Language of document : ECLI:EU:C:2024:71

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

25 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.o TFUE — Fixação dos montantes mínimos de honorários por uma organização profissional de advogados — Decisão de associação de empresas — Proibição de um órgão jurisdicional ordenar o reembolso de honorários de montante inferior a esses montantes mínimos — Restrição da concorrência — Justificações — Objetivos legítimos — Qualidade dos serviços prestados pelos advogados — Execução do Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890) — Invocabilidade da jurisprudência Wouters perante uma restrição da concorrência por objetivo»

No processo C‑438/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária), por Decisão de 4 de julho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça na mesma data, no processo

Em akaunt BG ЕООD

contra

Zastrahovatelno aktsionerno druzhestvo Armeets AD,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl (relator), J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 6 de julho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Em akaunt BG ЕООD, por I. Stoeva, V. Todorova e M. Yordanova, advokati,

–        em representação da Zastrahovatelno aktsionerno druzhestvo Armeets AD, por B. Dachev,

–        em representação do Governo Búlgaro, por T. Mitova e S. Ruseva, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por T. Baumé e E. Rousseva, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o, n.os 1 e 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Em akaunt BG EOOD à Zastrahovatelno aktsionerno druzhestvo Armeets AD, a respeito de um pedido de indemnização a título do seguro de bens na sequência do furto de um veículo, bem como de uma indemnização por mora.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, sob a epígrafe «Ónus da prova», dispõe:

«Em todos os processos nacionais e comunitários de aplicação dos artigos [101.o e 102.o TFUE], o ónus da prova de uma violação do n.o 1 do artigo [101.o] ou do artigo [102.o TFUE] incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação. Incumbe à empresa ou associação de empresas que invoca o benefício do disposto no n.o 3 do artigo [101.o TFUE] o ónus da prova do preenchimento das condições nele previstas.»

 Direito búlgaro

 GPK

4        O artigo 78.o do Grazhdanski protsesualen kodeks (Código de Processo Civil, a seguir «GPK»), sob a epígrafe «Tributação das despesas», dispõe:

«1.      O demandado deve suportar as taxas pagas pelo demandante, as despesas do processo e, se tiver sido contratado, os honorários do advogado do demandante, na proporção em que tenha sido vencido.

[…]

5.      Se os honorários do advogado de uma das partes forem excessivos relativamente à complexidade jurídica e factual do litígio, o tribunal pode, a pedido da outra parte, fixar um montante inferior a título destas despesas, desde que este não seja inferior ao montante mínimo previsto pelo artigo 36.o [da Zakon za advokaturata (Lei relativa ao Exercício da Advocacia)].

[…]»

5        O artigo 162.o do GPK estabelece que «[q]uando o pedido for fundado, mas os dados relativos ao seu montante forem insuficientes, o tribunal determina esse montante discricionariamente ou pede o parecer de um perito».

6        Nos termos do artigo 248.o do GPK:

«1.      No prazo fixado para a interposição de recurso e, se a decisão não for suscetível de recurso, no prazo de um mês a contar da prolação da decisão, o tribunal pode, a pedido das partes, completar ou alterar a decisão proferida, na parte relativa às despesas.

2.      O tribunal notifica a parte contrária do pedido de que a sentença seja completada ou alterada, pedindo‑lhe que se pronuncie no prazo de uma semana.

3.      O despacho de fixação das despesas é proferido em conferência e notificado às partes. É suscetível de recurso nas mesmas condições que a decisão.»

 ZAdv

7        O artigo 36.o, n.os 1 e 2, da Zakon za advokaturata (Lei relativa à Profissão de Advogado) (DV n.o 55, de 25 de junho de 2004; última alteração publicada no DV n.o 17, de 26 de fevereiro de 2021), na versão aplicável na data dos factos do processo principal (a seguir «ZAdv»), tem a seguinte redação:

«1.      O advogado ou o advogado de um Estado‑Membro da União Europeia tem direito à remuneração do seu trabalho.

2.      O montante dos honorários é fixado através de contrato celebrado entre o advogado ou o advogado de um Estado‑Membro da União e o cliente. Este montante deve ser adequado e justificado e não pode ser inferior ao montante previsto no Regulamento do Vissh advokatski savet [(Conselho Superior da Ordem dos Advogados, Bulgária)] para o mesmo tipo de atividade.»

8        O artigo 38.o do ZAdv dispõe:

«1.      Um advogado ou um advogado de um Estado‑Membro da União Europeia pode prestar assistência judiciária e assessoria gratuitas a: […]

2.      Nos casos referidos no n.o 1, se, no processo em causa, a parte contrária for condenada nas despesas, o advogado ou o advogado de um Estado‑Membro da União Europeia tem direito aos honorários de advogado. O órgão jurisdicional fixará os honorários num montante que não pode ser inferior ao previsto no regulamento a que se refere o artigo 36.o, n.o 2, e condenará a outra parte no respetivo pagamento.»

 Regulamento n.o 1 sobre o Montante Mínimo dos Honorários dos Advogados

9        O artigo 1.o do Naredba n.o 1 za minimalnite razmeri na advokatskite vaznagrazhdenia (Regulamento n.o 1 sobre o Montante Mínimo dos Honorários dos Advogados), de 9 de julho de 2004 (DV n.o 64, de 23 de julho de 2004), na redação aplicável aos factos do processo principal (a seguir «Regulamento n.o 1 sobre o Montante Mínimo dos Honorários dos Advogados»), prevê:

«O montante da remuneração pela assistência jurídica prestada por um advogado é livremente fixado através de um contrato escrito com o cliente, mas não pode ser inferior ao limite mínimo fixado pelo presente regulamento para o tipo de assistência correspondente.»

10      O artigo 2.o, n.o 5, deste regulamento dispõe que, para a representação em juízo, a defesa e a assistência em processos cíveis, os honorários são determinados em função da natureza e do número de pedidos apresentados, separadamente para cada um deles, independentemente da forma como os pedidos sejam apensos.

11      O artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento fixa determinados montantes de honorários para a representação, a defesa e a assistência em juízo em função, nomeadamente, do interesse material no processo.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      A EM akaunt BG intentou no Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária) uma ação de indemnização contra a Zastrahovatelno aktsionerno druzhestvo Armeets, sua seguradora, no montante de 16 112,32 levs búlgaros (BGN) (cerca de 8 241 euros), a título do seguro de bens na sequência do roubo de um veículo, acrescida de uma indemnização por mora à taxa de juro legal, no montante de 1 978,24 BGN (cerca de 1 012 euros).

13      Nesse pedido de indemnização estavam incluídos os honorários do advogado da recorrente no processo principal, calculados em conformidade com um contrato previamente celebrado entre a recorrente e o seu advogado. O montante desses honorários ascendia a 1 070 BGN (cerca de 547 euros). A demandada no processo principal alegou que os honorários reclamados eram excessivos e pediu que fossem reduzidos.

14      Por sentença de 16 de fevereiro de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio pronunciou‑se sobre o litígio, julgando parcialmente procedente o pedido de indemnização. No que respeita às despesas, considerou que o montante dos honorários reclamados era excessivo e reduziu‑o para 943 BGN (cerca de 482 euros).

15      Na sua fundamentação que justifica a redução dos honorários de advogado, o órgão jurisdicional de reenvio remeteu para o artigo 78.o, n.o 5, do GPK, que permite ao tribunal chamado a pronunciar‑se reduzir o montante dos honorários de advogado devidos se, tendo em conta a real complexidade jurídica e factual do processo, este se afigurar excessivo. Todavia, esta disposição não permite ao tribunal fixar um montante inferior ao mínimo previsto no artigo 36.o da ZAdv.

16      Este órgão jurisdicional considerou igualmente que decorria do Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890), que a regra enunciada no artigo 78.o, n.o 5, do GPK, lido em conjugação com o artigo 36.o da ZAdv, não era contrária ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, uma vez que se mostra necessária para a consecução de um objetivo legítimo. O referido órgão jurisdicional alega que o objetivo legítimo prosseguido por esta regra consiste em garantir a prestação de serviços jurídicos de qualidade ao público. Considera que a fixação de um montante mínimo de honorários é suscetível de prosseguir esse objetivo e de ser proporcionada, uma vez que garante ao advogado um rendimento suficiente que lhe permita levar uma existência condigna, prestar serviços de qualidade e aperfeiçoar‑se. O órgão jurisdicional de reenvio constata que os honorários brutos, até aos quais a remuneração não é excessiva, na aceção da regulamentação nacional relativa aos honorários mínimos, ascende a 42 BGN (cerca de 21 euros) por hora.

17      O referido órgão jurisdicional indica, por outro lado, que não partilha das conclusões a que chegou o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária), no seu Despacho n.o 28, Segunda Secção Comercial, de 21 de janeiro de 2022, no processo n.o 2347/2021, no qual foi declarado, em substância, que «os honorários mínimos fixados não podem, por si só, impedir que um advogado preste serviços de qualidade medíocre», uma vez que também se devia tomar em consideração o efeito cumulado com as regras profissionais e éticas da Ordem dos Advogados aplicáveis.

18      A decisão proferida pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre o pedido de indemnização foi objeto de recursos interpostos pelas duas partes no processo principal. Em seguida, a demandante no processo principal apresentou igualmente no órgão jurisdicional de reenvio um pedido de reapreciação da decisão relativa às despesas, com o fundamento de que os honorários de advogado tinham sido fixados abaixo do limite previsto pela regulamentação nacional.

19      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao modo como deve realizar esse exame à luz das especificações do Tribunal de Justiça no Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890).

20      Nestas circunstâncias, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido à luz do Acórdão proferido nos processos apensos C‑427/16 e C‑428/16, CHEZ Elektro Bulgaria, ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais nacionais podem não aplicar uma disposição nacional nos termos da qual o órgão jurisdicional não pode condenar a parte vencida no pagamento das despesas correspondentes a honorários do advogado num montante inferior a um montante mínimo estabelecido num regulamento adotado exclusivamente por uma ordem profissional de advogados, como o Conselho Superior da Ordem dos Advogados (Bulgária), se essa disposição não se limitar à prossecução de objetivos legítimos e não se aplicar apenas às partes contratantes, mas também em relação a terceiros que possam ser condenados no pagamento das despesas do processo?

2.      Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido à luz do Acórdão proferido nos processos apensos C‑427/16 e C‑428/16, CHEZ Elektro Bulgaria, ser interpretado no sentido de que os objetivos legítimos que justificam a aplicação de uma disposição nacional nos termos da qual o órgão jurisdicional não pode condenar a parte vencida no pagamento das despesas correspondentes a honorários do advogado num montante inferior a um montante mínimo estabelecido num regulamento adotado por uma ordem profissional de advogados, como o Conselho Superior da Ordem dos Advogados (Bulgária), devem ser considerados fixados por lei e o órgão jurisdicional pode não aplicar a regulamentação nacional, se não constatar que esses objetivos são excedidos no caso concreto, ou deve antes entender‑se que a regulamentação nacional é inaplicável enquanto não se constatar que esses objetivos foram alcançados

3.      Que parte deve, nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, em conjugação com o artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003, num litígio civil em que a parte vencida é condenada nas despesas, provar a existência de um objetivo legítimo e a proporcionalidade da sua prossecução através de um regulamento adotado por uma ordem profissional de advogados sobre o montante mínimo possível dos honorários dos advogados, quando é solicitada uma redução dos honorários do advogado por serem excessivos: a parte que pede a condenação nas despesas ou a parte vencida que solicita a redução dos honorários?

4.      Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido à luz do Acórdão proferido nos processos apensos C‑427/16 e C‑428/16, CHEZ Elektro Bulgaria, ser interpretado no sentido de que, quando uma autoridade estatal como a Narodnoto sabranie (Assembleia Nacional, Bulgária) delega a fixação de preços mínimos por regulamento, numa ordem profissional de advogados, deve identificar expressamente os métodos específicos através dos quais a proporcionalidade da restrição deve ser determinada, ou cabe à ordem profissional explicá‑los no momento da adoção do regulamento (por exemplo, na exposição de motivos do projeto ou noutros documentos preparatórios) e, caso não sejam tidos em conta esses métodos, deve o órgão jurisdicional recusar a aplicação do regulamento sem examinar os montantes concretos [desses preços mínimos], e basta a existência de uma explicação justificativa de tais métodos para se considerar que a regulamentação se limita ao que é necessário para alcançar os objetivos legítimos estabelecidos?

5.      Em caso de resposta negativa à quarta questão: deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido à luz do Acórdão proferido nos processos apensos C‑427/16 e C‑428/16, CHEZ Elektro Bulgaria, ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional deve avaliar os objetivos legítimos que justificam a aplicação de uma disposição nacional nos termos da qual o órgão jurisdicional não pode condenar a parte vencida no pagamento das despesas correspondentes a honorários do advogado num montante inferior a um montante mínimo estabelecido num regulamento adotado por uma ordem profissional de advogados, como o Conselho Superior da Ordem dos Advogados (Bulgária), e a sua proporcionalidade em relação aos efeitos sobre o montante previsto no processo em concreto, recusando a sua aplicação se este exceder o necessário para alcançar os objetivos, ou deve o órgão jurisdicional averiguar, em princípio, a natureza e a expressão dos critérios previstos no regulamento para determinar um montante e, se verificar que em determinados casos podem exceder o necessário para alcançar os objetivos, deve afastar a aplicação da regra correspondente em todos os casos?

6.      Se se admitir como objetivo legítimo dos honorários mínimos a garantia de serviços jurídicos de elevada qualidade, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE permite a fixação de montantes mínimos exclusivamente com base na natureza do processo (objeto do litígio), no interesse material no processo e, em parte, no número de audiências realizadas, sem ter em conta outros critérios como a complexidade factual, as disposições nacionais e internacionais aplicáveis, etc.?

7.      Se a resposta à quinta questão for no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve avaliar separadamente para cada processo se os objetivos legítimos de garantir uma assistência jurídica eficaz podem justificar a aplicação da regulamentação relativa ao montante mínimo dos honorários [de advogado], que critérios deve o órgão jurisdicional então adotar para avaliar a proporcionalidade do montante mínimo dos honorários [de advogado] no processo em concreto, se considerar que o montante mínimo foi instituído com o objetivo de garantir uma assistência jurídica eficaz a nível nacional?

8.      Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, em conjugação com o artigo 47.o, n.o 3, da Carta […], ser interpretado no sentido de que, para responder à sétima questão, há que ter em conta uma regulamentação aprovada pelo poder executivo quanto aos honorários devidos pelo Estado aos advogados nomeados oficiosamente, que — por força de uma remissão legal — constitui o montante máximo a reembolsar à parte vencedora no processo representada por um consultor jurídico?

9.      Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, em conjugação com o artigo 47.o da Carta […], ser interpretado no sentido de que, para responder à sétima questão, o órgão jurisdicional nacional deve indicar um montante de honorários suficiente para garantir o objetivo de assegurar uma assistência jurídica de elevada qualidade, comparando‑o com o que resulta da regulamentação aplicável, e a expor as razões para o montante por si fixado ao abrigo do seu poder discricionário?

10.      Deve o artigo 101.o, n.o 2, TFUE, em conjugação com os princípios da eficácia das vias de recurso nacionais e da proibição de abuso de direito, ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional constata que uma decisão de uma associação de empresas viola proibições em matéria de restrição da concorrência ao fixar tarifas mínimas para os seus membros, sem que haja razões válidas que justifiquem tal ingerência, é obrigado a aplicar as tarifas mínimas estabelecidas nessa decisão já que refletem os preços reais de mercado dos serviços a que a decisão se refere, uma vez que todas as pessoas que prestam o serviço em questão são obrigadas a ser membros dessa associação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

21      Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se, e em que medida, os órgãos jurisdicionais nacionais, quando são chamados a determinar o montante das despesas reembolsáveis a título de honorários de advogado, estão vinculados por uma tabela que fixa os montantes mínimos de honorários, adotada por uma organização profissional de advogados de que estes últimos são obrigatoriamente membros por força da lei.

22      O referido órgão jurisdicional pretende, em substância, obter precisões quanto ao alcance e à natureza da fiscalização que é chamado a efetuar, no processo principal, sobre a validade dessa tabela à luz da proibição dos cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, conforme interpretada, nomeadamente, no Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890).

23      Com aquele acórdão, proferido na sequência de dois pedidos de decisão prejudicial relativos à interpretação do artigo 101.o TFUE, apresentados pelo próprio órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça declarou, primeiro, que uma regulamentação nacional, como a regulamentação búlgara relativa aos honorários dos advogados que estava em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, que, por um lado, não permite ao advogado e ao seu cliente acordar uma remuneração de um montante inferior ao montante mínimo fixado por um regulamento adotado por uma associação de empresas constituída por uma organização profissional de advogados e, por outro lado, não autoriza os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a decidir a ordenar o reembolso de um montante de honorários inferior a esses montantes mínimos, era suscetível de restringir a concorrência no mercado interno, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.os 49 e 52).

24      Segundo, depois de ter referido a jurisprudência relativa à possibilidade de considerar determinados comportamentos cujos efeitos restritivos da concorrência são inerentes à prossecução de objetivos legítimos não abrangidos pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, conforme consagrada, nomeadamente, pelo Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98) (a seguir «jurisprudência Wouters»), o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta os autos de que dispunha, não estava em condições de avaliar se a referida regulamentação nacional podia ser considerada necessária à execução de um objetivo legítimo. Assim, declarou que incumbia ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar, tendo em conta o contexto global em que o regulamento do Conselho Superior da Ordem dos Advogados foi adotado ou produzia os seus efeitos, se, à luz de todos os elementos pertinentes de que dispunha, as regras que impõem as restrições em causa nos processos principais podiam ser consideradas necessárias à execução desse objetivo (Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.os 53 a 57).

25      É esta segunda vertente da apreciação do Tribunal de Justiça que está no cerne das questões do órgão jurisdicional de reenvio. Este último considera, com efeito, que o Tribunal de Justiça deixa ao órgão jurisdicional nacional a incumbência de decidir se é possível ter limiares de montantes mínimos de preços para os serviços que sejam fixados por um órgão de uma associação de empresas que prestam esses serviços e que têm um interesse anticoncorrencial, ou seja, que se formulem exceções à proibição de princípio do artigo 101.o TFUE. Salienta que a jurisprudência e as disposições nacionais suscitam uma série de dúvidas quanto ao modo de aplicar o Regulamento n.o 1 sobre o Montante Mínimo dos Honorários dos Advogados e de determinar se os honorários cujo reembolso incumbe à parte vencida não são razoáveis.

26      A este respeito, recorde‑se que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que é baseado numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, o papel deste último se limita à interpretação das disposições do direito da União sobre as quais é questionado, no caso em apreço sobre o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Assim, não cabe ao Tribunal de Justiça mas ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, em última análise, se, tendo em conta todos os elementos pertinentes que caracterizam a situação no processo principal e o contexto económico e jurídico em que esta se insere, o acordo em causa tem por objeto restringir a concorrência (Acórdãos de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 51 e jurisprudência referida, e de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 28).

27      Todavia, o Tribunal de Justiça, pronunciando‑se a título prejudicial, pode, com base nos elementos do processo que lhe foram submetidos, prestar esclarecimentos destinados a orientar o órgão jurisdicional de reenvio na sua interpretação, para que este possa decidir o litígio (Acórdãos de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 52 e jurisprudência referida, e de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 29).

28      No processo em apreço, afigura‑se necessário apresentar precisões quanto ao alcance da referência feita pelo Tribunal de Justiça, nos n.os 53 a 55 do Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890), à jurisprudência Wouters.

29      Com efeito, essa referência podia levar a supor que, mesmo um comportamento de empresa que restrinja a concorrência «por objetivo», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, como a fixação horizontal de tarifas mínimas impostas, pode ficar à margem da proibição prevista nesta disposição, eventualmente em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, quando os efeitos restritivos da concorrência daí decorrentes sejam inerentes à prossecução de objetivos legítimos.

30      Ora, é certo que, segundo jurisprudência constante, qualquer acordo entre empresas ou qualquer decisão de uma associação de empresas que restrinja a liberdade de ação das empresas partes nesse acordo subordinadas ao respeito dessa decisão não cai necessariamente sob a alçada da proibição constante do artigo 101.o, n.o 1, do Tratado. Com efeito, a análise do contexto económico e jurídico em que se inscrevem alguns desses acordos e algumas dessas decisões pode levar a concluir, primeiro, que estes se justificam pela prossecução de um ou vários objetivos legítimos de interesse geral desprovidos, em si, de caráter anticoncorrencial, segundo, que os meios concretos a que se recorre para prosseguir esses objetivos são verdadeiramente necessários para esse fim e, terceiro, que, mesmo que se verifique que esses meios têm por efeito inerente restringir ou falsear, pelo menos potencialmente, a concorrência, esse efeito inerente não excede o necessário, em especial eliminando toda a concorrência (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 183).

31      Esta jurisprudência pode ser aplicada, em especial, a acordos ou decisões que assumam a forma de regras adotadas por uma associação como uma associação profissional ou uma associação desportiva, com vista a prosseguir determinados objetivos de ordem ética ou deontológica e, mais amplamente, enquadrar o exercício de uma atividade profissional, se a associação em causa demonstrar que as condições que acabam de ser recordadas estão preenchidas (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 97; de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.os 42 a 48; e de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 93, 96 e 97).

32      Em contrapartida, a referida jurisprudência não é aplicável em relação a comportamentos que, longe de se limitarem a ter por «efeito» inerente restringir, pelo menos potencialmente, a concorrência, limitando a liberdade de ação de certas empresas, apresentam, relativamente a essa concorrência, um grau de nocividade que justifica que se considere que têm mesmo por «objetivo» impedi‑la, restringi‑la ou falseá‑la. Assim, só quando se verificar, no termo do exame do comportamento que está em causa num determinado caso concreto, que esse comportamento não tem por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência, é que há que determinar, em seguida, se pode ser abrangido por esta jurisprudência (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 186 e jurisprudência referida).

33      No que respeita aos comportamentos que têm por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, é, pois, unicamente em aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE e desde que sejam respeitadas todas as condições previstas nesta disposição, que lhes pode ser concedido o benefício de uma isenção da proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Numa situação em que o comportamento que infringe esta última disposição é anticoncorrencial por objetivo, isto é, apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência, e em que, além disso, é suscetível de afetar diferentes categorias de utilizadores ou de consumidores, importa designadamente, para efeitos desse benefício, determinar se e, sendo caso disso, em que medida esse comportamento tem, não obstante a sua nocividade, uma incidência favorável sobre cada uma delas (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, European Superleague Company, C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.os 187 e 194 e jurisprudência referida).

34      Decorre destas considerações que, embora o Tribunal de Justiça se tenha igualmente referido, nos n.os 51 e 53 do Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890), à jurisprudência Wouters face a uma regulamentação nacional que estabelece um acordo horizontal sobre os preços, só o fez para orientar o órgão jurisdicional de reenvio na hipótese de este concluir, após uma apreciação de todos os factos do caso em apreço, que essa regulamentação nacional tornava obrigatória uma decisão de uma associação de empresas que tinha unicamente «por efeito» restringir a concorrência. De facto, resulta dos n.os 56 e 57 do Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890), que o Tribunal de Justiça considerou que não dispunha de todos os elementos relativos ao contexto global em que o regulamento do Conselho Superior da Ordem dos Advogados foi adotado ou produziu os seus efeitos.

35      É à luz destes esclarecimentos preliminares que há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à primeira questão

36      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um órgão jurisdicional nacional declarar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, tornado obrigatório por uma regulamentação nacional, é contrário a essa disposição, pode recusar aplicar essa regulamentação nacional relativamente à parte condenada no pagamento das despesas correspondentes aos honorários de advogado, incluindo quando essa parte não celebrou nenhum contrato de serviços de advogado e de honorários de advogado.

37      Segundo jurisprudência constante, por força do princípio do primado do direito da União, na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, o juiz nacional encarregado de aplicar as disposições do direito da União no âmbito da sua competência tem a obrigação de garantir o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário, por iniciativa própria, qualquer regulamentação ou prática nacional, ainda que posterior, contrária ao direito da União, sem que tenha de pedir ou aguardar pela sua eliminação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 53 e jurisprudência referida].

38      Além disso, há que recordar que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE produz efeitos diretos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera jurídica destes, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 32 e jurisprudência referida).

39      Do mesmo modo, visto que um órgão jurisdicional nacional devia declarar que as restrições da concorrência resultantes do Regulamento sobre o Montante Mínimo dos Honorários dos Advogados não podem ser consideradas inerentes à prossecução de objetivos legítimos, a regulamentação nacional que o torna obrigatório é incompatível com o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE.

40      Em tal hipótese, este órgão jurisdicional terá a obrigação de não aplicar a norma nacional controvertida. Com efeito, embora seja verdade que o artigo 101.o TFUE apenas diz respeito ao comportamento das empresas e não visa medidas legislativas ou regulamentares que emanam dos Estados‑Membros, não é menos verdade que este artigo, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, que institui um dever de cooperação entre a União e os Estados‑Membros, obsta a que estes últimos tomem ou mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, suscetíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (Acórdão de 21 de setembro de 2016, Établissements Fr. Colruyt, C‑221/15, EU:C:2016:704, n.o 43 e jurisprudência referida).

41      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um órgão jurisdicional nacional declarar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, tornado obrigatório por uma regulamentação nacional, é contrário ao referido artigo 101.o, n.o 1, deve recusar aplicar essa regulamentação nacional relativamente à parte condenada no pagamento das despesas correspondentes aos honorários de advogado, incluindo quando essa parte não celebrou nenhum contrato de serviços de advogado e de honorários de advogado.

 Quanto às segunda a nona questões

42      Com as segunda a nona questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter precisões no que respeita, em primeiro lugar, aos «objetivos legítimos» a que uma regulamentação nacional que, por um lado, não permite ao advogado e ao seu cliente acordar uma remuneração de montante inferior ao montante mínimo fixado por um regulamento adotado por uma organização profissional de advogados, como o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, e, por outro, não autoriza o tribunal a ordenar o reembolso de um montante de honorários inferior a esse montante mínimo, deve responder para ser conforme ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE e, em segundo lugar, à fiscalização que esse órgão jurisdicional é chamado a efetuar nesse contexto.

43      O referido órgão jurisdicional indica que não há dúvida de que, apesar da ausência de referência ao objetivo prosseguido pelo legislador búlgaro, esse objetivo consiste em assegurar a qualidade dos serviços prestados pelos advogados. Interroga‑se, todavia, sobre como e com base em que parâmetros devem ser avaliados o caráter legítimo do referido objetivo, bem como a adequação e a proporcionalidade da medida em causa, concretamente a tabela que fixa os montantes mínimos de honorários, em relação ao mesmo objetivo.

44      Quanto a este aspeto, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, cujos membros são todos advogados eleitos pelos seus pares, sem nenhuma fiscalização das autoridades públicas nem de disposições suscetíveis de garantir que este intervém como um desmembramento do poder público, atua como uma associação de empresas, na aceção do artigo 101.o TFUE, quando adota os regulamentos que fixam os montantes mínimos da remuneração do advogado (Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.os 47 a 49).

45      Uma vez que as segunda a nona questões dizem respeito aos requisitos de aplicação da jurisprudência Wouters, importa, por conseguinte, verificar previamente, à luz das considerações expostas nos n.os 30 a 33 do presente acórdão, se esta jurisprudência deve ser aplicada a uma decisão de uma associação de empresas que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, como a que está em causa no processo principal.

46      Para esse efeito, há que determinar se tal decisão se limita a ter por «efeito» inerente restringir, pelo menos potencialmente, a concorrência, limitando a liberdade de ação de certas empresas, ou se a mesma apresenta, relativamente a essa concorrência, um grau de nocividade que justifique considerar que tem por «objetivo» mesmo impedir, restringir ou falsear a referida concorrência.

47      A este respeito, há que recordar que para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, um acordo deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno. Segundo jurisprudência constante, a partir do Acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38), o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objeto do acordo. Deste modo, quando o objetivo anticoncorrencial de um acordo esteja provado, não há que verificar os seus efeitos na concorrência (Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 31 e jurisprudência referida).

48      É facto assente que o critério jurídico essencial para determinar se um acordo, seja horizontal ou vertical, comporta uma «restrição da concorrência por objetivo» reside na constatação de que esse acordo apresenta, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade para a concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 57, e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 59 e jurisprudência referida).

49      Para apreciar se esse critério está preenchido, há que atender ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação deste contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (Acórdãos de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53, e de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 107 e jurisprudência referida).

50      No que respeita a uma decisão de uma associação de empresas que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, como o Tribunal de Justiça já declarou, a fixação de montantes mínimos da remuneração do advogado, tornados obrigatórios por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, equivale à fixação horizontal de tarifas mínimas impostas, proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.o 51 e jurisprudência referida).

51      Assim, é notório que certos comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem ser considerados suscetíveis de ter efeitos negativos, em especial, sobre o preço, a quantidade ou a qualidade dos produtos e dos serviços, de modo que pode ser considerado inútil, para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções de produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores (Acórdão de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o., C 228/18, EU:C:2020:265, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

52      Os referidos comportamentos devem assim ser qualificados de «restrições por objetivo», porquanto revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência, seja qual for o nível em que o preço mínimo é fixado.

53      Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência mencionada no n.o 32 do presente acórdão, tais restrições não podem, em nenhum caso, ser justificadas pela prossecução de «objetivos legítimos» como os alegadamente prosseguidos pela regulamentação relativa aos montantes mínimos dos honorários dos advogados, em causa no processo principal.

54      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda a nona questões que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que, por um lado, não permite ao advogado e ao seu cliente acordar uma remuneração de um montante inferior ao montante mínimo fixado por um regulamento adotado por uma organização profissional de advogados, como o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, e, por outro, não autoriza o tribunal a ordenar o reembolso de um montante de honorários inferior a esse montante mínimo, deve ser considerada como constituindo uma restrição da concorrência «por objetivo», na aceção dessa disposição. Perante tal restrição, não podem invocar‑se os objetivos legítimos alegadamente prosseguidos pela referida regulamentação nacional para excluir o comportamento em causa da proibição dos acordos e das práticas restritivas da concorrência, enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

 Quanto à décima questão

55      Com a décima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 2, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um órgão jurisdicional nacional declarar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, tornado obrigatório por uma regulamentação nacional, infringe a proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, está, todavia, obrigado a utilizar os montantes mínimos previstos por esse regulamento, uma vez que esses montantes refletem os preços reais de mercado dos serviços de advogado.

56      A este respeito, e como resulta da resposta à primeira questão, se um órgão jurisdicional nacional constatar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados viola o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, está obrigado a recusar a aplicação da legislação nacional que torna esse regulamento obrigatório.

57      Além disso, há que recordar que, sendo o artigo 101.o TFUE uma disposição fundamental indispensável ao cumprimento das missões confiadas à União e, em particular, ao funcionamento do mercado interno, os autores do Tratado previram expressamente no artigo 101.o, n.o 2, TFUE que os acordos ou decisões proibidos por este artigo são nulos (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de junho de 1999, Eco Swiss, C‑126/97, EU:C:1999:269, n.o 36, e de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.os 20 e 21).

58      Esta nulidade, que pode ser invocada por todos, impõe‑se ao juiz a partir do momento em que as condições de aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE estejam reunidas e que o acordo em causa não possa justificar a concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 101.o, n.o 3, TFUE. Uma vez que a nulidade visada no artigo 101.o, n.o 2, TFUE tem caráter absoluto, um acordo nulo nos termos desta disposição não produz efeitos nas relações entre os contratantes e não é oponível a terceiros. Além disso, tal nulidade é suscetível de afetar todos os efeitos, passados ou futuros, do acordo ou da decisão em causa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 22 e jurisprudência referida).

59      No processo em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, em qualquer caso, não deveria estar obrigado a aplicar os montantes previstos no Regulamento n.o 1 sobre o Montante Mínimo dos Honorários dos Advogados, ou seja, mesmo no caso de este regulamento dever ser declarado nulo, na aceção do artigo 101.o, n.o 2, TFUE. Justifica esta questão pelo facto de os montantes previstos pelo referido regulamento refletirem os preços reais de mercado dos serviços de advogado, uma vez que todos os advogados estão obrigados a ser membros da associação que adotou o mesmo regulamento.

60      Ora, importa sublinhar que o preço de um serviço que é fixado num acordo ou numa decisão adotados por todos os agentes do mercado não pode ser considerado um preço real de mercado. Pelo contrário, a concertação sobre os preços dos serviços por todos os intervenientes no mercado, que constitui uma distorção grave da concorrência, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, obsta precisamente à aplicação de preços reais de mercado.

61      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à décima questão que o artigo 101.o, n.o 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um órgão jurisdicional nacional declarar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, tornado obrigatório por uma regulamentação nacional, infringe a proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, está obrigado a recusar aplicar essa regulamentação nacional, incluindo quando os montantes mínimos previstos pelo referido regulamento refletem os preços reais do mercado dos serviços de advogado.

 Quanto às despesas

62      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um órgão jurisdicional nacional declarar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, tornado obrigatório por uma regulamentação nacional, é contrário ao referido artigo 101.o, n.o 1, deve recusar aplicar essa regulamentação nacional relativamente à parte condenada no pagamento das despesas correspondentes aos honorários de advogado, incluindo quando essa parte não celebrou nenhum contrato de serviços de advogado e de honorários de advogado.

2)      O artigo 101.o, n.o 1, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que, por um lado, não permite ao advogado e ao seu cliente acordar uma remuneração de um montante inferior ao montante mínimo fixado por um regulamento adotado por uma organização profissional de advogados, como o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, e, por outro, não autoriza o tribunal a ordenar o reembolso de um montante de honorários inferior a esse montante mínimo, deve ser considerada como constituindo uma restrição da concorrência «por objetivo», na aceção dessa disposição. Perante tal restrição, não podem invocarse os objetivos legítimos alegadamente prosseguidos pela referida regulamentação nacional para excluir o comportamento em causa da proibição dos acordos e das práticas restritivas da concorrência, enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

3)      O artigo 101.o, n.o 2, TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um órgão jurisdicional nacional declarar que um regulamento que fixa os montantes mínimos dos honorários dos advogados, tornado obrigatório por uma regulamentação nacional, infringe a proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, está obrigado a recusar aplicar essa regulamentação nacional, incluindo quando os montantes mínimos previstos pelo referido regulamento refletem os preços reais do mercado dos serviços de advogado.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.