Language of document : ECLI:EU:C:2024:86

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 25 de janeiro de 2024 (1)

Processo C622/22

Comissão Europeia

contra

Malta (Serviços de ligações de dados aeronáuticos)

«Incumprimento de Estado — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.° 29/2009 — Obrigação de adotar as medidas necessárias para que um prestador de serviços de navegação aérea designado por Malta cumpra o disposto no artigo 3.°, n.° 1, desse regulamento — Organismos dos serviços de navegação aérea — Prestação e exploração de serviços de ligações de dados — Atraso não justificado»






1.        A Comissão acusa Malta de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 29/2009 (2), ao não ter adotado as medidas necessárias para garantir que o prestador dos serviços de tráfego aéreo (a seguir «ATS») (3)      designado por esse Estado‑Membro disponha de capacidade para prestar e para explorar os serviços de ligações de dados definidos no anexo II do referido regulamento.

2.        Malta considera que houve circunstâncias imprevisíveis que justificam o atraso na implementação do sistema e, por conseguinte, contesta a conclusão da Comissão.

I.      Quadro jurídico. Regulamento n.° 29/2009

3.        O artigo 3.° («Serviços de ligações de dados») estabelece:

«1.      Os prestadores de serviços de tráfego aéreo («ATS») garantem que os órgãos ATS que prestam serviços de tráfego aéreo no espaço aéreo referido no n.° 3 do artigo 1.° dispõem de capacidade para prestar e para explorar os serviços de ligações de dados definidos no anexo II.

[…]».

4.        Nos termos do artigo 15.° («Entrada em vigor e aplicação») (4):

«O presente regulamento entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

É aplicável a partir de 5 de fevereiro de 2018.

O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.»

5.        O anexo II define os serviços de ligações de dados a que se refere, nomeadamente, o artigo 3.°

II.    Procedimento précontencioso

6.        Em 11 de outubro de 2018, a Comissão enviou uma carta à Direção da Aviação Civil de Malta na qual expressava a sua preocupação pelo atraso na prestação dos serviços de ligações de dados referidos no Regulamento n.° 29/2009 e convidava Malta a acelerar a sua implementação.

7.        Segundo uma atualização fornecida pela associação SESAR (5), em dezembro de 2019, o prestador de serviços ATS designado por Malta (6)      continuava a não prestar os serviços de ligações de dados.

8.        Através de uma notificação para cumprir de 15 de maio de 2020, a Comissão convidou Malta a apresentar observações sobre a alegada violação do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009. A violação consistiria em não ter prestado e explorado todos os serviços de ligações de dados definidos no anexo II daquele regulamento para todos os operadores de aeronaves que efetuam voos no espaço aéreo de Malta e estão dotados de uma função de comunicação através de ligações de dados, na aceção do artigo 6.° do mesmo regulamento.

9.        Em 5 de outubro de 2020, Malta respondeu à notificação da Comissão explicando as dificuldades do seu prestador ATS no cumprimento da data de aplicação do Regulamento n.° 29/2009, em especial, devido à necessidade de substituição do sistema de gestão do tráfego aéreo.

10.      Nessa resposta à notificação para cumprir da Comissão, Malta:

—      Indicou que a aquisição, a instalação e a colocação em funcionamento do sistema terminaram em 2019 e que a operacionalidade dos serviços de ligações de dados estava inicialmente prevista para fevereiro de 2020, mas fora interrompida devido à pandemia de COVID‑19.

—      Indicou que, caso a atividade do empreiteiro pudesse ter sido reatada em 2020, o projeto de ligação de dados seria prioritário para conseguir a sua execução completa durante o primeiro semestre de 2022.

11.      Numa outra comunicação de 15 de dezembro de 2020, Malta informou sobre as mais recentes medidas adotadas para permitir que os prestadores ATS prestassem e explorassem os serviços de ligações de dados e comprometeu‑se a apresentar à Comissão atualizações trimestrais sobre os progressos entretanto verificados.

12.      Em 18 de fevereiro de 2021, a Comissão enviou uma notificação para cumprir complementar, em que convidou Malta a apresentar observações sobre a alegada violação conjugada do artigo 4.°, n.° 3, TUE, e do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009.

13.      Malta, respondeu, em 18 de março de 2021, referindo que:

—      Fora necessário renovar o sistema de gestão do tráfego aéreo (terminado em 2019), antes da entrada em funcionamento dos serviços de ligações de dados. Explicou que as restrições causadas pela pandemia de COVID‑19 entravaram a atividade do empreiteiro responsável pelos serviços de ligações de dados.

—      Desde janeiro de 2021, apesar dessas restrições, efetuara novas diligências e poderia cumprir os requisitos o mais tardar em junho de 2022.

—      Malta manifestara uma total abertura e transparência para com a Comissão quanto aos progressos na aplicação do Regulamento n.° 29/2009, o que demonstrava o seu cumprimento do princípio da cooperação leal e a observância das exigências do artigo 4.°, n.° 3, TUE.

14.      Em 15 de julho de 2021, a Comissão enviou um parecer fundamentado a Malta em que declarava que, ao não ter adotado as medidas necessárias para garantir que o prestador ATS designado cumprisse o disposto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, TUE. No mesmo parecer fundamentado fixou‑lhe um prazo de dois meses, a contar da respetiva receção, para que Malta lhe desse cumprimento.

15.      Malta respondeu ao parecer fundamentado da Comissão por cartas de 20 de setembro de 2021, 25 de novembro de 2021 e 27 de janeiro de 2022. Nestas recordou as principais razões dos atrasos verificados desde 2017, forneceu um panorama geral dos progressos realizados e confirmou a data de cumprimento, já comunicada, de junho de 2022.

16.      Em resposta a uma carta de insistência da Comissão de 7 de fevereiro de 2022, Malta apresentou sete atualizações de informação nas quais indicou, em substância, que:

—      Concedera um adiamento da data de cumprimento até 28 de dezembro de 2022, devido à implementação de um projeto de florestação destinado à instalação de equipamentos de serviços de ligações de dados, à escassez mundial de fornecimentos de componentes eletrónicos, a atualizações de software imprevistas e à contratação de controladores aéreos durante a fase de formação.

—      Era necessária uma formação inicial para o cumprimento do Regulamento n.° 29/2009, que terminaria o mais tardar em 30 de setembro de 2022. A formação não estaria completa antes de 30 de novembro de 2023.

—      Outros objetivos intermédios só seriam alcançados em 2023 (ensaios de interoperabilidade e determinadas tarefas relacionadas com a segurança, a qualidade e a conformidade).

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.      Em 29 de setembro de 2022, a Comissão intentou uma ação por incumprimento, ao abrigo do artigo 258.° TFUE. Nesta, pediu ao Tribunal de Justiça que declarasse que «ao não ter adotar as medidas necessárias para garantir que o prestador ATS por si designado respeita o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 29/2009 da Comissão, a República de Malta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, TUE, em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 29/2009». Solicitou, igualmente, que condene a recorrida nas despesas.

18.      Malta apresentou a contestação da ação da Comissão em 15 de dezembro de 2022.

19.      A Comissão apresentou réplica em 25 de janeiro de 2023 e Malta apresentou tréplica em 8 de março de 2023.

20.      O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência.

IV.    Argumentos das partes no processo no Tribunal de Justiça

21.      Na sua ação, a Comissão, após analisar as contingências da fase pré‑contenciosa, não considerou admissíveis os argumentos de Malta, expostos no processo pré‑contencioso, para explicar os motivos do atraso, que se cingiam às dificuldades internas na implementação dos projetos ou a problemas de aprovisionamento e à pandemia de COVID‑19.

22.      A Comissão alegou que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que refere (7), essas circunstâncias não constituem razões válidas que justifiquem o incumprimento do direito da União.

23.      Malta contestou a ação da Comissão invocando, em substância, as dificuldades que ocorreram antes e depois da data de aplicação (5 de fevereiro de 2018) fixada pelo Regulamento n.° 29/2009:

—      Em 2013 foi confrontada com a escassez de empresas que ofereciam serviços de conectividade, o que obrigou a uma tentativa (infrutífera) de contratar com a SITA, um dos operadores do duopólio nesse mercado.

—      Em 2017 procurou libertar‑se da dependência de empresas externas através da contratação da empresa italiana Leonardo SpA e do prestador italiano de ATS (8), o que permitiria uma atuação autónoma.

—      Enquanto os MATS aguardavam o desenvolvimento do projeto pela empresa Leonardo SpA, verificaram‑se dois acontecimentos imprevisíveis: a queda de três raios no centro de controlo do tráfego aéreo de Malta (2 de outubro de 2017) e a rutura de uma conduta de ar condicionado (9 de junho de 2019) na sala de operações principal. Ambos os incidentes exigiram a atenção e os recursos disponíveis para assegurar os serviços de controlo do tráfego aéreo.

—      Em 2020, a pandemia de COVID‑19 gerou, igualmente, atrasos inevitáveis no projeto.

24.      Ao apresentar a contestação da ação, Malta reconheceu que nesse momento (15 de dezembro de 2022) o projeto de prestação e exploração dos serviços de ligações de dados ainda não estava operacional.

25.      Na réplica, a Comissão indica que nenhuma das circunstâncias anteriores a 2018 invocadas por Malta era «imprevisível». As «deficiências de mercado preexistentes» eram, precisamente, «preexistentes» e, por conseguinte, conhecidas e «previsíveis». Os «problemas técnicos genericamente reconhecidos relacionados com a aplicação do regulamento» também eram conhecidos e previsíveis. Os pretensos casos de força maior alegados (queda de raios, rutura de uma conduta de ar condicionado, pandemia de COVID‑19 e atrasos causados pelo empreiteiro) ocorreram após a data de aplicação do Regulamento n.° 29/2009 e, por conseguinte, são irrelevantes. Além disso, imputa a Malta a falta de prova da veracidade de alguns desses factos, bem como a falta de justificação da respetiva influência no atraso.

26.      Na tréplica, Malta apresenta alguns documentos comprovativos da veracidade quer da queda de três raios quer da rutura de uma conduta de ar condicionado e alega que, quanto à falta de resposta da SITA aos seus pedidos de proposta, é impossível fazer prova. Argumenta que a implementação do serviço era especialmente complicada numa região onde até então não havia acesso às ligações de dados e que posteriormente surgiram dificuldades relativas ao sistema da ENAV.

V.      Apreciação

A.      A título preliminar: obrigação de prestar serviços de ligações de dados aeronáuticos

27.      Nos termos do considerando 1 do Regulamento n.° 29/2009, «[o] crescimento registado e estimado dos níveis de tráfego aéreo na Europa impõe um aumento equivalente da capacidade de controlo do tráfego aéreo. Esta situação induz uma procura de melhorias de natureza operacional, nomeadamente para aumentar a eficiência das comunicações entre os controladores de tráfego aéreo e os pilotos. Os canais de comunicações de voz registam níveis de congestionamento cada vez mais elevados, pelo que devem ser complementados por comunicações ar‑terra através de ligações de dados».

28.      O reflexo normativo desta previsão concretiza‑se no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009, nos termos do qual «[o]s prestadores de serviços de tráfego aéreo (“ATS”) garantem que os órgãos ATS que prestam serviços de tráfego aéreo no espaço aéreo referido no n.° 3 do artigo 1.° dispõem de capacidade para prestar e para explorar os serviços de ligações de dados definidos no anexo II».

29.      A data de aplicação do Regulamento n.° 29/2009 é 5 de fevereiro de 2018. Esta data substitui a inicialmente prevista (7 de fevereiro de 2013) na versão original do próprio regulamento (9).

B.      Incumprimento, por parte de Malta, das obrigações impostas pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009

30.      Como é sabido, o processo previsto no artigo 258.° TFUE assenta na verificação objetiva do incumprimento, por um Estado‑Membro, das obrigações que lhe são impostas pelo Tratado ou por um ato de direito derivado.

31.      O Governo de Malta não contestou, no processo pré‑contencioso nem perante o Tribunal de Justiça, o incumprimento, em termos objetivos, que lhe é imputado pela Comissão.

32.      No entanto, segundo este Estado‑Membro, deveriam ser tomadas em consideração as dificuldades que enfrentou para prestar e explorar os serviços de ligações de dados.

33.      Atendendo aos elementos de apreciação apresentados, podem distinguir‑se três períodos relacionados com o incumprimento imputado, que se manteve (e ainda se mantém):

—      Inicial. Compreendido entre a publicação do Regulamento n.° 29/2009 e o dia 5 de fevereiro de 2018, data de início da sua aplicação. No termo deste período, Malta não cumprira as obrigações impostas pelo referido regulamento.

—      Intermédio. Entre 5 de fevereiro de 2018 e 15 de setembro de 2021, data de termo do prazo de dois meses concedido pela Comissão a Malta para dar cumprimento ao parecer fundamentado enviado em 15 de julho de 2021. Em 15 de setembro de 2021, Malta continuava sem cumprir as obrigações impostas pelo Regulamento n.° 29/2009.

—      Final. Desde 15 de setembro de 2021 até ao momento em que terminou a fase escrita desta ação no Tribunal de Justiça, Malta continuava sem implementar o sistema previsto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009.

34.      Uma vez que não é possível negar a realidade objetiva do incumprimento denunciado, o Governo de Malta procura justificar o seu atraso expondo uma série de motivos que explicariam, em seu entender, a falta de conformidade dos seus serviços de navegação aérea com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009.

35.      Segundo jurisprudência constante, «a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça» (10).

36.      Mesmo que a Comissão pareça centrar‑se no facto de as circunstâncias expostas por Malta (alegadamente explicativas do seu incumprimento) não justificarem esse incumprimento na data de aplicação do Regulamento n.° 29/2009 (5 de fevereiro de 2018), a verdade é que o conteúdo das peças processuais da Comissão também refere, pelo menos de forma implícita, que no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (15 de setembro de 2021) não se verificavam quaisquer justificações válidas para não ter sido cumprido o disposto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009.

37.      Efetivamente, Malta reconheceu que, à data de termo do prazo do parecer fundamentado da Comissão, ainda se mantinha o incumprimento da obrigação de prestar e explorar o serviço de ligação de dados exigido pelo Regulamento n.° 29/2009.

38.      Analisarei em seguida as justificações do incumprimento alegadas por Malta, fazendo‑as corresponder a cada um dos três períodos já referidos, e exporei a minha apreciação das mesmas. Esta última assentará na premissa de que, demonstrado pela Comissão o incumprimento objetivo das obrigações de um Estado‑Membro decorrentes do direito da União, cabe ao Estado‑Membro a quem é imputado esse incumprimento fazer prova das correspondentes justificações.

C.      Fundamentos do incumprimento alegados por Malta e respetiva apreciação

1.      Período inicial (até 5 de fevereiro de 2018)

39.      O Governo Maltês alega, para explicar o atraso no cumprimento das suas obrigações durante este período:

—      As dificuldades dos MATS eram devidas às carências do mercado, decorrentes de uma estrutura de duopólio no fornecimento da conectividade ATN (11). Em 2013 contactou a operadora SITA, empresa que, todavia, não apresentou nenhuma proposta, privando Malta dos meios necessários ao cumprimento das suas obrigações, situação que não conseguia controlar de forma alguma.

—      Em 2 de outubro de 2017, o centro de controlo do tráfego aéreo foi atingido pela queda de três raios que provocaram o corte do fornecimento de energia elétrica.

—      Em 2017, os MATS tiveram conhecimento de que a ENAV, na sua qualidade de prestador ATS italiano, encontrara uma solução alternativa com a empresa Leonardo SpA para prestar os serviços sem depender de terceiros. Em 18 de dezembro de 2017, os MATS assinaram um contrato com a ENAV e a Leonardo SpA. No entanto, a Eurocontrol informou os MATS de um estudo relativo aos routers ATN (como o que Malta possuía), que poderiam comprometer a rede ATN, o que obrigou a voltar à solução inicial, dependente dos prestadores externos. Esta circunstância teria provocado atrasos na implementação do serviço de ligação de dados.

40.      Embora não considere necessário aprofundar a pesquisa de uma justificação baseada em factos anteriores a 5 de fevereiro de 2018, caso se aceite como data‑chave para avaliar o incumprimento o dia 15 de setembro de 2021, não tenho nenhuma objeção a que esses factos sejam tomados em consideração.

41.      Os problemas relacionados com a contratação, em 2013, de um operador externo, além de não explicarem o atraso em 2018, integram‑se no âmbito das dificuldades técnicas ou estruturais que o Tribunal de Justiça considera irrelevantes neste tipo de ações (12).

42.      O mesmo sucede com a comunicação atribuída à Eurocontrol, identificada no anexo 3 da contestação da ação. Este anexo é, na realidade, um documento denominado «Livro branco sobre a proliferação de routers ATN A/G» publicado em 10 de março de 2009, que estava, ou era suscetível de estar, ao alcance das autoridades maltesas desde essa data. De qualquer modo, Malta não poderia invocar o desconhecimento da inviabilidade das soluções técnicas por si adotadas.

43.      Quanto aos raios que atingiram o aeroporto de Malta (cuja prova documental foi apresentada na tréplica), não se vê qual a influência que poderia ter esse facto pontual, que afetou o fornecimento de energia elétrica, no incumprimento continuado das obrigações de Malta relativas à implementação do serviço de ligação de dados.

2.      Período intermédio (desde 5 de fevereiro de 2018 até 15 de setembro de 2021)

44.      Malta alega os seguintes factos como tendo influenciado negativamente o incumprimento das suas obrigações durante este período:

—      Em 9 de junho de 2019, rompeu‑se uma conduta de ar condicionado na sede dos MATS e os meios técnicos tiveram de desviar a sua atenção e os seus recursos para enfrentar este problema imprevisto.

—      A pandemia de COVID‑19 provocou outros atrasos inevitáveis: i) a Leonardo SpA alegou força maior devido às proibições de viajar em resposta à pandemia e não conseguiu avançar no projeto do serviço de ligação de dados entre março e setembro de 2020, o que provocou atrasos adicionais na execução do projeto; ii) os MATS tiveram de aplicar várias medidas de segurança para mitigar os riscos sanitários decorrentes da pandemia, designadamente através da redução do pessoal em serviço, da realização de fumigações, da rotação do pessoal para reduzir o risco de infeção e da adoção de todas as salvaguardas possíveis para garantir a prestação de um serviço seguro ao público; iii) devido às severas restrições impostas em consequência da pandemia, a necessidade de criar uma sala de operações de emergência era premente e os MATS dedicaram a maioria dos seus esforço a este projeto, a que deram prioridade por razões práticas e de segurança.

45.      Estes argumentos também não se me afiguram convincentes para justificar o incumprimento denunciado.

46.      No que se refere à rutura de uma conduta do sistema de ar condicionado, é suficiente ler o anexo R 6 da tréplica apresentada por Malta, segundo o qual o incidente durou aproximadamente vinte e cinco minutos e ficou resolvido no final deste período de tempo. De qualquer modo, esta rutura não pode ser qualificada de força maior, uma vez que não se trata de uma circunstância alheia à própria atividade, anormal e imprevisível.

47.      Quanto à repercussão da pandemia de COVID‑19, o Governo Maltês reconhece que a sua relação com a Leonardo SpA apenas foi afetada durante seis meses, não se verificando que tenha provocado adiamentos adicionais. Também não é suficientemente esclarecida a influência concreta que puderam ter, no que respeita ao atraso na implementação do sistema de ligação de dados, as medidas preventivas adotadas por razões sanitárias. As alegações de Malta parecem, sobretudo, revelar problemas de organização interna (escassa disponibilidade de meios) que levaram a que fosse dada prioridade a outras áreas da sua atividade.

48.      De qualquer modo, Malta não demonstrou, também em relação a este período, a absoluta impossibilidade do cumprimento das suas obrigações (13).

3.      Período final (desde 15 de setembro de 2021)

49.      O Governo Maltês reconhece na sua última peça processual (tréplica de 8 de março de 2023) que os MATS, embora tenham dado máxima prioridade ao projeto, não terminaram a implementação dos serviços de ligações de dados. Afirma que o operador ATS constituiu uma nova equipa dirigente, que o projeto está em curso e que adquiriu um nível considerável de concretização. Declara que continuará a fazer tudo o possível para cumprir as obrigações que lhe cabem por força do Regulamento n.° 29/2009, comprometendo‑se plenamente, ao mesmo tempo, a implementar o serviço de forma segura.

50.      Embora os factos posteriores ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado (15 de setembro de 2021) não possam ser tomados em consideração (14), penso que não se pode ignorar a realidade: o próprio Governo Maltês admite que, em 2023, ainda não foi concretizada a implementação do serviço de ligação de dados e as dificuldades alegadas para este atraso continuam a ser (como nos períodos anteriores) de ordem técnica ou estrutural, imputáveis ao referido Estado‑Membro.

51.      Em suma, na minha opinião, o Governo Maltês não conseguiu demonstrar que os factos invocados para explicar o atraso no cumprimento do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 29/2009 sejam suscetíveis de o justificar.

VI.    Conclusão

52.      Atendendo às considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente a ação da Comissão e:

—      Declare que a República de Malta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 29/2009 da Comissão, de 16 de janeiro de 2009, que estabelece os requisitos aplicáveis aos serviços de ligações de dados no céu único europeu.

—      Condene Malta nas despesas.


1      Língua original: espanhol.


2      Regulamento da Comissão, de 16 de janeiro de 2009, que estabelece os requisitos aplicáveis aos serviços de ligações de dados no céu único europeu (JO 2009, L 13, p. 3). Foi revogado pelo Regulamento de Execução (UE) 2023/1770 da Comissão, de 12 de setembro de 2023, que estabelece disposições relativas ao equipamento das aeronaves necessário para a utilização do espaço aéreo no céu único europeu e regras de operação relacionadas com a utilização do espaço aéreo do céu único europeu e que revoga o Regulamento (CE) n.° 29/2009 e os Regulamentos de Execução (UE) n.° 1206/2011 (UE) n.° 1207/2011 e (UE) n.° 1079/2012 (JO 2023, L 228, p. 39).


3      ATS é o acrónimo, em inglês, de «Air Traffic Services» (Serviços de Tráfego Aéreo).


4      Segundo a redação dada pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/310 da Comissão, de 26 de fevereiro de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.° 29/2009, que estabelece os requisitos aplicáveis aos serviços de ligações de dados no céu único europeu e revoga o Regulamento de Execução (UE) n.° 441/2014 (JO 2015, L 56, p. 30).


5      Acrónimo de «Single European Sky ATM Research». Trata‑se de «uma parceria europeia institucionalizada entre parceiros do setor privado e do público que utilizam a investigação e a inovação para acelerar a concretização do Céu Europeu Digital». Para esse efeito «agregando a massa crítica de recursos e conhecimentos especializados de toda a cadeia de valor do setor da aviação a fim de desenvolver soluções tecnológicas de ponta para a gestão de aviões convencionais, drones, táxis aéreos e veículos que voem a altitudes mais altas» (https://european‑union.europa.eu/institutions‑law‑budget/institutions‑and‑bodies/search‑all‑eu‑institutions‑and‑bodies/sesar‑3‑joint‑undertaking_pt).


6      «Malta Air Traffic Services» (Serviços de Tráfego Aéreo de Malta). A seguir «MATS».


7      Acórdãos de 25 de fevereiro de 2016, Comissão/Espanha (C‑454/14, EU:C:2016:117, n.° 45); de 2 de março de 2017, Comissão/Grécia (C‑160/16, não publicado, EU:C:2017:161, n.° 13), e de 3 de outubro de 1984, Comissão/Itália (C‑254/83, EU:C:1984;302).


8      Ente Nazionale per l’Assistenza al Volo (Entidade Nacional de Assistência ao Voo). A seguir «ENAV».


9      Segundo o considerando 7 do Regulamento de Execução 2015/310, «devido, nomeadamente, às dificuldades técnicas e deficiências observadas no desempenho da infraestrutura DLS implantada, que conduziram já à adoção de algumas medidas de atenuação, bem como ao seu impacto potencial na segurança da aviação, e dado que os estudos e ações necessários para detetar e corrigir tais problemas deverão ficar concluídos em 2018, a data de aplicação do Regulamento (CE) n.° 29/2009 deve ser diferida».


10      V., nomeadamente, Acórdão de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais) (C‑549/18, EU:C:2020:563, n.° 19).


11      ATN é o acrónimo, em inglês, de «Aeronautical Telecommunication Network» (Rede de Telecomunicações Aeronáuticas). Na contestação apresentada por Malta são referidos dois prestadores concorrentes no mercado dos serviços de comunicações: a SITA, com sede na Europa e a ARINC. com sede nos Estados Unidos de América.


12      Acórdão de 10 de novembro de 2020, Comissão/Itália (Valores limite — PM10) (C‑644/18, EU:C:2020:895, n.° 87).


13      Acórdão de 27 de junho de 2000, Comissão/Portugal (C‑404/97, EU:C:2000:345, n.° 39).


14      Acórdão de 30 de janeiro de 2002, Comissão/Grécia (C‑103/00, EU:C:2002:60, n.os 23 a 25).