Language of document : ECLI:EU:C:2021:830

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 6 de outubro de 2021 (1)

Processo C881/19

Tesco Stores ČR a.s.

contra

Ministerstvo zemědělství

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa)]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Legislação relativa à informação sobre os géneros alimentícios — Aproximação das legislações — Prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios — Rotulagem dos géneros alimentícios — Produtos de cacau e de chocolate — Lista de ingredientes de um género alimentício destinado aos consumidores de um Estado‑Membro — Regulamento (UE) n.o 1169/2011 — Diretiva 2000/36/CE»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa) diz respeito à utilização da denominação de um ingrediente composto na lista obrigatória de ingredientes de um género alimentício comercializado num Estado‑Membro. A recorrente no processo principal comercializou certos produtos na República Checa que continham, entre outros ingredientes, um ingrediente composto com uma designação específica definida na Diretiva 2000/36/CE (a seguir «Diretiva Relativa ao Chocolate») (2). A recorrente no processo principal utilizou a sua própria tradução para o checo das versões oficiais polaca e/ou alemã da designação desse produto em vez da designação prevista na versão em língua checa da Diretiva Relativa ao Chocolate.

2.        Na fase atual do processo, as autoridades competentes checas consideram que só a versão em língua checa desta designação especificamente definida na Diretiva Relativa ao Chocolate dispensa a recorrente de precisar o conteúdo deste ingrediente composto em conformidade com as disposições do Regulamento (UE) n.o 1169/2011 (a seguir «Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios») (3) quando comercializa o produto na República Checa. A recorrente no processo principal discorda e alega que deveria ser autorizada a utilizar a sua própria tradução para o checo a partir de qualquer uma das versões linguísticas oficiais da Diretiva Relativa ao Chocolate e que não é obrigada a enumerar os ingredientes do ingrediente composto na lista de ingredientes dos produtos comercializados.

I.      Quadro jurídico

A.      Diretiva 2000/36/CE

3.        O artigo 3.o da Diretiva Relativa ao Chocolate dispõe:

«A Diretiva 79/112/CEE [(4)] é aplicável aos produtos definidos no anexo I, nas seguintes condições:

1.      As denominações de venda previstas no anexo I são reservadas aos produtos nele referidos e devem ser utilizadas no comércio para os designar.

[...]»

4.        O anexo I da Diretiva Relativa ao Chocolate, sob a epígrafe «Denominações de venda, definições e características dos produtos», prevê, na parte A («Denominações de venda [e] definições»), ponto 2:

«[...]

c)      Chocolate em pó

Designa o produto que consiste numa mistura de cacau em pó e de açúcares que contenha pelo menos 32 % de cacau em pó.

[...]»

5.        A versão checa dessa disposição contém a designação única «čokoláda v prášku» para esse mesmo produto.

B.      Regulamento n.o 1169/2011

6.        O artigo 2.o do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«[...]

2.      São [...] aplicáveis as seguintes definições:

[...]

h)      “Ingrediente composto”, um ingrediente elaborado a partir de mais do que um ingrediente;

[...]

n)      “Denominação legal”, a denominação de um género alimentício prescrita pelas disposições da União que lhe são aplicáveis ou, na falta de tais disposições da União, a denominação prevista nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas aplicáveis no Estado‑Membro em que o género alimentício é vendido ao consumidor final ou aos estabelecimentos de restauração coletiva;

[...]»

7.        Nos termos do artigo 9.o do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Lista de menções obrigatórias»:

«1.      Nos termos dos artigos 10.o a 35.o, e sem prejuízo das exceções previstas no presente capítulo, é obrigatória a indicação das seguintes menções:

[...]

b)      A lista de ingredientes;

[...]»

8.        O artigo 15.o do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Requisitos linguísticos», dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto no artigo 9.o, n.o 3, a informação obrigatória sobre os géneros alimentícios deve figurar numa língua facilmente compreensível para os consumidores dos Estados‑Membros em que o género alimentício é comercializado.

[...]»

9.        O artigo 17.o do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Denominação do género alimentício», enuncia:

«1.      A denominação de um género alimentício é a sua denominação legal. Na falta desta, a denominação do género alimentício será a sua denominação corrente; caso esta não exista ou não seja utilizada, será fornecida uma denominação descritiva.

[...]»

10.      O artigo 18.o do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Lista de ingredientes», dispõe:

«1.      A lista de ingredientes deve incluir ou ser precedida de um cabeçalho adequado, constituído pelo termo “ingredientes”, ou que o inclua. Deve enumerar todos os ingredientes do género alimentício, por ordem decrescente de peso, tal como registado no momento da sua utilização para o fabrico do género alimentício.

2.      Os ingredientes são designados pela sua denominação específica, quando aplicável, nos termos das regras previstas no artigo 17.o e no anexo VI.

[...]»

11.      O anexo VII, parte E, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, sob a epígrafe «Designação de ingredientes compostos», tem a seguinte redação:

«1.      Um ingrediente composto pode figurar na lista de ingredientes sob a sua denominação, quando esta estiver prevista pela regulamentação ou consagrada pelo uso, em função do seu peso global, e pode ser imediatamente seguida da enumeração dos seus próprios ingredientes.

2.      Sem prejuízo do artigo 21.o, a lista de ingredientes para os ingredientes compostos não é obrigatória:

a)      Se a composição do ingrediente composto estiver definida nas disposições em vigor da União e desde que o ingrediente composto represente menos de 2 % do produto acabado; no entanto, esta disposição não se aplica a aditivos alimentares, sem prejuízo do disposto no artigo 20.o, alíneas a) a d);

[...]»

II.    Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

12.      O grupo Tesco é um retalhista multinacional que explora supermercados, nomeadamente na República Checa. A sua filial checa, Tesco Stores ČR a.s. (a seguir «Tesco») comercializou certos produtos alimentares sob a marca «Monte» nas suas lojas checas. Os produtos em causa (5) estavam rotulados com uma lista de ingredientes (exigida nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios), que mencionava «čokoládový prášek», sem mais precisões sobre os ingredientes que integravam esse ingrediente composto. Este termo ou expressão, traduzido livremente, teria um sentido semelhante a «powder of chocolate» («pó de chocolate») em inglês.

13.      Em 27 de maio de 2016, a Státní zemědělská a potravinářská inspekce (inspektorát v Brně) (Autoridade para a Segurança dos Produtos Agroalimentares checa, Serviços de Inspeção de Brno), ordenou a retirada do mercado checo desses produtos, uma vez que a lista de ingredientes incluía a expressão «čokoládový prášek» sem uma enumeração detalhada dos ingredientes desse ingrediente composto, conforme exigido pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea b), em conjugação com o artigo 18.o, n.os 1 e 4, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios e proibiu a futura colocação no mercado desses produtos.

14.      A Tesco apresentou uma reclamação contra estas medidas em 1 de junho de 2016. Em 6 de junho de 2016, a Autoridade de inspeção de produtos agroalimentares checa deferiu inicialmente o pedido da Tesco e revogou essas medidas. Em seguida, contudo, os Serviços Centrais de Inspeção da Autoridade para a Segurança dos Produtos Agroalimentares checa alteraram a Decisão de 6 de junho de 2016, por Decisões de 2 de fevereiro de 2017, indeferindo a reclamação da recorrente e confirmando as medidas de 27 de maio de 2016. A Tesco interpôs recurso das Decisões de 2 de fevereiro de 2017. Foi negado provimento a este recurso por Decisões do recorrido de 21 de abril de 2017.

15.      A Tesco interpôs recurso das Decisões do recorrido de 21 de abril de 2017 para o Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno). Foi negado provimento a este recurso por Acórdão de 26 de fevereiro de 2019. Com base no recurso de cassação interposto pela Tesco, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo, República Checa), por Acórdão de 11 de julho de 2019, anulou a Decisão de 26 de fevereiro de 2019 do Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno) e remeteu o processo a esse tribunal.

16.      O Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) concordou, em substância, com a Tesco no sentido de que lhe era permitido utilizar a designação «čokoládový prášek» em vez da designação «čokoláda v prášku» para o ingrediente composto em questão e que não lhe era exigida a enumeração dos ingredientes que integravam esse ingrediente composto na lista de ingredientes dos produtos em causa.

17.      O Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno), que está vinculado pela posição jurídica do Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo), tem dúvidas quanto ao mérito da análise do Nejvyšší správní soud no que respeita a determinados elementos do direito da União. Por conseguinte, apresentou um pedido de decisão prejudicial e pediu ao Tribunal de Justiça que lhe fornecesse orientações sobre a seguinte questão:

«Deve a regra estabelecida no Anexo VII, parte E, [ponto] 2, alínea a), do Regulamento n.o [1169/2011], ser interpretada no sentido de que, no caso de um género alimentício destinado a consumidores finais na República Checa, um ingrediente composto, tal como previsto no Anexo I, parte A, [ponto] 2, alínea c), da Diretiva [2000/36/CE], só pode ser indicado na composição de um produto sem se especificar a sua composição se a denominação desse ingrediente composto for apresentada de modo preciso, em conformidade com a versão checa do Anexo I da Diretiva 2000/36/CE?»

18.      Foram apresentadas observações escritas pela Tesco, pelo Ministério da Agricultura checo, pelo Governo checo e pela Comissão Europeia. Não foi solicitada audiência e esta não teve lugar. O Tribunal de Justiça enviou determinadas perguntas às partes para resposta escrita. Todas essas partes forneceram atempadamente respostas escritas às perguntas que lhes foram dirigidas.

III. Análise

A.      Observações preliminares

19.      O órgão jurisdicional de reenvio indica na decisão de reenvio que está vinculado pela posição jurídica do Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo). Ainda que assim seja, o órgão jurisdicional de reenvio considera que não está impedido de exercer o direito consagrado no artigo 267.o TFUE de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

20.      Isto é incontestavelmente correto. Como o Tribunal de Justiça declarou claramente no Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581), citado pelo órgão jurisdicional de reenvio na decisão de reenvio, não só um órgão jurisdicional inferior tem o direito de apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, em qualquer fase do processo que considere oportuna, como também, tendo exercido a faculdade que lhe é assim conferida pelo artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, esse órgão jurisdicional está igualmente vinculado, para a resolução do litígio no processo principal, pela interpretação das disposições em causa feita pelo Tribunal de Justiça e deve, se for esse o caso, afastar as decisões do tribunal superior se considerar, à luz dessa interpretação, que estas não são conformes com o direito da União (6).

21.      O anexo VII do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios contém uma «Parte E — Designação de ingredientes compostos». Em determinadas condições, o ponto 1 da parte E permite incluir um ingrediente composto sob a sua própria denominação na lista obrigatória de ingredientes exigida pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios quando a denominação do ingrediente composto for imediatamente seguida de uma lista dos seus próprios ingredientes. O ponto 2, alínea a), da parte E prevê uma exceção à lista obrigatória dos ingredientes que entram na composição de ingredientes compostos «[s]e a composição do ingrediente composto estiver definida nas disposições em vigor da União» e se o ingrediente composto representar menos de 2 % do produto acabado (a seguir «exceção relativa à lista de ingredientes para os ingredientes compostos»).

22.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a legislação da União exige que um ingrediente composto que seja um produto definido no anexo I da Diretiva Relativa ao Chocolate seja mencionado pela designação dada a esse produto nesse anexo na lista de ingredientes prevista no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios para que se aplique a exceção relativa à lista de ingredientes para os ingredientes compostos.

23.      Segundo as respostas da Tesco às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, o ingrediente composto em questão, ao qual me referirei, nas presentes conclusões, como «chocolate em pó», continha os 32 % de cacau em pó exigidos para essa designação, nos termos do anexo I, parte A, ponto 2, alínea c), da Diretiva Relativa ao Chocolate — ou seja, como «čokoláda v prášku» em checo, «Schokoladenpulver» em alemão, «proszek czekoladowy» ou «czekolada w proszku» em polaco, e «powdered chocolate» ou «chocolate in powder» em inglês.

24.      Além disso, segundo as respostas da Tesco, os diferentes produtos «Monte» em causa continham apenas 0,5 % (e, portanto, menos de 2 %) desse ingrediente composto. Para efeitos das presentes conclusões, considerarei estas declarações verdadeiras e corretas.

25.      A questão submetida ao Tribunal de Justiça não diz respeito, portanto, ao conteúdo real nem à composição dos ingredientes físicos dos produtos Monte. Pelo contrário, a questão submetida diz apenas respeito à descrição de um ingrediente composto desses produtos e aos requisitos previstos pela legislação da União relativa à informação sobre os géneros alimentícios quanto à forma como tal ingrediente composto deve ser descrito numa lista de ingredientes numa determinada língua oficial da União Europeia, neste caso, o checo. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio perguntou especificamente se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, é exigida uma lista dos ingredientes que entram na composição do ingrediente composto em causa.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio não pediu orientações sobre a questão de saber se a utilização de um termo diferente do previsto no anexo I da Diretiva Relativa ao Chocolate, «čokoláda v prášku», é permitida nos termos da legislação da União relativa à informação sobre os géneros alimentícios, mas apenas sobre a questão de saber se deve ser fornecida uma lista dos ingredientes desse ingrediente composto em caso de utilização desse outro termo. Todavia, estas duas questões parecem estar intrinsecamente ligadas pela legislação pertinente da União. Por conseguinte, esforcei‑me por analisar ambas as questões.

27.      Cheguei à conclusão de que esse ingrediente composto deve ser descrito numa lista de ingredientes com a sua denominação legal, conforme definida no artigo 2.o, n.o 2, alínea n), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, quando essa denominação exista, e que a omissão de uma lista dos ingredientes desse ingrediente composto só é justificada quando a composição desse ingrediente composto estiver definida em disposições em vigor da União e a denominação ou designação sob a qual esse ingrediente é assim definido for utilizada na lista de ingredientes do produto alimentar em causa.

B.      Equivalência das versões linguísticas

28.      A Tesco não utilizou, para os produtos Monte em causa, o termo indicado para o chocolate em pó que figura na versão em língua checa da Diretiva Relativa ao Chocolate, «čokoláda v prášku». Em vez disso, a Tesco traduziu para checo os rótulos polacos e/ou alemães dos produtos em causa. Estes rótulos utilizavam o termo designado para chocolate em pó em polaco ou alemão. Essa ou essas traduções resultaram na utilização do termo «čokoládový prášek» para o ingrediente composto em causa na lista de ingredientes desses produtos em checo.

29.      A Tesco alega, em substância, que todas as versões linguísticas da Diretiva Relativa ao Chocolate fazem igualmente fé e que decorre deste princípio que pode utilizar qualquer uma dessas versões linguísticas como ponto de partida de uma tradução fiel para o checo dos seus rótulos redigidos em qualquer outra língua oficial da União Europeia (no caso em apreço, o alemão e/ou o polaco). A Tesco salienta que as diferentes versões linguísticas da Diretiva Relativa ao Chocolate não são exatamente (literalmente) correspondentes entre si. Algumas versões linguísticas (como as versões nas línguas inglesa e polaca) permitem a utilização de duas, ou mesmo três (como a versão em língua neerlandesa), expressões diferentes para o chocolate em pó, ao passo que outras versões (incluindo a checa) aceitam apenas uma.

30.      Na opinião da Tesco, exigir‑lhe a utilização da versão em língua checa da Diretiva Relativa ao Chocolate violaria o princípio da equivalência das versões linguísticas desta diretiva.

31.      Segundo a decisão de reenvio, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) partilha, em substância, desta posição. Este órgão jurisdicional considerou que o facto de obrigar a Tesco a utilizar a designação checa para o chocolate em pó que figura no anexo I, parte A, ponto 2, alínea c), da Diretiva Relativa ao Chocolate estabeleceria a presunção de que só a versão em língua checa desta diretiva é aplicável nesse Estado‑Membro. O Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) baseou esta posição no caráter igualmente vinculativo de todas as versões linguísticas dos atos jurídicos da União e afastou a tese segundo a qual a rotulagem de produtos de chocolate na República Checa seria regida exclusivamente pela versão em língua checa da Diretiva Relativa ao Chocolate.

32.      Em substância, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) concluiu que tal entendimento estaria em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à equivalência das versões linguísticas e, sobretudo, com o princípio da livre circulação de mercadorias e com o objetivo de harmonização da rotulagem dos géneros alimentícios. Considerou que o próprio objetivo desta harmonização é permitir que um produtor ou um fornecedor utilize as informações já apostas no seu produto em conformidade com a Diretiva Relativa ao Chocolate, limitando‑se a traduzir essas informações para uma língua compreensível para os consumidores junto dos quais o produto vai ser comercializado.

33.      Não concordo com nenhuma destas posições.

34.      Em primeiro lugar, na minha opinião, a equivalência das versões linguísticas do direito da União não significa manifestamente que os operadores económicos possam escolher qualquer versão linguística que quiserem de um ato de direito derivado da União, traduzindo‑o como entenderem, e utilizando essa tradução mais ou menos fiel como se fizesse parte do texto oficial do ato legislativo da União em causa.

35.      Como o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) observou, citando, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.o 18), as diferentes versões linguísticas em que a legislação da União é redigida fazem igualmente fé.

36.      Por conseguinte, como o Tribunal de Justiça prosseguiu no mesmo número do Acórdão Cilfit e o., «uma interpretação de uma disposição de direito [da União] implica [...] uma comparação das versões linguísticas». Todavia, como o Tribunal de Justiça salientou no n.o 19 desse acórdão, mesmo em caso de concordância exata entre as diferentes versões linguísticas, o direito da União utiliza uma terminologia que lhe é própria. Os conceitos jurídicos não têm necessariamente o mesmo significado no direito da União e no direito dos diferentes Estados‑Membros. Por último, qualquer disposição do direito da União deve ser integrada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições deste direito, dos seus objetivos e do seu estádio de desenvolvimento no momento da aplicação da disposição em causa.

37.      As versões linguísticas de um ato da União devem ser sinónimas. Excecionalmente, quando essas versões divergem, surgem questões de interpretação que devem ser resolvidas para preservar a uniformidade da interpretação do direito da União.

38.      Estas questões não podem ser resolvidas recorrendo a uma qualquer hierarquia das versões linguísticas ou seguindo a maioria das versões. Por conseguinte, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a disposição em questão em tal caso deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação da qual essa disposição constitui um elemento e a formulação utilizada numa ou mais das versões linguísticas de um ato não pode servir como única base para a interpretação desse ato, nem ser‑lhe atribuído, a este respeito, um caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. Tal abordagem seria incompatível com a exigência de uniformidade de aplicação do direito da União (7).

39.      O princípio segundo o qual todas as versões fazem igualmente fé e a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às versões linguísticas divergentes dos atos legislativos da União não militam, portanto, de forma alguma a favor de um direito de um operador económico escolher uma qualquer versão linguística de uma determinada diretiva ou regulamentação que prefira e de utilizar seguidamente as suas próprias traduções de designações e termos definidos que figuram nessa versão como se tais designações e termos traduzidos fossem retirados da versão oficial na língua correspondente.

40.      Além disso, permitir a utilização de uma versão linguística escolhida de uma designação ou de um termo definido como base de traduções para outras línguas equivaleria a conferir a essa versão um nível mais elevado do que o das outras versões. Permitir que todos os operadores económicos fizessem tais escolhas e depois que cada um traduzisse livremente as versões que tivesse escolhido levaria inevitavelmente a enormes incoerências, uma vez que cada operador económico privado poderia criar o seu próprio conjunto de versões linguísticas desses termos ou designações. É a antítese de uma interpretação uniforme do direito da União.

C.      Inexistência de uma verdadeira questão de divergência entre as versões linguísticas

41.      Todavia, no caso em apreço, considero que não existe uma verdadeira questão de divergência entre as versões linguísticas. Existe desacordo quanto ao que o texto do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios e da Diretiva Relativa ao Chocolate significa ou exige a um operador económico como a Tesco, mas esse desacordo não resulta de versões linguísticas divergentes de qualquer um destes atos legislativos. Pelo contrário, o desacordo respeita à questão de saber se um operador económico é obrigado a utilizar a designação de um determinado ingrediente composto, tal como figura na versão linguística pertinente do direito derivado da União que o define (neste caso, a Diretiva Relativa ao Chocolate) na lista de ingredientes que deve fornecer nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, ou se a pode substituir pela sua própria tradução dessa designação a partir de outra versão linguística da Diretiva Relativa ao Chocolate para a(s) língua(s) exigida(s) para a lista de ingredientes nos termos do artigo 15.o do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios e tratar essa tradução como se produzisse os efeitos da versão oficial.

42.      Não parece haver desacordo entre as partes quanto aos critérios que um produto de chocolate tem de satisfazer para ser abrangido pela designação «chocolate em pó» ou «čokoláda v prášku», a saber, em substância, que esse ingrediente deve ser composto por uma mistura de açúcar e cacau em pó que contenha pelo menos 32 % de cacau em pó.

43.      O mesmo se aplica às disposições pertinentes do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios. Nenhuma discrepância em qualquer versão linguística foi levada ao conhecimento do Tribunal de Justiça durante o processo no que respeita a estas disposições e uma leitura rápida de versões linguísticas selecionadas (búlgaro, checo, dinamarquês, inglês, francês, alemão e polaco) revela que todas têm significado idêntico.

44.      O simples facto de diferentes versões linguísticas terem designações diferentes para um dado género alimentício não constitui uma divergência entre as versões linguísticas — é uma condição de base do multilinguismo que um dado artigo tenha diferentes nomes ou designações em diferentes versões linguísticas. O facto de algumas versões linguísticas preverem duas ou três designações alternativas para o mesmo género alimentício e outras versões linguísticas preverem apenas uma em nada altera esta conclusão.

45.      As circunstâncias de facto em causa no processo principal, conforme descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio na decisão de reenvio, não envolvem uma situação em que a Tesco tenha utilizado uma designação oficial numa língua e se tenha depois deparado com outra versão linguística da disposição do direito da União em questão com um significado diferente. O que a Tesco fez foi substituir um termo definido para uma designação específica numa determinada língua (o checo) por um termo por ela inventado, retirado de uma tradução literal (mais ou menos fiel) para o checo de um ou mais termos definidos para essa designação específica em uma ou duas outras versões linguísticas.

46.      A questão prejudicial não incide, portanto, sobre versões linguísticas divergentes, mas sobre a questão de saber se a utilização de um termo específico definido é exigida para um fim específico por força das disposições pertinentes da legislação da União.

47.      Na minha opinião, a resposta a esta questão decorre da interpretação da redação das disposições em causa, do seu contexto e dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União com essas disposições, bem como da economia geral da regulamentação em que essas disposições se inserem.

D.      Interpretação textual do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios e da Diretiva Relativa ao Chocolate

1.      A utilização da designação «čokoláda v prášku» numa lista de ingredientes é obrigatória para a descrição, em checo, de um ingrediente composto qualificável como chocolate em pó?

48.      O artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios exige que a lista de ingredientes «enumer[e] todos os ingredientes do género alimentício, por ordem decrescente de peso [...]». O artigo 18.o, n.o 2, desse regulamento dispõe que os «ingredientes são designados pela sua denominação específica, quando aplicável, nos termos das regras previstas no artigo 17.o [...]». O artigo 17.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê, por sua vez, que «[a] denominação de um género alimentício é a sua denominação legal. Na falta desta, a denominação do género alimentício será a sua denominação corrente; caso esta não exista ou não seja utilizada, será fornecida uma denominação descritiva».

49.      O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios estabelece, assim, uma clara hierarquia nos termos da qual deve ser privilegiada a denominação legal do género alimentício e nos termos da qual só pode ser utilizada uma denominação corrente ou descritiva na falta de uma denominação legal para o género alimentício em causa.

50.      O artigo 2.o, n.o 2, alínea n), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios fornece uma definição de «denominação legal» que contém a sua própria hierarquia. A denominação legal de um género alimentício é a denominação prescrita pelas disposições da União que lhe são aplicáveis. Só na falta de tais disposições da União é que a denominação legal do género alimentício é a denominação prevista nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas aplicáveis no Estado‑Membro em que o género alimentício é vendido ao consumidor final.

51.      Segundo a resposta da Tesco às perguntas do Tribunal de Justiça para resposta escrita, o ingrediente composto dos produtos Monte em questão é constituído por «cacau» e açúcar, com um mínimo de 32 % de cacau e «satisfaz plenamente as exigências da diretiva». Entendo esta declaração no sentido de que «cacau» é qualificável como cacau em pó, conforme definido no anexo I, parte A, ponto 2, alínea a), da Diretiva Relativa ao Chocolate, e que o ingrediente composto incluído nos produtos Monte em questão satisfaz efetivamente os requisitos da designação de chocolate em pó na aceção desta diretiva.

52.      Isto significa que o ingrediente composto tem uma denominação legal em checo, na aceção do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, com base na primeira parte da definição contida no artigo 2.o, n.o 2, alínea n), deste regulamento. Essa denominação legal é a designação dada no anexo I, parte A, ponto 2, alínea c), da Diretiva Relativa ao Chocolate, a saber, «čokoláda v prášku».

53.      Pelo contrário, «čokoládový prášek» não parece ter qualquer significado oficial num contexto jurídico da União. Nenhuma das partes no processo no Tribunal de Justiça levou ao conhecimento do Tribunal qualquer significado oficial desta expressão, e não tenho conhecimento de qualquer outro elemento que permita qualificá‑la de denominação legal do ingrediente composto em causa com base na primeira parte da definição contida no artigo 2.o, n.o 2, alínea n), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios. Uma pesquisa textual no EUR‑Lex, a base de dados oficial em linha dos documentos jurídicos da União (https://eur‑lex.europa.eu/advanced‑search‑form.html), do termo «čokoládový prášek» com o checo como língua de pesquisa não encontra qualquer resultado, ao passo que uma pesquisa semelhante do termo «čokoláda v prášku» encontra 12 resultados (8). Durante o processo, nenhuma das partes levou ao conhecimento do Tribunal de Justiça qualquer definição legal checa de «čokoládový prášek». Em qualquer caso, uma definição legal checa de «čokoládový prášek», ainda que tal definição existisse, não seria qualificável como «denominação legal», na aceção do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, uma vez que tal denominação — a saber, «čokoláda v prášku» — existe para o produto em questão com base na legislação da União. A segunda parte da definição de «denominação legal» que figura no artigo 2.o, n.o 2, alínea n), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios não entra, portanto, em jogo.

54.      Por conseguinte, sou de opinião que uma análise textual das disposições pertinentes da Diretiva Relativa ao Chocolate e do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios leva à conclusão de que a utilização da designação «čokoláda v prášku» na lista de ingredientes de um género alimentício é obrigatória para uma descrição em checo de um ingrediente composto qualificável como chocolate em pó, segundo os critérios enunciados no anexo I, parte A, ponto 2, alínea c), da Diretiva Relativa ao Chocolate.

55.      Esta conclusão é corroborada, além disso, pelo artigo 3.o da Diretiva Relativa ao Chocolate, que prevê que a Diretiva 79/112 (9) é aplicável aos produtos definidos no anexo I da Diretiva Relativa ao Chocolate (sendo o chocolate em pó um desses produtos), sob condição, nomeadamente, de que «[a]s denominações de venda previstas [nesse] anexo [...] devem ser utilizadas no comércio para os designar». Esta conclusão é válida, na minha opinião, independentemente de ser ou não fornecida uma lista de ingredientes desse ingrediente composto.

2.      É necessária uma lista de ingredientes para o chocolate em pó se for dada a esse ingrediente composto a designação «čokoládový prášek» numa lista de ingredientes em checo?

56.      O Anexo VII do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios contém uma parte E, intitulada «Designação de ingredientes compostos». O ponto 1 dessa parte permite a inclusão de um ingrediente composto na lista de ingredientes «quando [a designação do ingrediente composto] estiver prevista pela regulamentação ou consagrada pelo uso» e a sua menção nessa lista for «imediatamente seguida da enumeração dos seus próprios ingredientes». O ponto 2 da mesma parte prevê que a lista de ingredientes não é obrigatória se «a composição do ingrediente composto estiver definida nas disposições em vigor da União» e se o ingrediente composto representar menos de 2 % do produto acabado.

57.      No processo submetido ao Tribunal de Justiça, não foi fornecida qualquer lista de ingredientes do ingrediente composto e foi utilizada uma designação diferente da denominação legal do ingrediente composto. Ainda que o Tribunal de Justiça discorde da minha análise constante dos n.os 48 a 55 das presentes conclusões e considere que a utilização da designação «čokoládový prášek» para o chocolate em pó era permitida numa lista de ingredientes em checo, a omissão da lista de ingredientes desse ingrediente composto só seria permitida se a composição do «čokoládový prášek» estivesse «definida nas disposições em vigor da União» (10).

58.      Embora o ingrediente físico descrito pela expressão «čokoládový prášek» na lista dos ingredientes dos produtos Monte em questão satisfizesse alegadamente os critérios do chocolate em pó, nenhuma definição de um género alimentício ou de um ingrediente alimentício parece estar associada à expressão «čokoládový prášek».

59.      Nestas circunstâncias, sou de opinião que a omissão de uma lista de ingredientes do ingrediente composto chocolate em pó, quando esse ingrediente é rotulado como «čokoládový prášek», constitui uma violação da legislação da União relativa à informação sobre os géneros alimentícios tal como resulta do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.

E.      Objetivos, contexto e economia

60.      Na minha opinião, os objetivos prosseguidos pelo Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios e pela Diretiva Relativa ao Chocolate militam também a favor desta interpretação.

1.      Objetivos do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios

61.      O Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, cuja base jurídica é o artigo 114.o TFUE, prossegue o duplo objetivo de garantir um elevado nível de defesa dos consumidores no que se refere à informação sobre os géneros alimentícios e de assegurar o bom funcionamento do mercado interno. Ao fazê‑lo, esse regulamento tem em conta as diferenças de perceção e as necessidades de informação dos consumidores (11).

62.      A este respeito, um dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios é o de proporcionar uma base para que os consumidores finais possam fazer escolhas informadas (12). Este regulamento visa, portanto, assegurar que os consumidores finais compreendem facilmente a informação prestada na rotulagem (13). No que respeita às línguas utilizadas na rotulagem, o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios prevê que a informação obrigatória sobre os géneros alimentícios, incluindo as listas de ingredientes, deve figurar numa língua facilmente compreensível para os consumidores do Estado‑Membro em que o género alimentício é comercializado.

63.      Um consumidor que se depare com uma lista de ingredientes em que figura um termo não definido, em vez da designação adequada de um determinado ingrediente composto, não pode saber qual é a composição desse ingrediente composto, salvo se for fornecida uma lista dos seus ingredientes. Mesmo que seja fornecida uma lista dos ingredientes do ingrediente composto, só quando essa lista fornece informações sobre as proporções dos ingredientes do ingrediente composto, comparáveis às informações contidas na definição da designação, é que o consumidor fica informado de modo comparável. No caso em apreço, não só não foi utilizada a designação adequada, como também não foi fornecida qualquer lista de ingredientes do ingrediente composto em questão. O consumidor não estava, portanto, em condições de compreender o conteúdo dos produtos Monte em questão, e muito menos de o fazer facilmente. Uma interpretação do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios que permita esse resultado não serviria o objetivo da proteção do consumidor.

2.      Objetivos da Diretiva Relativa ao Chocolate

64.      A Diretiva Relativa ao Chocolate revogou e substituiu a Diretiva 73/241/CEE (14). Essa diretiva anterior destinava‑se a fixar definições e regras comuns relativas, nomeadamente, à composição e à rotulagem dos produtos de cacau e de chocolate, a fim de assegurar a sua livre circulação na União Europeia. A Diretiva Relativa ao Chocolate altera em parte a diretiva anterior para ter em conta, nomeadamente, o progresso tecnológico e adaptar as definições e regras à legislação geral da União aplicável aos géneros alimentícios, nomeadamente à legislação relativa à rotulagem.

65.      A este respeito, a Diretiva Relativa ao Chocolate tornou a Diretiva 79/112 (a legislação anterior ao Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios) aplicável aos produtos de cacau e de chocolate «o que garante uma informação correta dos consumidores», e torna obrigatória a utilização no comércio das denominações de venda previstas no anexo para a designação dos produtos nele referidos (15). Uma interpretação que permitisse uma profusão de traduções privadas seria manifestamente contrária a estes objetivos.

3.      A utilização da designação «čokoládový prášek» induz em erro os consumidores?

66.      O artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios enuncia o princípio segundo o qual a informação sobre os géneros alimentícios não deve induzir em erro no que respeita às propriedades e à composição do género alimentício.

67.      Isto suscita a questão de saber se se pode considerar que a utilização da expressão «čokoládový prášek», em particular sem ser acompanhada de uma lista de ingredientes do ingrediente composto assim designado, induz em erro os consumidores. Embora a resposta a esta questão seja, em parte, uma questão de facto cuja decisão incumbe, em última análise, ao órgão jurisdicional de reenvio, creio que o Tribunal de Justiça pode fornecer algumas orientações úteis.

68.      Há pelo menos dois modos pelos quais os consumidores podem ser induzidos em erro pela utilização de uma designação diferente da denominação legal em checo para o chocolate em pó. Os consumidores podem i) ser induzidos em erro crendo que o ingrediente tem uma composição diferente da sua verdadeira composição ou que as proporções desses ingredientes eram diferentes da verdadeira composição do ingrediente composto, e os consumidores podem ii) ser induzidos em erro crendo que o conteúdo desse ingrediente no produto acabado (o seu teor em percentagem no produto acabado) era diferente (mais elevado) do que efetivamente era.

69.      A expressão «čokoládový prášek» parece significar algo que se assemelha a «pó de chocolate». Contudo, não existe chocolate no chocolate em pó, segundo a definição desse produto no anexo I, parte A, ponto 2, alínea c), da Diretiva Relativa ao Chocolate. O produto assim designado — que é o ingrediente em questão no processo principal — é composto por açúcar e cacau em pó, sobretudo por açúcar. Não consiste em chocolate moído finamente, como o nome poderia sugerir. O risco de induzir em erro os consumidores é ainda exacerbado pelo requisito do Anexo VI, parte A, ponto 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, segundo a qual a denominação do género alimentício deve incluir ou ser acompanhada da indicação do estado físico em que se encontra o género alimentício ou do tratamento específico a que foi submetido (tal como, especificamente «em pó»).

70.      Poderia objetar‑se que esse argumento é igualmente válido para a designação «čokoláda v prášku». Esta designação também poderia indicar que o produto em questão é composto por chocolate que foi submetido a algum tipo de tratamento mecânico (16).

71.      A diferença determinante entre a designação da Tesco «čokoládový prášek» e a designação oficial «čokoláda v prášku», para além do requisito legal de dever ser utilizada esta última, conforme exposto nos n.os 48 a 55 das presentes conclusões, é que esta última tem um significado definido e a primeira não o tem. Um consumidor, uma organização de consumidores, ou mesmo as autoridades públicas em matéria alimentar, não podem saber, com base na designação «čokoládový prášek», qual seja a suposta composição desse ingrediente composto. Só a Tesco e o seu fornecedor a podem conhecer.

72.      Independentemente de o termo constituir ou não uma descrição precisa, «čokoláda v prášku» tem um significado claramente definido na legislação da União relativa à informação sobre os géneros alimentícios, que qualquer pessoa pode procurar na Diretiva Relativa ao Chocolate. Embora possa parecer surpreendente que «čokoláda v prášku» seja composto por cacau em pó e por açúcar em vez de chocolate e possa até parecer criticável que se permita chamar «chocolate em pó» (o sublinhado é meu) a um produto que só tem de conter pelo menos 6,4 % de manteiga de cacau, quando o teor mínimo de manteiga de cacau exigido para o chocolate é de 18 % (17), o significado de «čokoláda v prášku» é bem definido, ao passo que «čokoládový prášek» não parece ter significado autónomo nem definição específica no direito da União.

73.      A questão de saber se um consumidor checo seria efetivamente induzido em erro pela utilização da expressão checa «čokoládový prášek» para o ingrediente composto em causa, sem uma especificação da sua composição numa lista de ingredientes, é uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir.

4.      Preocupação com o mercado interno

74.      O órgão jurisdicional de reenvio indica na decisão de reenvio que o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) baseou em parte a sua decisão em preocupações com o mercado interno.

75.      Não partilho da posição segundo a qual o acesso dos operadores económicos ao mercado interno seria entravado a menos que esses operadores económicos fossem autorizados a utilizar as suas próprias traduções das designações dos ingredientes dos géneros alimentícios. Pelo contrário, a harmonização das denominações de venda e das regras de rotulagem serve o objetivo de garantir a unidade do mercado interno (18).

76.      O Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios serve pelo menos dois objetivos principais, um dos quais é proteger os consumidores na União através de regras comuns em matéria de informação sobre os géneros alimentícios, e o outro é a garantia do bom funcionamento do mercado interno (19). Com efeito, o Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios foi adotado com base no artigo 114.o TFUE.

77.      No que diz respeito à Diretiva Relativa ao Chocolate, a livre circulação dos produtos de chocolate no mercado comum baseia‑se na existência de regras comuns e de uma terminologia normalizada que assegura um elevado nível de proteção do consumidor em todo o mercado interno (20).

78.      O Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios prossegue estes dois objetivos, fornecendo normas comuns em matéria de informação sobre os géneros alimentícios e designações comuns para vários géneros alimentícios através da integração de termos provenientes de outros atos de direito derivado da União, como a Diretiva Relativa ao Chocolate.

79.      Este sistema proporciona um conjunto normalizado e facilmente acessível de regras e designações que os operadores económicos da União podem — e devem — utilizar quando comercializam géneros alimentícios na União, melhorando assim substancialmente a sua facilidade de acesso ao mercado. O sistema assim instituído facilita consideravelmente a comercialização transfronteiriça dos géneros alimentícios na União em comparação com qualquer alternativa viável.

80.      Na minha opinião, não há nenhuma razão credível pela qual a utilização da designação prevista pela Diretiva Relativa ao Chocolate, conforme exigido nos termos do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios, deva ser considerada mais onerosa para um operador económico como a Tesco do que a invenção por esta do seu próprio termo para o mesmo produto.

IV.    Conclusão

81.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão submetida pelo Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa):

Um ingrediente composto com uma designação nos termos do anexo I, parte A, ponto 2, alínea c), da Diretiva 2000/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de junho de 2000, relativa aos produtos de cacau e de chocolate destinados à alimentação humana, deve, nos termos do artigo 18.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (UE) n.o 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, em conjugação com o artigo 17.o, n.o 1, deste regulamento, ser inscrito numa lista de ingredientes do produto alimentar de que faz parte com essa designação, a qual, por força do artigo 2.o, n.o 2, alínea n), do Regulamento n.o 1169/2011, é igualmente a sua denominação legal. Essa denominação deve ser fornecida na língua exigida pelo artigo 15.o do Regulamento n.o 1169/2011.

A lista de ingredientes desse ingrediente composto só pode ser omitida, nos termos do anexo VII, parte E, ponto 2, alínea a), do Regulamento n.o 1169/2011, quando essa designação for utilizada para o ingrediente composto na lista de ingredientes para o produto alimentar comercializado.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de junho de 2000, relativa aos produtos de cacau e de chocolate destinados à alimentação humana (JO 2000, L 197, p. 19).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1924/2006 e (CE) n.o 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 87/250/CEE da Comissão, 90/496/CEE do Conselho, 1999/10/CE da Comissão, 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, 2002/67/CE e 2008/5/CE da Comissão e o Regulamento (CE) n.o 608/2004 da Comissão (JO 2011, L 304, p. 18).


4      Diretiva do Conselho, de 18 de dezembro de 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (JO 1979, L 33 p. 1; EE 13 F9 p. 162). A Diretiva 79/112 foi revogada e substituída pela Diretiva 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (JO 2000, L 109, p. 29), que, por sua vez, foi revogada e substituída pelo Regulamento relativo à informação sobre os géneros alimentícios. As referências à Diretiva 79/112 devem ser entendidas como sendo feitas à Diretiva 2000/13 e as referências à Diretiva 2000/13 devem ser entendidas como sendo feitas ao Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.


5      Monte, mléčný dezert čokoládový s lískovými oříšky (sobremesa láctea de chocolate com avelãs) 220 g, Monte mléčný dezert čokoládový (sobremesa láctea de chocolate Monte) 100 g, e Monte drink mléčný nápoj čokoládový s lískovými oříšky (Monte drink, bebida láctea de chocolate com avelãs) 200 ml.


6      Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 25 a 26 e 29 a 30). V., igualmente, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Dopravní podnik hl. m. Prahy (C‑107/19, EU:C:2021:722, n.o 46).


7      V., neste sentido, Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.os 49 a 50 e jurisprudência referida).


8      Estes resultados incluem, além da Diretiva Relativa ao Chocolate, o Regulamento (UE) 2016/792 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, relativo aos índices harmonizados de preços no consumidor e ao índice de preços da habitação, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2494/95 do Conselho (JO 2016, L 135, p. 11), e o Regulamento (UE) 2015/1163 da Comissão, de 15 de julho de 2015, que aplica o Regulamento (CE) n.o 1445/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita à lista das rubricas elementares utilizada para as Paridades de Poder de Compra (JO 2015, L 188, p. 6).


9      Como referido na nota de rodapé 5, as referências à Diretiva 79/112 devem agora ser entendidas como referências ao Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.


10      Anexo VII, parte E, ponto 2, alínea a), do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.


11      Artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.


12      V. artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios bem como considerandos 3, 4 e 37 deste regulamento. V., igualmente, Acórdão de 12 de novembro de 2019, Organisation juive européenne e Vignoble Psagot (C‑363/18, EU:C:2019:954, n.o 53).


13      V., no que respeita à utilização do termo «sal» em vez do termo «sódio» na rotulagem, o considerando 37 do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.


14      Diretiva do Conselho, de 24 de julho de 1973, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos de cacau e de chocolate destinados à alimentação humana (JO 1973, L 228, p. 23; EE 13 F3 p. 26). V. artigo 7.o da Diretiva Relativa ao Chocolate.


15      Considerando 8 da Diretiva Relativa ao Chocolate e artigo 3.o, n.o 1, da mesma.


16      O mesmo argumento é válido para as designações oficiais em búlgaro, dinamarquês, inglês, francês, alemão e polaco. Só as duas últimas das três denominações alternativas em neerlandês «Chocoladepoeder, gesuikerd cacaopoeder, gesuikerde cacao» parecem descrever adequadamente o produto.


17      «Chocolate» e «chocolate em pó» designam dois ingredientes compostos diferentes, cada um com a sua definição distinta. «Chocolate», conforme definido no anexo I, parte A, ponto 3, alínea a), da Diretiva Relativa ao Chocolate («čokoláda» em checo), «[d]esigna o produto obtido a partir de produtos do cacau e de açúcares que, sem prejuízo da alínea b), contém, no mínimo, 35 % de matéria seca total de cacau, dos quais pelo menos 18 % de manteiga de cacau e no mínimo 14 % de matéria seca de cacau isenta de gordura». «Cacau em pó» ou «cacau», conforme definido no anexo I, ponto A, da Diretiva Relativa ao Chocolate («kakaový prášek» ou «kakao» em checo), «[d]esigna o produto obtido pela transformação em pó de sementes de cacau limpas, descascadas e torradas que contém no mínimo 20 %, em massa, de manteiga de cacau (expresso em relação à matéria seca) e no máximo 9 % de humidade». Implicitamente, a percentagem mínima admissível de manteiga de cacau no «chocolate em pó» é de 6,4 % (o chocolate em pó deve consistir em, pelo menos, 32 % de cacau em pó que, por sua vez, deve conter pelo menos 20 % da manteiga de cacau com base na massa da matéria seca).


18      V. considerando 7 da Diretiva Relativa ao Chocolate.


19      V. artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Relativo à Informação sobre os Géneros Alimentícios.


20      V., a este respeito, considerandos 3, 4 e 7 da Diretiva Relativa ao Chocolate.