Language of document : ECLI:EU:C:2023:581

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 13 de julho de 2023(1)

Processo C646/21

K,

L

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Segurança e Justiça, Países Baixos)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Juízo de’s‑Hertogenbosch, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Pedidos subsequentes de proteção internacional — Diretiva 2011/95/UE — Artigo 10.o, n.o 1, alínea d) — Motivos da perseguição — Pertença a um grupo social específico — Nacionais de países terceiros que residiram num Estado‑Membro durante uma parte considerável da fase da sua vida em que as pessoas formam a sua identidade — Valores, normas e comportamentos europeus — Igualdade de género — Mulheres e raparigas que transgridem as regras de convivência social no país de origem — Interesse superior da criança»






I.      Introdução

1.        As presentes conclusões dizem respeito aos pedidos de proteção internacional apresentados por K e L, duas raparigas adolescentes provenientes do Iraque (2) que viveram nos Países Baixos durante cinco anos enquanto os pedidos iniciais de proteção internacional das suas famílias eram analisados. Durante esse período, fizeram parte de uma sociedade que valoriza a igualdade de género e adotaram os valores, normas e comportamentos dos adolescentes neerlandeses da sua idade. Nos seus pedidos subsequentes de proteção internacional (3), que o Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Segurança e Justiça, Países Baixos) julgou manifestamente improcedentes (4), as recorrentes alegam que, se regressarem ao Iraque, não conseguirão conformar‑se com os valores, normas e comportamentos que não concedem às mulheres e raparigas as liberdades de que gozavam nos Países Baixos, cuja expressão as exporia ao risco de perseguição. As questões prejudiciais têm por objeto a questão de saber se pessoas nas circunstâncias das recorrentes podem ter direito a proteção internacional por serem membros de um grupo social específico na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95/EU (5) e de que forma o interesse superior da criança pode ser tido em conta na apreciação de pedidos de proteção internacional.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União Europeia

2.        O artigo 10.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Motivos da perseguição», dispõe:

«1.      Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta o seguinte:

a)      A noção de raça inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico;

b)      A noção de religião abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, outros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas;

c)      A noção de nacionalidade não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designadamente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado;

d)      Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

–        os membros desse grupo partilham uma característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e

–        esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa característica comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados‑Membros. Para efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género;

e)      A noção de opinião política inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os agentes potenciais da perseguição a que se refere o artigo 6.o e com as suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por atos do requerente.

2.      Ao apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.»

B.      Circulares políticas dos Países Baixos

3.        Segundo o anexo da decisão de reenvio, através do ponto C7.2.8 (6) da Vreemdelingencirculaire 2000 (C) [Circular relativa aos Estrangeiros de 2000 (C); a seguir «Circular relativa aos Estrangeiros de 2000 (C)»]:

«A regra principal é que o estilo de vida ocidental desenvolvido nos Países Baixos não pode, por si só, conduzir ao estatuto de refugiado ou à proteção subsidiária. É necessária uma adaptação aos costumes do Afeganistão. São possíveis duas exceções:

–        Se uma mulher demonstrar que o comportamento ocidental é uma manifestação de convicção religiosa ou política.

–        Se uma mulher demonstrar que possui características pessoais muito difíceis ou praticamente impossíveis de mudar e que, devido a essas características, receia ser perseguida ou corre o risco de sofrer um tratamento desumano no Afeganistão.»

4.        O ponto B8.10 da Vreemdelingencirculaire 2000 (B) [Circular relativa aos Estrangeiros de 2000 (B)], intitulado «Raparigas ocidentalizadas que frequentam a escola», dispõe:

«O IND [Immigratie‑ en Naturalisatiedienst (Serviço de Imigração e Naturalização, Países Baixos; a seguir «IND»)] concede uma autorização de residência por um período determinado […] a raparigas ocidentalizadas, se a rapariga tiver demonstrado que ao regressar ao Afeganistão será sujeita a uma pressão psicossocial desproporcionada.

O IND avalia se existe ou não uma pressão psicossocial desproporcionada com base em circunstâncias que devem incluir os seguintes elementos:

a)      o grau de ocidentalização da rapariga;

b)      circunstâncias humanitárias individuais, que devem incluir a situação médica (da rapariga ou de um membro da família) e a morte de um membro da família da rapariga nos Países Baixos; e

c)      a possibilidade de participar na sociedade afegã, o que inclui uma avaliação da composição familiar e da presença de entidades poderosas (líderes tribais, senhores da guerra) para proteger a rapariga.

No que diz respeito à alínea a), o IND avalia o grau de ocidentalização com base nas seguintes circunstâncias:

–        a rapariga tem pelo menos 10 anos;

–        residiu nos Países Baixos durante pelo menos 8 anos, a contar da data do primeiro pedido de asilo por um período determinado até à data do pedido de autorização de residência ordinária por um período determinado, como descrito no presente ponto; e

–        frequentou uma escola nos Países Baixos.

Se a rapariga não satisfizer uma ou várias destas circunstâncias, fica sujeita a um ónus da prova mais estrito para demonstrar que lhe deve ser concedida uma autorização de residência ordinária por um período determinado no âmbito desta política. […]»

III. Matéria de facto do processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

5.        Em 29 de setembro de 2015, as recorrentes, juntamente com o pai, a mãe e a tia, deixaram o Iraque. Em 7 de novembro de 2015, apresentaram pedidos de proteção internacional às autoridades dos Países Baixos. Nessa época, as recorrentes tinham 10 e 12 anos de idade. Em 31 de julho de 2018, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) rejeitou definitivamente os seus pedidos. Em 4 de abril de 2019, as recorrentes apresentaram pedidos subsequentes de proteção internacional que, em 21 de dezembro de 2020, foram indeferidos por serem manifestamente infundados. Em 28 de dezembro de 2020, as recorrentes interpuseram recurso dessas decisões para o órgão jurisdicional de reenvio, que o apreciou em 17 de junho de 2021. À data da audiência, as recorrentes tinham 15 e 17 anos e residiam ininterruptamente nos Países Baixos há cinco anos e sete meses e meio.

6.        As recorrentes alegam que, devido à sua residência prolongada nos Países Baixos na fase da sua vida em que as pessoas formam a sua identidade, adotaram os valores, normas e comportamentos dos seus adolescentes neerlandeses da sua idade. Nos Países Baixos, tomaram consciência da liberdade que têm, enquanto raparigas, para fazer as suas próprias escolhas de vida. Indicam que desejam continuar a decidir, por si próprias, tal como têm feito nos Países Baixos, sobre relacionar‑se com rapazes, praticar desporto, estudar, casar e, se for caso disso, com quem, e trabalhar fora de casa. Também querem decidir, por si próprias, sobre as suas opiniões políticas e religiosas e poder manifestar essas opiniões em público. Como seriam incapazes de renunciar a esses valores, normas e comportamentos após o seu regresso ao Iraque, pedem proteção internacional.

7.        O órgão jurisdicional de reenvio considera que os valores, normas e comportamentos a que se referem as recorrentes consistem essencialmente numa crença na igualdade de género (7). Esse órgão jurisdicional tem de decidir se as recorrentes podem ser consideradas membros de um grupo social específico na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95; se, quando e como a autoridade decisora deve ter em conta o interesse superior da criança num pedido de proteção internacional; e se devem ser tidos em conta os danos que as recorrentes alegam ter sofrido devido ao stress de viver com uma incerteza prolongada quanto à sua residência nos Países Baixos e à ameaça de um regresso forçado ao seu país de origem.

8.        Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«(1)      Deve o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da [Diretiva 2011/95] ser interpretado no sentido de que as normas, os valores e os comportamentos de facto ocidentais, que os nacionais de países terceiros adotam ao residirem no território do Estado‑Membro durante uma parte substancial da fase da vida em que formam a sua identidade e se integram plenamente na sociedade, devem ser considerados uma história comum que não pode ser alterada, ou características tão fundamentais para a identidade que não se pode exigir que a elas renunciem?

(2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem os nacionais de países terceiros que — independentemente dos motivos — tenham adotado normas e valores ocidentais semelhantes devido à residência de facto no Estado‑Membro durante a fase de formação da sua identidade ser considerados “membros de um grupo social específico” na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da [Diretiva 2011/95]? Deve a questão de saber se está em causa um “grupo social específico, com uma identidade distinta no país em questão”, ser apreciada do ponto de vista do Estado‑Membro ou deve a mesma ser interpretada, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2011/95], no sentido de que constitui um fator preponderante que permite ao estrangeiro demonstrar que é considerado, no país de origem, membro de um grupo social específico ou pelo menos que se [lhe] atribui tal condição? A condição de que a ocidentalização só pode dar lugar ao estatuto de refugiado se for causada por motivos religiosos ou políticos é compatível com o artigo 10.o da [Diretiva 2011/95], lido em conjugação com a proibição da repulsão e com o direito de asilo?

(3)      É compatível com o direito da União, mais especificamente com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”), lido em conjugação com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta, uma prática judicial nacional segundo a qual, na apreciação do pedido de proteção internacional, a autoridade decisora pondera o interesse superior da criança sem (permitir) que comece por se determinar em concreto esse interesse superior da criança (em todos os processos)? A resposta a esta questão será diferente se o Estado‑Membro tiver de apreciar um pedido de aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência e o interesse superior da criança tiver de ser tido em conta na decisão sobre esse pedido?

(4)      De que modo e em que fase da apreciação do pedido de proteção internacional deve ser tido em conta e ponderado, à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, o interesse superior da criança e, mais especificamente, os danos sofridos pelo menor devido à residência de facto prolongada num Estado‑Membro? É relevante para este efeito que a residência de facto tenha sido legal? Para efeitos da ponderação do interesse superior da criança na apreciação acima referida, é relevante saber se o Estado‑Membro adotou uma decisão sobre o pedido de proteção internacional dentro dos prazos estabelecidos pelo direito da União, se não foi cumprida a obrigação de regresso anteriormente imposta e se o Estado‑Membro não procedeu ao afastamento depois de ter sido emitida uma decisão de regresso, mantendo‑se, deste modo, a residência de facto do menor no Estado‑Membro?

(5)      É compatível com o direito da União, tendo em conta o artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, uma prática judicial nacional que distingue entre um primeiro pedido e um pedido subsequente de proteção internacional, no sentido de que, num pedido subsequente de proteção internacional, não são tidos em conta os fundamentos de autorização ordinária de residência?»

9.        As recorrentes, os Governos checo, grego, francês, húngaro e neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas partes e o Governo espanhol responderam às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal de Justiça na audiência de 18 de abril de 2023.

IV.    Análise

A.      Quanto à primeira e segunda questões

10.      Analisarei conjuntamente a primeira e a segunda questões, na medida em que ambas têm por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

11.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os nacionais de países terceiros que residiram num Estado‑Membro durante uma parte substancial da fase da sua vida em que as pessoas formam a sua identidade podem ser considerados membros de um grupo social específico na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro travessão, por terem «uma história comum que não pode ser alterada» ou características «considerada[s] tão fundamenta[is] para a identidade […] que não se pode exigir que a ela[s] renunciem». Esta disposição exige que a adesão a determinados valores só pode justificar a concessão de proteção internacional quando tenha um fundamento religioso ou político? Como deve o órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o requisito previsto no artigo 10.o, n.o 1, alínea d), segundo travessão — a saber, se o grupo tem uma identidade distinta no país em questão porque a sociedade que o rodeia o encara como diferente — está preenchido?

1.      Resumo das observações recebidas

12.      O Governo neerlandês salienta que, segundo as orientações do IND, baseadas num Acórdão do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) (8), as mulheres que têm um estilo de vida ocidental não são membros de um grupo social específico. No entanto, podem obter proteção internacional se: (i) esse estilo de vida se basear em convicções religiosas ou políticas fundamentais para a sua identidade ou integridade moral; ou (ii) for plausível que serão perseguidas no seu país de origem devido a características que são praticamente impossíveis de alterar; ou (iii) correrem o risco de tratamento desumano, na aceção do artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95, no seu país de origem. O conceito de convicções políticas fundamentais para a identidade ou a integridade moral, mencionado na primeira condição, é interpretado em sentido amplo a fim de incluir a perseguição de mulheres que não se conformam com costumes sociais, regras religiosas ou normas culturais que discriminam com base no género (9).

13.      Os Governos checo, grego, húngaro e neerlandês partilham do ponto de vista de que os argumentos das recorrentes se baseiam numa preferência por um certo estilo de vida. Isso não pode conduzir à concessão de proteção internacional ao abrigo das regras nacionais que transpõem a Diretiva 2011/95. Após se terem adaptado à vida num Estado‑Membro durante uma estada prolongada no seu território, pode‑se esperar que, ao regressarem ao seu país de origem, as recorrentes se readaptem à vida em conformidade com as normas e os costumes do seu país de origem da mesma forma que outros residentes. O desejo de um certo estilo de vida não é uma crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se possa exigir que a ela renunciem. As recorrentes não partilham uma característica inata ou uma história comum identificável, uma vez que a categoria putativa de «mulheres e raparigas que adquiriram um estilo de vida ocidental» é demasiado ampla, heterogénea e abstrata para constituir um grupo social claramente delimitado para efeitos do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95. As recorrentes também não tentaram justificar por que razão nem de que modo seriam perseguidas no caso de regresso ao seu país de origem.

14.      Os Governos espanhol e francês e a Comissão discordam. Consideram que as raparigas podem ser membros de um grupo social específico baseado, nomeadamente, no género e na idade, que constituem características inatas.

15.      Nas suas observações orais, o Governo espanhol alegou que resulta da decisão de reenvio que as recorrentes não adquiriram simplesmente aspirações de melhoria no plano financeiro ou cultural; mais precisamente, são descritas como mulheres ou raparigas que adotaram um estilo de vida que lhes reconhece e lhes permite beneficiar dos seus direitos fundamentais. Por conseguinte, preenchem a primeira condição do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95. A questão de saber se a segunda condição desta disposição — isto é, se o grupo tem uma identidade distinta no país em questão — está igualmente preenchida depende das circunstâncias existentes no seu país de origem.

16.      O Governo francês alega que o facto de alguém ter residido durante muito tempo num Estado‑Membro significa que tem uma história comum que não pode ser alterada, ou uma crença partilhada que é considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem. Ao continuarem a aderir aos valores, normas e comportamentos prevalecentes nesse Estado‑Membro, as pessoas que partilham essas características poderão ser consideradas membros de um grupo distinto pela sociedade que as rodeia do seu país de origem. A título de exemplo, a resistência ao casamento forçado pode expor as recorrentes a perseguições, das quais as autoridades não as protegerão.

17.      A Comissão sustenta que a convicção de que os homens e as mulheres têm direitos iguais pode ser considerada uma crença partilhada e fundamental. A existência no país de origem de leis discriminatórias em relação às raparigas e às mulheres e que visam puni‑las de forma desproporcionada quando transgridem determinadas normas e costumes indica que essas pessoas correm o risco de ser consideradas um grupo distinto nesse país.

2.      Observações preliminares

18.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o presente processo não diz respeito às «mulheres ocidentalizadas» enquanto tal (10). No entanto, a decisão de reenvio contém referências ao «estilo de vida ocidental» e a «comportamentos ocidentais», o que pode refletir a utilização destes termos na Circular relativa aos Estrangeiros de 2000 (C). As partes que apresentaram observações eram predominantemente da opinião de que os conceitos de «ocidentalizado» e de «ocidental» são demasiado vagos para serem aplicados no âmbito dos pedidos de proteção internacional. Concordo com essas observações. O «oriente» e o «ocidente» são regiões vastas e diversificadas, com uma multiplicidade de tradições religiosas, códigos morais e valores. Na falta de definições precisas, que não foram apresentadas no Tribunal de Justiça, expressões como «estilo de vida ocidental» e «mulheres ocidentalizadas» são largamente desprovidas de sentido. De forma mais perniciosa, a aplicação dos termos «oriental» e «ocidental» no contexto dos códigos e valores morais perpetra uma falsa dicotomia que se inscreve no âmbito de um diálogo fraturante. Por conseguinte, as presentes conclusões evitam a utilização destes termos.

3.      Apreciação

a)      Síntese do quadro jurídico e introdução

19.      A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 (11) (a seguir «Convenção de Genebra»), entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (12). A Convenção de Genebra constitui a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados (13). Embora todos os Estados‑Membros sejam partes contratantes na Convenção de Genebra, a União Europeia não o é.

20.      A Diretiva 2011/95 orienta as autoridades competentes dos Estados‑Membros por referência a conceitos comuns, que devem ser objeto de uma interpretação conforme com a Convenção de Genebra. O preâmbulo desta convenção refere que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR») tem a incumbência de zelar pela aplicação das convenções internacionais que asseguram a proteção dos refugiados. Tendo em conta o papel que a Convenção de Genebra confere ao ACNUR, o Tribunal de Justiça declarou que os documentos do ACNUR beneficiam de uma pertinência particular para a interpretação da Diretiva 2011/95 (14). Esta diretiva deve igualmente ser objeto de uma interpretação conforme com a Carta (15).

21.      A proteção internacional a que se refere a Diretiva 2011/95 deve, em princípio, ser concedida a um nacional de um país terceiro ou a um apátrida que receia com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social (refugiado) ou que corre um risco real de sofrer ofensa grave (pessoa elegível para proteção subsidiária) caso volte para o seu país de origem (16).

22.      O artigo 10.o da Diretiva 2011/95 enuncia os motivos da perseguição (17). Todos os elementos enumerados no artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 são relevantes para avaliar a existência de motivos da perseguição; essas categorias não se excluem mutuamente (18). A utilização dos termos «nomeadamente» ou «designadamente» nas alíneas desta disposição indica que as considerações aí enunciadas não são exaustivas. Por último, é jurisprudência constante que qualquer decisão de concessão ou de recusa do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária deve basear‑se numa apreciação individual (19).

23.      O ACNUR observou que a expressão «pertencimento a um grupo social específico», no contexto do artigo 1.o‑A, n.o 2, da Convenção de Genebra, deve ser interpretado de maneira evolutiva, aberto à natureza diversa e mutante dos grupos em diversas sociedades e das normas internacionais de direitos humanos. Os Estados reconheceram as mulheres, famílias, tribos, grupos profissionais e homossexuais como grupos sociais específicos para os propósitos da presente convenção. Dependendo das circunstâncias específicas de uma sociedade, uma mulher pode motivar a sua solicitação na opinião política (se a sua conduta for vista pelo Estado como um tipo de manifestação política que pretende coibir), na religião (se a sua conduta se basear numa convicção religiosa à qual o Estado se opõe) ou no pertencimento a um grupo social específico (20).

24.      Devem estar preenchidas duas condições cumulativas para que exista um «grupo social específico» na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95. Em primeiro lugar, os membros do grupo devem partilhar uma «característica inata» ou uma «história comum que não pode ser alterada», ou uma característica ou crença «considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem». Estes elementos dizem respeito ao que pode ser qualificado de aspetos internos de um grupo. Em segundo lugar, esse grupo deve ter uma identidade distinta no país em questão porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia (21). Trata‑se de um elemento de perceção social ou do que pode ser qualificado de aspetos externos de um grupo. Para efeitos do presente processo, o «país em questão» é o país de origem, neste caso o Iraque, e a «sociedade que o rodeia» é a sociedade deste país de origem.

b)      Aspetos internos de um grupo

25.      Resulta claramente do segundo parágrafo do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95 que o género (22) e os aspetos relacionados com o género podem ser relevantes para estabelecer a existência de um grupo social específico. Em determinadas situações, o género pode constituir um critério suficiente para definir esse grupo (23). Segundo o ACNUR, as mulheres são um claro exemplo de um subgrupo social, definido por uma característica inata, e que frequentemente são tratadas de maneira diferente dos homens. Em certas sociedades, as mulheres em geral podem constituir um grupo social específico porque são confrontadas com uma discriminação sistémica no gozo dos seus direitos fundamentais em relação aos homens (24).

26.      No presente processo, as recorrentes não alegam que têm direito a proteção internacional apenas em razão do género. Afirmam não poder renunciar aos valores, normas e comportamentos, baseados na sua crença na igualdade de género, que adotaram nos Países Baixos. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se tal crença pode constituir uma característica partilhada ou uma crença partilhada considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem. Examinarei, em primeiro lugar, o significado dos termos «característica» e «crença», antes de examinar a exigência de uma crença partilhada considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem.

1)      Quanto ao significado dos termos «característica» e «crença»

27.      No contexto dos valores, normas e comportamentos que as recorrentes alegam ter adotado durante a sua estada nos Países Baixos, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a adoção de valores, normas e comportamentos pode constituir uma «característica» considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem.

28.      A Diretiva 2011/95 não define os termos «característica inata» e «característica […] considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência que não se pode exigir que a ela renunciem», utilizados no seu artigo 10.o, n.o 1, alínea d). As definições de dicionário de «característica» de uma pessoa incluem «uma propriedade ou qualidade que, tipicamente, pertencem a essa pessoa e que servem para a identificar». «Inato» significa «congénito» ou «determinado por fatores presentes numa pessoa desde o nascimento». Exemplos de características inatas são a altura, a cor dos olhos e a herança genética de uma pessoa. A Diretiva 2011/95 fornece um único exemplo de «característica comum», nomeadamente, a orientação sexual (25).

29.      Essas definições levam‑me a concluir que a adoção de determinados valores, normas e comportamentos não pode ser qualificada de «característica» (26). O termo «crença», que significa «a aceitação ou o sentimento de que algo é verdade», parece mais adequado à situação das recorrentes.

30.      Tendo em conta a posição defendida pelo Governo neerlandês, é pertinente, em seguida, perguntar se a crença partilhada a que se refere o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro travessão, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretada como uma referência implícita a uma crença religiosa ou política. A Comissão sublinha que a utilização do termo «Glaubensüberzeugung» na versão em língua alemã é suscetível de criar dúvidas quanto à questão de saber se a crença em causa deve ser de natureza religiosa.

31.      O artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95, que trata da perseguição em razão da religião, faz referência às «convicções teístas, não teístas e ateias». Por exemplo, as versões alemã, inglesa, francesa e neerlandesa deste artigo da Diretiva 2011/95 utilizam os termos «religiöse Überzeugung», «religious belief», «croyance religieuse» e «godsdienstige overtuigingen». Em contrapartida, o termo utilizado na alínea d) deste artigo é «Glaubensüberzeugung», «belief», «croyance» e «geloof» nas respetivas versões dessas línguas.

32.      O artigo 10.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/95, relativo à perseguição política, visa o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os agentes potenciais da perseguição a que se refere o seu artigo 6.o e com as suas políticas ou métodos.

33.      O artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95 visa, assim, as convicções religiosas teístas, não teístas e ateias; o artigo 10.o, n.o 1, alínea e), as opiniões, ideias ou ideais políticos; e o artigo 10.o, n.o 1, alínea d) as crenças que são consideradas tão fundamentais para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem (27). Nesta base, não parece haver indicações textuais ou contextuais que permitam sustentar a ideia de que o fundamento de uma crença na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), deve ser de natureza religiosa ou política (28). Uma interpretação contrária não reconhece, além disso, de que pode existir uma série de pontos de vista sobre questões fundamentais no âmbito de uma religião específica e que uma pessoa pode mudar de ponto de vista sobre essas questões sem se converter a outra religião (29).

2)      É a crença em questão uma crença partilhada considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem?

34.      Uma crença na igualdade de género configura uma série de escolhas relacionadas com a educação e a escolha da carreira, a extensão e a natureza das atividades na esfera pública, a possibilidade de alcançar a independência económica trabalhando fora de casa, as decisões de viver sozinho ou com uma família e a livre escolha de um parceiro. Estas matérias são fundamentais para a identidade de uma pessoa (30).

35.      O artigo 2.o e o artigo 3.o, n.o 3, TUE consagram a igualdade de género como um dos valores e objetivos fundamentais da União Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconhece‑a como um princípio fundamental do direito da União. O artigo 8.o TFUE estabelece que, na realização de todas as suas ações, a União tem por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres. O artigo 19.o TFUE permite à União Europeia adotar legislação para combater a discriminação em razão do sexo. O artigo 157.o TFUE estabelece o princípio da igualdade de remuneração por trabalho de valor igual e constitui uma base jurídica para a adoção de legislação sobre a igualdade de género em matéria de emprego. O artigo 157.o, n.o 4, TFUE reconhece a ação positiva como um meio de alcançar a igualdade de género.

36.      Depois da adoção das primeiras diretivas neste domínio na década de 1970, a União Europeia desenvolveu legislação abundante em matéria de igualdade de género, principalmente no domínio do emprego, incluindo em matérias como a igualdade de remuneração, a segurança social, o emprego, as condições de trabalho e o assédio (31). Esta legislação proíbe qualquer discriminação direta e indireta em razão do género e cria para as pessoas direitos oponíveis nas ordens jurídicas dos Estados‑Membros (32).

37.      Os valores, normas e comportamentos que as recorrentes alegam ter adotado durante a sua estada nos Países Baixos refletem igualmente um certo número de direitos fundamentais atualmente consagrados na Carta: o artigo 21.o, n.o 1, inclui o direito de não ser discriminado em razão do sexo; o artigo 23.o reconhece o direito à igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração (33); o artigo 9.o refere‑se ao direito de contrair casamento livremente; o artigo 11.o a prevê a liberdade de expressão; o artigo 14.o consagra o direito à educação e ao acesso à formação profissional e contínua; o artigo 15.o prevê o direito de trabalhar e de escolher uma profissão (34). Os Estados‑Membros são igualmente partes na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, que visa promover o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos domínios, político, económico, social, cultural e civil, ou em qualquer outro domínio (35).

38.      Não tenho dúvidas de que muitas pessoas que passaram a sua vida nos Países Baixos tenham sido influenciadas pelo valor da igualdade de género de tal forma que constitui uma parte indelével da sua identidade.

39.      Tendo em conta o que precede, considero que não se pode esperar que as raparigas e as mulheres que adotaram valores, normas e comportamentos que refletem uma crença na igualdade de género renunciem a essa crença, tal como não se pode esperar que uma pessoa renuncie às suas crenças religiosas ou políticas ou que negue a sua orientação sexual. Daqui resulta que os Estados‑Membros não podem esperar que as raparigas e as mulheres adaptem o seu comportamento agindo discretamente para permanecerem seguras, tanto mais que, pela sua natureza, os aspetos de identidade moldados por uma crença na igualdade de género se manifestam frequentemente em público (36). O Tribunal de Justiça já declarou que, no que diz respeito aos homossexuais, o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95 não impõe limites à atitude que os membros de um grupo social específico podem adotar em relação à sua identidade ou ao seu comportamento (37).

40.      A questão que então se coloca é saber se as recorrentes aceitaram e absorveram uma crença na igualdade de género de tal forma que se tornou parte integrante da sua identidade (38). Tendo em conta a idade das recorrentes e a duração da sua estada nos Países Baixos, o órgão jurisdicional de reenvio salienta razoavelmente que passaram uma parte considerável da fase da sua vida em que formam a sua identidade neste Estado‑Membro (39). Não duvido que a imersão das recorrentes na cultura deste Estado‑Membro tenha sido uma experiência profunda que lhes deu possibilidades e abriu perspetivas de futuro de que, de outro modo, poderiam não ter tido consciência. É, portanto, plausível que, contrariamente aos adolescentes da sua idade no Iraque que não tiveram essa experiência, tenham adotado um estilo de vida que reflete o reconhecimento e o gozo dos seus direitos fundamentais, no essencial a sua crença na igualdade de género, na medida em que a aceitaram e absorveram ao ponto de esta se ter tornado parte do seu caráter. As autoridades competentes e, em última análise, os órgãos jurisdicionais nacionais devem apreciar em que medida é esse o caso no que se refere à situação individual das recorrentes, tendo em conta, se for caso disso, as considerações enunciadas no referido artigo 10.o, n.o 2 da Diretiva 2011/95 (40).

c)      Aspetos externos de um grupo

41.      Não obstante alguma ambiguidade, afigura‑se que o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber de que forma as autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais nacionais devem determinar se o requisito previsto no artigo 10.o, n.o 1, alínea d), segundo travessão, da Diretiva 2011/95 está preenchido, ou seja, se um grupo social específico tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia. Esta questão suscita problemas relativos ao ónus da prova e à apreciação do mérito das alegações das recorrentes.

1)      Ónus da prova

42.      O artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 prevê que a apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta, nomeadamente: a) todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas; b) as declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente; e c) a situação e as circunstâncias pessoais do requerente. Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, os Estados‑Membros podem considerar que cabe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional, incluindo os motivos desse pedido (41). Os requerentes devem, por conseguinte, expor e justificar as razões pelas quais receiam ser perseguidos no seu país de origem.

43.      É esta exigência extensiva à obrigação de justificar que o grupo social específico a que o recorrente alega pertencer tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia, uma posição que Governo neerlandês parece apoiar? Penso que não. As declarações que o requerente deve apresentar por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 para justificar um pedido de proteção internacional constituem apenas o ponto de partida para a apreciação pelas autoridades competentes dos factos e das circunstâncias que deram origem a esse pedido. Esta disposição impõe igualmente que o Estado‑Membro aprecie, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do seu pedido (42).

44.      O Tribunal de Justiça declarou que, na prática, a exigência de que o Estado‑Membro coopere na apreciação tem como consequência que, se, por qualquer razão, os elementos fornecidos por um requerente de proteção internacional estiverem incompletos, desatualizados ou não forem pertinentes, esse Estado‑Membro deve ajudar o requerente a reunir todos os elementos necessários para justificar esse pedido. Os Estados‑Membros podem estar mais bem colocados do que os requerentes para aceder a certo tipo de documentos (43). Por conseguinte, afigura‑se que o ónus de provar que um grupo social específico tem uma identidade distinta num determinado país incumbe igualmente ao requerente e ao Estado‑Membro e não exclusivamente ao primeiro. Neste contexto, é também relevante recordar que, nos termos do artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva 2011/95, os elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza não carecem de confirmação quando, nomeadamente, essas declarações tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido.

45.      O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 prevê que, ao apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que este possua efetivamente a característica que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição (44). O texto desta disposição indica claramente que é aplicável uma vez estabelecida a existência de um grupo social específico. Contrariamente ao que dá a entender o órgão jurisdicional de reenvio, a apreciação da perceção dos agentes da perseguição não substitui, nem torna menos importante, a determinação da identidade distinta de um grupo no país de origem. Afeta apenas a medida em que deve ser demonstrado que o requerente é membro desse grupo social, uma vez que pode ser suficiente, para efeitos do pedido de proteção internacional, demonstrar que é simplesmente encarado como tal (45).

2)      Apreciação de mérito

46.      O Tribunal de Justiça reconheceu que a existência de leis penais que visam especificamente as pessoas homossexuais pode apoiar a conclusão de que essas pessoas formam um grupo distinto que é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia. Por extensão, o facto de a sociedade aceitar certos comportamentos de homens, quando o mesmo comportamento das mulheres é punido, constitui um indício de que as mulheres, ou certas categorias de mulheres, são encaradas como diferentes pela sociedade que as rodeia. Por conseguinte, as autoridades competentes devem ter em conta as regras jurídicas e os costumes sociais e culturais no país de origem do requerente (46).

47.      As recentes orientações sobre um país, da Agência da União Europeia para o Asilo (a seguir «EUAA») (47), relativas ao Iraque identificam grupos de pessoas que são encaradas como diferentes pela sociedade que as rodeia. Segundo estas orientações, as pessoas, especialmente as mulheres, que transgridem os bons costumes sociais podem ser consideradas amorais, são estigmatizadas e correm o risco de ofensa grave (48). Estas transgressões incluem as relações sexuais fora do casamento, ser vítima de violação ou de outras formas de violência sexual, recusar casar com um homem que a família escolheu (49), casar contra a vontade da família, uma aparência ou peça de vestuário inadequado e contactos ou encontros inaceitáveis. Os empregos aceitáveis para as mulheres são limitados aos setores domésticos e serviços governamentais. A sociedade desaprova mulheres e raparigas que trabalham em lojas, cafés, entretenimento, enfermagem ou no setor dos transportes. A atividade pública das mulheres, incluindo a sua presença e as suas atividades na Internet, pode conduzir a assédio. As mulheres podem ser impedidas de participar em protestos porque as suas famílias receiam ser encaradas de forma negativa. A difamação sexual pode expô‑las a uma estigmatização por parte da sociedade ou a que se considere que prejudicaram a honra familiar (50).

48.      Resulta do que precede que as raparigas e as mulheres que creem na igualdade de género podem ser encaradas como transgressoras dos bons costumes sociais no Iraque devido a manifestações desta crença, por exemplo, através de declarações ou comportamentos associados a escolhas relativas a questões como a educação, a carreira e o trabalho fora de casa, a extensão e a natureza das atividades na esfera pública, as decisões de viver sozinha ou com uma família e a livre escolha de um parceiro. Cabe às autoridades competentes e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se é esse efetivamente o caso das recorrentes na sua situação individual.

d)      Perseguição

49.      Algumas partes que apresentaram observações alegaram que as recorrentes não tinham apresentado nenhuma prova que demonstrasse que sofreriam atos de perseguição no caso de regresso ao seu Estado de origem. Trata‑se de uma questão diferente, embora conexa (51), da questão de determinar se são membros de um grupo social específico na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95. O órgão jurisdicional de reenvio não se interroga sobre a interpretação das disposições desta diretiva relativas especificamente à apreciação de um receio fundado de perseguição. Basta recordar que, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95, ao examinarem se um requerente tem receio fundado de ser perseguido, os Estados‑Membros devem ter em conta, nomeadamente, as condições gerais nessa parte do país. Para o efeito, devem obter informações precisas e atualizadas junto de fontes relevantes, designadamente o ACNUR e a EUAA.

50.      As recentes orientações sobre um país relativas ao Iraque indicam que as raparigas e as mulheres que transgridem os bons costumes sociais podem ser expostas a atos tão graves que equivalem a atos de perseguição (52). Por conseguinte, é possível que, devido ao facto de serem encaradas como diferentes a este respeito (53), as recorrentes, e/ou a sua família direta, sejam objeto de represálias constitutivas de uma perseguição na aceção do artigo 9.o da Diretiva 2011/95. A probabilidade e a gravidade desses riscos são questões que, uma vez mais, cabe às autoridades competentes e aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar tendo em conta a situação das recorrentes.

B.      Quanto à terceira questão

51.      A terceira questão divide‑se em duas partes. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, no âmbito de um pedido de proteção internacional, o direito da União exige que a autoridade decisora determine e tenha em conta o interesse superior da criança, tal como este conceito é referido no artigo 24.o, n.o 2, da Carta. Em segundo lugar, pretende saber se a resposta à primeira parte seria diferente se o interesse superior da criança devesse ser tido em conta no que designa de «aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência».

52.      Neste contexto, é pertinente que o processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio diga respeito a pedidos subsequentes, e não iniciais, de proteção internacional (54).

1.      Quanto à primeira parte

53.      O artigo 2.o, alínea k), da Diretiva 2011/95 define um menor, ou seja, uma criança, como «um nacional de um país terceiro ou um apátrida com menos de 18 anos de idade».

54.      O artigo 24.o, n.o 2, e o artigo 51.o, n.o 1, da Carta afirmam o carácter fundamental dos direitos das crianças e a obrigação de os Estados‑Membros respeitarem esses direitos na aplicação do direito da União. Por conseguinte, há que interpretar e aplicar a Diretiva 2011/95 à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta (55). Tal resulta do considerando 16 da Diretiva 2011/95, que enuncia que esta diretiva visa promover a aplicação, nomeadamente, do artigo 24.o da Carta, e do considerando 18 da mesma diretiva, segundo o qual o interesse superior da criança deverá ser uma das principais preocupações a ter em consideração pelos Estados‑Membros na sua aplicação da diretiva, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança (56). Ao avaliarem o interesse superior da criança, os Estados‑Membros deverão ter devidamente em conta, particularmente, o princípio da unidade familiar, o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor, questões de segurança e as opiniões do menor em função da sua idade e grau de maturidade.

55.      O artigo 4.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva 2011/95 exige que um pedido de proteção internacional seja apreciado a título individual, tendo em conta a situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave. O artigo 9.o, n.o 2, alínea f), precisa que os atos de perseguição podem assumir, designadamente, a forma de atos cometidos especificamente contra crianças (57).

56.      À luz das considerações precedentes, e como indica a jurisprudência do Tribunal de Justiça (58), considero que o interesse superior da criança deve ser determinado a título individual e tido em conta na apreciação dos pedidos de proteção internacional, incluindo os pedidos subsequentes.

57.      O Governo neerlandês alegou que as autoridades neerlandesas competentes têm suficientemente em conta o interesse superior da criança porque este se reflete de forma adequada em todos os aspetos processuais da decisão de um pedido de proteção internacional relativo a ou que envolva crianças, por exemplo, através de procedimentos adequados de entrevista a crianças (59).

58.      O recurso a garantias processuais sensíveis à situação das crianças reveste‑se de grande importância prática. Contudo, não existe nada no artigo 24.o da Carta, nos artigos 3.o, 9.o, 12.o e 13.o da Convenção sobre os Direitos da Criança, na qual esta disposição da Carta se baseie, na Diretiva 2011/95 ou na jurisprudência do Tribunal de Justiça que indique que o interesse superior da criança não deve ser tido em conta na apreciação do mérito dos pedidos relativos às crianças. O próprio artigo 24.o, n.o 2, da Carta estabelece que «todos» os atos relativos às crianças «terão» em conta o interesse superior da criança (60). Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, só é possível determinar o interesse superior da criança procedendo a uma apreciação geral e aprofundada da sua situação (61). Neste contexto, o aconselhamento de peritos pode ser útil ou mesmo necessário. A Comissão recorda, com razão, que, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros asseguram que as decisões sobre os pedidos de proteção internacional sejam proferidas após uma apreciação adequada e que agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões tenham a possibilidade de obter aconselhamento, sempre que necessário, de peritos sobre, nomeadamente, matérias relacionadas com menores (62).

59.      Acrescento que, em caso de alteração relevante e material das circunstâncias ou da saúde de uma criança entre a data da avaliação do seu pedido inicial de proteção internacional e qualquer pedido subsequente, pode ser adequada uma nova avaliação do interesse superior da criança para determinar este último (63).

60.      As decisões relativas ao quando e à forma como elementos deste tipo devem precisamente ser determinados e tomados em consideração são questões que se enquadram no exercício da autonomia processual dos Estados‑Membros, tendo em conta a necessidade de respeitar os princípios da equivalência e da efetividade (64).

61.      Por conseguinte, é necessário avaliar o interesse superior da criança para tomar uma decisão sobre um pedido de proteção internacional de um menor ou uma decisão que diga respeito a um menor ou que tenha consequências importantes para o mesmo (65) que seja conforme com as exigências da Diretiva 2011/95, lida à luz do artigo 24.o, n.o 2, e do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Essa avaliação adequada pode ter em conta fatores como a idade da criança, o seu desenvolvimento, sexo, especial vulnerabilidade, situação familiar, educação e estado de saúde física e mental (66).

62.      Neste contexto, partilho das observações dos Governos checo, húngaro e neerlandês segundo as quais o interesse superior da criança é apenas uma das considerações no âmbito da apreciação de um pedido de proteção internacional, ainda que de importância primordial. Importa recordar que o objetivo da Diretiva 2011/95 é identificar as pessoas que, por força das circunstâncias, têm efetiva e legitimamente necessidade de proteção internacional na União. A proteção internacional só pode ser concedida aos refugiados e às pessoas elegíveis para proteção subsidiária, tal como definidos, respetivamente, no artigo 2.o, alíneas d) e f) da referida Diretiva. Neste quadro jurídico, as autoridades competentes devem tratar o interesse superior da criança como uma consideração primordial (67), e seria contrário à sistemática geral e aos objetivos da Diretiva 2011/95 conceder o estatuto de refugiado ou o estatuto conferido pela proteção internacional a nacionais de países terceiros colocados em situações desprovidas de qualquer ligação com a lógica de proteção internacional (68).

63.      A título de exemplo de um pedido de proteção internacional em que o interesse superior da criança reveste especial importância, tenho em mente circunstâncias em que uma vulnerabilidade mental ou física específica de uma criança indica que atos que não seriam considerados atos de perseguição se afetassem outra criança, que não sofre dessas vulnerabilidades, ou um adulto teriam um impacto mais grave nessa criança, à luz de outras circunstâncias pertinentes como a disponibilidade de apoio familiar no país de origem, na medida em que constituiriam atos de perseguição na aceção do artigo 9.o da Diretiva 2011/95. O interesse superior da criança também é particularmente pertinente no contexto das formas específicas de perseguição das crianças (69).

64.      Tal situação distingue‑se claramente das circunstâncias que deram origem ao Acórdão M’Bodj (70), no qual o Tribunal de Justiça considerou que a falta de cuidados de saúde adequados no país de origem de um requerente só constitui um tratamento desumano ou degradante se estiver em causa uma privação de cuidados infligida intencionalmente ao requerente que padece de uma doença grave e que um Estado‑Membro não pode adotar ou manter disposições que concedam o estatuto de pessoa elegível para proteção subsidiária a um nacional de um país terceiro que padeça de uma doença grave, em razão do risco de deterioração do seu estado de saúde resultante da inexistência de tratamentos adequados no seu país de origem.

65.      Mais uma vez, todas estas questões devem ser apreciadas pelas autoridades competentes e, em última instância, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito dos pedidos individuais de proteção internacional.

2.      Quanto à segunda parte

66.      Tendo em conta a forma como o órgão jurisdicional de reenvio formulou a segunda parte da terceira questão, entendo que esta não carece de resposta se a resposta à primeira parte for no sentido que o direito da União exige que a autoridade decisora determine e tenha em conta o superior interesse da criança aquando da decisão sobre um pedido de proteção internacional.

67.      Em todo o caso, é difícil compreender, da leitura da decisão de reenvio, em que medida existe uma relação, de facto ou lógica, entre o que se passa no âmbito de um procedimento relativo a um «pedido de aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência», que, segundo o Governo neerlandês, não é regido pelo direito da União (71), e os pedidos de proteção internacional ao abrigo do direito nacional que transpõe a Diretiva 2011/95 em causa no processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Os Governos francês e húngaro e a Comissão consideram que a decisão de reenvio não contém informações suficientes, nomeadamente no que respeita ao conceito de «pedido de aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência» para que o Tribunal de Justiça possa responder utilmente à segunda parte da terceira questão. Por outro lado, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça na audiência, o representante das recorrentes confirmou que o presente processo apenas diz respeito aos pedidos de proteção internacional, e não aos «[pedidos] de aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência». Isto confirma o argumento do Governo neerlandês segundo o qual a segunda parte da terceira questão não é pertinente para a resolução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Tendo em conta o que precede, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare que a segunda parte da terceira questão é inadmissível, e proponho‑me a não a examinar mais aprofundadamente (72).

C.      Quanto à quarta questão

68.      A quarta questão diz especificamente respeito aos danos que um menor pode sofrer devido à sua residência prolongada num Estado‑Membro e, se for caso disso, ao momento em que isso deve ser tido em conta no âmbito da apreciação de mérito de um pedido subsequente de proteção internacional. O órgão jurisdicional de reenvio considera que pode ser pertinente analisar a questão de saber se o pedido inicial foi tratado nos prazos previstos pelo direito da União, se a permanência das requerentes no Estado‑Membro era regular e se tinha sido cumprida ou executada uma obrigação de regresso previamente imposta.

69.      Resulta da decisão de reenvio que as recorrentes afirmam ter sofrido um atraso de desenvolvimento ou um dano para o desenvolvimento devido ao stress de viver num estado de incerteza quanto ao desfecho dos pedidos iniciais de proteção internacional da sua família e à ameaça de um regresso forçado ao seu país de origem, e apresentaram documentos comprovativos em apoio dessas alegações. Com exceção do representante das recorrentes, todas as partes que responderam à quarta questão sustentaram que o resultado de um pedido subsequente de proteção internacional não deve ser determinado por referência a este tipo de danos.

70.      Não há dúvida de que o facto de viver num estado de incerteza e sob uma ameaça prolongadas conduz a um stress suscetível de causar atrasos ou danos para o desenvolvimento das crianças (73). Não se trata, em si, de um elemento que possa fundamentar um direito à proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95 nem justificar uma abordagem mais favorável da apreciação de um pedido para esse efeito, como parece sugerir o órgão jurisdicional de reenvio. Os progenitores das recorrentes decidiram que era do superior interesse das suas filhas esgotar as vias de recurso disponíveis no âmbito do pedido inicial de proteção internacional da família e apresentar pedidos subsequentes em nome das suas filhas. Com efeito, nada indica que o tratamento desses pedidos e a decisão sobre esses recursos tenham durado mais tempo do que poderia razoavelmente ser antecipado. As decisões dos progenitores das recorrentes tiveram como consequência inevitável prolongar a residência da família nos Países Baixos. Deve considerar‑se que os progenitores analisaram as consequências das suas decisões sobre o bem‑estar das suas filhas à luz dessas circunstâncias. Pode supor‑se que tomaram as suas decisões acreditando que era preferível para as suas filhas residir nos Países Baixos do que regressar ao Iraque. Pode não ter sido uma escolha ideal, mas com base na própria tese das recorrentes, é difícil aceitar que sofreram um dano maior do que se os seus progenitores tivessem decidido regressar ao Iraque com elas.

71.      Por último, na tomada de decisão sobre um pedido de proteção internacional relativo a um menor, há que ter em consideração a sua fase de desenvolvimento e o seu estado de saúde física e mental no momento em que essa avaliação é efetuada. As circunstâncias suscetíveis de ter tido um impacto negativo no desenvolvimento ou na saúde da criança não são, neste contexto, pertinentes.

D.      Quanto à quinta questão

72.      Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se é compatível com o direito da União, tendo em conta o artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, uma prática judicial nacional que distingue entre um primeiro pedido e um pedido subsequente de proteção internacional, no sentido de que, num pedido subsequente de proteção internacional, não são tidos em conta os fundamentos de autorização ordinária de residência.

73.      É difícil estabelecer a ligação com o direito da União e a pertinência da presente questão no âmbito do processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio, que diz respeito a pedidos subsequentes de proteção internacional e não a pedidos de autorização de residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência, que o Governo neerlandês alega não serem regidos pelo direito da União. Por conseguinte, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare a presente questão inadmissível pelas mesmas razões que as expostas no n.o 67 das presentes conclusões.

V.      Conclusão

74.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Juízo de’s‑Hertogenbosch, Países Baixos) do seguinte modo:

1)      O artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

–        as raparigas e mulheres nacionais de países terceiros partilham uma característica inata devido ao seu sexo biológico e, pelo facto de terem residido num Estado‑Membro durante um período considerável na fase da sua vida em que formam a sua identidade, podem partilhar uma crença na igualdade de género considerada tão fundamental para a sua identidade, que não se pode exigir que a ela renunciem;

–        para determinar se um grupo tem uma identidade distinta num país de origem porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia, os Estados‑Membros são obrigados, nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2011/95, a ter em conta todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem quando da decisão sobre um pedido de proteção internacional, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas, bem como todos os elementos pertinentes apresentados pelo requerente de proteção internacional;

–        um grupo composto por mulheres e raparigas que partilham uma crença na igualdade de género tem uma identidade distinta no país de origem se, ao exprimirem essa crença através de declarações ou comportamentos, a sociedade desse país considerar que transgridem os bons costumes sociais;

–        não é necessário que uma crença partilhada na igualdade de género tenha uma base religiosa ou política.

2)      A Diretiva 2011/95, lida em conjugação com o artigo 24.o, n.o 2, e o artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretada no sentido de que:

–        uma prática nacional segundo a qual uma autoridade decisora, ao apreciar o mérito de um pedido de proteção internacional ou de um pedido de proteção internacional subsequente, não tem em conta, enquanto consideração primordial, o interesse superior da criança, ou pondera o interesse superior da criança sem determinar previamente, em cada processo, qual é o interesse superior da criança, é incompatível com o direito da União;

–        a metodologia e o procedimento para determinar o interesse superior da criança são da competência dos Estados‑Membros, tendo plenamente em conta o princípio da efetividade;

–        o dano que um menor sofreu devido à sua residência prolongada num Estado‑Membro não é pertinente para a decisão de deferir ou não um pedido subsequente de proteção internacional, quando essa residência prolongada num Estado‑Membro resulte de decisões dos progenitores ou tutores do menor de esgotarem as vias de recurso disponíveis para contestar o indeferimento do pedido inicial e apresentar um pedido subsequente de proteção internacional.


1      Língua original: inglês.


2      Nas presentes conclusões, designo‑as de «recorrentes».


3      Pedidos de 4 de abril de 2019. O artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO L 180, p. 60), define um pedido subsequente como um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior, incluindo os casos em que o requerente tenha retirado expressamente o seu pedido e aqueles em que o órgão de decisão tenha indeferido um pedido na sequência da sua retirada implícita nos termos do artigo 28.o, n.o 1.


4      Decisões de 21 de dezembro de 2020, impugnadas em 28 de dezembro de 2020 e examinadas pelo órgão jurisdicional de reenvio em 17 de junho de 2021.


5      Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).


6      Embora este ponto faça parte da secção intitulada «Orientação específica por país» relativa ao Afeganistão, o presente reenvio prejudicial diz respeito a requerentes do Iraque.


7      Decisão de reenvio, n.o 23.


8      Werkinstructie 2019/1, Het beoordelen van asielaanvragen van verwesterde vrouwen (Instrução de trabalho 2019/1, Avaliação dos pedidos de asilo de mulheres ocidentalizadas).


9      Ponto C.2.3.2. da Circular relativa aos Estrangeiros de 2000 (C).


10      Decisão de reenvio, n.o 25.


11      Coletânea dos Tratados das Nações Unidas, vol. 189, 1954, p. 150, n.o 2545.


12      Este protocolo suprimiu as restrições temporais e geográficas da Convenção de Genebra para que esta se aplicasse de forma universal, em vez de abranger apenas as pessoas que se tornaram refugiados na sequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de janeiro de 1951.


13      V. artigo 78.o TFUE, relativo ao desenvolvimento de uma política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, em conformidade com a Convenção de Genebra e o Protocolo, de 31 de janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados. V., igualmente, inter alia, considerandos 3, 4, 14 e 22 a 24 da Diretiva 2011/95.


14      Acórdão de 9 de novembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Preservação da unidade familiar)  (C‑91/20, EU:C:2021:898, n.o 56 e jurisprudência referida).


15      Considerando 16 da Diretiva 2011/95 e Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z  C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.os 47 e 48 e jurisprudência referida).


16      V. artigos 13.o e 18.o da Diretiva 2011/95, lidos em conjugação com as definições de «refugiado» e de «pessoa elegível para proteção subsidiária» constantes do artigo 2.o, alíneas d) e f) da mesma, respetivamente. O artigo 5.o desta diretiva prevê, nomeadamente, estão incluídas as situações em que o receio fundado de ser perseguido ou o risco real de sofrer ofensa grave tem por base acontecimentos ocorridos depois da partida do requerente do seu país de origem. A decisão de reenvio não visa obter uma interpretação desta disposição.


17      V. n.o 2 das presentes conclusões.


18      Embora o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), refira que «para efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género», tal não impede que os aspetos relacionados com o género sejam examinados no contexto dos outros motivos de perseguição referidos no artigo 10.o da Diretiva 2011/95.


19      Artigo 4.o da Diretiva 2011/95. V., igualmente, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 48 e jurisprudência referida), e ACNUR, Diretrizes sobre Proteção Internacional: Perseguição baseada no género, no contexto do artigo 1. oA, n. o 2, da Convenção de 1951 e/ou do seu Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, 2002, n.o 7.


20      V. ACNUR, Diretrizes sobre Proteção Internacional: «Pertencimento a um grupo social específico» no contexto do artigo 1. oA, n. o 2, da Convenção de 1951 e/ou do seu Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados, 2002, n.os 3 e 4.


21      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estas condições cumulativas estão preenchidas à luz de uma determinada situação factual. V. Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 89 e jurisprudência referida).


22      A Diretiva 2011/95 não define género, um termo que foi definido noutros documentos como «os papéis, os comportamentos, as atividades e as atribuições socialmente construídos que uma sociedade considera apropriados para as mulheres e os homens» [ver artigo 3.o, alínea c), da Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (a seguir «Convenção de Istambul»), que entrou em vigor em 1 de agosto de 2014 (Série de Tratados do Conselho da Europa — n.o 210)]. Em 9 de maio de 2023, o Parlamento Europeu aprovou a adesão da União Europeia a esta convenção [v., igualmente, Parecer 1/19 (Convenção de Istambul), de 6 de outubro de 2021, EU:C:2021:832].


23      Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica) (C‑621/21, EU:C:2023:314, n.o 73).


24      V. ACNUR, Diretrizes sobre Proteção Internacional: Perseguição baseada no género, no contexto do artigo 1. oA, n. o 2, da Convenção de 1951 e/ou do seu Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados, 2002, n.os 30 e 31; Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (a seguir «EASO»), Guia do EASO sobre a pertença a um determinado grupo social, 2020, p. 21; e Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica)  (C‑621/21, EU:C:2023:314, n.o 71).


25      V., igualmente, Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o. (C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.o 46).


26      Pode ser relevante acrescentar que o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro travessão, da Diretiva 2011/95 estabelece que um grupo pode também ser um grupo social específico em que os seus membros partilham uma história comum que não pode ser alterada. Não estou convencido de que esta consideração seja pertinente no presente caso. É certamente possível que pessoas como as recorrentes, que passaram uma parte considerável da fase da vida em que formam a sua identidade num Estado‑Membro, partilhem uma história comum que não pode ser alterada. No entanto, no caso em apreço, não parece ter sido apresentado nenhum argumento segundo o qual as recorrentes poderiam ter um receio fundado de perseguição porque partilham tal história comum.


27      Isto sem prejuízo da possibilidade de uma crença, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95 poder ser baseada ou influenciada por fatores políticos ou religiosos e de esses fatores desempenharem um papel na perceção de um grupo pela sociedade do país de origem.


28      V., igualmente, considerandos 29 e 30 da Diretiva 2011/95, que distinguem claramente os motivos de perseguição enumerados no seu artigo 10.o, n.o 1.


29      Por outras palavras, os éditos religiosos e os dogmas de fé não excluem a existência de uma série de convicções religiosas divergentes entre os fiéis. Por exemplo, os católicos podem considerar que as mulheres devem ser autorizadas a tornar‑se padres, apesar de o Direito Canónico 1024 o proibir.


30      Erik Erikson foi um dos primeiros psicólogos a descrever o conceito de identidade no contexto do desenvolvimento da personalidade. Considerou que a identidade permite a uma pessoa avançar com uma finalidade e direção na vida, com um sentimento de constância interior e de continuidade no tempo e no espaço. A identidade é de natureza psicossocial, formada pela intersecção das capacidades biológicas e psicológicas individuais em combinação com as oportunidades e os vários apoios oferecidos pelo contexto social de uma pessoa. A identidade torna‑se normalmente uma questão central durante a adolescência, quando o indivíduo aborda questões relativas à aparência, à escolha da vocação profissional, às aspirações de carreira, à educação, às relações, à sexualidade, às opiniões políticas e sociais, à personalidade e aos interesses. As preocupações fundamentais em matéria de identidade exigem frequentemente uma nova reflexão e uma revisão posteriormente na vida. O ramo da psicologia que diz respeito à identidade e ao eu desenvolveu e aperfeiçoou as teorias de Erikson. V., por exemplo, Branje S, Moor EL, Spitzer J, Becht AI. «Dynamics of Identity Development in Adolescence: A Decade in Review», Journal of Research on Adolescence, 2021, vol. 1 (4), pp. 908 a 927.


31      V., a título de exemplo, Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23); Diretiva 2010/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente e que revoga a Diretiva 86/613/CEE do Conselho (JO 2010, L 180, p. 1); e Diretiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO 2004, L 373, p. 37).


32      Logo em 1976, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da igualdade de remuneração entre homens e mulheres, previsto no direito da União, tem efeito direto, pelo que uma pessoa pode invocá‑lo contra o seu empregador (Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56).


33      O direito de todas as pessoas à igualdade perante a lei e à proteção contra a discriminação constitui um direito universal reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.


34      V., igualmente, disposições equivalentes da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), da qual todos os Estados‑Membros são signatários, nomeadamente o artigo 14.o (proibição de discriminação), o artigo 12.o (direito ao casamento), o artigo 10.o (liberdade de expressão), assim como o artigo 2.o do Protocolo adicional à CEDH (direito à instrução).


35      A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção em 18 de dezembro de 1979 e entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 (Coletânea dos Tratados das Nações Unidas, vol. 1249, p. 13). A União Europeia não é parte.


36      Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o. (C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.os 70 a 75). Pode observar‑se que a apreciação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (a seguir «TEDH») no seu Acórdão de 28 de junho de 2011, Sufi e Elmiv. Reino Unido (CE:ECHR:2011:0628JUD000831907, n.o 275) incide sobre a questão, diferente, de saber se as recorrentes nesse processo corriam um risco real de maus tratos contrários ao artigo 3.o da CEDH e/ou de violação do artigo 2.o da CEDH. Foi neste contexto que o TEDH examinou se as recorrentes estariam em condições de evitar esses riscos «jogando o jogo».


37      Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o.  (C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.o 68).


38      V. ACNUR, Diretrizes sobre Proteção Internacional: «Pertencimento a um grupo social específico» no contexto do artigo 1. oA, n. o 2, da Convenção de 1951 e/ou do seu Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados, 2002, n.o 15. V., igualmente, Guia do EASO sobre a pertença a um determinado grupo social, 2020, p. 16.


39      V. nota de rodapé n.o 30 das presentes conclusões.


40      V. n.o 45 das presentes conclusões.


41      Artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95.


42      Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo) (C‑238/19, EU:C:2020:945, n.o 52 e jurisprudência referida).


43      V., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 65 e 66), e de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana) (C‑349/20, EU:C:2022:151, n.o 64 e jurisprudência referida). V., igualmente, Guia prático do EASO: Apreciação dos elementos de prova, 2015.


44      V., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 85).


45      V., por analogia, Acórdão de 25 de janeiro de 2018 F (C‑473/16, EU:C:2018:36, n.os 31 e 32), e as Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Fathi (C‑56/17, EU:C:2018:621, n.o 44 e jurisprudência referida).


46      V., artigo 4.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2011/95 e Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston nos processos apensos X (C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:474, n.o 35) e no processo Shepherd (C‑472/13, EU:C:2014:2360, n.o 56). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Intervyuirasht na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica) (C‑621/21, EU:C:2023:314, n.os 72 e 73 e jurisprudência referida).


47      O Regulamento (UE) 2021/2303 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2021, relativo à Agência da União Europeia para o Asilo e que revoga o Regulamento (UE) n.o 439/2010 (JO 2021, L 468, p. 1), criou a EUAA a fim de substituir e assumir as funções do EASO.


48      V. EUAA, Orientações sobre um país: Iraq, Common analysis and guidance note, 2022, no essencial as secções 2.13 e 2.17. O ACNUR considera que, em função da sua situação individual, as pessoas percecionadas como infratoras das regras islâmicas estritas podem necessitar de proteção internacional para refugiados com base na sua religião ou pertença a um determinado grupo social: ACNUR, International Protection Considerations with Regard to People Fleeing the Republic of Iraq, 2019, pp. 79 e 80.


49      O casamento infantil é um fenómeno corrente no Iraque, onde a idade do casamento legal é de 15 anos com a autorização parental, e de 18 anos sem autorização (EUAA, Orientações sobre um país: Iraq, Common analysis and guidance note, 2022, secção 2.16). De acordo com a organização de parceria «Girls not Brides», 28 % das raparigas no Iraque casam antes dos 18 anos e 7 % casam antes dos 15 anos. Sobre o casamento infantil em geral, v. Resolução do Parlamento Europeu, de 4 de julho de 2018, intitulada «Rumo a uma estratégia externa da União Europeia contra os casamentos precoces e forçados — próximos passos» (2017/2275(INI)).


50      V., por exemplo, o relatório de informação sobre o país de origem do EASO, intitulado Iraq Key socioeconomic indicators for Baghdad, Basra and Erbil, 2020, no essencial a secção 1.4; EUAA Orientações sobre um país: Iraq, Common analysis and guidance note, 2022, especialmente secções 2.13 e 2.16.4, e relatório sobre o Iraque, de 28 de outubro de 2020, de Humanists International, no essencial a secção intitulada «Discrimination against women and minorities».


51      Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Intervyuirasht, na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica) (C‑621/21, EU:C:2023:314, n.os 74 a 77 e jurisprudência referida).


52      V. n.o 47 das presentes conclusões.


53      Artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 prevê que tem de existir um nexo entre os motivos a que se refere o artigo 10.o desta diretiva e os atos de perseguição qualificados no artigo 9.o, n.o 1, da mesma ou a falta de proteção em relação a tais atos.


54      O Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que o artigo 40.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 não faz nenhuma distinção entre um primeiro pedido de proteção internacional e um pedido subsequente à luz da natureza dos elementos ou factos suscetíveis de demonstrar que o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95, a apreciação dos factos e das circunstâncias em apoio desses pedidos deve, em ambos os casos, ser realizada em conformidade com o artigo 4.o da Diretiva 2011/95 (Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 40).


55      V., por analogia, Acórdãos de 9 de setembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Membro da família)  (C‑768/19, EU:C:2021:709, n.o 38), e de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Reagrupamento familiar com um refugiado menor)  (C‑273/20 e C‑355/20, EU:C:2022:617, n.os 36 a 39 e jurisprudência referida).


56      Assinada em 20 de novembro de 1989 (Coletânea dos Tratados das Nações Unidas, vol. 1577, p. 3). Segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO, 2007, C 303, p. 17), o artigo 24.o da Carta baseia‑se nesta Convenção, que foi ratificada por todos os Estados‑Membros, nomeadamente nos seus artigos 3.o, 9.o, 12.o e 13.o V., por analogia, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 64).


57      Várias outras disposições da Diretiva 2011/95, bem como o seu considerando 38, refletem igualmente as exigências do artigo 24.o da Carta. O artigo 20.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 impõe aos Estados‑Membros que tenham em conta a situação específica das pessoas vulneráveis, designadamente os menores. O artigo 20.o, n.o 5, da referida diretiva precisa que o interesses superiores da criança constituem uma consideração primordial para os Estados‑Membros na transposição das disposições do capítulo VII desta diretiva respeitantes aos menores aos quais tenha sido concedida proteção internacional. As disposições do capítulo VII dizem respeito, por exemplo, ao acesso à educação e aos cuidados de saúde (artigo 27.o, n.o 1, e artigo 30.o da Diretiva 2011/95, respetivamente). Todavia, os requisitos previstos no artigo 20.o, n.os 3 e 5, não se estendem à aplicação das disposições do capítulo II da Diretiva 2011/95, a saber, as que se referem especificamente à apreciação dos pedidos de proteção internacional.


58      Acórdão de 9 de setembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Membro da família) (C‑768/19, EU:C:2021:709, n.o 38).


59      Nos termos do artigo 15.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2013/32.


60      V., igualmente, Comité dos Direitos da Criança, Comentário geral n. o 14 (2013) sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração (artigo 3.o, n.o 1,) (CRC/C/GC/14), que explica que o interesse superior da criança consiste num direito material, num princípio interpretativo e numa regra processual.


61      V., por analogia, Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Regresso de um menor não acompanhado) (C‑441/19, EU:C:2021:9, n.o 46).


62      V., particularmente, artigo 10.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2013/32.


63      V. Guia prático do EASO sobre o superior interesse da criança nos procedimentos de asilo, 2019, p. 13, que indica que a consideração primordial do interesse superior da criança é um processo contínuo que exige avaliação antes da tomada de qualquer decisão administrativa importante.


64      V., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2020, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Indeferimento de um pedido subsequente — Prazo de recurso) (C‑651/19, EU:C:2020:681, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida).


65      V., por analogia, Acórdãos de 11 de março de 2021, État belge (Regresso do progenitor de um menor) (C‑112/20, EU:C:2021:197, n.os 33 a 38), e de 17 de novembro de 2022, Belgische Staat (Refugiada menor casada) (C‑230/21, EU:C:2022:887, n.o 48 e jurisprudência referida).


66      V., por analogia, Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Regresso de um menor não acompanhado)  (C‑441/19, EU:C:2021:9, n.o 47).


67      Por exemplo, se uma autoridade decisora pressupor razoavelmente que o pedido de proteção internacional dos progenitores não será deferido, pode daí resultar que é do superior interesse da criança regressar com os seus progenitores ao país de origem.


68      V., por analogia, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, M’Bodj (C‑542/13, EU:C:2014:2452, n.o 44).


69      V., por analogia, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z (C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.os 65 e 66), e, no mesmo sentido, ACNUR Diretrizes sobre Proteção Internacional n. o 8: Solicitações de Refúgio apresentadas por Crianças ao abrigo dos artigos 1. oA, n. o 2, e 1. oF da Convenção de 1951 e/ou do seu Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, 2009, n.os 15 a 17. V., igualmente, secção destas diretrizes dedicada às formas de perseguição específicas das crianças.


70      Acórdão de 18 de dezembro de 2014 (C‑542/13, EU:C:2014:2452).


71      Nas suas observações sobre a quinta questão, que se refere igualmente à aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência, o Governo neerlandês remeteu o Tribunal de Justiça para o artigo 3.6a.o do Vreemdelingenbesluit 2000 (Decreto relativo aos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 497).


72      Acórdão de 14 de janeiro de 2021, The International Protection Appeals Tribunal e o.  (C‑322/19 e C‑385/19, EU:C:2021:11, n.os 51 a 55 e jurisprudência referida).


73      V., por exemplo, Kalverboer, E., Zijlstra, A. E., e Knorth, E. J., «The Development mental results for asylum‑aiciing flagring vies with the competiting and the earning revidence to their home», European Journal of Migration and Law, vol. 11, Martinus Nijhoff Publishers, 2009, pp. 41‑67.