanto, na falta de mais informações e discussões no Tribunal de Justiça sobre essa questão, não estou em condições de concluir se a conclusão do relatório de Avaliação Final de 2023 é justificada.


102      Como tal, concordo, em princípio, com a afirmação da Comissão de que uma linguagem de compromisso que conduza ao mesmo resultado que seria exigido pela Resolução 2554 (XXIV) e pela Resolução III, n.° 1, alínea a), poderia ser aceitável do ponto de vista das obrigações da União Europeia de respeitar os direitos legítimos do povo do Sara Ocidental sobre os seus recursos naturais.


103      Acórdão recorrido, n.° 368.