Language of document : ECLI:EU:C:2024:83

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 25 de janeiro de 2024 (1)

Processo C436/22

Asociación para la Conservación y Estudio del Lobo Ibérico (ASCEL)

contra

Administración de la Comunidad Autónoma de Castilla y León

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Sistema de proteção rigorosa das espécies animais que figuram no anexo IV, a) — Lobo (Canis lupus) — Limites territoriais da proteção rigorosa — Captura no meio natural e exploração de espécimes das espécies da fauna e da flora selvagens referidos no anexo V, a) — Plano regional de exploração do lobo nas zonas cinegéticas — Avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa — Consequências de um estado de conservação desfavorável»






I.      Introdução

1.        A proteção do lobo (Canis lupus) tem sido atualmente objeto de debates controversos. Com efeito, o Parlamento Europeu apelou à revisão do seu estatuto de proteção (2) e a Comissão Europeia solicitou a transmissão de dados locais para esse fim (3). Também no quadro da Convenção de Berna (4) se discute sobre se a proteção do lobo deve ser atenuada (5).

2.        No entanto, a Diretiva Habitats (6) continua a proteger o lobo de forma ampla: os Estados‑Membros têm a obrigação não só de proceder à designação de zonas especiais de proteção para esta espécie, mas também a proteger os espécimes isolados em todo o território da União. O presente pedido de decisão prejudicial diz respeito a este segundo sistema de proteção, a proteção das espécies.

3.        No que respeita à proteção das espécies, a Diretiva Habitats prevê dois níveis de proteção, a saber, por um lado, a proteção rigorosa de determinadas espécies, nos termos do artigo 12.°, que, em especial, proíbe, em princípio, a caça e, por outro, uma proteção atenuada no artigo 14.°, que prevê que a caça, em princípio, autorizada, seja restringida se tal for necessário para manter a espécie em causa num estado de conservação favorável.

4.        Ambas as formas de proteção das espécies são aplicáveis ao lobo. O elemento determinante é o lugar onde este se encontre. Em conformidade com a Diretiva Habitas, em Espanha, a norte do rio Douro, deve aplicar‑se ao lobo o artigo 14.°, e, a sul do mesmo rio, o artigo 12.° Por este motivo, a Comunidade Autónoma de Castela e Leão, que é atravessada por este rio, permite a caça ao lobo, a norte.

5.        O presente pedido de decisão prejudicial tem origem num litígio relativo à admissibilidade de uma norma regional em matéria de caça. Uma vez que o estado de conservação do lobo em Espanha é desfavorável, o órgão jurisdicional nacional tem dúvidas de que seja admissível que a proteção rigorosa do artigo 12.° da Diretiva Habitats não seja aplicável a norte do Douro. No caso de se considerar que a limitação territorial dos dois regimes de proteção instituída pela diretiva é justificada, o Tribunal de Justiça deverá esclarecer se a caça deve, ainda assim, ser proibida devido ao seu estado de conservação desfavorável na aceção do artigo 14.°

6.        O Tribunal de Justiça ainda não teve ocasião de apreciar as duas questões. Aliás, as mesmas são relevantes não apenas para a Espanha, mas também para a Grécia, a Finlândia, a Bulgária, a Letónia, a Lituânia, a Estónia, a Polónia e a Eslováquia, onde o lobo também está sujeito, em todo o território nacional ou em partes deste, apenas à proteção mais atenuada segundo o artigo 14.° da Diretiva Habitats.

II.    Quadro jurídico

A.      Convenção de Berna

7.        No que respeita ao direito internacional, é sobretudo relevante a Convenção de Berna relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa. A Comunidade Económica Europeia ratificou esta Convenção em 1982 (7). Apesar de a Espanha a ter assinado logo em 1979, a mesma só entrou em vigor para Espanha em 1986 (8).

8.        O artigo 2.° da Convenção de Berna contém objetivos gerais:

«As Partes Contratantes adotarão as medidas necessárias para manter ou adaptar a população da flora e da fauna selvagens num nível que corresponda, especificadamente, às exigências ecológicas, científicas e culturais, considerando simultaneamente as exigências económicas e recreativas e as necessidades das subespécies, variedades ou formas ameaçadas no plano local.»

9.        O artigo 6.° da Convenção de Berna contém disposições especiais de proteção das espécies:

«Cada uma das Partes Contratantes deverá tomar as medidas legislativas e regulamentares adequadas e necessárias para garantir a conservação particular das espécies da fauna selvagem enumeradas no anexo II. Nomeadamente, serão proibidas, relativamente a tais espécies:

a)      Todas as formas de captura intencional, de detenção e de abate intencional;

[…]»

10.      O lobo é referido no anexo II da Convenção de Berna como uma espécie da fauna estritamente protegida. No entanto, a Espanha apresentou e comunicou uma reserva no sentido de proteger o lobo como espécie do anexo III, ou seja, ao abrigo do artigo 7.° (9).

11.      O artigo 7.° da Convenção de Berna prevê igualmente medidas de proteção:

«1. Cada uma das Partes Contratantes deverá adotar medidas legislativas e regulamentares adequadas e necessárias à proteção das espécies da fauna selvagem enumeradas no anexo III.

2. Toda a exploração da fauna selvagem enumerada no anexo III será regulamentada de maneira que seja conservada fora de perigo a existência das ditas populações, tomando em consideração as disposições do artigo 2.°

3.      Tais medidas incluirão, nomeadamente:

a)      A instituição de períodos de defeso e/ou de outras medidas regulamentares de exploração;

b)      A interdição temporária ou local da exploração, sempre que ela se verifique com vista a permitir que as populações existentes alcancem um nível satisfatório;

c.      [...]»

12.      O artigo 9.° da Convenção de Berna contém exceções às disposições de proteção nos termos dos artigos 6.° e 7.° que, no essencial, correspondem às exceções nos termos do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats.

B.      Diretiva Habitats

13.      O décimo quinto considerando da Diretiva Habitats diz respeito à proteção das espécies:

«Considerando que, em complemento da [Diretiva Aves (10)], convém prever um sistema geral de proteção para certas espécies de fauna e de flora; que devem ser previstas medidas de gestão para certas espécies, se o respetivo estatuto o justificar, incluindo a proibição de certas modalidades de captura ou abate, prevendo, ao mesmo tempo, a possibilidade de derrogações, sob certas condições.»

14.      O artigo 1.°, alíneas b), f), g) e i), da Diretiva Habitats define diversos conceitos:

«[…]

g)      “Espécies de interesse comunitário”: as espécies que, no território referido no artigo 2.°:

i)      estão em perigo, exceto as espécies cuja área de repartição natural se situa de forma marginal nesse território e que não estão em perigo nem são vulneráveis na área do paleártico ocidental ou

ii)      são vulneráveis, ou seja, cuja passagem à categoria das espécies em perigo se considera provável num futuro próximo no caso de persistência dos fatores que são causa da ameaça ou

iii)      são raras, ou seja, cujas populações são de reduzida expressão e que, embora não estejam atualmente em perigo ou não sejam vulneráveis, possam vir a sê‑lo. Estas espécies estão localizadas em áreas geográficas restritas ou espalhadas numa superfície mais ampla ou

iv)      são endémicas e requerem atenção especial devido à especificidade de seu habitat e/ou às incidências potenciais da sua exploração no seu estado de conservação.

Estas espécies constam ou podem vir a constar dos anexos II e/ou IV ou V.

[…]

i)      “Estado de conservação de uma espécie”: o efeito do conjunto das influências que, atuando sobre a espécie em causa, podem afetar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2.°

O “estado de conservação” será considerado “favorável” sempre que:

–        os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é suscetível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence e

–        a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível e

–        existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo.

[…]»

15.      O artigo 2.° da Diretiva Habitats descreve a sua finalidade:

«1. A presente diretiva tem por objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável.

2. As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

3. As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais.»

16.      O artigo 4.° da Diretiva Habitats regula o critério de seleção dos sítios protegidos ao abrigo da diretiva e remete para a adaptação destes sítios à vigilância nos termos do artigo 11.°

17.      O artigo 11.° da Diretiva Habitats obriga os Estados‑Membros à vigilância de espécies e habitats:

«Os Estados‑Membros assegurarão a vigilância do estado de conservação das espécies e habitats referidos no artigo 2.°, tendo especialmente em conta os tipos de habitat natural e as espécies prioritárias.»

18.      O artigo 12.° da Diretiva Habitats estabelece as obrigações fundamentais da proteção das espécies:

«1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para instituir um sistema de proteção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV a) dentro da sua área de repartição natural proibindo:

a)      Todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies capturados no meio natural;

b)      A perturbação intencional dessas espécies, nomeadamente durante o período de reprodução, de dependência, de hibernação e de migração;

c)      A destruição ou a recolha intencionais de ovos no meio natural;

d)      A deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso.

2. Relativamente a estas espécies, os Estados‑Membros proibirão a detenção, o transporte, o comércio ou a troca e a oferta para fins de venda ou de troca de espécimes capturados no meio natural, com exceção dos espécimes colhidos legalmente antes da entrada em vigor da presente diretiva.

[…]»

19.      O artigo 14.° da Diretiva Habitats enuncia as regras relativas à captura de certas espécies de fauna no meio natural:

«1. Se considerarem necessário à luz da vigilância prevista no artigo 11.°, os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para que a colheita e captura no meio natural de espécimes das espécies da fauna e da flora selvagens referidos no anexo V, bem como a sua exploração, sejam compatíveis com a sua manutenção num estado de conservação favorável.

2. Se forem consideradas necessárias, essas medidas deverão incluir a prossecução da vigilância prevista no artigo 11.°, podendo ainda compreender, nomeadamente:

–        prescrições relativas ao acesso a determinados setores;

–        a proibição temporária ou local da captura ou colheita de espécimes no meio natural e da exploração de certas populações;

–        a regulamentação dos períodos e/ou dos modos de colheita e captura;

–        a aplicação, na colheita ou captura, de regras cinegéticas ou haliêuticas que respeitem a sua conservação;

–        a criação de um sistema de autorizações de colheita e captura ou de quotas;

–        a regulamentação da compra, venda, colocação no mercado, detenção ou transporte com vista à venda de espécimes;

–        a criação de espécies animais no cativeiro, bem como a propagação artificial de espécies vegetais, em condições estritamente controladas, com vista à redução da colheita no meio natural;

–        a avaliação do efeito das medidas adotadas.»

20.      O artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats prevê exceções aos artigos 12.° e 14.°

21.      O artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva Habitats impõe aos Estados‑Membros e à Comissão que elaborem periodicamente um relatório sobre a aplicação das disposições tomadas no âmbito da presente diretiva sobre o estado de conservação das espécies:

«De seis em seis anos, a contar do termo do prazo previsto no artigo 23.°, os Estados‑Membros elaborarão um relatório sobre a aplicação das disposições tomadas no âmbito da presente diretiva. Este relatório compreenderá nomeadamente informações relativas às medidas de conservação referidas no n.° 1 do artigo 6.°, bem como a avaliação da incidência dessas medidas sobre o estado de conservação dos tipos de habitat do anexo I e das espécies do anexo II e os principais resultados da vigilância referida no artigo 11.° Este relatório, conforme ao modelo do relatório elaborado pelo comité, será enviado à Comissão e posto à disposição do público.»

22.      O anexo II, alínea a), da Diretiva Habitats menciona designadamente o lobo como espécie prioritária para a qual devem ser designadas zonas de proteção, mas, em Espanha, abrange apenas as populações a sul do rio Douro (11). O lobo também é referido no anexo IV, alínea a), como uma espécie que exige proteção restrita nos termos do artigo 12.°, embora se excluam desta proteção as populações espanholas a norte do Douro. Estas populações de lobo são, ao invés, referidas no anexo V, alínea a).

C.      Direito espanhol

23.      O artigo 56.° da Ley 42/2007, de 13 de diciembre, del Patrimonio Natural y de la Biodiversidad (Lei 42/2007, de 13 de dezembro, Lei do Património Natural e Biodiversidade, a seguir «Lei 42/2007») na versão pertinente para o caso presente criou a Listagem de Espécies Selvagens em Regime de Proteção Especial, que inclui espécies, subespécies e populações que sejam merecedoras de especial atenção e proteção devido ao seu valor científico, ecológico, cultural, pela sua singularidade, raridade ou grau de ameaça a que estejam expostas, bem como as que constem como protegidas nos anexos das diretivas e das convenções internacionais ratificadas por Espanha. O artigo 65.°, n.° 1, desta lei estabelece que a caça e a pesca em águas continentais só podem ter por objeto as espécies determinadas pelas Comunidades Autónomas, declaração que em caso algum poderá afetar as espécies incluídas na Listagem de Espécies Selvagens em Regime de Proteção Especial.

24.      Em 2021, o Ministerio para la Transición Ecológica y el Reto Demográfico (Ministério para a Transição Ecológica e Repto Demográfico) adotou a Orden (Decreto Ministerial) TED/980/2021, de 20 de setembro, que altera o anexo do Real Decreto (Decreto Real) 139/2011, de 4 de fevereiro de 2011, para a execução da Listagem de Espécies Selvagens em Regime de Proteção Especial e do Inventário Espanhol de Espécies Ameaçadas. Mediante este Decreto Ministerial, foram incluídas na referida listagem todas as populações espanholas do lobo. O referido Decreto Ministerial contém uma Disposição Adicional Primeira, sobre a compatibilidade com as medidas até então em vigor, que estabelece, no n.° 2, que o abate e a captura de exemplares podem, sob certas condições, ser efetuados mediante uma autorização administrativa.

D.      Regulamentação da Comunidade Autónoma de Castela e Leão

25.      O artigo 7.° da Ley 4/1996, de 12 de julio, de Caza de Castilla y León (Lei 4/1996, de 12 de julho, da Caça de Castela e Leão), atualmente revogada, mas que estava em vigor à data em que foi aprovado o Plano de controvertido, dispunha que são espécies cinegéticas as definidas como tal no anexo I dessa lei. O referido anexo I inclui o lobo a norte do rio Douro.

26.      Atualmente é a Ley 4/2021, de 1 de julio, de Caza y de Gestión Sostenible de los Recursos Cinegéticos de Castilla y León (Lei 4/2021 da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, de 1 de julho, da Caça e da Gestão Sustentável dos Recursos Cinegéticos, a seguir «Lei 4/2021»), que, no seu artigo 6.°, dispõe que a caça só pode ser praticada em espécies cinegéticas e que são espécies cinegéticas as incluídas no anexo I. Nesse anexo I está incluído, como espécie de caça grossa, o «lobo (Canis lupus): a norte do rio Douro». A Lei 4/2021 também contém disposições relativas à exclusão do anexo I das espécies que são protegidas, sob que forma seja, em aplicação da legislação nacional de base que implique a proibição da respetiva caça, ou quando essa exclusão se considere necessária para assegurar adequadamente a sua conservação. Por força desta lei, também se pode excluir temporariamente da prática da caça qualquer das espécies declaradas como cinegéticas, quando tal seja necessário para assegurar adequadamente a sua conservação. O artigo 38.° desta lei dispunha (antes da sua anulação pelo Tribunal Constitucional espanhol) que qualquer modalidade de caça do lobo exigia a autorização do Ministério da Comunidade Autónoma competente em matéria de caça, a autoridade com competência máxima no âmbito territorial de Castela e Leão, e que o valor de um lobo abatido ascendia a 6 000 euros.

III. Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

27.      A Asociación para la Conservación y Estudio del Lobo Ibérico (ASCEL) (Associação para a Conservação e Estudo do Lobo Ibérico) interpôs, em 17 de fevereiro de 2020, no Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, Espanha) um recurso contencioso administrativo contra a Administración de la Comunidad Autónoma de Castilla y León (Administração da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, Espanha). A ASCEL pede que seja declarada nula a Decisão da Dirección General del Patrimonio Natural y Política Forestal [de la Junta de Castilla y León] (Direção Geral do Património Natural e Política Florestal do Governo de Castela e Leão), de 9 de outubro de 2019, que aprovou o plano regional de exploração do lobo nos territórios cinegéticos situados a norte do rio Douro em Castela e Leão para as épocas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022 (a seguir «Plano de exploração cinegética»). Pede ainda indemnização pelos danos causados às espécies selvagens durante cada uma destas temporadas de caça.

28.      Segundo a sua exposição de motivos, o Plano de exploração cinegética baseia‑se num censo regional do lobo que remonta aos anos de 2012 e 2013, num censo nacional levado a cabo entre 2012 e 2014 e nos relatórios anuais de monitorização que exigem um menor esforço de prospeção e acompanhamento do que o requerido para a elaboração de um censo. Com base nos dados disponíveis e mediante a aplicação de diferentes fatores, o Plano estima em 1 051 exemplares os lobos existentes a norte do rio Douro em Castela e Leão antes da época de caça. O Plano de exploração cinegética divide o território de Castela e Leão a norte do rio Douro com presença de lobos em 28 distritos com população de lobos e calcula a densidade de lobos em cada uma delas, classificando‑as consoante a sua densidade alta, baixa ou média, atribuindo‑lhes um nível de exploração cinegética percentual com base nessa densidade. Este Plano conclui que exceder 35 % de mortalidade anual implicaria a regressão populacional da espécie.

29.      O Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão salienta que, nos últimos anos, conheceu de vários recursos interpostos de diversas disposições hierarquicamente inferiores à lei, em matéria de autorização da caça do lobo. Estas disposições foram anuladas pelos respetivos acórdãos, por não terem sido juntos ao processo administrativo os estudos científicos comprovativos de que estavam preenchidos os requisitos que justificavam que a espécie fosse declarada cinegética sem comprometer o seu estado de conservação na sua área de repartição. No entanto, foi interposto recurso desses acórdãos para o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), que julgou os recursos procedentes, e pronunciou‑se no sentido de não ser necessário apresentar, para cada época de caça, em cada âmbito de competências e em cada território, e em relação a cada uma das espécies consideradas suscetíveis de caça, um pedido prévio de verificação específica, ad hoc, territorial e material, do cumprimento das exigências respeitantes aos níveis populacionais, à distribuição geográfica e ao índice de reprodução da espécie.

30.      Por conseguinte, o Tribunal Superior de Justicia de Castilla y León (Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão) submete as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

Uma vez que todas as medidas tomadas por um Estado‑Membro ao abrigo da Diretiva, de acordo com o seu artigo 2.°, n.° 2, se destinam a garantir a conservação ou o restabelecimento das espécies animais de interesse comunitário, como é o caso do lobo [(Canis lupus)], num estado de conservação favorável:

1)      Os artigos 2.°, n.° 2, 4.°, 11.°, 12.°, 14.°, 16.° e 17.° da Diretiva Habitats opõem‑se a que uma lei regional [lei de uma Comunidade Autónoma] (Ley 4/1996, de 12 de julio, de Caza de Castilla y León [Lei 4/1996 da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, de 12 de julho, relativa à Caça] e, posteriormente, a Ley 4/2021, de 1 de julio, de Caza y de Gestión Sostenible dos Recursos Cinegéticos de Castilla y León [Lei 4/2021 da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, de 1 de julho, relativa à Caça e à Gestão Sustentável dos Recursos Cinegéticos], declare o lobo espécie cinegética e objeto de caça e, em consequência, autorize a exploração territorial do lobo nas áreas cinegéticas durante as épocas de 2019/2020, 2020/2021 e 2021/2022, quando o seu estado de conservação é «desfavorável‑inadequado», segundo o relatório para o sexénio de 2013 a 2018 que a Espanha enviou à Comissão Europeia em 2019, motivo pelo qual o Estado (o Estado‑Membro, artigo 4.° da Diretiva Habitats) incluiu todas as populações espanholas de lobo na listagem de espécies selvagens em regime de proteção especial e no inventário espanhol de espécies ameaçadas, concedendo igualmente uma proteção rigorosa às populações situadas a norte do Douro?

2)      É compatível com esta finalidade que o lobo seja objeto de uma proteção diferente consoante se encontre a norte ou a sul do rio Douro, tendo em conta que:

(i)      cientificamente essa distinção é atualmente considerada inadequada

(ii)      a avaliação do seu estado de conservação nas três regiões que ocupa em Espanha, a alpina, a atlântica e a mediterrânea, é desfavorável no período de 2013 a 2018

(iii)      é uma espécie objeto de proteção rigorosa em praticamente todos os Estados‑Membros e, especialmente, por se tratar de uma região partilhada, em Portugal, e

(iv)      segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a área de repartição natural e o âmbito territorial a ter em conta para avaliar o seu estado de conservação, é mais conforme com a referida diretiva e com o disposto no seu artigo 2.°, n.° 3, que o lobo fosse incluído, sem distinguir entre o norte e o sul do Douro, nos anexos II e IV de modo que a sua captura e abate só fosse possível quando não haja outra solução satisfatória nos termos e com os requisitos previstos no artigo 16.°?

No caso de se considerar que este tratamento distinto é justificado,

3)      o termo «exploração» do artigo 14.° da Diretiva inclui a sua exploração cinegética, isto é, a sua caça, face à especial importância desta espécie (é prioritária nos restantes âmbitos territoriais), tendo em conta que até agora essa caça foi permitida e que a sua situação no período de 2013 a 2018 é desfavorável?

4)      o artigo 14.° da Diretiva Habitats opõe‑se à declaração, por lei, do lobo como espécie cinegética e objeto de caça [artigo 7.° e anexo I da Lei 4/1996 da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, de 12 de julho de 1996, relativa à Caça e artigo 6.° e anexo I da Lei 4/2021 da Comunidade Autónoma de Castela e Leão, de 1 de julho de 2021, relativa à Caça e Gestão Sustentável dos Recursos Cinegéticos], e à aprovação de um plano de exploração regional do lobo nas áreas cinegéticas situadas a norte do rio Douro para as épocas de 2019 a 2020, 2020 a 2021 e 2021 a 2022, sem dados que permitam apreciar se foi dado cumprimento à vigilância prevista no artigo 11.° da Diretiva, sem censos desde 2012‑2013 e sem informação suficiente, objetiva, científica e atual da situação do lobo que tenha servido para ordenar o plano de explorações regionais, quando, durante o período 2013 a 2018 nas três regiões ocupadas pelo lobo em Espanha, a alpina, a atlântica e a mediterrânea, a avaliação do seu estado de conservação é desfavorável?

5)      Por força do disposto nos artigos 4.°, 11.° e 17.° da Diretiva Habitats, os relatórios a considerar para determinar o estado de conservação do lobo (os níveis populacionais atuais e reais, a repartição geográfica atual, a taxa de reprodução, etc.) são os elaborados pelo Estado‑Membro de seis em seis anos ou, se necessário, num período inferior, através de um Comité Científico como o criado pelo Real Decreto (Decreto Real) 139/2011, tendo em conta que as suas populações são abrangidas por diferentes Comunidades Autónomas e a necessidade de efetuar a avaliação das medidas de uma população local «em maior escala», na aceção do Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de outubro de 2019, C‑674/17?

31.      A ASCEL, a Comunidade de Castela e Leão, o Reino de Espanha, a República da Finlândia, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência de alegações nos termos do artigo 76.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, por considerar que dispõe das informações suficientes para se pronunciar.

IV.    Apreciação jurídica

32.      A Diretiva Habitats atribui uma elevada importância à proteção do lobo, pelo que exige a designação de zonas de proteção especial para esta espécie (artigo 4.°) e, fora destas zonas (12), a aplicação de regimes de proteção rigorosos (artigo 12.°). No entanto, algumas regiões da União, entre as quais, toda a Espanha a norte do rio Douro, estão excluídas dos dois regimes de proteção. Por conseguinte, a Comunidade Autónoma de Castela e Leão adotou os Planos de exploração cinegética para os seus territórios a norte do Douro, planos que são impugnados no processo principal.

33.      O presente processo suscita, por um lado, a questão de saber se a delimitação do regime de proteção rigorosa da Diretiva Habitats ao longo do rio pode ser justificada à luz do estado de conservação da espécie nas duas regiões (questão 2, bem como, em parte, questão 1, ponto B), e, por outro, em que medida, se se considerar esta delimitação territorial justificada, o artigo 14.° da Diretiva Habitats no que respeita à captura de lobos no meio natural restringe a caça (parte restante da questão 1, bem como questões 3 a 5, ponto C). Todavia, há que examinar previamente as objeções à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial.

A.      Objeções à admissibilidade

34.      Em princípio, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional, que conhece do litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Essas questões gozam de presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (13).

35.      A Espanha alega que o pedido de decisão prejudicial deixou de ser pertinente para a decisão do litígio, uma vez que o Tribunal Constitucional espanhol declarou inconstitucionais as disposições da Comunidade de Castela e Leão por violação de disposições nacionais. Ao mesmo tempo, a Comunidade Autónoma afirma que comunicou aos titulares de autorizações para a caça dos lobos que não podiam exercer tal direito de caça.

36.      Contudo, a Comunidade Autónoma de Castela e Leão alega, simultaneamente, que impugnou as normas estatais que se opunham à aplicação das normas regionais controvertidas. Por conseguinte, deve considerar‑se que pode haver lugar a repristinação das normas regionais se o recurso vier a ser julgado procedente.

37.      Além disso, o processo principal também diz respeito à questão de saber se os danos causados à população de lobos pela caça durante a vigência das normas regionais que precedeu a decisão do Tribunal Constitucional espanhol também devem ser reparados. Uma vez que esta decisão diz apenas respeito ao período posterior a 2021 e o processo principal diz respeito aos períodos de caça desde 2019, a compatibilidade das normas regionais com o direito da União mantém interesse.

38.      Por esse motivo, de qualquer modo, o pedido de decisão prejudicial não é manifestamente irrelevante para a decisão do litígio no processo principal.

39.      Menos convincente é a outra objeção suscitada pela Comunidade Autónoma de Castela e Leão, segundo a qual o pedido de decisão prejudicial suscita apenas questões relativas à apreciação da prova. Embora o Tribunal de Justiça não seja competente para a apreciação da prova no âmbito do processo de decisão prejudicial, o porém, o pedido de decisão prejudicial destina‑se manifestamente a clarificar as questões de direito da União relativas à validade da delimitação do regime de proteção rigorosa dos lobos ao longo do Douro e ao modo como se deve interpretar o artigo 14.° da Diretiva Habitats.

40.      No entanto, a Comunidade Autónoma de Castela e Leão critica, com razão, o facto de que uma parte da primeira questão diga respeito à relação entre a regulamentação estatal espanhola relativa à proteção do lobo e a regulamentação regional espanhola relativa à caça do lobo. Esta relação é uma questão de direito interno espanhol que não pode ser respondida pelo Tribunal de Justiça. Consequentemente, esta parte da primeira questão é inadmissível.

41.      Quanto ao restante, os argumentos invocados pela Espanha e pela Comunidade Autónoma de Castela e Leão contra a admissibilidade devem ser julgados improcedentes.

B.      Aplicação territorial do regime de proteção rigorosa

42.      Com a segunda questão e com a primeira questão, na parte em que esta diz respeito ao artigo 12.° da Diretiva Habitats, o Tribunal Superior pretende saber se, tendo em conta o estado de conservação do lobo em Espanha, é compatível com a finalidade da diretiva de manter ou de restabelecer o estado de conservação favorável das espécies protegidas, que o lobo em Espanha a sul do Douro esteja sujeito à proteção mais rigorosa do artigo 12.°, mas a norte do Douro apenas à proteção mais atenuada do artigo 14.°

43.      O âmbito de aplicação territorial respetivo dos artigos 12.° e 14.° da Diretiva Habitats resulta claramente da redação das duas disposições em conjugação com os anexos IV e V. Ainda que este regime fosse contrário ao objetivo primordial desta diretiva, esta contradição não poderia alterar a delimitação territorial clara dos dois regimes de proteção (14).

44.      Além disso, o estado de conservação das espécies do anexo V deve ser tido em conta de modo determinante quando da aplicação do artigo 14.°, conforme ainda irei expor a seguir. Por conseguinte, é desde logo duvidoso supor que existe uma contradição com a finalidade da diretiva.

45.      Contudo, a delimitação territorial dos dois regimes de proteção previstos na diretiva pode ser posta em causa se estiver em contradição com a lei hierarquicamente superior. Embora não haja, aparentemente, uma contradição com os Tratados ou com a Carta, poderia perguntar‑se se a delimitação é compatível com as obrigações decorrentes da Convenção de Berna. Enquanto acordo internacional da União, esta prevalece sobre as disposições do direito derivado da União (15).

46.      Com efeito, ao ratificar a Convenção de Berna a Espanha reservou‑se o direito de proteger o lobo em todo o seu território nacional não ao abrigo do artigo 6.° da Convenção, ou seja, em conformidade com o artigo 12.° da Diretiva Habitats, mas unicamente ao abrigo do artigo 7.° da Convenção, ou seja, em conformidade com o artigo 14.° da Diretiva Habitats. Consequentemente, a limitação da proteção a uma parte do território nacional espanhol não viola as obrigações internacionais da Espanha por força da Convenção de Berna.

47.      No entanto, a União não emitiu nenhuma reserva à Convenção de Berna. Assim, a União poderia atualmente ser obrigada, por força do direito internacional, a garantir a proteção rigorosa do lobo em conformidade com o artigo 6.° da Convenção em todo o seu território, ou seja, também em Espanha a norte do Douro. A limitação territorial da aplicação do artigo 12.° da Diretiva Habitats seria incompatível com tal obrigação.

48.      Além disso, a Convenção de Berna, enquanto parte integrante do direito da União, é vinculativa para os Estados‑Membros (16), ou seja, também para a Espanha. No mínimo, não é clara a questão de saber se a reserva formulada pela Espanha no que respeita ao direito internacional, se aplica igualmente a este efeito do direito da União.

49.      Porém, proponho ao Tribunal de Justiça que deixe esta questão em aberto, uma vez que o pedido de decisão prejudicial não a suscita expressamente e as partes não se pronunciaram a tal respeito.

50.      Por último, esta questão prejudicial também poderia ser entendida no sentido de saber se a União, com base nas informações relativas ao estado de conservação do lobo em Espanha, deveria ter alterado entretanto a sua inscrição no anexo IV da Diretiva Habitats. No entanto, se fosse entendida neste sentido, a questão não seria pertinente para a decisão, uma vez que as obrigações ativas da União devem distinguir‑se das obrigações ativas dos Estados‑Membros. Mesmo que a União fosse obrigada, por força do artigo 12.° da Diretiva Habitats, a alargar a proteção do lobo aos territórios espanhóis a norte do Douro, não resultaria dessa obrigação que a Espanha ou a Comunidade Autónoma de Castela e Leão já fossem obrigadas a antecipar esta ação da União e a aplicar o artigo 12.° a estes territórios.

51.      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial não apresenta nenhuma dúvida fundada sobre o facto de o lobo (Canis lupus) em Espanha dever ser protegido por força do artigo 12.° da Diretiva Habitats apenas a sul do rio Douro, ao passo que, a norte do rio, é o artigo 14.° da diretiva que se aplica a esta espécie.

C.      Regras sobre a captura e a exploração de lobos

52.      As restantes questões têm por objeto saber se o artigo 14.° da Diretiva Habitats se opõe à autorização da caça ao lobo, quando o Estado‑Membro classifica o estado de conservação da espécie como desfavorável.

53.      A este respeito, importa desde logo clarificar se a caça ao lobo deve ser entendida como exploração na aceção do artigo 14.° da Diretiva Habitats (subtítulo 1) e, em seguida, precisar que obrigações resultam do artigo 14.°, quando o estado de conservação da espécie é desfavorável (subtítulo 2).

1.      A caça como exploração

54.      A terceira questão visa, em primeiro lugar, saber se a expressão «exploração», que figura no artigo 14.° da Diretiva Habitats, abrange a exploração cinegética do lobo, ou seja, a caça do lobo.

55.      O artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats obriga os Estados‑Membros, em determinadas circunstâncias, a tomarem as medidas adequadas para que a captura no meio natural de espécimes de lobos nos territórios espanhóis a norte do Douro, bem como a sua exploração, sejam compatíveis com a sua manutenção num estado de conservação favorável.

56.      A este respeito, a captura, pelo menos, também se refere à caça (17), pois as regras cinegéticas relativas à captura de espécimes constituem em conformidade com o artigo 14.°, n.° 2, quarto travessão, da Diretiva Habitats,, medidas possíveis de proteção que tem por objetivo a manutenção de um estado de conservação favorável. As regras cinegéticas dizem necessariamente respeito à caça.

57.      Porém, o conceito de exploração pode incluir também a caça, uma vez que o considerando 10 da Diretiva Aves refere expressamente as aves como objeto de atos de caça. Por conseguinte, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça considera que a caça de aves pode ser uma exploração judiciosa na aceção do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva Aves (18). Não se vê por que razão seria diferente o caso dos lobos segundo a Diretiva habitats.

58.      Assim, a caça pode ser uma captura e uma exploração de espécimes de lobos na aceção do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats.

2.      Obrigações decorrentes do artigo 14 da Diretiva Habitats

59.      Importa, pois, examinar se o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats se opõe à caça ao lobo quando o estado de conservação desta espécie é desfavorável.

60.      Em conformidade com esta disposição, se considerarem necessário à luz da vigilância prevista no artigo 11.°, os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para que a captura no meio natural de espécimes das espécies da fauna e da flora selvagens referidos no anexo V, ou seja, em especial, do lobo nos territórios espanhóis a norte do Douro, bem como a sua exploração, sejam compatíveis com a sua manutenção num estado de conservação favorável.

61.      A este respeito, importa começar por analisar se a autorização da caça exige determinadas provas [ponto a)] e, em seguida, como deve ser realizada a necessária avaliação neste contexto [ponto b)].

a)      Necessidade de prova

62.      A ASCEL defende que, em conformidade com o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, a caça de uma espécie que figure no anexo V só pode ser autorizada se for feita prova científica de que é compatível com a manutenção de um estado de conservação favorável. A Comissão defende o mesmo com a sua argumentação, segundo a qual, em conformidade com o princípio da precaução, em caso de incerteza científica sobre a compatibilidade da exploração de espécies do anexo V com o seu estado de conservação, devem obrigatoriamente ser adotadas medidas que garantam um estado de conservação favorável.

63.      O princípio da precaução constitui um dos fundamentos da política de proteção de nível elevado prosseguida pela União no domínio do ambiente, nos termos do artigo 191.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TFUE. Em consequência, deve ser tido particularmente em conta para efeitos de interpretação da Diretiva Habitats (19).

64.      Com base no acima exposto, o Tribunal de Justiça declarou que, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats, qualquer plano ou projeto suscetível de prejudicar a integridade de um sítio Natura 2000, só pode ser autorizado quando não subsista nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para a integridade do sítio em causa (20). Do mesmo modo, em conformidade com o princípio da precaução, nenhuma derrogação à proteção das espécies pode ser permitida ao abrigo do artigo 16.° se o exame dos melhores dados científicos disponíveis deixar subsistir uma incerteza sobre a questão de saber se tal derrogação prejudicará ou não a manutenção ou o restabelecimento das populações de uma espécie ameaçada de extinção, num estado de conservação favorável (21).

65.      Contudo, esta jurisprudência não pode ser plenamente transposta para o artigo 14.° da Diretiva Habitats.

66.      O artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats sujeita os planos e projetos visados a uma reserva de aprovação. Se as condições da autorização não estiverem preenchidas, aqueles não podem ser executados. E o artigo 16.° constitui uma disposição derrogatória cuja aplicação, por natureza, depende da prova de que as suas condições (22), que devem ser interpretadas restritivamente, estão preenchidas (23).

67.      Em contrapartida, o artigo 14.° da Diretiva Habitats prevê, em determinadas condições, a restrição à captura no meio natural de espécimes das espécies da fauna e da flora selvagens referidos no anexo V, bem como à sua exploração. Resulta daqui, a contrario sensu, que esta disposição não se opõe à captura e à exploração, quando estas condições não estejam preenchidas. O legislador da União considerou manifestamente que as espécies do anexo V se encontram num bom estado de conservação, o qual, em princípio, não é prejudicado pela captura e exploração de exemplares. Enquanto esta presunção for exata, a captura e a exploração também são compatíveis com a finalidade da diretiva, enunciada no artigo 2.°, n.os 1 e 2, de conservar as espécies selvagens e, em especial, de manter ou de restabelecer, num estado de conservação favorável as espécies de interesse comunitário.

68.      No entanto, o artigo 14.° não justifica o direito à captura e à exploração de exemplares do anexo V. Pelo contrário, os Estados‑Membros podem impor, apesar do estado de conservação favorável, restrições ou mesmo proibições totais. estas são permitidas enquanto medidas de proteção reforçada na aceção do artigo 193.°, TFUE.

69.      Pelo contrário, o artigo 14.°, da Diretiva Habitats estabelece os trâmites a seguir se a presunção de captura e exploração inofensivas for ilidida. Neste caso, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que estas atividades sejam compatíveis com a manutenção de um estado de conservação favorável. Tal como o Tribunal de Justiça já declarou, os Estados‑Membros não são livres de decidir se devem adotar estas medidas, mas estão sujeitos a uma obrigação que também deverá ser repercutida na transposição do artigo 14.° (24).

70.       Assim, os Estados‑Membros devem restringir a captura e a exploração de exemplares das espécies do anexo V em conformidade com o artigo 14.° da Diretiva Habitats se tiver sido ilidida a presunção de que o livre exercício da atividade em causa é compatível com a manutenção de um estado de conservação favorável.

b)      Apreciação das medidas necessárias

71.      Como a Comissão alega, com razão, o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação sobre se a referida presunção é ilidida e sobre se resulta, em especial, do estado de conservação de uma espécie que a caça deve ser restringida. Contudo, esta margem de apreciação é limitada pelo objetivo de manutenção de um estado de conservação favorável (25).

72.      Para definir com precisão o alcance desta obrigação, há que começar por examinar a obrigação de vigilância prevista no artigo 11.° da Diretiva Habitats, em seguida, o critério a aplicar para esse efeito, relativo aos melhores conhecimentos científicos disponíveis e a obrigação de elaborar um relatório, prevista no artigo 17.°, bem como, por último, as consequências da declaração de que o estado de conservação é desfavorável.

–       Artigo 11.° da Diretiva Habitats

73.      O estudo e a apreciação do estado de conservação para efeitos da aplicação do artigo 14.° da Diretiva Habitats não no âmbito da livre apreciação dos Estados‑Membros. Pelo contrário, nos termos desta disposição, estes tomarão as medidas adequadas se o considerarem necessário à luz da vigilância prevista no artigo 11.° Por seu turno, o artigo 11.° dispõe que incumbe aos Estados‑Membros a vigilância do estado de conservação das espécies e habitats referidos no artigo 2.°, tendo especialmente em conta os tipos de habitat natural e as espécies prioritárias.

74.      Todavia, esta obrigação de vigilância não se limita a espécies e habitats prioritários. Uma vez que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, a Diretiva Habitats tem por objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável, os Estados‑Membros devem pelo contrário, em princípio, assegurara a vigilância de todos os habitats naturais e de todas as espécies de fauna e flora selvagem no seu território europeu. Esta vigilância deve visar a realização dos objetivos da Diretiva Habitats, isto é, assegurar a biodiversidade através da conservação de todas as espécies e habitats (26).

75.      Embora, segundo a sua redação e a sua finalidade, esta obrigação se aplique sem restrições, os Estados‑Membros gozam de uma margem de apreciação, pelo menos, quanto ao tipo de vigilância. Desde que o estado de conservação de uma espécie não suscite preocupação, bastará, relativamente a muitas espécies, vigiar o estado dos seus habitats em geral e elaborar, com base nas informações assim obtidas, hipóteses sobre o estado de conservação das espécies suscetíveis de aí se encontrarem. No entanto, não cabe ao Tribunal de Justiça analisar aprofundadamente esta questão no presente processo.

76.      Em contrapartida, as espécies que são individualmente protegidas pela Diretiva Habitats carecem de medidas de vigilância específicas. É o caso, em particular, do lobo nos territórios espanhóis a norte do Douro. Contrariamente à maioria dos territórios da União, o lobo não é uma espécie prioritária naquele local, ou seja, não deve ser tido especialmente em conta. Além disso, as espécies referidas no anexo V também são de interesse comunitário. Em especial, a aplicação do artigo 14.° depende diretamente da vigilância das espécies do anexo V. A falta de vigilância cuidada destas espécies seria incompatível com estas disposições.

77.       Além disso, as populações ou parte das populações de espécies protegidas não devem ser consideradas isoladamente, mas, tal como a ASCEL alega com razão, unicamente no contexto global das outras populações ou partes de populações (27). Deste modo, deve considerar‑se que, entre os territórios espanhóis a norte do Douro e os territórios a sul deste rio e em Portugal há, em certa medida, um intercâmbio, pois alguns lobos atravessam isoladamente o rio ou a fronteira. Por conseguinte, os problemas do norte podem afetar o sul onde, nos termos do anexo II da Diretiva Habitats, o lobo é uma espécie prioritária.

78.      Em consequência, a vigilância exigida no artigo 11.° da Diretiva Habitats do estado de conservação de uma espécie do anexo V requer especial atenção, em particular, quando, tal como sucede com o lobo, a espécie é enumerada nos anexos II e IV para certas regiões limítrofes, sendo mesmo classificada nos mesmos como prioritária.

–       O relatório nos termos do artigo 17.° da Diretiva Habitats como materialização dos melhores conhecimentos científicos disponíveis

79.      À semelhança de outras avaliações no domínio da proteção da natureza, esta vigilância e as conclusões que dela se devem retirar para efeitos de aplicação do artigo 14.° devem basear‑se nos melhores conhecimentos científicos disponíveis (28).

80.      O mesmo também resulta do princípio da boa administração e do princípio da precaução, acima referido.

81.      Os Estados‑Membros devem ter em conta o princípio da boa administração quando da aplicação do direito da União, enquanto princípio geral de direito da União (29). Este princípio exige que a autoridade administrativa proceda a um exame diligente e imparcial de todos os aspetos relevantes, a fim de se assegurar de que dispõe, quando toma a sua decisão, dos elementos o mais completos e fiáveis possíveis (30).

82.      Além disso, as medidas baseadas no princípio da precaução, ou seja, em especial, a aplicação de disposições do direito da União em matéria de ambiente, exigem, regra geral, que seja realizada uma avaliação global dos riscos respetivos, fundada nos mais fiáveis dados científicos disponíveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional (31).

83.      A Comissão refere, baseando‑se num artigo científico (32), um exemplo de novos conhecimentos científicos que devem ser tidos em conta na vigilância do estado de conservação.

84.      Contudo, as questões 4 e 5 não dizem diretamente respeito aos resultados da vigilância a que se refere o artigo 11.° da Diretiva Habitats, mas inclusivamente põem em causa que, em relação ao lobo, esta tenha sequer sido suficiente. Pelo contrário, o Tribunal Superior refere‑se ao relatório apresentado por Espanha à Comissão em 2019 em conformidade com o artigo 17.° Segundo esta disposição, este relatório deve incluir, designadamente, os principais resultados da vigilância referida no artigo 11.° No referido relatório, a Espanha comunicou que o estado de conservação do lobo em Espanha entre 2013 e 2018 era desfavorável.

85.      Se, além deste relatório, não existirem efetivamente nenhuns elementos científicos comparáveis relativos ao estado de conservação da espécie em causa, há que ter obrigatoriamente em conta, pelo menos, as conclusões desse relatório quando da aplicação do artigo 14.° da Diretiva Habitats.

86.      Uma derrogação a esta regra só seria possível com base em conhecimentos científicos contrários que, do ponto de vista científico, fossem mais pertinentes do que o relatório. Estes conhecimentos podem, em particular, resultar de investigações mais recentes que devem, porém, ser, pelo menos, tão cientificamente fundados quanto os conhecimentos nos quais se baseou o relatório.

87.      Em contrapartida, os Estados‑Membros não podem objetar que, sem outras provas científicas, esse relatório é obsoleto. Uma vez que estão sujeitos à obrigação de vigilância por força do artigo 11.° da Diretiva Habitats, devem eles próprios dispor de conhecimentos científicos atuais nos quais, sendo caso disso, se possam basear. Na falta de tais conhecimentos, não podem retirar vantagem da inexistência de estudos suficientes. Além disso, o período de seis anos previsto no artigo 17.° é uma indicação de que este relatório pode constituir a base para as medidas até ao relatório seguinte.

88.      Por conseguinte, deve concluir‑se que a avaliação a realizar ao abrigo do artigo 14.° da Diretiva Habitats se deve basear no relatório comunicado nos termos do artigo 17.° quando este não seja posto em causa por conhecimentos mais conclusivos do ponto de vista científico.

–       Consequências do estado de conservação desfavorável

89.      Na prática, em caso de dúvidas em relação à manutenção do estado de conservação favorável de uma espécie constante do anexo V da Diretiva Habitats, os Estados‑Membros devem analisar se são necessárias medidas no que respeita à captura e à exploração de exemplares, ou seja, também no que respeita à caça.

90.      Quando, como no presente caso, o Estado‑Membro comunique inclusivamente à Comissão que o estado de conservação de uma espécie do anexo V da Diretiva Habitats é desfavorável, esta margem de apreciação é necessariamente reduzida. Com efeito, neste caso, manifestamente, as medidas até então adotadas não são suficientes para assegurar o estado de conservação favorável da população dessa espécie.

91.      Por conseguinte, no caso de o estado de conservação ser desfavorável, as autoridades competentes já não dispõem de poder discricionário quanto à adoção de medidas. Pelo contrário, nesse caso, devem adotar medidas adicionais na aceção do artigo 14.° da Diretiva Habitats, a fim de melhorar o estado de conservação da espécie para que a população em causa venha no futuro a alcançar um estado de conservação favorável.

92.      No entanto, deste modo, ainda não está assente quais as medidas adicionais que as autoridades competentes devem adotar e, em especial, se as mesmas devem proibir a caça. O mesmo é desde logo demonstrado pelo catálogo exemplificativo das possíveis medidas, incluído no artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva Habitats. Nos termos deste artigo, a prossecução da vigilância prevista no artigo 11.° é obrigatória, ao passo que o Estado‑Membro ou as autoridades competentes «podem» adotar as restantes medidas referidas, mas, regra geral, não são obrigados a fazê‑lo.

93.      Uma vez que as medidas nos termos do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva Habitats só são necessárias se houver dúvidas sobre a manutenção do estado de conservação favorável, esta disposição não refere nenhuma proibição total e permanente da caça como possível medida. No entanto, é mencionada a possibilidade de proibir temporária ou localmente a captura ou a colheita de espécimes no meio natural e da exploração de certas populações (segundo travessão), ou seja, enquanto a proibição for necessária. Também são referidas regras cinegéticas que respeitem a conservação das populações em causa (quarto travessão) e um sistema de autorizações de colheita e captura ou de quotas (quinto travessão).

94.      Porém, mesmo a margem de manobra que existe em seguida no que se refere às medidas, no caso de estado de conservação desfavorável, a margem de apreciação existente nos termos do mesmo, no que se refere às medidas, é limitada pelo objetivo de manutenção de um estado de conservação favorável.

95.      Tal decorre muito claramente da redação do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, na versão alemã. Com efeito, segundo a mesma, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias [«notwendigen] para que a colheita e captura, bem como a exploração, sejam compatíveis com a manutenção de um estado de conservação favorável.

96.      Noutras versões noutras línguas, tais como a versão inglesa, a francesa ou a espanhola, falta a qualificação direta das medidas como «necessárias». Segundo estas versões, os Estados‑Membros limitam‑se a tomar medidas para que a colheita e captura, bem como a exploração, sejam compatíveis com a manutenção de um estado de conservação favorável. Contudo, a necessidade das medidas está implícita neste preceito. Além disso, a necessidade das medidas também é expressamente referida, uma vez que, de acordo com todas as versões em todas as línguas, as medidas devem ser tomadas se os Estados‑Membros o considerarem necessário.

97.      A questão de saber se a conclusão de que uma espécie se encontra num estado de conservação desfavorável justifica a necessidade de restringir ou proibir a caça depende dos motivos nos quais essa conclusão se baseia.

98.      Nos termos do artigo 1.°, alínea e), da Diretiva Habitats, o estado de conservação de uma espécie é considerado favorável, sempre que, por um lado, os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é suscetível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence. Além disso, a área de repartição natural dessa espécie não deve diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível. E, por último, deve existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo (33).

99.      Há que concluir pela necessidade de restringir a caça, em especial quando o estado de conservação de uma espécie é desfavorável, sobretudo, devido à perda de espécimes. Mesmo que essas perdas se devam principalmente a outras razões — no caso do lobo, pode, por exemplo, o pensar‑se no tráfego rodoviário, em doenças ou na caça furtiva —, pode ser necessário impedir perdas adicionais devidas à caça.

100. Contudo, se os problemas da espécie estiverem sobretudo relacionados com o seu habitat, o que deve ser presumido, por exemplo, em França, no caso do hamster (Cricetus cricetus) (34), a caça ou a restrição da desta podem surtir efeitos muito limitados sobre o estado de conservação.

101. Acresce que uma conclusão sobre o estado de conservação de uma espécie nas regiões biogeográficas de um Estado‑Membro permite apenas extrair conclusões limitadas quanto ao estado de conservação em determinadas zonas. Pelo contrário, não é de excluir que o estado de conservação da espécie em determinadas zonas seja tão bom que a caça nas referidas zonas continua a ser possível, mesmo tendo em conta as relações com outras zonas onde o estado de conservação é desfavorável. Porém, o contrário também pode suceder se as populações que se encontram num estado de conservação desfavorável dependerem da migração de espécimes de zonas com um estado de conservação particularmente favorável. Esta apreciação deve, em primeira linha, ser realizada pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros tendo em conta os melhores conhecimentos científicos disponíveis e com base numa vigilância adequada do estado de conservação da espécie, nos termos do artigo 11.° da Diretiva Habitats.

102. Por último, para decidir quais são as medidas necessárias, deve ter‑se igualmente em consideração o princípio da precaução. Este princípio permite que, havendo incertezas quanto à existência ou à dimensão de riscos, designadamente, para o ambiente, podem ser tomadas medidas de proteção sem que seja necessário esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (35). Por conseguinte, também será possível tomar medidas de proteção quando, com base nos melhores conhecimentos científicos disponíveis, subsistir uma incerteza sobre os riscos para a manutenção de um estado de conservação desfavorável.

103. Em suma, há que concluir que, mesmo sendo declarada a existência de um estado de conservação desfavorável de uma espécie referida no anexo V da Diretiva Habitats, a caça desta espécie só deve ser proibida se, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos disponíveis, incluindo a vigilância adequada do estado de conservação da espécie nos termos do artigo 11.° e tendo em conta o princípio da precaução, essa proibição for necessária para a reposição de um estado de conservação favorável dessa espécie.

D.      Observação final

104. Por último, importa recordar que também a proteção do lobo nas zonas Natura 2000 pode ser relevante para a autorização da caça. Uma vez que a Espanha indicou diversas zonas de proteção do lobo situadas imediatamente a sul do Douro (36)e que esta espécie ocupa territórios muito vastos (37), podia igualmente colocar‑se a questão de saber se os planos de caça para as zonas situadas a norte do Douro necessitam de uma avaliação das incidências nos termos do artigo 6.°, n.° 3, da Diretiva Habitats (38). Em fim de contas, não se deve excluir que os lobos que vivem nestas zonas protegidas atravessem o rio e sejam aí abatidos. Também pode ser importante para a diversidade genética das populações destas zonas protegidas que estas tenham suficiente contacto com as populações a norte do rio. No entanto, esta questão não é objeto do presente processo.

V.      Conclusão

105. Em consequência, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo ao pedido de decisão prejudicial:

1)      O pedido de decisão prejudicial não suscita nenhuma dúvida de que o lobo (Canis lupus) deve ser protegido em Espanha unicamente a sul do rio Douro, em conformidade com o artigo 12.° da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, na sua versão alterada pela Diretiva 2013/17/UE, de 13 de maio de 2013, ao passo que, a norte do rio, o artigo 14.° da diretiva é aplicável a esta espécie animal.

2)      A caça pode constituir uma captura e exploração de espécimes de lobos na aceção do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva Habitats.

3)      Os artigos 11.°, 14.° e 17.° da Diretiva 92/43 devem ser interpretados no sentido de que:

—      os Estados‑Membros devem limitar a captura e a exploração de espécimes das espécies que figuram no anexo V em conformidade com o artigo 14.° da Diretiva Habitats, se tiver sido ilidida a presunção de que o exercício sem restrições da atividade em questão é compatível com a manutenção de um estado de conservação favorável.

—      a vigilância do estado de conservação de uma espécie referida no anexo V, exigida pelo artigo 11.° requer especial atenção, sobretudo se a espécie figura, como sucede com o lobo, nos anexos II e IV para certas zonas limítrofes e é inclusivamente classificada como prioritária.

—      a avaliação a efetuar ao abrigo do artigo 14.° deve basear‑se no relatório comunicado nos termos do artigo 17.°, se este não for posto em causa por conhecimentos mais conclusivos do ponto de vista científico, e

—      mesmo tendo sido declarado um estado de conservação desfavorável de uma espécie referida no anexo V, a caça dessa espécie só deve ser proibida se, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos disponíveis, incluindo a vigilância adequada do estado de conservação da espécie ao abrigo do artigo 11.°, e tendo em conta o princípio da precaução, essa proibição for necessária para a reposição de um estado de conservação favorável desta espécie.


1      Língua original: alemão.


2      Resolução do Parlamento Europeu, de 24 de novembro de 2022, sobre a proteção da criação de gado e dos grandes carnívoros na Europa (2022/2952[ RSP]).


3      Comunicado de Imprensa IP/23/4330, de 4 de setembro de 2023.


4      Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, estabelecida em 19 de setembro de 1979 em Berna (JO 1982, L 38, p. 3); ratificada em nome da Comunidade pela Decisão 82/72/CEE do Conselho de 3 de dezembro de 1981 (JO 1982, L 38, p. 1; Edição especial portuguesa: Capítulo 15 Fascículo 3 p. 0084).


5      V. nomeadamente a ata da 42.ª reunião do Comité Permanente de 28 de novembro a 2 de dezembro de 2022, T‑PVS(2022)31, ponto 5.2, bem como, recentemente, Comunicado de Imprensa da Comissão, de 20 de dezembro de 2023, Comissão propõe alterar o estatuto internacional do lobo, de «estritamente protegido» para «protegido», com base em novos dados sobre o aumento das populações e os impactos», IP/23/6752.


6      Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), na sua versão alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 193).


7      Decisão 82/72/CEE do Conselho, de 3 de dezembro, de 1981 (JO 1982, L 38, p. 1; EE 15 F 3 p. 84).


8      https://www.coe.int/en/web/conventions/cets number / abridged title known?module=signatures by treaty&treatynum=104.


9      https://www.coe.int/en/web/conventions/cets number / abridged title known?module=declarations by treaty&numSte=104&codeNature=2&codePays=SPA. V. igualmente Salvatori e Linnell, Report on the conservation status and threats for wolf (Canis lupus) in Europe para a 25.ª reunião do Comité Permanente da Convenção (T PVS/Inf [2005] 16, p. 6), Michel Prieur, Report on the implementation of the Bern Convention in Spain para a 26.ª reunião do Comité Permanente da Convenção (T PVS/Inf [2006] 7, p. 3).


10      À data do processo principal estava em vigor a Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7) com a redação da Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 193).


11      O rio Douro corre longitudinalmente ao longo de 572 km da Comunidade Autónoma de Castela e Leão antes de entrar em Portugal e desaguar no Porto.


12      V., a este respeito, em especial, Acórdão de 11 de junho de 2020, Alianța pentru combaterea abuzurilor (C‑88/19, EU:C:2020:458).


13      Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal (C‑882/19, EU:C:2021:800, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).


14      V., neste sentido, Acórdãos de 8 de dezembro de 2005, BCE/Alemanha (C‑220/03, EU:C:2005:748, n.° 31), e de 14 de julho de 2022, Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho) (C‑743/19, EU:C:2022:569, n.° 58).


15      V., neste sentido, Acórdãos de 3 de junho de 2008, The International Association of Independent Tanker Owners e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.° 42), e de 11 de julho de 2018, Bosphorus Queen Shipping (C‑15/17, EU:C:2018:557, n.° 44).


16      V. Acórdão de 15 de julho de 2004, Pêcheurs de l’étang de Berre (C‑213/03, EU:C:2004:464, n.° 39).


17      V. igualmente Acórdão de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.° 32), quanto à caça como captura na aceção do artigo 16.° da Diretiva Habitats.


18      Acórdãos de 7 de março de 1996, Associazione Italiana per uil WWF e o. (C‑118/94, EU:C:1996:86, n.° 21), de 16 de outubro de 2003, Ligue pour la protection des oiseaux e o. (C‑182/02, EU:C:2003:558, n.° 10), e de 23 de abril de 2020, Comissão/Finlândia (Caça de Primavera do êider‑edredão macho) (C‑217/19, EU:C:2020:291, n.° 65).


19      Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.° 44), de 13de dezembro de 2007, Comissão/Irlanda (C‑418/04, EU:C:2007:780, n.° 254), bem como, neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.° 66), e de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża) (C‑441/17, EU:C:2018:255, n.° 118).


20      Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.° 59), e de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża) (C‑441/17, EU:C:2018:255, n.° 117).


21      Acórdão de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.° 66).


22      Acórdãos de 20 de outubro de 2005, Comissão/Reino Unido (C‑6/04, EU:C:2005:626, n.° 111), e de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.° 30).


23      Acórdãos de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.° 51), e de 23 de abril de 2020, Comissão/Finlândia (Caça de Primavera do êider‑edredão macho) (C‑217/19, EU:C:2020:291, n.° 66)


24      Acórdão de 13 de fevereiro de 2003, Comissão/Luxemburgo (C‑75/01, EU:C:2003:95, n.os 80 e 81).


25      Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo Comissão/Luxemburgo (C‑75/01, EU:C:2002:58, n.° 79). V., quanto a restrições semelhantes de margens de apreciação, Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C‑72/95, EU:C:1996:404, n.° 56), de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.° 66), de 25 de julho de 2008, Janecek (C‑237/07, EU:C:2008:447, n.° 46), de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o. (C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.° 100 a 103), de 5 de setembro de 2012, Rahman e o. (C‑83/11, EU:C:2012:519, n.° 25), de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.° 44), e de 3 de outubro de 2019, Wasserleitungsverband Nördliches Burgenland e o. (C‑197/18, EU:C:2019:824, n.° 31).


26      V., desde logo, as minhas Conclusões no processo Cascina Tre Pini (C‑301/12, EU:C:2013:420, n.° 59).


27      V. neste sentido Acórdão de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.os 58, 59 e 61).


28      V. neste sentido Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.° 54), de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.° 51), e de 23 de abril de 2020, (Caça de Primavera do êider‑edredão macho) (C‑217/19, EU:C:2020:291, n.° 70).


29      Acórdãos de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.os 49 e 50), de 14 de maio de 2020, Agrobet CZ (C‑446/18, EU:C:2020:369, n.° 43), e de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o. (C‑159/21, EU:C:2022:708, n.° 35).


30      Acórdãos de 14 de maio de 2020, Agrobet CZ (C‑446/18, EU:C:2020:369, n.° 44), e de 21 de outubro de 2021, CHEP Equipment Pooling (C‑396/20, EU:C:2021:867, n.° 48).


31      Neste sentido, Acórdãos de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França (C‑333/08, EU:C:2010:44, n.° 92), de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800, n.° 46, v. igualmente n.os 93 e 94), bem como de 9 de novembro de 2023, Global Silicones Council e o./Comissão (C‑558/21 P, EU:C:2023:839, n.° 66).


32      Prieto e o., «Field work effort to evaluate biological parameters of interest for decision‑making on the wolf (Canis lupus)», Hystrix, the Italian Journal of Mammalogy, Vol. 33 (1), 2022), pp. 65 a 72.


33      Acórdão de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, n.° 56).


34      V. as minhas Conclusões no processo Comissão/França (C‑383/09, EU:C:2011:23).


35      Acórdãos de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão (C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.° 80).


36      Em 18 de janeiro de 2024, o O Natura 2000 Viewer indicava, designadamente, as zonas de Riberas del Río Duero y afluentes (ES4170083), Hoces del Río Riaza (ES4160104), Altos de Barahona (ES4170148), El Carrascal (ES4180130), Riberas de Castronuño (ES4180017), Cañones del Duero (ES4190102) e Arribes del Duero (ES4150096).


37      Boitani, Action Plan for the conservation of the wolves (Canis lupus) in Europe, [Council of Europe, T PVS (2000) 23, p. 16].


38      V. Acórdão de 26 de abril de 2017, Comissão/Alemanha (C‑142/16, EU:C:2017:301, n.os 29 e 30).