Language of document : ECLI:EU:C:2024:18

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 11 de janeiro de 2024 (1)

Processos C662/22 a C667/22

Airbnb Ireland UC (C662/22)

Expedia Inc. (C663/22)

Google Ireland Limited (C664/22)

Amazon Services Europe Sàrl (C665/22 e C667/22)

Eg Vacation Rentals Ireland Limited (C666/22)

contra

Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale Amministrativo Regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) 2019/1150 — Diretiva 2000/31/CE — Artigo 3.° — Regulamentações técnicas relativas aos serviços da sociedade da informação — Regulamentação nacional que impõe aos prestadores de serviços de intermediação em linha e de motores de busca em linha a inscrição num registo dos operadores de comunicações e o pagamento de uma contribuição financeira»






Índice


I. Introdução

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1. Regulamento 2019/1150

2. Diretiva 2015/1535

3. Diretiva 2000/31

4. Diretiva 2006/123

B. Direito italiano

1. A Lei n.° 249/1997 e as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.° 178/2020, bem como a Decisão n.° 666/2008 e as alterações que lhe foram introduzidas pela Decisão n.° 200/2021 

2. A Decisão n.° 14/2021 do Presidente da AGCOM

3. A Decisão n.° 397/2013 e as alterações que lhe foram introduzidas pela Decisão n.° 161/2021

III. Factos na origem dos litígios nos processos principais e questões prejudiciais

A. Processos apensos C662/22 e C667/22

B. Processos apensos C664/22 e C666/22

C. Processo C663/22

D. Processo C665/22

IV. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

V. Análise

A. Quanto à admissibilidade

1. No processo C663/22

2. No processo C665/22

B. Quanto ao Regulamento 2019/1150

1. A aplicação de um regulamento

2. O Regulamento 2019/1150 e o seu objetivo

3. A recolha de informações e a aplicação do Regulamento 2019/1150

4. Apreciação

5. Observações suplementares

C. Quanto à livre prestação de serviços à luz do artigo 56.° TFUE e das Diretivas 2000/31 e 2006/123

1. Quanto à Diretiva 2000/31

a) Observações preliminares sobre as questões prejudiciais relativas à livre prestação de serviços

b) As exigências do domínio coordenado

1) Exposição do problema

2) Observações gerais sobre a extensão do domínio coordenado

3) Apreciação

c) A restrição à livre circulação de serviços

1) A inaplicabilidade da corrente jurisprudencial relativa ao artigo 56.° TFUE

2) A restrição à livre circulação de serviços da sociedade da informação à luz da jurisprudência

3) Jurisprudência relativa à livre prestação de serviços

d) As condições de fundo previstas no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31

1) A natureza das medidas derrogatórias

2) O objetivo das medidas nacionais em causa

3) Medida tomada relativamente a um serviço que contende com um dos objetivos referidos no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31 ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos

4) Proporcionalidade

e) Conclusão preliminar

2. Quanto à Diretiva 2006/123

3. Quanto ao artigo 56.° TFUE

4. Quanto à incidência do Regulamento 2019/1150

5. Conclusão

D. Quanto às obrigações de notificação prévia das medidas nacionais previstas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535

1. Observações preliminares sobre a pertinência das questões prejudiciais

2. Exposição do problema

3. A obrigação de notificação à luz da Diretiva 2000/31

4. A obrigação de notificação à luz da Diretiva 2015/1535

VI. Conclusão


I.      Introdução

1.        As questões prejudiciais apresentadas nos processos a que dizem respeito as presentes conclusões referem‑se à interpretação do Regulamento (UE) 2019/1150 (2) e das Diretivas 2000/31/CE (3), 2006/123/CE (4) e (UE) 2015/1535 (5). Essas questões encontram origem na contestação pelos prestadores de serviços de intermediação em linha e de motores de busca em linha (a seguir «prestadores de serviços em linha») à regulamentação adotada pela República Italiana que lhes impõe, designadamente, a obrigação de se inscreverem num registo e de transmitirem informações relativas à sua estrutura e à sua situação económica.

2.        As referidas questões constituem uma oportunidade, por um lado, para o Tribunal de Justiça se pronunciar, pela primeira vez, sobre a interpretação do Regulamento 2019/1150 e sobre a margem de manobra de que os Estados‑Membros dispõem na sua aplicação.

3.        Por outro, permitem que o Tribunal de Justiça decida se o direito da União se opõe a uma regulamentação nacional pela qual um Estado‑Membro aplica as obrigações em causa aos prestadores estabelecidos em Estados‑Membros que não aquele onde se encontram estabelecidos. Gostaria de salientar, correndo o risco de antecipar os meus comentários subsequentes, que o artigo 3.° da Diretiva 2000/31 estabelece um mecanismo que impede a aplicação dessas obrigações a esses prestadores de serviços.

4.        É certo que se poderia sustentar que o mecanismo previsto no artigo 3.° da Diretiva 2000/31 confere uma proteção particularmente alargada aos prestadores dos serviços da sociedade da informação estabelecidos na União contra as medidas adotadas pelos Estados‑Membros que não aquele onde se encontram estabelecidos. Todavia, sou de opinião que a intenção do legislador da União aquando da adoção dessa diretiva, que é fruto da sua época, era a de estabelecer um regime básico que protege especificamente a livre circulação de serviços da sociedade da informação no seio da União.

5.        Nessa perspetiva, a Diretiva 2000/31 visa adaptar as soluções previstas pelo Tratado aos desafios que se colocam perante o desenvolvimento da Internet. Ao mesmo tempo, esta diretiva serviu de ponto de partida para a evolução do direito da União no domínio dos serviços em linha (6). Se necessário, o legislador pode ou mesmo deve intervir e apresentar soluções harmonizadas adaptadas à realidade socioeconómica (7). Essas intervenções aconteceram ao longo dos anos (8)e o Digital Services Act (9)      é disso um exemplo recente.

6.        Além disso, a natureza económica das informações que os prestadores de serviços em linha devem fornecer em virtude das obrigações em causa pode sugerir que estas são úteis para verificar se esses prestadores respeitam as suas obrigações fiscais. Todavia, o mecanismo previsto no artigo 3.° da Diretiva 2000/31 não é aplicável no domínio da fiscalidade (10). Do ponto de vista do direito da União, a legalidade das medidas excluídas do âmbito de aplicação dessa diretiva deve ser analisada à luz do artigo 56.° TFUE (11). Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo Italiano não sustentam que as obrigações em causa estejam relacionadas com a necessidade de assegurar a execução de obrigações fiscais.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento 2019/1150

7.        O artigo 15.° do Regulamento 2019/1150, sob a epígrafe «Controlo da aplicação», dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro assegura a aplicação adequada e efetiva do presente regulamento.

2.      Os Estados‑Membros estabelecem regras que prevejam as medidas aplicáveis às infrações ao presente regulamento e asseguram a sua aplicação. As medidas previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

8.        O artigo 16.° desse regulamento, sob a epígrafe «Acompanhamento», prevê:

«A Comissão [Europeia], em estreita cooperação com os Estados‑Membros, acompanha de forma aprofundada o impacto do presente regulamento nas relações entre os serviços de intermediação em linha e os seus utilizadores profissionais e entre os motores de pesquisa em linha e os utilizadores de sítios Internet de empresas. Para este fim, a Comissão recolhe informações pertinentes para acompanhar as alterações destas relações, nomeadamente realizando estudos pertinentes. Os Estados‑Membros prestam assistência à Comissão, fornecendo, a pedido, todas as informações pertinentes recolhidas, incluindo sobre casos específicos. Para efeitos do presente artigo e do artigo 18.°, a Comissão pode solicitar a recolha de informações junto dos prestadores de serviços de intermediação em linha.»

2.      Diretiva 2015/1535

9.        O artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2015/1535 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, aplicam‑se as seguintes definições:

[...]

b)      “Serviço” significa qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços;

[...]

e)      “Regra relativa aos serviços” significa um requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços referidas na alínea b) do presente artigo e ao seu exercício, nomeadamente as disposições relativas ao prestador de serviços, aos serviços e ao destinatário de serviços, com exclusão das regras que não visem especificamente os serviços definidos nessa mesma disposição.

[...]

f)      “Regra técnica” significa uma especificação técnica, outra exigência ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como, sob reserva das disposições referidas no artigo 7.°, qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.

[...]»

10.      O artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, dessa diretiva prevê:

«Sob reserva do disposto no artigo 7.°, os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviam igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas razões já transparecerem do projeto.»

11.      Segundo o artigo 7.°, n.° 1, da diretiva referida:

«Os artigos 5.° e 6.° não são aplicáveis às disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou aos acordos voluntários através dos quais estes:

a)      deem cumprimento aos atos vinculativos da União cujo efeito seja a adoção de especificações técnicas ou de regras relativas aos serviços;

[...]»

3.      Diretiva 2000/31

12.      A Diretiva 2000/31 define, no seu artigo 2.°, alínea a), o conceito de «serviços da sociedade da informação» por remissão para o artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2015/1535 (12).

13.      O artigo 2.°, alínea h), da Diretiva 2000/31 define «domínio coordenado» como sendo «as exigências fixadas na legislação dos Estados‑Membros, aplicáveis aos prestadores de serviços da sociedade da informação e aos serviços da sociedade da informação, independentemente de serem de natureza geral ou especificamente concebidos para esses prestadores e serviços».

14.      O artigo 3.° dessa diretiva, sob a epígrafe «Mercado interno», tem a seguinte redação:

«1.      Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.

2.      Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

3.      Os n.os 1 e 2 não se aplicam aos domínios a que se refere o anexo.

4.      Os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias do n.° 2 em relação a determinado serviço da sociedade da informação, caso sejam preenchidas as seguintes condições:

a)      As medidas devem ser:

i)      Necessárias por uma das seguintes razões:

–        defesa da ordem pública, em especial prevenção, investigação, deteção e incriminação de delitos penais, incluindo a proteção de menores e a luta contra o incitamento ao ódio fundado na raça, no sexo, na religião ou na nacionalidade, e contra as violações da dignidade humana de pessoas individuais,

[...]

ii)      Tomadas relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese os objetivos referidos na subalínea i), ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos;

iii)      Proporcionais a esses objetivos;

b)      Previamente à tomada das medidas em questão, e sem prejuízo de diligências judiciais, incluindo a instrução e os atos praticados no âmbito de uma investigação criminal, o Estado‑Membro deve:

–        ter solicitado ao Estado‑Membro a que se refere o n.° 1 que tome medidas, sem que este último as tenha tomado ou se estas se tiverem revelado inadequadas,

–        ter notificado à Comissão e ao Estado‑Membro a que se refere o n.° 1 a sua intenção de tomar tais medidas.

5.      Os Estados‑Membros podem, em caso de urgência, derrogar às condições previstas na alínea b) do n.° 4. Nesse caso, as medidas devem ser notificadas no mais curto prazo à Comissão e ao Estado‑Membro a que se refere o n.° 1, indicando as razões pelas quais consideram que existe uma situação de urgência.

6.      Sem prejuízo da faculdade de o Estado‑Membro prosseguir a aplicação das medidas em questão, a Comissão analisará, com a maior celeridade, a compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário; se concluir que a medida é incompatível com o direito comunitário, a Comissão solicitará ao Estado‑Membro em causa que se abstenha de tomar quaisquer outras medidas previstas, ou ponha termo, com urgência, às medidas já tomadas.»

4.      Diretiva 2006/123

15.      O artigo 16.° da Diretiva 2006/123, sob a epígrafe «Liberdade de prestação de serviços», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem respeitar o direito de os prestadores prestarem serviços num Estado‑Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos.

[…]

Os Estados‑Membros não devem condicionar o acesso ou o exercício de atividades no setor dos serviços no seu território ao cumprimento de qualquer requisito que não respeite os seguintes princípios:

a)      Não discriminação: o requisito não pode ser direta ou indiretamente discriminatório em razão da nacionalidade ou, no que respeita às pessoas coletivas, em razão do Estado‑Membro em que estão estabelecidas;

b)      Necessidade: o requisito tem que ser justificado por razões de ordem pública, de segurança pública, de saúde pública ou de proteção do ambiente;

c)      Proporcionalidade: o requisito tem que ser adequado para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para o atingir.

2.      Os Estados‑Membros não podem restringir a liberdade de prestar serviços de um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro através da imposição de algum dos seguintes requisitos:

[...]

b)      Obrigação de o prestador obter uma autorização das respetivas autoridades competentes, incluindo a inscrição num registo […];

[...]»

B.      Direito italiano

16.      No ordenamento jurídico italiano, as medidas que visam dar aplicação ao Regulamento 2019/1150 — a saber, em especial, as Decisões n.os 14/2021 (13) e 200/2021 (14), bem como, provavelmente, a Decisão n.° 161/2021 (15) — foram adotadas com base no artigo 1.°, n.os 515 a 517, da legge n.° 178 — Bilancio di previsione dello Stato per l’anno finanziario 2021 e bilancio pluriennale per il triennio 2021‑2023 (Lei n.° 178, de 30 de dezembro de 2020 — Orçamento Provisório do Estado para o Exercício de 2021 e Orçamento Plurianual para o Triénio de 2021 a 2023) (16) (a seguir «Lei n.° 178/2020»), que alterou a legge n.° 249 — «Istituzione dell'Autorita’ per le garanzie nelle comunicazioni e norme sui sistemi delle telecomunicazioni e radiotelevisivo» (Lei no 249, de 31 de julho de 1997, que institui a Autoridade Reguladora das Comunicações e Estabelece as Disposições relativas aos Sistemas de Telecomunicações e de Radiotelevisão) (17) (a seguir «Lei no 249/1997»), a qual tinha instituído a AGCOM.

1.      A Lei n.° 249/1997 e as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.° 178/2020, bem como a Decisão n.° 666/2008 e as alterações que lhe foram introduzidas pela Decisão n.° 200/2021 (18)

17.      O artigo 1.°, n.° 6, da Lei n.° 249/1997, na redação do artigo 1.°, n.° 515, da Lei n.° 178/2020, prevê:

«A fim de promover a equidade e a transparência para as empresas que utilizam serviços de intermediação em linha, em particular através da adoção de orientações, da promoção de códigos de conduta e da recolha de informações relevantes, o artigo 1.° da Lei [n.° 249/97] é alterado do seguinte modo:

a)      no n.° 6:

[...]

2)      alínea c), [...] é acrescentado o [texto] seguinte:

“14‑bis [o conselho da AGCOM] assegura a aplicação adequada e efetiva do Regulamento [2019/1150], nomeadamente pela adoção de orientações, a promoção de códigos de conduta e a recolha de informações pertinentes”;

[...]»

18.      As disposições da Lei n.° 178/2020 impuseram determinadas obrigações aos prestadores de serviços em linha ao proporem serviços em Itália, mesmo que não se encontrem estabelecidos no território desse Estado‑Membro, a saber, nomeadamente, em primeiro lugar, a obrigação de inscrição no registro degli operatori di comunicazione (Registo dos Operadores de Comunicações, a seguir «ROC») e, em segundo lugar, a obrigação de pagamento de uma contribuição anual à AGCOM.

19.      Assim, em primeiro lugar, no que respeita à obrigação de inscrição no ROC, em 26 de novembro de 2008, a AGCOM adotou a delibera n.° 666/08/CONS, Regolamento per l’organizzazione e la tenuta del [ROC] (Decisão n.° 666/08/CONS, Regulamento de Manutenção do [ROC]) (19)(a seguir «Decisão n.° 666/2008»). O artigo 2.° do anexo A da Decisão n.° 666/2008 enumera as categorias de entidades obrigadas a inscrição no ROC.

20.      Em 17 de junho de 2021, a AGCOM adotou a Decisão n.° 200/2021. Com essa decisão, a AGCOM alterou o anexo A da Decisão n.° 666/2008, incluindo na lista das categorias de entidades obrigadas a inscrição no ROC os prestadores de serviços em linha, tal como são definidos pelo Regulamento 2019/1150, que, apesar de não se encontrarem estabelecidos ou serem residentes em território nacional, prestam ou propõem‑se prestar esses serviços aos utilizadores profissionais estabelecidos ou com sede em Itália. A AGCOM alterou igualmente o anexo B da Decisão n.° 666/2008, alargando aos prestadores de serviços em linha a obrigação de apresentar, aquando do seu pedido de inscrição no ROC, declarações sobre a sua estrutura societária e sobre a atividade exercida, bem como a obrigação de apresentar as declarações anuais subsequentes.

21.      A Decisão n.° 666/2008 prevê que a inscrição no ROC é sujeita a requisitos procedimentais e de comunicação. Assim, os prestadores de serviços em linha devem, nomeadamente, reunir e em seguida comunicar à AGCOM uma série de informações sobre a sua estrutura societária, notificar a AGCOM, em prazos imperativos (30 dias), sobre qualquer alteração do controlo e da propriedade, e de qualquer transmissão de 10 % ou mais (ou de 2 % no caso das sociedades cotadas) das suas ações (20), fornecer à AGCOM notificações anuais e mantê‑la sempre informada sobre qualquer alteração das informações comunicadas (21). Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, em seu entender, as sociedades inscritas no ROC estão proibidas «de receber, diretamente ou por intermédio de outras entidades que controlam ou às quais estão ligadas [...] receitas superiores a 20 % das receitas globais realizadas no sistema integrado de comunicações» (22).

22.      Os prestadores de serviços em linha que não cumpram essas obrigações são passíveis de sanções que o órgão jurisdicional de reenvio qualifica como «importantes». Apesar de esse órgão jurisdicional não fornecer informações detalhadas a esse respeito, há que salientar que, nesse caso, as sanções aplicadas são as previstas no artigo 1.°, n.os 29 a 32, da Lei n.° 249/1997 (23). Essas sanções incluem coimas e, em certos casos, a suspensão das atividades do prestador em Itália, ou até sanções penais. A AGCOM pode igualmente ordenar a inscrição oficiosa de um prestador no ROC.

23.      Em segundo lugar, no que respeita à obrigação de pagamento de uma contribuição anual à AGCOM, o artigo 1.°, n.° 517, da Lei n.° 178/2020, prevê, «para cobrir o montante total dos custos administrativos incorridos pelo exercício das funções de regulação, de vigilância, de resolução dos litígios e das funções sancionatórias atribuídas à [AGCOM] por lei nas matérias visadas no n.° 515», o aditamento ao artigo 1.° da legge n.° 266 — Disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge finanziaria 2006) (Lei n.° 266, de 23 de dezembro de 2005, Disposições para a Elaboração do Orçamento Anual e Plurianual do Estado (Lei do Orçamento 2006) (24)(a seguir «Lei n.° 266/2005»), do seguinte parágrafo: «66 bis. No quadro da primeira aplicação, a título do ano de 2021, o montante da contribuição a cargo dos prestadores de serviços em linha visados no artigo 1.°, n.° 6, alínea a), ponto 5, da Lei n.° 249/1997 é fixado em 1,5 por mil das receitas auferidas no território nacional, ainda que sejam contabilizadas nos balanços das sociedades com sede no estrangeiro, e que estejam ligadas ao valor da produção que consta do balanço do exercício anterior, ou, para as entidades que não são obrigadas a efetuar esse balanço, as rubricas equivalentes de outros registos contabilísticos que atestem o valor total da produção. Para os anos seguintes, poderão ser adotadas pela [AGCOM] eventuais variações do montante e das modalidades da contribuição em conformidade com o n.° 65, dentro do limite de 2 por mil das receitas avaliadas em conformidade com a frase anterior.»

2.      A Decisão n.° 14/2021 do Presidente da AGCOM

24.      A Decisão n.° 14/2021 (25) determinou o montante e as modalidades do pagamento, pelos prestadores de serviços em linha, da contribuição prevista no artigo 1.°, n.° 66 bis, da Lei n.° 266/2005.

3.      A Decisão n.° 397/2013 e as alterações que lhe foram introduzidas pela Decisão n.° 161/2021

25.      Em 25 de junho de 2013, a AGCOM adotou a delibera n.° 397/13/CONS, Informativa economica di sistema (Decisão n.° 397/13/CONS, informação económica de sistema) (a seguir «Decisão n.° 397/2013»). O artigo 2.°, n.° 1, dessa decisão enumera as categorias de pessoas que são obrigadas a transmitir à AGCOM um documento intitulado «Informativa economica di sistema» (Informação económica do sistema) (a seguir «IES»).

26.      Pela Decisão n.° 161/2021 (26), a AGCOM alargou aos prestadores de serviços em linha a obrigação de lhe comunicarem a IES sempre que operem em território italiano, invocando a necessidade de «recolher anualmente as informações pertinentes e de tomar as medidas que visam garantir a aplicação adequada e efetiva do [Regulamento 2019/1150]» bem como o «exercício das funções atribuídas à [AGCOM] pela [Lei n.° 178/2020]».

27.      Segundo esta decisão, a IES é uma «declaração anual que os operadores de comunicações devem apresentar e que diz respeito aos dados pessoais e económicos relativos à atividade exercida pelas entidades em questão, que visa recolher os elementos necessários para o cumprimento de determinadas obrigações legais, entre as quais a valorização do sistema integrado de comunicações (SIC) e a verificação dos limiares em matéria de concentração no quadro deste, as análises do mercado e das eventuais posições dominantes ou que sejam em qualquer caso prejudiciais ao pluralismo, o relatório anual e os inquéritos, bem como permitir a atualização da base estatística dos operadores de comunicações».

28.      Na prática, a referida decisão impõe aos prestadores de serviços em linha a obrigação de transmitir informações relevantes e precisas inerentes à sua situação económica. A título de exemplo, as entidades que prestam serviços de intermediação num sítio de venda em linha devem indicar as receitas totais que provêm desse sítio, os custos de subscrição e os custos fixos (inscrição, afiliação, subscrição, etc.) a título da utilização da plataforma de venda em linha por utilizadores estabelecidos em Itália para propor bens e serviços aos consumidores, bem como as comissões fixas e variáveis cobradas sobre as vendas (ou a parte líquida das vendas) realizadas por via dessa plataforma.

29.      A falta de transmissão da IES ou a comunicação de dados inexatos acarreta a aplicação das sanções previstas no artigo 1.°, n.os 29 e 30, da Lei n.° 249/1997.

III. Factos na origem dos litígios nos processos principais e questões prejudiciais

A.      Processos apensos C662/22 e C667/22

30.      A Airbnb Ireland UC (a seguir «Airbnb»), cuja sede social se encontra na Irlanda, gere o portal eletrónico de intermediação imobiliária epónimo que permite pôr em contacto, por um lado, os locadores que dispõem dos locais de alojamento e, por outro, as pessoas que procuram alojamento, recebendo do cliente o pagamento relativo à colocação à disposição do alojamento antes do início da locação e transferindo esse pagamento para o locador após o início da locação, se não houver contestação por parte do locatário.

31.      A Amazon Services Europe Sàrl (a seguir «Amazon»), cuja sede social se situa no Luxemburgo, gere uma plataforma em linha que visa estabelecer uma relação entre terceiros vendedores e consumidores, para permitir a realização de transações entre eles referentes à compra e venda de bens.

32.      As alterações do quadro jurídico nacional resultantes da Lei n.° 178/2020 e das Decisões n.os 200/2021 e 14/2021 tiveram o efeito de sujeitar a Airbnb e a Amazon, na sua qualidade de prestadores de serviços de intermediação em linha, à obrigação de inscrição no ROC e de comunicação, consequentemente, de uma série de informações à AGCOM, bem como de pagamento a esta de uma contribuição financeira.

33.      A Airbnb e a Amazon interpuseram cada uma recurso no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) pedindo, nomeadamente, a anulação das Decisões n.os 200/2021 e 14/2021. Estas sociedades sustentam que a Lei n.° 178/2020 e estas decisões são contrárias ao Regulamento 2019/1150 bem como às Diretivas 2000/31, 2006/13 e 2015/1535.

34.      A este respeito, em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que, por um lado, o artigo 15.° do Regulamento 2019/1150 confia aos Estados‑Membros a missão de assegurar a sua aplicação «adequada» e «efetiva». Além disso, os Estados‑Membros estabelecem regras que prevejam as medidas aplicáveis às infrações a este regulamento e asseguram a sua aplicação. As medidas previstas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Por outro lado, o artigo 16.° do regulamento referido acrescenta que a Comissão acompanha de forma aprofundada o impacto deste regulamento e recolhe informações pertinentes para acompanhar as alterações das relações entre os serviços de intermediação em linha e os seus utilizadores profissionais e entre os motores de pesquisa em linha e os utilizadores de sítios Internet de empresas, nomeadamente realizando estudos pertinentes.

35.      Apesar de, segundo o legislador nacional, a obrigação de inscrição no ROC constituir uma aplicação do Regulamento 2019/1150, o órgão jurisdicional de reenvio observa que essa obrigação visa informar a AGCOM, principalmente, sobre a estrutura de propriedade e a organização administrativa das entidades que se lhe encontram sujeitas, sem fornecer a mínima indicação quanto ao cumprimento das obrigações previstas pelo Regulamento 2019/1150 nem à transparência e à equidade das relações com os profissionais utilizadores. Ao fazê‑lo, o legislador nacional introduz um controlo que é totalmente diferente e contrário ao previsto para a aplicação desse regulamento e que é inadaptado ao objetivo prosseguido, porque esse controlo refere‑se não ao cumprimento efetivo pelos prestadores de serviços em linha das obrigações previstas no regulamento para assegurar a transparência e a equidade das relações contratuais com os utilizadores profissionais, mas sim a elementos subjetivos inerentes a esses prestadores.

36.      Em segundo lugar, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que as disposições relativas à inscrição no  ROC introduzem especificamente um requisito geral para a prestação de serviços da sociedade da informação e deveriam, portanto, ter sido comunicadas à Comissão, em conformidade com as obrigações previstas pela Diretiva 2015/1535. Por outro, tendo em conta o facto de que, em seu entender, as medidas nacionais em causa podem restringir a livre circulação de serviços de um prestador da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro, esse órgão jurisdicional não exclui que essas medidas deveriam ter sido notificadas à Comissão, em conformidade com a obrigação prevista no artigo 3.°, n.° 4, alínea b), segundo travessão, da Diretiva 2000/31.

37.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao princípio da livre prestação de serviços, consagrado no artigo 56.° TFUE, tal como definido pelas Diretivas 2000/31 e 2006/123, e entende que a obrigação de inscrição no ROC pode constituir uma restrição injustificada à livre circulação de serviços da sociedade da informação.

38.      Em concreto, esse órgão jurisdicional observa que, tendo em conta as soluções previstas pela Diretiva 2000/31 para os serviços da sociedade da informação, a obrigação de inscrição no ROC prevista pela Lei n.° 178/2020 e pela Decisão n.° 200/2021 bem como a imposição de uma contribuição financeira parecem suscetíveis de constituir uma restrição à livre circulação de serviços da sociedade da informação, uma vez que são impostas por um Estado‑Membro diferente daquele em que o prestador se encontra estabelecido.

39.      Aliás, esse órgão jurisdicional indica, sempre no contexto do princípio da livre prestação de serviços, que a Diretiva 2006/123 prevê, em substância, que os Estados‑Membros não podem restringir a livre prestação de serviços de um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro. Fazendo referência ao Acórdão Schnitzer (27), observa que a imposição a esse prestador das obrigações de se inscrever no ROC e de pagar uma contribuição financeira é suscetível de violar esse princípio, dado que estas obrigações acarretam encargos financeiros e administrativos que podem entravar o funcionamento do mercado comum e atrasar, complicar ou tornar mais onerosa a prestação de serviços no Estado‑Membro de acolhimento.

40.      Foi nestas circunstâncias que o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio), por Despachos de 10 de outubro de 2022, que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, respetivamente, em 19 e 21 de outubro de 2022, decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O [Regulamento 2019/1150] opõe‑se a uma disposição nacional que, para promover a equidade e a transparência em benefício dos utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha, designadamente através da adoção de orientações, a promoção de códigos de conduta e a recolha de informações pertinentes, impõe [aos prestadores de serviços de intermediação em linha] a inscrição num registo que implica a transmissão de informações relevantes sobre a sua organização e o pagamento de uma contribuição financeira, cujo incumprimento implica a sujeição a sanções?

2)      A [Diretiva 2015/1535] impõe aos Estados‑Membros que comuniquem à Comissão as medidas que prevejam a obrigação de inscrição dos [prestadores de serviços de intermediação em linha] num registo que implica a transmissão de informações relevantes sobre a sua organização e o pagamento de uma contribuição financeira, cujo incumprimento implica a sujeição a sanções? Na afirmativa, [essa] diretiva permite que um particular se oponha a que lhe sejam aplicadas medidas não notificadas à Comissão?

3)      O artigo 3.° da Diretiva 2000/31 opõe‑se à adoção pelas autoridades nacionais de disposições que, para promover a equidade e a transparência em benefício dos utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha, incluindo através da adoção de orientações, a promoção de códigos de conduta e a recolha de informações pertinentes, preveem encargos adicionais de tipo administrativo e pecuniário para os operadores estabelecidos noutro país europeu, como a inscrição num registo que implica a transmissão de informações relevantes sobre a sua organização e o pagamento de uma contribuição financeira, cujo incumprimento implica a sujeição a sanções?

4)      O princípio da livre prestação de serviços previsto no artigo 56.° TFUE e o artigo 16.° da Diretiva 2006/123 opõem‑se à adoção pelas autoridades nacionais de disposições que, para promover a equidade e a transparência em benefício dos utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha, designadamente através da adoção de orientações, a promoção de códigos de conduta e a recolha de informações pertinentes, preveem encargos adicionais de tipo administrativo e pecuniário para os operadores estabelecidos noutro país europeu, como a inscrição num registo que implica a transmissão de informações relevantes sobre a sua organização e o pagamento de uma contribuição financeira, cujo incumprimento implica a sujeição a sanções?

5)      O artigo 3.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2000/31 impõe aos Estados‑Membros que comuniquem à Comissão as medidas que preveem a obrigação de inscrição dos [prestadores de serviços de intermediação em linha] num registo que implica a transmissão de informações relevantes sobre a sua organização e o pagamento de uma contribuição financeira, cujo incumprimento implica a sujeição a sanções? Na afirmativa, [essa] diretiva permite que um particular se oponha a que lhe sejam aplicadas medidas não notificadas à Comissão?»

B.      Processos apensos C664/22 e C666/22

41.      A Google Ireland Limited (a seguir «Google»), cuja sede social se encontra na Irlanda, propõe serviços de publicidade em linha e explora o motor de busca epónimo em todo o Espaço Económico Europeu (EEE).

42.      Por Decisão de 25 de junho de 2019, a AGCOM procedeu à inscrição oficiosa da Google no ROC, com fundamento em que esta empresa é uma operadora que exerce a atividade de comercialização de publicidade e que, apesar de ter sede no estrangeiro, auferia receitas em Itália.

43.      Em consequência desta inscrição, por Decisão de 9 de novembro de 2020, a AGCOM ordenou à Google o pagamento de uma contribuição financeira para os seus custos de funcionamento a título do ano 2020.

44.      A Google impugnou essas decisões da AGCOM no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio).

45.      Na sequência das alterações do quadro jurídico nacional resultantes da Lei n.° 178/2020 e da Decisão n.° 200/2021, adotadas pelo legislador italiano e pela AGCOM, nomeadamente com vista a assegurar o cumprimento do Regulamento 2019/1150, a Google alterou as suas conclusões, para pedir também a anulação dessa decisão, visto que alargou a obrigação de inscrição no ROC aos prestadores de serviços em linha.

46.      A Eg Vacation Rentals Ireland Limited (a seguir «EGVR»), cuja sede social se encontra na Irlanda, gere e explora uma plataforma em linha bem como diversas ferramentas e funções disponíveis por intermédio desta plataforma que, por um lado, permitem que os proprietários e gestores de imóveis publiquem anúncios relativos a esses imóveis e, por outro, que os turistas selecionem esses imóveis, bem como possam interagir com esses proprietários e esses gestores com vista à sua locação.

47.      As alterações do quadro jurídico nacional mencionadas no n.° 45 das presentes conclusões tiveram o efeito de sujeitar a EGVR à obrigação de se inscrever no ROC e de comunicar, por conseguinte, uma série de informações à AGCOM, bem como de pagar a esta última uma contribuição financeira. A EGVR apresentou recurso no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) pedindo a anulação da Decisão n.° 200/2021.

48.      No órgão jurisdicional de reenvio, a Google e a EGVR alegaram que a Lei n.° 178/2020 e a Decisão n.° 200/2021, uma vez que lhes impõem as obrigações em causa, são contrárias ao princípio da livre prestação de serviços, ao Regulamento 2019/1150 e a várias diretivas.

49.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sustenta, em primeiro lugar, invocando as Diretivas 2000/31 e 2006/123, pelas razões expostas também nos n.os 37 a 39 das presentes conclusões, que a livre circulação de serviços que estas diretivas visam assegurar é suscetível de ser posta em causa pelas obrigações em questão nos processos principais.

50.      Em segundo lugar, entendendo que as disposições relativas à inscrição no  ROC introduzem um requisito geral para a prestação de serviços da sociedade da informação e parecem suscetíveis de restringir a livre circulação de serviços de um prestador da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro, pelas razões indicadas também no n.° 36 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as obrigações de notificação previstas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535 se aplicam às medidas em causa nos processos principais.

51.      Em terceiro lugar, apresentando a mesma argumentação que é exposta no n.° 35 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o Regulamento 2019/1150 introduz um conjunto de regras, para garantir um ambiente equitativo, previsível, duradouro e que inspire confiança para as operações comerciais em linha no seio do mercado interno. O órgão jurisdicional de reenvio recorda que este regulamento prevê, no seu artigo 15.°, que cada Estado‑Membro assegura a aplicação adequada e efetiva do referido regulamento e determina as medidas aplicáveis às infrações ao mesmo regulamento, medidas essas que devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas. Observa que, segundo o legislador nacional, as obrigações impostas às recorrentes nos processos principais são justificadas pela missão da AGCOM, que consiste em determinar e recolher junto dos operadores do setor de mercado colocado sob a sua supervisão os dados contabilísticos e extracontabilísticos considerados pertinentes para o exercício das suas funções institucionais. Para o órgão jurisdicional de reenvio, coloca‑se a questão de saber se esta finalidade justifica a inscrição no ROC, bem como as obrigações e as proibições que dela decorrem, e se as obrigações e as proibições impostas às recorrentes nos processos principais respeitam o princípio da proporcionalidade.

52.      Foi nestas circunstâncias que Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio), por Despachos de 10 de outubro de 2022, que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de outubro de 2022, decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O direito da União opõe‑se à aplicação de disposições nacionais como o artigo 1.°, n.os 515 [a] 517, da Lei n.° 178/2020, que preveem para os operadores estabelecidos noutro país europeu mas que operam em Itália encargos adicionais de tipo administrativo e pecuniário, como a inscrição num registo específico e a imposição de uma contribuição financeira? Em especial, esta disposição nacional viola o artigo 3.° da Diretiva 2000/31, segundo a qual um prestador de serviços da sociedade da informação […] está exclusivamente sujeito à legislação […] do Estado‑Membro em que está estabelecido?

2)      O direito da União opõe‑se à aplicação de disposições nacionais, como o artigo 1.°, n.os 515 [a] 517, da Lei n.° 178/2020, que prevê encargos adicionais de tipo administrativo e pecuniário para os operadores estabelecidos noutro país europeu? Em especial, o princípio da livre prestação de serviços previsto no artigo 56.° [TFUE] e os princípios análogos resultantes das Diretivas 2006/123 e 2000/31 opõem‑se a uma medida nacional que prevê encargos adicionais aos previstos no país de origem para o exercício da mesma atividade para os intermediários que operam em Itália, mas que aí não estão estabelecidos?

3)      O direito da União, em especial a Diretiva 2015/1535, impunha ao Estado italiano que comunicasse à Comissão a instituição da obrigação de inscrição no ROC, imposta aos [prestadores de serviços de intermediação em linha] e — em especial — deve o artigo 3.°, n.° 4, alínea b), segundo travessão, da Diretiva 2000/31, ser interpretado no sentido de que um particular, estabelecido num Estado‑Membro diferente da Itália, se pode opor a que lhe sejam aplicadas as medidas adotadas pelo legislador italiano (no artigo 1.°, n.os 515 [a] 517 da Lei n.° 178/2020) suscetíveis de restringir a livre circulação de um serviço da sociedade da informação, quando essas medidas não tenham sido notificadas em conformidade com essa disposição?

4)      O Regulamento 2019/1150, em particular o seu artigo 15.°, bem como o princípio da proporcionalidade, opõem‑se a uma legislação de um Estado‑Membro ou a uma medida adotada por uma autoridade independente nacional que obriga os prestadores de serviços de intermediação em linha que operam num Estado‑Membro a inscrever‑se no ROC, circunstância de que resulta uma série de obrigações de caráter formal e procedimental, de obrigações de contribuição e de proibições de obtenção de lucros para além de um determinado montante?»

C.      Processo C663/22

53.      A Expedia Inc. é uma sociedade com sede em Seattle (Estados Unidos da América) que gere plataformas informáticas que permitem prestar serviços de reserva de alojamentos e de viagens em linha.

54.      Com a Decisão n.° 161/2021, a AGCOM alargou aos prestadores de serviços de intermediação em linha — categoria na qual a Expedia é abrangida, incontestavelmente, segundo o pedido de decisão prejudicial — a obrigação de lhe comunicar a IES quando operem no território italiano.

55.      Essa decisão foi expressamente adotada no exercício da função conferida à AGCOM pelo artigo 1.°, n.° 6, alínea c), ponto 14 bis, da Lei n.° 249/1997, que consiste em garantir a aplicação adequada e efetiva do Regulamento 2019/1150, nomeadamente através da recolha anual de informações pertinentes.

56.      A Expedia interpôs recurso no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) pedindo a anulação da Decisão n.° 161/2021. Esta sociedade alega que o Regulamento 2019/1150 não prevê a sua aplicação pela Decisão n.° 161/2021. Na medida em que este regulamento introduz uma medida de harmonização inspirada no princípio da proporcionalidade, não permite um agravamento das exigências procedimentais impostas aos operadores, quer estejam estabelecidos no seio da União ou fora dela.

57.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da obrigação de transmissão da IES prevista pela legislação nacional com o Regulamento 2019/1150.

58.      Referindo‑se aos artigos 15.° e 16.° do Regulamento 2019/1150, este órgão jurisdicional observa que a IES, que foi alargada aos prestadores de serviços em linha precisamente com o objetivo de recolher anualmente informações pertinentes e de tomar as medidas que visem assegurar a aplicação adequada e efetiva desse regulamento, implica a transmissão de informações relativas principalmente às receitas destes prestadores. Ora, estas informações não contêm a mínima indicação quanto ao cumprimento das obrigações previstas pelo referido regulamento quanto à transparência e à equidade das relações entre esses prestadores e os utilizadores profissionais. O ordenamento jurídico interno parece assim introduzir um controlo que é totalmente diferente e contrário ao previsto para a aplicação do mesmo regulamento e que é inadaptado à finalidade prosseguida, uma vez que esse controlo não diz respeito ao cumprimento efetivo pelos referidos prestadores das obrigações previstas pelo Regulamento 2019/1150 para assegurar a transparência e a equidade das relações contratuais com os utilizadores profissionais, mas sim à sua situação económica.

59.      Foi nestas circunstâncias que o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio), por Despacho de 10 de outubro de 2022, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de outubro de 2022, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O [Regulamento 2019/1150], em particular o seu artigo 15.°, bem como o princípio da proporcionalidade, opõem‑se a uma legislação de um Estado‑Membro ou a uma medida adotada por uma autoridade independente nacional, como as indicadas na fundamentação do presente despacho, — que obriga [os prestadores] de serviços de intermediação em linha estrangeiros a apresentarem um documento que contenha informações alheias às finalidades do próprio regulamento?

2)      Em todo o caso, podem as informações exigidas pela transmissão da [IES] ser consideradas pertinentes e instrumentais para efeitos da aplicação adequada e efetiva do Regulamento 2019/1150?»

D.      Processo C665/22

60.      A Amazon gere uma plataforma em linha que visa intermediar a relação de terceiros vendedores com os consumidores, para permitir a realização de transações entre eles referentes à venda de bens.

61.      As alterações do quadro jurídico nacional resultantes da Lei n.° 178/2020 e da Decisão n.° 161/2021, adotadas, respetivamente, pelo legislador italiano e pela AGCOM, nomeadamente com vista a assegurar o cumprimento do Regulamento 2019/1150, tiveram o efeito de sujeitar a Amazon, na sua qualidade de prestador de serviços de intermediação em linha, à obrigação de transmitir a IES à AGCOM.

62.      A Amazon interpôs um recurso no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) pedindo, nomeadamente, a anulação da Decisão n.° 161/2021. No órgão jurisdicional de reenvio, a Amazon alegou que a Decisão n.° 161/2021, porquanto lhe impõe a obrigação de transmitir a IES à AGCOM, é contrária ao princípio da livre prestação de serviços, ao Regulamento 2019/1150 e a várias diretivas.

63.      As recorrentes nos processos C‑663/22 e C‑665/22 pedem a anulação da Decisão n.° 161/21. Há que salientar que, ao contrário da recorrente no primeiro processo, a recorrente no segundo processo encontra‑se estabelecida num Estado‑Membro e alega que essa decisão é contrária não só ao Regulamento 2019/1150 mas também ao princípio da livre prestação de serviços e a várias diretivas.

64.      A este respeito, em primeiro lugar, no que se refere ao Regulamento 2019/1150 e à sua interpretação, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas semelhantes às que suscita no processo C‑663/22 (28).

65.      Em segundo lugar, no que se refere ao princípio da livre circulação de serviços da sociedade da informação, esse órgão jurisdicional considera que a obrigação de comunicar a IES à AGCOM prevista pela Decisão n.° 161/2021 pode constituir, à luz da Diretiva 2000/31, uma restrição que colide com esse princípio. Acrescenta que não parece que estejam preenchidas as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 4 dessa diretiva, que permitem que o Estado‑Membro introduza limitações, inclusivamente à luz do princípio da proporcionalidade. Assim, em sua opinião, mesmo considerando que a comunicação da IES à AGCOM foi prevista no quadro da aplicação do Regulamento 2019/1150 e, portanto, para proteger indiretamente os consumidores, o pedido de informações no tocante às receitas é completamente desproporcionado em relação à finalidade prosseguida, uma vez que estas informações não dizem respeito à aplicação desse regulamento e ao cumprimento das obrigações nele previstas.

66.      Aliás, quanto ao referido princípio, o órgão jurisdicional de reenvio sustenta que, independentemente da aplicabilidade da Diretiva 2000/31, a Diretiva 2006/123, mais geral, dispõe, no seu artigo 16.°, n.° 1, que os Estados‑Membros devem respeitar o direito de os prestadores prestarem serviços num Estado‑Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos e não devem condicionar o acesso ou o exercício de atividades no setor dos serviços no seu território ao cumprimento de qualquer requisito que não respeite os princípios enunciados nessa disposição.

67.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera, por um lado, que, tendo em conta as obrigações dos Estados‑Membros previstas na Diretiva 2015/1535, as disposições relativas à transmissão da IES introduzem um requisito geral para a prestação de serviços da sociedade da informação e deveriam, portanto, ter sido comunicadas à Comissão. O órgão jurisdicional de reenvio sustenta que a Decisão n.° 161/2021 visa principalmente regulamentar os serviços da sociedade da informação e, em especial, os serviços de intermediação em linha e os motores de busca em linha. Por outro lado, esse órgão jurisdicional salienta que o artigo 3.°, n.° 4, alínea b), segundo travessão, da Diretiva 2000/31 prevê que a intenção de tomar medidas que constituam restrições à livre circulação de serviços da sociedade da informação deve ser notificada à Comissão e ao Estado‑Membro onde a empresa se encontra estabelecida.

68.      Foi nestas circunstâncias que o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio), por Despacho de 10 de outubro de 2022, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de outubro de 2022, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O Regulamento 2019/1150 opõe‑se a uma disposição nacional que, para a finalidade específica de assegurar a aplicação adequada e efetiva desse regulamento, incluindo através da recolha de informações pertinentes, impõe [aos prestadores de serviços de intermediação em linha] a transmissão periódica de informações relevantes sobre as suas receitas?

2)      Com fundamento no Regulamento 2019/1150, podem as informações previstas pela [IES], relativas principalmente às receitas obtidas, ser consideradas pertinentes e instrumentais em relação à finalidade prosseguida por esse regulamento?

3)      A Diretiva 2015/1535 impõe aos Estados‑Membros que comuniquem à Comissão as medidas que prevejam a obrigação imposta [aos prestadores de serviços de intermediação em linha] de transmitir um documento que contenha informações relevantes sobre as suas receitas, cuja violação determina a aplicação de sanções pecuniárias? Na afirmativa, a diretiva permite que um particular se oponha a que lhe sejam aplicadas medidas não notificadas à Comissão?

4)      O artigo 3.° da Diretiva 2000/31 opõe‑se à adoção pelas autoridades nacionais de disposições que, para alcançarem a finalidade declarada de assegurar a aplicação do Regulamento 2019/1150, preveem encargos adicionais de tipo administrativo e pecuniário para os operadores estabelecidos noutro país europeu, mas que operam em Itália, como a transmissão de um documento que contenha informações relevantes sobre as suas receitas, cuja violação determina a aplicação de sanções pecuniárias?

5)      O princípio da livre prestação de serviços previsto no artigo 56.° TFUE, no artigo 16.° da Diretiva 2006/123 e na [Diretiva] 2000/31 opõem‑se à adoção pelas autoridades nacionais de disposições que, para alcançar a finalidade declarada de assegurar a aplicação do Regulamento 2019/1150, preveem encargos adicionais de tipo administrativo e pecuniário para os operadores estabelecidos noutro país europeu, como a transmissão de um documento que contenha informações relevantes sobre as suas receitas, cuja violação determina a aplicação de sanções pecuniárias?

6)      O artigo 3.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2000/31 impõe aos Estados‑Membros que comuniquem à Comissão as medidas que preveem a obrigação de [os prestadores de serviços de intermediação em linha] transmitirem um documento que contenha informações relevantes sobre as suas receitas, cuja violação determina a aplicação de sanções pecuniárias? Na afirmativa, a diretiva permite que um particular se oponha a que lhe sejam aplicadas medidas não notificadas à Comissão?»

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

69.      Foram apresentadas observações escritas em todos os processos pelas recorrentes nos processos principais e pelos Governos Italiano, Checo e Irlandês, bem como pela Comissão. Não se realizou audiência nesses processos.

70.      Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2022, os processos C‑662/22 e C‑667/22, por um lado, e os processos C‑664/22 e C‑666/22, por outro, foram apensos para os fins da fase escrita e da fase oral do processo bem como da prolação do acórdão. Os processos C‑663/22 e C‑665/22 não foram objeto de uma decisão similar.

71.      Em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça e tendo em conta os pontos comuns existentes entre estes processos, revelou‑se oportuno apresentar conclusões comuns.

V.      Análise

72.      Os presentes processos têm origem nos pedidos de anulação, apresentados pelas recorrentes nos processos principais, de medidas nacionais que lhe impõem determinadas obrigações. Em substância, as obrigações em causa nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22 e nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22 dizem respeito à inscrição no ROC, que implica a transmissão de informações relevantes sobre a estrutura dos prestadores afetados (29)e o pagamento de uma contribuição anual à AGCOM, ao passo que as prestações em causa nos processos C‑663/22 e C‑665/22 se referem à comunicação da IES. Estas obrigações são impostas pela regulamentação nacional que, pelo menos em parte, é pertinente para todos estes processos (30).

73.      Aliás, a maioria das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça nos presentes processos resumem‑se, em substância, a três questões interdependentes.

74.      A primeira é a de saber se o Regulamento 2019/1150 se opõe a medidas nacionais pelas quais o legislador de um Estado‑Membro impõe determinadas obrigações aos prestadores de serviços em linha, com a finalidade declarada de aplicar esse regulamento (título B).

75.      A segunda é a de saber se, à luz do princípio da livre circulação de serviços enunciado no artigo 56.° TFUE, bem como das Diretivas 2000/31 e 2006/123, as obrigações em causa em todos estes processos podem ser impostas a um prestador de serviços em linha estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele que previu essas obrigações (título C).

76.      A terceira é a de saber se as medidas nacionais que introduziram as obrigações em causa deviam ter sido notificadas à Comissão, em conformidade com as obrigações enunciadas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535 (título D).

77.      Observo que o pedido de decisão prejudicial no processo C‑663/22 se refere apenas à primeira destas três questões. Com efeito, a recorrente no processo principal nesse processo não se encontra estabelecida num Estado‑Membro e penso que foi por essa razão que as questões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se referem unicamente ao Regulamento 2019/1150. Com efeito, os mecanismos do artigo 56.° TFUE bem como das Diretivas 2000/31 e 2006/123 relativos à livre circulação de serviços não são aplicáveis aos prestadores estabelecidos num Estado terceiro à União (31). O órgão jurisdicional de reenvio também não apresenta nenhuma questão sobre a Diretiva 2015/1535.

78.      Antes de analisar estas três questões, é conveniente debruçarmo‑nos sobre a admissibilidade das questões prejudiciais nos processos C‑663/22 e C‑665/22 (título A).

A.      Quanto à admissibilidade

1.      No processo C663/22

79.      O Governo Italiano questiona a admissibilidade das questões prejudiciais no processo C‑663/22. Com efeito, segundo este Governo, as duas questões apresentadas são contraditórias, dado que o órgão jurisdicional de reenvio afirma, por um lado, sem explicar as razões, que a obrigação de transmitir a IES à AGCOM não tem ligação com a aplicação do Regulamento 2019/1150 e, por outro, pede que o Tribunal de Justiça analise a pertinência e a utilidade das informações a fornecer na IES à luz do objetivo daquele regulamento, o que implicaria efetuar apreciações de facto, que não competem ao Tribunal de Justiça mas sim ao órgão jurisdicional de reenvio.

80.      A esse respeito, em primeiro lugar, compreendo a posição do Governo Italiano no sentido de que a contradição que refere resulta do facto de o órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, indicar que as informações contidas numa IES são «alheias às finalidades do Regulamento 2019/1150» (primeira questão prejudicial) e, por outro, procurar saber se essas informações podem ser pertinentes e instrumentais para a aplicação «adequada e efetiva» deste regulamento (segunda questão prejudicial), o que o Tribunal de Justiça deve determinar com base nas suas próprias apreciações de facto.

81.      É certo que a segunda questão prejudicial pode ser lida no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio procura determinar se, independentemente da resposta à primeira questão, a Decisão n.° 161/2021 é abrangida nas competências da AGCOM. Com efeito, na fundamentação do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Lei n.° 178/2020 atribui à AGCOM exclusivamente a função de assegurar a aplicação adequada e efetiva do Regulamento 2019/1150. Todavia, a mesma terminologia é utilizada no artigo 15.°, n.° 1, desse regulamento, invocado na primeira questão, segundo o qual cada Estado‑Membro assegura a aplicação adequada e efetiva do referido regulamento. Ainda que se admita que a contradição em causa existe, pode alegar‑se que tem origem nas dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio quanto à interpretação correta do mesmo regulamento.

82.      Nestas circunstâncias, proponho‑me analisar em conjunto as duas questões prejudiciais do único ponto de vista pertinente em direito da União, a saber, o do Regulamento 2019/1150, examinando se este regulamento se opõe a medidas como as resultantes da Lei n.° 178/2020. Nesse caso, a contradição suscitada pelo Governo Italiano não se verifica e, de qualquer modo, não pode conduzir à inadmissibilidade das questões prejudiciais.

83.      Em segundo lugar, no que respeita à consideração do Governo Italiano segundo a qual a formulação das questões prejudiciais convida o Tribunal de Justiça a efetuar apreciações de facto, há que observar que, embora o Tribunal de Justiça não possa interpretar as regras de direito interno de um Estado‑Membro, pode oferecer ao órgão jurisdicional de reenvio os esclarecimentos solicitados sobre as disposições do direito da União suscetíveis de se oporem a essas regras.

2.      No processo C665/22

84.      O Governo Italiano alega que a segunda questão prejudicial no processo C‑665/22 é inadmissível porque, com essa questão, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a utilidade das obrigações em causa para a aplicação correta do Regulamento 2019/1150. Ora, segundo este Governo, este exercício de interpretação, dado que implica apreciações de facto, é da competência do órgão jurisdicional nacional, que omite totalmente quaisquer explicações sobre as razões pelas quais o pedido de informações devia ser considerado como impertinente e inútil.

85.      A este respeito, deve observar‑se, é certo, que o Tribunal de Justiça não pode interpretar as regras do direito interno de um Estado‑Membro. Todavia, como recordei n.° 83 das presentes conclusões, pode dar ao órgão jurisdicional de reenvio os esclarecimentos solicitados quanto às disposições de direito da União suscetíveis de se oporem a essas regras.

86.      Daí resulta que as questões prejudiciais no processo C‑663/22 e a segunda questão prejudicial no processo C‑665/22 são admissíveis.

B.      Quanto ao Regulamento 2019/1150

87.      Várias das questões prejudiciais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio nos presentes processos dizem respeito ao Regulamento 2019/1150 (32).

88.      Apesar de não serem formuladas da mesma maneira e de não se referirem às mesmas medidas nacionais, as questões em causa dizem respeito à questão de saber, em substância, se o Regulamento 2019/1150 se opõe a medidas nacionais adotadas com a finalidade declarada de assegurar a aplicação deste regulamento.

89.      Mais concretamente, as obrigações em causa nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22 e nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, a saber, as questões relativas à inscrição no ROC e ao pagamento de uma contribuição anual à AGCOM, foram alargadas aos prestadores de serviços em linha para a aplicação do Regulamento 2019/1150, «a fim de promover a equidade e a transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha» (33). Do mesmo modo, a obrigação em causa nos processos C‑663/22 e C‑665/22, a saber, a de transmitir a IES à AGCOM (às autoridades italianas), foi imposta aos prestadores de serviços em linha com a finalidade declarada de assegurar a aplicação do Regulamento 2019/1150 (34).

90.      Certamente que, tendo em conta as outras questões submetidas ao Tribunal de Justiça nos presentes processos, é oportuno perguntar, antes de mais, se as disposições que visam a aplicação do Regulamento 2019/1150 têm primazia sobre os mecanismos adotados pelas Diretivas 2000/31 e 2006/123 no que se refere à livre circulação de serviços, bem como sobre os mecanismos adotados por esta primeira Diretiva e pela Diretiva 2015/1535 no que respeita às obrigações de notificação previstas por estas últimas. Com efeito, estas três diretivas são suscetíveis de impedir um Estado‑Membro de impor as suas próprias regras aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro. Por conseguinte, embora, por um lado, as medidas nacionais em causa nos processos principais entrem no âmbito de aplicação de uma das referidas diretivas e esta impeça um Estado‑Membro de impor essas medidas a um prestador estabelecido num Estado‑Membro e apesar de, por outro lado, as mesmas diretivas não preverem exceções para o Regulamento 2019/1150 e as medidas nacionais de aplicação deste, pouco importa que as obrigações em causa nos processos principais resultem ou não das medidas de aplicação deste regulamento.

91.      Todavia, as Diretivas 2000/31 e 2006/123 não parecem ser aplicáveis no processo C‑663/22 (35), de modo que o órgão jurisdicional de reenvio, para decidir no processo principal nesse litígio, deve aplicar unicamente o Regulamento 2019/1150. Com efeito, este regulamento aplica‑se igualmente aos prestadores de serviços de intermediação em linha estabelecidos num Estado terceiro, desde que os seus utilizadores profissionais se encontrem estabelecidos na União e proponham os seus bens ou serviços a consumidores situados na União (36).

92.      Nestas condições, em primeiro lugar, no que se refere aos processos que não sejam o processo C‑663/22, a questão é antes de mais a de saber se os instrumentos do direito da União relativos à livre circulação de serviços, tais como, nomeadamente, a Diretiva 2000/31, ou os relativos à obrigação de notificação, tais como, designadamente, a Diretiva 2015/1553, impedem um Estado‑Membro de impor obrigações como as que estão em causa no processo principal a um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro. Em segundo lugar, em caso afirmativo, há que abordar a questão de saber se estas diretivas reservam um tratamento diferente às medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150. Se a resposta a esta última questão for negativa, não há que se interrogar se as obrigações em causa em todos os processos resultam das medidas de aplicação desse regulamento. Analisarei estas questões nas partes das presentes conclusões consagradas, respetivamente, à livre circulação de serviços (título C) e às obrigações de notificação (título D).

93.      No que concerne ao processo C‑663/22, a questão é a de saber se o Regulamento 2019/1150 e, nomeadamente, os seus artigos 15.° e 16.° devem ser interpretados no sentido de que justificam a adoção de uma legislação nacional que impõe aos prestadores de serviços em linha a obrigação de apresentar periodicamente uma declaração contendo as informações sobre a sua situação económica e que prevê sanções em caso de incumprimento. A presente primeira parte destas conclusões (título B) é consagrada a esta questão.

1.      A aplicação de um regulamento

94.      Há que recordar que um regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e é diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros, pelo que as suas disposições não necessitam, em princípio, de nenhuma medida de aplicação dos Estados‑Membros. No entanto, pode ser necessário, para a implementação de algumas destas disposições, a adoção dessas medidas (37). Um Estado‑Membro pode, portanto, adotar medidas nacionais de aplicação de um regulamento ainda que este não lhe atribua expressamente esse poder (38).

95.      É com base nas disposições aplicáveis do regulamento em causa, interpretadas à luz dos seus objetivos, que se deve determinar se estas proíbem, impõem ou permitem que os Estados‑Membros aprovem certas medidas de execução e, nomeadamente neste último caso, se a medida em causa se inscreve no âmbito da margem de apreciação reconhecida a cada Estado‑Membro (39).

96.      Com as medidas de aplicação, os Estados‑Membros não podem criar obstáculos à aplicabilidade direta de um regulamento, dissimular a sua natureza de ato de direito da União ou ultrapassar os limites das suas disposições (40). Quando a aplicação de um regulamento incumbe às autoridades nacionais, o recurso às regras nacionais só é possível na medida necessária à aplicação correta do referido regulamento e desde que isso não prejudique o seu alcance nem a sua eficácia (41).

97.      Quando procedem a essa aplicação, os Estados‑Membros são também obrigados a assegurar o respeito pelos princípios gerais do direito da União (42), tais como, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade. Com efeito, este princípio, que se impõe nomeadamente às autoridades legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros quando aplicam o direito da União, exige que os meios implementados através de uma disposição sejam adequados à realização do objetivo pretendido pela regulamentação da União em causa e que não excedam o que é necessário para o atingir.

98.      É à luz destas observações que há que analisar, num primeiro momento, o objetivo do Regulamento 2019/1150 e identificar as disposições pertinentes para a sua aplicação pelos Estados‑Membros e, com essa base, num segundo momento, fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio indicações mais precisas que lhe permitam verificar se as medidas pelas quais o legislador nacional impôs as obrigações em causa constituem efetivamente medidas de aplicação desse regulamento e são adequadas e necessárias à realização do objetivo visado.

2.      O Regulamento 2019/1150 e o seu objetivo

99.      O objetivo do Regulamento 2019/1150 é contribuir para o bom funcionamento do mercado interno, assegurando um ambiente [comercial] em linha justo, previsível, sustentável e de confiança no âmbito do mercado interno (43). Para esse fim, este regulamento fixa as regras que regem as relações entre, por um lado, os prestadores de serviços em linha e, por outro, os utilizadores profissionais destes serviços bem como os utilizadores de sítios da Internet de empresas em relação com os motores de busca em linha, para os referidos serviços serem prestados de forma transparente e equitativa e de que esses utilizadores profissionais possam assim ter confiança nos mesmos serviços (44).

100. Mais concretamente, o Regulamento 2019/1150 prevê obrigações específicas (no que respeita ao conteúdo das cláusulas contratuais gerais e à sua alteração (artigo 3.°), à restrição, suspensão e cessação de um serviço (artigo 4.°), à transparência das classificações (artigo 5.°), aos bens e serviços acessórios (artigo 6.°), ao tratamento diferenciado (artigo 7.°), às cláusulas contratuais específicas abusivas (artigo 8.°), ao acesso aos dados (artigo 9.°), às reclamações e à mediação (artigos 11.° a 14.°).

101. A maioria destas obrigações diz respeito aos prestadores de serviços de intermediação. Os prestadores de motores de busca em linha apenas são visados pelas disposições do Regulamento 2019/1150 relativas à classificação (artigo 5.°), ao tratamento diferenciado (artigo 7.°) e às ações judiciais relativas a incumprimentos dos requisitos previstos por este regulamento (artigo 14.°).

102. A esse respeito, segundo as informações contidas nos pedidos de decisões prejudiciais, só a recorrente no processo principal no processo C‑664/22, a saber a Google, parece ser abrangida na categoria dos prestadores de motores de busca em linha. Assim sendo, o órgão jurisdicional de reenvio não parece atribuir especial importância à distinção operada pelo Regulamento 2019/1150 entre os prestadores de serviços de intermediação em linha e os prestadores de motores de busca em linha. Isso pode explicar‑se pelo facto de a legislação nacional em causa parecer impor obrigações idênticas, ou pelo menos análogas, a estas duas categorias de prestadores. Mais importante ainda, no contexto dos presentes processos, as questões jurídicas suscitadas pelas interações entre esta legislação nacional e o direito da União são, de qualquer forma, idênticas.

103. No que se refere às disposições do Regulamento 2019/1150 pertinentes para a sua aplicação pelos Estados‑Membros, o órgão jurisdicional de reenvio chama a atenção do Tribunal de Justiça, com razão, para os artigos 15.° e 16.° deste regulamento.

104. Com efeito, num primeiro momento, o artigo 16.° do Regulamento 2019/1150, intitulado «Acompanhamento» («Contrôle», em francês, «Überwachung», em alemão, «Monitoring», em inglês, «Monitoraggio», em italiano e «Monitorowanie», em polaco), conjugado com o seu artigo 18.°, reparte as funções de acompanhamento do impacto deste regulamento e da sua avaliação entre a Comissão e os Estados‑Membros.

105. No caso da Comissão, ela é encarregada das tarefas de acompanhamento e avaliação. Com efeito, esta instituição acompanha de forma aprofundada o impacto do Regulamento 2019/1150 nas relações entre os serviços de intermediação em linha e os seus utilizadores profissionais e entre os motores de pesquisa em linha e os utilizadores de sítios Internet de empresas (45). Além disso, a Comissão deverá avaliar o regulamento periodicamente e monitorizar atentamente os respetivos efeitos sobre a economia das plataformas em linha (46).

106. Mais concretamente, a Comissão recolhe as informações pertinentes para acompanhar as alterações destas relações (47). Esta instituição pode solicitar a recolha de tais informações bem como das informações necessárias para efetuar uma avaliação do Regulamento 2019/1150 junto dos prestadores de serviços de intermediação em linha (48).

107. No caso dos Estados‑Membros, as suas funções consistem em «[prestar] assistência à Comissão [nas tarefas de acompanhamento], fornecendo, a pedido, todas as informações pertinentes recolhidas, incluindo sobre casos específicos» (49). As funções dos Estados‑Membros assim definidas refletem o considerando 47, terceira frase, do Regulamento 2019/1150, que enuncia que «[os] Estados‑Membros deverão transmitir à Comissão, a pedido desta, todas as informações úteis de que disponham nesta matéria». Uma formulação similar é empregada no artigo 18.°, n.° 3, desse regulamento, que prevê que os Estados‑Membros devem fornecer todas as informações pertinentes «que possuam» solicitadas pela Comissão, para efeitos da sua tarefa de revisão.

108. Num segundo momento, o artigo 15.° do Regulamento 2019/1150, intitulado «Controlo de aplicação» («Contrôle de l’application», em francês («Durchsetzung», em alemão «Enforcement», em inglês, «Applicazione», em italiano e «Egzekwowanie», em polaco), lido à luz do considerando 46 deste regulamento (50), prevê, no seu n.° 1, que cada Estado‑Membro assegura a aplicação adequada e efetiva deste regulamento e, no seu n.° 2, que os Estados‑Membros estabelecem regras que prevejam as medidas (efetivas, proporcionadas e dissuasivas) aplicáveis às infrações ao referido regulamento e asseguram a sua aplicação. Assim, a missão que consiste em acompanhar e avaliar o Regulamento 2019/1150 é principalmente confiada à Comissão, e a missão que consiste em assegurar o cumprimento adequado e efetivo deste regulamento é confiada aos Estados‑Membros.

109. Ao fazê‑lo, os Estados‑Membros por um lado «deverão poder confiar o controlo do cumprimento do [Regulamento 2019/1150] às autoridades existentes, incluindo aos tribunais» e, por outro, não são obrigados a prever «o controlo oficioso do seu cumprimento ou a imporem multas» (51).

110. Independentemente dos direitos dos utilizadores profissionais e dos utilizadores de sítios Internet de empresas de intentarem uma ação junto dos tribunais nacionais competentes, nos termos das regras do direito do Estado‑Membro em que a ação seja intentada e com vista a fazer cessar qualquer tipo de incumprimento do Regulamento 2019/1150 (52), para garantir a aplicação eficaz deste regulamento, as organizações, as associações que representem os utilizadores profissionais e os utilizadores de sítios da Internet de empresas, bem como eventualmente certos organismos públicos estabelecidos nos Estados‑Membros (53), devem ter direito a intentar ações junto dos tribunais nacionais competentes na União, nos termos das regras do direito do Estado‑Membro em que a ação seja intentada, com a finalidade de fazer cessar ou proibir qualquer tipo de incumprimento face ao disposto no regulamento referido (54). Cada Estado‑Membro deve recolher as informações relativas a esses organismos e comunicá‑las à Comissão (55).

111. Para reforçar a eficácia dos mecanismos criados, os Estados‑Membros podem confiar aos organismos públicos competentes ou às autoridades competentes a criação de registos de atos ilícitos que foram objeto de ações condenatórias pelos tribunais nacionais(56).

112. Daí resulta que o Regulamento 2019/1150 não prejudica categoricamente o mecanismo pelo qual a sua aplicação deve ser assegurada pelos Estados‑Membros, que podem optar pelo mecanismo de aplicação pela esfera privada (private enforcement) (57) e completá‑lo com o mecanismo que se baseia na atuação das autoridades públicas (public enforcement).

3.      A recolha de informações e a aplicação do Regulamento 2019/1150

113. Com a finalidade declarada de assegurar a aplicação de um ato de direito da União como o Regulamento 2019/1150, um Estado‑Membro pode recolher apenas as informações relacionadas com as obrigações que lhe são impostas por este regulamento e com as respetivas finalidades. Com efeito, tal como resulta dos n.os 96 e 97 das presentes conclusões, as medidas de aplicação de um regulamento cuja aplicação incumbe às autoridades nacionais de um Estado‑Membro devem ser apropriadas (adequadas) e necessárias (não excedendo o que é necessário) para realizar o objetivo visado pela regulamentação da União.

114. O Regulamento 2019/1150 menciona, nos seus artigos 16.° e 18.°, que os Estados‑Membros são suscetíveis de «possuir» certas informações pertinentes para a monitorização dos efeitos deste regulamento e a sua revisão. Todavia, um Estado‑Membro não pode recolher informações selecionadas arbitrariamente com fundamento em que a Comissão as poderá solicitar ulteriormente no exercício da sua missão de acompanhamento e avaliação. Com efeito, recolher informações sob tal pretexto permitiria que um Estado‑Membro contornasse as exigências mencionadas no número anterior. Aliás, este regulamento não impõe uma obrigação ativa aos Estados‑Membros de recolher informações de que a Comissão possa ter necessidade para levar a cabo as suas tarefas. Tais informações não são apresentadas apenas «a pedido» desta instituição. Aliás, a Comissão pode procurar recolher informações junto dos prestadores de serviços de intermediação em linha.

115. Em contrapartida, um Estado‑Membro pode dispor de certas informações recolhidas no quadro do exercício da sua obrigação de aplicação do Regulamento 2019/1150.

116. Com efeito, se um Estado‑Membro, para cumprir a obrigação que lhe é imposta pelo artigo 15.° do Regulamento 2019/1150, optou igualmente por um mecanismo de aplicação desse regulamento pela esfera pública, deve poder fornecer à autoridade encarregada dessa missão as informações que lhe permitem prevenir ou sancionar as violações das obrigações que o referido regulamento impõe aos prestadores de serviços em linha ou, pelo menos, identificar estas violações e, eventualmente, registá‑las.

117. Prolongando este raciocínio, dado que cada Estado‑Membro é obrigado a prever um mecanismo de aplicação adequada e efetiva do Regulamento 2019/1150 (pela esfera privada ou igualmente pela esfera pública), bem como, se for caso disso, a alterar ou ajustar o mecanismo existente, tendo em conta as alterações da situação no mercado, este Estado‑Membro deve ter a possibilidade de recolher as informações necessárias para esses fins junto dos operadores económicos ativos no seu território.

118. A título de exemplo, nos dois casos visados nos n.os 116 e 117 das presentes conclusões, essas informações podem dizer respeito às condições em que os operadores económicos prestam os seus serviços (pertinentes para identificar e, se for caso disso, para condenar as violações do Regulamento 2019/1150 e avaliar a dimensão do risco associado a essas violações) bem como a dimensão do mercado e o número de operadores económicos nele ativos (em especial, para determinar os recursos necessários à aplicação do mecanismo de aplicação desse regulamento). Aliás, a recolha sistemática de tais informações permitiria seguir certas tendências bem como, por um lado, decidir como alterar os mecanismos existentes no direito nacional, para assegurar a eficácia do Regulamento 2019/1150 e, por outro, apoiar a Comissão nas suas tarefas de acompanhamento e avaliação.

4.      Apreciação

119. No caso vertente, as informações que os prestadores de serviços em linha devem fornecer na IES referem‑se essencialmente à sua situação económica.

120. A esse respeito, no processo C‑663/22, o Governo Italiano alega, num primeiro momento, que as informações contidas na IES são «incontestavelmente úteis às missões de acompanhamento ativo [e] preventivo de eventuais distorções da concorrência, que não podem ser exercidas sem um conhecimento completo e específico de todas as entidades que exercem a atividade». Este Governo indica, num segundo momento, que essas informações servem para compreender globalmente o valor do mercado italiano, para determinar o peso de cada operador nesse mercado e para compreender a dinâmica económica deste, bem como para verificar a veracidade e o caráter exaustivo dos dados fornecidos (58).

121. A esse respeito, em primeiro lugar, tal como referi no n.° 118 das presentes conclusões, um Estado‑Membro pode ter interesse em determinar a dimensão do mercado dos serviços em linha. Todavia, o valor do mercado e a importância dos operadores nesse mercado não constituem dados fáceis de explorar para obter informações pertinentes para atingir a finalidade do Regulamento 2019/1150, a saber, assegurar um ambiente comercial em linha justo, previsível, sustentável e de confiança no âmbito do mercado interno. Em qualquer caso, a deteção de eventuais «distorções da concorrência», à qual o Governo Italiano se refere, não parece inscrever‑se nas finalidades deste regulamento. Com efeito, este não afeta o direito da União aplicável no domínio da concorrência (59).

122. Em segundo lugar, as informações exigidas aos prestadores de serviços em linha com fundamento no Regulamento 2019/1150 são pertinentes sobretudo para os utilizadores, nomeadamente no que se refere às condições do serviço prestado. Em contrapartida, estes prestadores não têm nenhuma obrigação de informar os utilizadores da sua situação económica, de modo que, do ponto de vista deste regulamento, a questão da veracidade de tais informações não se coloca.

123. Em terceiro lugar, devo confessar que tenho dificuldade em ver a ligação entre, por um lado, a situação económica de um prestador de serviços em linha e, por outro, as modalidades de prestação destes serviços aos utilizadores profissionais. Se essa ligação existe, só pode ser indireta. Com efeito, por um lado, o próprio Governo Italiano entende que a finalidade do Regulamento 2019/1150 é conhecer e avaliar o caráter equitativo das cláusulas contratuais fixadas pelas plataformas aos utilizadores profissionais no seio da União. Por outro, não se vê claramente como é que as informações pertinentes para a aplicação adequada e efetiva desse regulamento podem ser deduzidas de informações sobre a situação económica de um prestador de serviços em linha.

124. Portanto, sem que seja necessário pronunciar‑me sobre o princípio da proporcionalidade, considero que o Regulamento 2019/1150 não pode ser interpretado no sentido de que justifique a adoção das medidas nacionais em causa no processo C‑663/22. Estas medidas nacionais não constituem medidas de aplicação deste regulamento. Com efeito, como resulta das questões prejudiciais neste processo, o objetivo das ditas medidas é alheio ao do referido regulamento, de modo que não pode considerar‑se que elas se inscrevem nos limites nos quais um Estado‑Membro pode adotar medidas de aplicação deste.

125. Proponho, portanto, responder à primeira e à segunda questões prejudiciais no processo C‑663/22, reformuladas no n.° 93 das presentes conclusões, no sentido de que o Regulamento 2019/1150 e, nomeadamente, os seus artigos 15.° e 16.° devem ser interpretados no sentido de que não justificam a adoção de uma legislação nacional que impõe aos prestadores de serviços em linha uma obrigação de apresentar periodicamente uma declaração contendo informações sobre a sua situação económica e que prevê a aplicação de sanções em caso de incumprimento desta obrigação. Uma vez que tal legislação não entra no âmbito de aplicação desse regulamento, este não opõe a essa legislação.

5.      Observações suplementares

126. A resposta que acabo de propor não significa que o Regulamento 2019/1150 se opõe às medidas nacionais em questão. Todavia, compete ao órgão jurisdicional de reenvio retirar as consequências do facto de, por um lado, a Lei n.° 178/2020 ter confiado à AGCOM a tarefa de «monitorizar a aplicação adequada e efetiva [deste] regulamento, nomeadamente através [...] da recolha de informações pertinentes» e de, por outro, tal como resulta do preâmbulo da Decisão n.° 161/2021, ter sido nessa base que a AGCOM alargou aos prestadores de serviços em linha a obrigação de lhe transmitir a IES.

127. Contudo, se o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as clarificações que o Tribunal de Justiça fará no acórdão a proferir, chegar à conclusão que existe uma ligação entre o objetivo do Regulamento 2019/1150 e as medidas nacionais em questão, compete‑lhe verificar se estas são apropriadas e necessárias.

128. Pessoalmente, não penso que seja o caso. Tendo em conta as considerações formuladas nos n.os 121 a 123 das presentes conclusões, podem surgir dúvidas quanto ao caráter apropriado das informações que os prestadores de serviços em linha devem fornecer a respeito da sua situação financeira para atingir o objetivo desse regulamento. Em qualquer caso, existem outras informações cuja recolha é menos onerosa para os operadores do mercado e que permitiriam atingir esse objetivo.

C.      Quanto à livre prestação de serviços à luz do artigo 56.° TFUE e das Diretivas 2000/31 e 2006/123

129. Várias das questões prejudiciais dizem respeito à questão de saber se as obrigações em causa nos processos principais são contrárias ao princípio da livre prestação de serviços. Estas questões prejudiciais visam o artigo 56.° TFUE (60)      bem como as Diretivas 2000/31 e 2006/123 (61).

130. As obrigações em causa nos processos principais são, por um lado, a inscrição no ROC, que implica a transmissão de informações relevantes sobre a organização do prestador e o pagamento de uma contribuição financeira bem como a aplicação de sanções em caso de incumprimento e, por outro, a transmissão da IES, obrigações estas cuja violação desencadeia a aplicação de sanções pecuniárias.

131. Todavia, do ponto de vista dos mecanismos previstos pelo direito da União, para assegurar a livre circulação de serviços, há que analisar estas obrigações separadamente (62). No caso vertente, a análise deve incidir sobre as obrigações de inscrição no ROC, de transmissão das informações sobre a estrutura do prestador de serviços em linha, de transmissão das informações sobre a sua situação económica sob a forma da IES e de pagamento de uma contribuição financeira.

132. A questão que se coloca desde logo é a de saber se as medidas nacionais em causa devem ser apreciadas à luz da Diretiva 2000/31, à luz da Diretiva 2006/123 ou à luz das duas. Para responder a esta questão, há que verificar antes de mais se as medidas nacionais em causa entram no âmbito de aplicação de cada uma destas diretivas.

1.      Quanto à Diretiva 2000/31

a)      Observações preliminares sobre as questões prejudiciais relativas à livre prestação de serviços

133. O conceito de «serviços da sociedade da informação» constitui um conceito central da Diretiva 2000/31, embora esta não o defina. Esta diretiva remete, com efeito, para a definição constante da Diretiva 2015/1535.

134. A esse respeito, segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a qualificação dos serviços fornecidos pelas recorrentes nos processos principais enquanto «serviços da sociedade da informação» é evidente (63) ou, pelo menos, parece ser pacífica nos processos que se referem à Diretiva 2000/31 (64). Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece informações detalhadas que permitam verificar esta qualificação e que esta parece justificada à luz das descrições gerais de serviços apresentadas por esse órgão jurisdicional (65), parto do princípio que os serviços das recorrentes nos processos principais são abrangidos no conceito de «serviços da sociedade da informação».

135. Outro conceito central da Diretiva 2000/31 é o de «domínio coordenado» que se refere às exigências relativas ao acesso à atividade de um serviço da sociedade da informação e ao exercício dessa atividade, independentemente de serem de natureza geral ou especificamente concebidos para os prestadores de serviços da sociedade da informação ou para estes serviços (66).

136. Um prestador destes serviços é sujeito às exigências do domínio coordenado impostas pelo Estado‑Membro do seu estabelecimento (o Estado‑Membro de origem) (67). Outro Estado‑Membro no qual esse prestador opere (o Estado‑Membro de destino) não pode, em princípio, restringir a livre circulação destes serviços «por razões que relevem do domínio coordenado» (68). O mecanismo estabelecido no artigo 3.° da Diretiva 2000/31 introduz, portanto, o princípio do Estado‑Membro de origem e o reconhecimento mútuo entre Estados‑Membros das condições de acesso à atividade de serviços da sociedade da informação (e do seu exercício) (69).

137. A título excecional, um Estado‑Membro de destino pode tomar medidas derrogatórias do n.° 2 do artigo 3.° da Diretiva 2000/31 através de medidas tomadas «em relação a determinado serviço da sociedade da informação» caso sejam preenchidas as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.° 4 do artigo 3.° desta diretiva.

138. Nestas condições, há que considerar que, com as suas questões relativas à livre prestação de serviços nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22 bem como no processo C‑665/22, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 3.°, n.os 2 e 4, da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a medidas nacionais de natureza geral e abstrata pelas quais um Estado‑Membro impõe ao prestador de um serviço da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro a) uma obrigação de inscrição num registo, b) uma obrigação de transmitir informações relevantes sobre a sua organização, c) uma obrigação de transmitir informações relevantes sobre a sua situação económica e d) uma obrigação de pagamento de uma contribuição financeira, bem como a aplicação de sanções em caso de incumprimento destas obrigações. Em caso de resposta afirmativa, e tendo em conta a precisão relativa ao Regulamento 2019/1150 que consta do n.° 92 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o facto de estas medidas nacionais terem sido adotadas com a finalidade declarada de garantir a aplicação do Regulamento 2019/1150 pode afetar o resultado da aplicação do mecanismo estabelecido no artigo 3.° dessa diretiva.

139. Para responder a estas questões, num primeiro momento, há que estabelecer, antes de mais, se as obrigações em causa nos processos principais impõem exigências do domínio coordenado, na aceção da Diretiva 2000/31, em seguida, se a imposição destas obrigações derroga a livre circulação de serviços da sociedade da informação e, finalmente, se as medidas tomadas para impor as referidas obrigações preenchem as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 4, alíneas a) e b), desta diretiva. Num segundo momento, debruçar‑nos‑emos sobre a incidência do Regulamento 2019/1150 no resultado da análise relativa à Diretiva 2000/31.

b)      As exigências do domínio coordenado

1)      Exposição do problema

140. O órgão jurisdicional de reenvio considera que as obrigações em causa nos processos principais constituem exigências do domínio coordenado, na aceção da Diretiva 2000/31.

141. Por seu turno, o Governo Italiano sustenta que as obrigações de inscrição no ROC e de transmissão da IES resumem‑se a uma simples obrigação de informação. Estas obrigações não impedem um prestador de serviços em linha de exercer regularmente a sua atividade. Este Governo sublinha que as recorrentes nos processos principais nos processos C‑662/22 e C‑665/22 continuam a exercer as suas atividades apesar de não estarem inscritas no ROC.

142. A este respeito, é facto assente que o incumprimento das obrigações em causa dá origem a sanções relevantes. Além disso, parece que a AGCOM pode ordenar a suspensão das atividades de um prestador de serviços em linha e, no que se refere à inscrição no ROC, proceder oficiosamente a esta inscrição (70). Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a exatidão destas afirmações. Em contrapartida, compete ao Tribunal de Justiça fornecer a esse órgão jurisdicional os esclarecimentos que lhe permitam determinar se estas obrigações são abrangidas no domínio coordenado.

2)      Observações gerais sobre a extensão do domínio coordenado

143. O conceito de «domínio coordenado», definido no artigo 2.°, alínea h), da Diretiva 2000/31, abrange as exigências que um prestador de serviços em linha deve satisfazer e que dizem respeito ao «exercício de atividades de um serviço da sociedade da informação» ou «à prossecução [de tal atividade]» (a seguir, respetivamente, as «exigências de exercício» e as «exigências de prossecução»).

144. Do ponto de vista do mecanismo estabelecido no artigo 3.° da Diretiva 2000/31, a distinção entre as exigências de exercício e as exigências de prossecução não tem implicações práticas. No entanto, parece‑me oportuno debruçar‑me sobre esta dicotomia para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio esclarecimentos sobre a extensão do domínio coordenado.

145. A esse respeito, em primeiro lugar, não se pode perder de vista que as exigências de exercício e de prossecução são impostas praticamente sem exceção pelo Estado‑Membro de origem.

146. Com efeito, segundo a lógica do mecanismo do artigo 3.° da Diretiva 2000/31, satisfazer as exigências do domínio coordenado estabelecidas pelo Estado‑Membro de origem permite ao prestador operar tanto no mercado desse Estado‑Membro como no mercado de qualquer outro Estado‑Membro. O Estado‑Membro de origem assegura que os serviços da sociedade da informação fornecidos por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado (71). Este controlo, efetuado na fonte, deve assegurar uma proteção eficaz dos objetivos de interesse geral, não apenas aos utilizadores do Estado‑Membro de origem, mas também ao conjunto dos utilizadores da União (72).

147. Assim, cada Estado‑Membro tem uma responsabilidade particular no que se refere à determinação das exigências que se integrem no domínio coordenado. Estas exigências devem ser concebidas de maneira que tenham em conta os interesses em jogo não apenas no Estado‑Membro de origem, mas também em qualquer outro Estado‑Membro. Caso contrário, o Estado‑Membro de origem pode desencadear num Estado‑Membro de destino a reação prevista no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31. A extensão do domínio coordenado deve, portanto, ser suficiente para garantir na fonte a legalidade e o controlo eficazes das atividades da sociedade da informação não apenas no interesse do Estado‑Membro de origem, mas igualmente no interesse de todos os Estados‑Membros (73).

148. Em segundo lugar, o artigo 2.°, alínea h), i), da Diretiva 2000/31 clarifica que as exigências de exercício incluem, nomeadamente, «[as] respeitantes às habilitações, autorizações e notificações», ao passo que as exigências de prossecução incluem, nomeadamente, «[as] respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou conteúdo do serviço, incluindo as aplicáveis à publicidade e aos contratos, ou as respeitantes à responsabilidade do prestador de serviços». Em contrapartida, o domínio coordenado assim definido «abrange exclusivamente exigências respeitantes a atividades em linha» (74), excluindo as aplicáveis em relação às mercadorias enquanto tais, à entrega destas e aos serviços que não sejam prestados por via eletrónica (75).

149. Daí resulta que apenas a «componente em linha» é pertinente do ponto de vista do domínio coordenado. Não se pode, portanto, ignorar a natureza não territorial da atividade à qual se impõem as exigências abrangidas por esse domínio.

150. Os serviços em linha não se prestam de todo ao conceito de territorialidade: um prestador estabelecido num Estado‑Membro pode operar de modo duradouro e contínuo no território de outro Estado‑Membro sem nele se estabelecer ou mesmo sem para aí se deslocar.

151. Tal como já tive ocasião de observar noutro contexto (76), como em muitos outros domínios, a Internet alterou consideravelmente as categorias estabelecidas no mundo «real». De facto, embora o Tratado associe, por um lado, o exercício duradouro da atividade num Estado‑Membro a um estabelecimento estável nesse mesmo Estado‑Membro e, por outro, o exercício temporário de uma atividade à ausência de tal estabelecimento, a Internet permite o exercício duradouro de uma atividade sem um estabelecimento estável no Estado‑Membro onde essa atividade é exercida.

152. Seguir a lógica da liberdade de estabelecimento nesse caso conduziria ao resultado absurdo de que um prestador não estabelecido no Estado‑Membro de destino do seu serviço seria, contudo, considerado aí estabelecido e teria de respeitar a legislação desse Estado‑Membro, não apenas no que diz respeito à sua atividade propriamente dita, mas também no que diz respeito à constituição e ao funcionamento da sua empresa. Tal torna‑se ainda mais absurdo se tivermos presente que as atividades exercidas na Internet se destinam, frequentemente, a vários, ou mesmo a todos, os Estados‑Membros.

153. Reunindo as disposições pertinentes sob o título de «Mercado interno» (77), a Diretiva 2000/31 não toma abertamente posição sobre a distinção entre a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. Todavia, tendo em conta o princípio do controlo na fonte, bem como pelas razões apresentadas nos n.os 149 a 152 das presentes conclusões, não se pode considerar que o mecanismo do artigo 3.° da Diretiva 2000/31 se baseie na lógica segundo a qual um prestador de um serviço da sociedade da informação deve preencher as condições para operar no mercado estabelecidas por cada Estado‑Membro em que exerce atividade. Pelo contrário, uma vez que este mecanismo visa prevenir essa situação, o domínio coordenado deve abranger igualmente as condições que determinam a regularidade da atividade exercida num mercado.

154. Em terceiro lugar, a extensão do domínio coordenado deve englobar as condições que determinam a regularidade da atividade de um serviço da sociedade da informação. Com efeito, a natureza «não territorial» de tal atividade permite com frequência, de uma maneira ou de outra, atingir de facto a clientela de um Estado‑Membro sem se deparar com as limitações resultantes do conceito de «território». O facto de um prestador poder prosseguir a sua atividade no território de um Estado‑Membro, sem preencher uma dessas exigências, não pode excluir esta exigência do domínio coordenado.

155. Nestas condições, apesar de o domínio coordenado abranger quer as exigências de exercício quer as exigências de prossecução e de a Diretiva 2000/31 não atribuir consequências jurídicas a esta dicotomia, podemos, no entanto, distingui‑las. Com efeito, por um lado, as exigências de prossecução, «tal como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou ao conteúdo do serviço, […], ou as respeitantes à responsabilidade do prestador de serviços» (78), têm por objeto indicar a forma de exercer regularmente a atividade de um serviço da sociedade da informação em relação ao público, aos consumidores e aos outros operadores económicos. Constituem, portanto, uma modalidade de prossecução dessa atividade no seu aspeto horizontal. Por outro lado, as exigências de exercício visam as condições que o prestador deve preencher, principalmente em relação a um Estado‑Membro e às suas autoridades, para poder iniciar e exercer a atividade de um serviço da sociedade da informação, de forma regular, no Estado‑Membro de origem e, por extensão, no mercado de qualquer outro Estado‑Membro.

156. É à luz destas observações que há que determinar se as obrigações em causa nos processos principais se integram no domínio coordenado.

3)      Apreciação

157. Em primeiro lugar, no que se refere à obrigação de inscrição no ROC, cujo incumprimento dá origem a sanções significativas e à qual o Estado‑Membro de destino pode proceder oficiosamente, constitui uma exigência que se integra no domínio coordenado.

158. Com efeito, contrariamente ao que sustenta o Governo Italiano, o facto de, sem cumprir a obrigação de inscrição no ROC, um prestador poder na realidade iniciar e continuar a atividade de um serviço da sociedade da informação não implica que esta exigência não diga respeito ao exercício dessa atividade na aceção do artigo 2.°, alínea h), da Diretiva 2000/31. Aliás, tratando‑se de uma inscrição num registo, não basta, em princípio, efetuá‑la aquando do início da atividade: deve ser mantida no decurso dessa atividade para que esta seja considerada regular.

159. Em segundo lugar, no que se refere à obrigação de transmitir as informações sobre a estrutura e a situação económica da empresa, o Governo Italiano afirma que estas informações são úteis, ou mesmo necessárias, para que a AGCOM possa exercer a sua missão de regulação, de vigilância, de resolução dos litígios e de sanção. A este respeito, em conformidade com o princípio de controlo da atividade de um serviço da sociedade da informação na fonte, tal missão é cumprida pelo Estado‑Membro de origem, no interesse de todos os Estados‑Membros. A obrigação de comunicar as informações que permitem exercer este controlo deve, portanto, ser abrangida no domínio coordenado.

160. Em terceiro lugar, no que respeita à contribuição financeira, segundo o Governo Italiano, deve considerar‑se que abrange o montante total dos custos administrativos incorridos em Itália pelo exercício das funções de regulação, de vigilância, de resolução dos litígios e de sanção atribuídas à AGCOM. O seu montante é determinado em função das receitas realizadas nesse Estado‑Membro.

161. A obrigação de pagamento de tal contribuição constitui igualmente uma exigência abrangida no domínio coordenado. Com efeito, ela condiciona a regularidade do acesso duradouro de um prestador ao mercado de um Estado‑Membro. Aliás, em conformidade com o princípio do controlo na fonte da atividade de um serviço da sociedade da informação, esta contribuição deveria ser reclamada pelo organismo que, em conformidade com esse princípio, deve exercer o controlo sobre o prestador no interesse do Estado‑Membro do seu estabelecimento e de todos os outros Estados‑Membros.

162. Tendo em conta a interpretação da Diretiva 2000/31 que proponho, as obrigações em causa nos processos principais constituem exigências que se integram no domínio coordenado na aceção dessa diretiva.

c)      A restrição à livre circulação de serviços

163. Coloca‑se ainda a questão de saber se a imposição das obrigações em causa nos processos principais a um prestador de um serviço da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação desses serviços e, por esse facto, constitui uma derrogação ao artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31. Para responder a esta questão, há que determinar em que situação uma medida tomada por um Estado‑Membro de destino restringe a livre circulação de serviços da sociedade da informação. No caso em apreço, a questão consiste igualmente em saber se a jurisprudência relativa ao artigo 56.° TFUE é aplicável no quadro do mecanismo previsto nesta diretiva.

1)      A inaplicabilidade da corrente jurisprudencial relativa ao artigo 56.° TFUE

164. As partes referem‑se, nas suas observações, a uma corrente jurisprudencial relativa ao artigo 56.° TFUE segundo a qual uma legislação nacional oponível a todos os operadores que exerçam atividades no território nacional, que não tenha por objeto regular as condições relativas ao exercício da prestação de serviços das empresas em causa e cujos efeitos restritivos que possa produzir sobre a liberdade de prestação de serviços são demasiado aleatórios e demasiado indiretos para que a obrigação que enuncia possa ser considerada suscetível de restringir esta liberdade não constitui uma restrição na aceção deste artigo (79).

165. Todavia, entendo que esta jurisprudência não se aplica no quadro do mecanismo do artigo 3.° da Diretiva 2000/31.

166. Com efeito, por um lado, as exigências de exercício que se integram no domínio coordenado não são suscetíveis de serem abrangidas nesta jurisprudência, dado que têm, por excelência, «por objeto regular as condições relativas ao exercício da prestação de serviços das empresas em causa».

167. Por outro lado, e mais importante ainda, no que se refere a todas as exigências do domínio coordenado, incluindo as exigências de prossecução, não se pode perder de vista que, através de uma diretiva, o legislador da União pode precisar as modalidades de exercício de uma liberdade fundamental do mercado interno e estabelecer condições ainda mais favoráveis ao bom funcionamento desse mercado do que as previstas no direito primário.

168. É esse o caso do mecanismo previsto no artigo 3.° da Diretiva 2000/31, que se baseia na ideia do controlo na fonte e introduz o princípio do Estado‑Membro de origem bem como o reconhecimento mútuo entre Estados‑Membros das condições de exercício e de prossecução (80). Impor exigências que ultrapassem as que estão em vigor no Estado‑Membro de origem contraria este princípio. Esta interpretação encontra expressão na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a este mecanismo.

2)      A restrição à livre circulação de serviços da sociedade da informação à luz da jurisprudência

169. No Acórdão eDate Advertising e o. (81), o Tribunal de Justiça esclareceu que a livre circulação de serviços da sociedade da informação entre os Estados‑Membros é assegurada com base no mecanismo previsto no artigo 3.° da Diretiva 2000/31 através da sujeição destes serviços ao regime jurídico do Estado‑Membro de estabelecimento dos seus prestadores. Estes prestadores não podem, portanto, ser sujeitos a exigências mais estritas do que as previstas pelo direito material em vigor nos seus respetivos Estados‑Membros de origem (82).

170. No processo em que foi proferido o Acórdão Airbnb Ireland (83), o órgão jurisdicional de reenvio partiu da premissa de que as medidas nacionais em causa que preveem a obrigação de possuir uma carteira profissional eram restritivas da livre prestação de serviços da sociedade da informação. Esta premissa foi expressamente confirmada pelo Tribunal de Justiça (84). Assim, o Tribunal de Justiça afirmou que, quando uma exigência de possuir uma carteira profissional se aplica, nomeadamente, aos prestadores estabelecidos em Estados‑Membros que não sejam o Estado‑Membro de destino, esta exigência torna, por conseguinte, mais difícil a prestação de serviços neste último Estado‑Membro (85). Sou de opinião que, com esta afirmação, o Tribunal de Justiça quis indicar, na esteira do Acórdão eDate Advertising e o. (86), que esta exigência torna a prestação de serviços no Estado‑Membro de destino mais difícil do que no Estado‑Membro de origem em conformidade com as disposições nacionais que relevam do domínio coordenado aplicáveis nesse Estado‑Membro.

171. No Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (87), o Tribunal de Justiça considerou, no que se refere às quatro exigências introduzidas pelo Estado‑Membro de destino, em substância, que uma proibição suscetível de restringir a possibilidade de um prestador de serviços da sociedade da informação de se dar a conhecer aos seus potenciais clientes no Estado‑Membro de destino ou de atrair estes clientes e de promover o serviço de venda dos seus produtos em linha deve considerar‑se que implica uma restrição à livre prestação de serviços da sociedade da informação.

172. Apesar de a formulação empregada pelo Tribunal de Justiça diferir das utilizadas nos Acórdãos eDate Advertising e o. (88)e Airbnb Ireland (89), o Tribunal de Justiça baseou‑se, no Acórdão A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (90), na mesma lógica que subjaz àqueles acórdãos. Com efeito, é facto assente que o prestador em questão conduzia a sua atividade em conformidade com as exigências do domínio coordenado aplicáveis no Estado‑Membro de origem (91). Portanto, uma exigência que impõe condições mais restritivas no que se refere ao comportamento do prestador violava necessariamente o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31. Além disso, para estabelecer se as medidas nacionais em causa comportavam uma restrição à livre prestação dos serviços da sociedade da informação na aceção do artigo 3.°, n.os 2 e 4, dessa diretiva, o Tribunal de Justiça não se referiu à sua jurisprudência relativa ao artigo 56.° TFUE (92).

173. Deduzo destes três acórdãos que sujeitar a atividade de um serviço da sociedade da informação, no território de um Estado‑Membro, a exigências do domínio coordenado que excedam as exigências em vigor no Estado‑Membro de origem restringe a livre circulação deste serviço e, por conseguinte, apenas pode resultar de uma medida tomada com base no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31.

174. Aliás, a consideração segundo a qual a corrente jurisprudencial relativa ao artigo 56.° TFUE, mencionada no n.° 164 das presentes conclusões, não pode ser aplicada no quadro do mecanismo previsto no artigo 3.° da Diretiva 2000/31 parece ser corroborada pela jurisprudência relativa a esta disposição do direito primário, no quadro da qual o Tribunal de Justiça teve em conta o facto de uma determinada exigência já ter sido objeto de uma verificação no Estado‑Membro de origem.

3)      Jurisprudência relativa à livre prestação de serviços

175. Assim, antes de mais, a Comissão sustenta, num recurso por incumprimento (93), que uma obrigação de inscrição num registo e as graves sanções previstas em caso de violação desta obrigação tornavam a inscrição neste registo uma condição essencial do exercício de atividades no território do Estado‑Membro que previu a referida obrigação. Depois de ter chamado a atenção para o facto de a obrigação em causa ser igualmente aplicável a um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro que já cumpria, em conformidade com a legislação deste último, as formalidades equivalentes às requeridas em virtude dessa obrigação, o Tribunal de Justiça concluiu que esta obrigação infringia o artigo 56.° TFUE (94).

176. Em seguida, o Tribunal de Justiça já declarou, num processo prejudicial relativo ao artigo 56.° TFUE e a uma diretiva que previa essencialmente um sistema de reconhecimento mútuo da experiência profissional adquirida no país de origem, que o procedimento de autorização instituído pelo Estado‑Membro de acolhimento não deve atrasar nem complicar o exercício do direito de uma pessoa estabelecida noutro Estado‑Membro fornecer os seus serviços no território do primeiro Estado, a partir do momento em que a apreciação dos requisitos de acesso às atividades em causa tenha sido efetuada e que tenha ficado demonstrado que esses requisitos estão preenchidos. Uma vez as referidas condições preenchidas, uma eventual exigência de inscrição no registo das profissões artesanais do Estado‑Membro de acolhimento não pode senão ser automática, não pode constituir uma condição prévia para a prestação de serviços nem dar origem a encargos administrativos para o prestador em causa ou gerar uma obrigação de contribuição para a câmara dos artesãos(95).

177. Enfim, o Tribunal de Justiça considerou que uma legislação de um Estado‑Membro que impõe ao estabelecimento que opera no território deste uma obrigação de fornecer declarações de operações «suspeitas» e informações «solicitadas» diretamente a uma autoridade do Estado‑Membro de acolhimento constitui uma restrição à livre prestação de serviços, porquanto origina dificuldades e custos adicionais para as atividades realizadas sob o regime de livre prestação de serviços e é suscetível de acrescer aos controlos já efetuados no Estado‑Membro onde está situado o estabelecimento em causa, dissuadindo‑o, assim, de se dedicar a essas atividades (96).

178. Para concluir, tendo em conta a consideração apresentada no n.° 173 das presentes conclusões, a imposição das obrigações em causa nos processos principais a um prestador de um serviço da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de tais serviços e só pode portanto ser efetuada com fundamento no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31.

d)      As condições de fundo previstas no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31

179. As medidas que derrogam o princípio da livre circulação dos serviços da sociedade da informação devem preencher tanto as condições de fundo como as condições de forma previstas pela Diretiva 2000/31. Estas condições são cumulativas (97).

180. Uma vez que as condições formais dizem respeito à obrigação de notificação, analisá‑las‑ei, juntamente com a obrigação de notificação prevista pela Diretiva 2015/1535, na última parte das minhas conclusões e concentrar‑me‑ei aqui apenas nas condições de fundo. Todavia, antes de as analisar, desejo formular uma observação sobre a natureza das medidas derrogatórias.

1)      A natureza das medidas derrogatórias

181. Num contexto diferente, já privilegiei a interpretação segundo a qual as disposições gerais e abstratas não podem ser qualificadas como «medidas», na aceção do artigo 3.°, n.° 4, alínea a), da Diretiva 2000/31. Remeto, portanto, para a análise que consta das conclusões em causa (98), nas quais considerei, em substância, que as medidas visadas por esta disposição devem ser suficientemente circunscritas. Os argumentos principais desta análise foram seguidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Google Ireland e o. (99), segundo o qual a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que as medidas gerais e abstratas que visam uma categoria de determinados serviços da sociedade da informação descrita em termos gerais e que se aplicam indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços não estão abrangidas pelo conceito de «medidas tomadas em relação a determinado serviço da sociedade da informação», na aceção da mesma disposição.

182. No caso em apreço, as medidas pelas quais o legislador nacional impõe as obrigações em causa nos processos principais visam todos os prestadores de serviços em linha, sem sequer circunscrever um setor específico ou o Estado‑Membro de proveniência destes serviços. Por conseguinte, estas medidas não se enquadram no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31 e o legislador nacional não pode, com as medidas referidas, derrogar o princípio enunciado no artigo 3.°, n.° 2, dessa diretiva.

183. Nestas circunstâncias, não é necessário analisar se as medidas nacionais em causa preenchem as condições de fundo previstas no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), da Diretiva 2000/31. Contudo, prosseguirei a minha análise por uma questão de exaustividade e para responder cabalmente às preocupações do tribunal de reenvio, bem como aos argumentos das partes.

184. Recorda‑se que, em aplicação do artigo 3.°, n.° 4, alínea a), da Diretiva 2000/31, a medida restritiva em questão deve ser necessária para garantir a ordem pública, a proteção da saúde pública, a segurança pública ou a defesa dos consumidores, ser tomada relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese esses objetivos ou que comporte um risco sério e grave de prejuízo destes últimos e ser proporcionada aos referidos objetivos. Analisarei estas condições nesta ordem.

2)      O objetivo das medidas nacionais em causa

185. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as medidas nacionais em causa foram adotadas com o objetivo declarado de garantir a aplicação do Regulamento 2019/1150. O Governo Italiano partilha esta opinião e acrescenta que as obrigações resultantes dessas medidas visam identificar e gerir as distorções da concorrência (100).

186. Recorde‑se que o Regulamento 2019/1150 tem como objetivo contribuir para o bom funcionamento do mercado interno, assegurando um ambiente comercial em linha equitativo, previsível, sustentável e de confiança no âmbito desse mercado. Mesmo supondo que as medidas nacionais em causa visam garantir este objetivo, tenho dificuldade em identificar as razões que permitem considerar que elas prosseguem um dos objetivos visados no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31.

187. Com efeito, podem facilmente excluir‑se os objetivos relativos à ordem pública, à proteção da saúde pública e à segurança pública. Em contrapartida, pode questionar‑se se as medidas nacionais não têm objetivos ligados à defesa do consumidor.

188. Todavia, a defesa do consumidor não abrange a proteção das empresas, e o Regulamento 2019/1150 apenas fixa as normas que regulam as relações entre os prestadores de serviços em linha e os utilizadores profissionais.

189. É certo que para determinar o seu âmbito de aplicação o Regulamento 2019/1150 tem em conta a localização dos consumidores visados pelas atividades dos utilizadores profissionais (101). Além disso, este regulamento reconhece, no seu considerando 3, que existe uma ligação entre a «transparência e a confiança na economia das plataformas em linha nas relações entre as empresas» e a melhoria da confiança dos consumidores na economia das plataformas digitais.

190. Todavia, tal como refere este considerando, esta ligação é meramente indireta. Mais importante ainda, o Regulamento 2019/1150 confirma que «o impacto direto do desenvolvimento da economia das plataformas em linha nos consumidores é regulado por outra legislação da União, em especial pelo acervo relativo à defesa do consumidor» (102).

191. Nestas circunstâncias, as obrigações em causa nos processos principais não parecem prosseguir nenhum dos objetivos visados no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31.

3)      Medida tomada relativamente a um serviço que contende com um dos objetivos referidos no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31 ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos

192. Nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Italiano fornecem informações quanto à condição de fundo prevista no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), ii), da Diretiva 2000/31.

193. O Tribunal de Justiça não dispõe, portanto, de informações que lhe permitam esclarecer de forma útil o conteúdo normativo desta disposição. Em qualquer caso, na falta de elementos que indiquem que o serviço em causa contende efetivamente com um dos objetivos visados no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31 ou que comporte um risco de os prejudicar, um Estado‑Membro de destino não pode derrogar o princípio da livre circulação de serviços da sociedade da informação.

4)      Proporcionalidade

194. Como resulta da minha análise, as medidas nacionais em causa não satisfazem as exigências do artigo 3.°, n.° 4, alínea a), subalíneas i) e ii), da Diretiva 2000/31. Por conseguinte, não é necessário debruçarmo‑nos sobre a proporcionalidade destas medidas. Não obstante, por uma questão de exaustividade, analisarei brevemente a condição da proporcionalidade prevista no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), subalínea iii), dessa diretiva.

195. Em virtude desta última disposição, uma medida derrogatória deve ser proporcional a um dos objetivos mencionados no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), i), da Diretiva 2000/31. Aliás, tal medida deve igualmente ser, conforme exige a mesma disposição, «necessária» para atingir o objetivo em questão.

196. Foi nesse espírito que o Tribunal de Justiça esclareceu que, quanto a estas duas condições, há que ter em conta a jurisprudência relativa aos artigos 34.° e 56.° TFUE, para avaliar a conformidade da legislação nacional em causa com o direito da União, uma vez que as referidas condições coincidem em grande medida com aquelas a cujo cumprimento está sujeito qualquer entrave às liberdades fundamentais garantidas por esses artigos do Tratado FUE(103).

197. O princípio da proporcionalidade exige que as medidas adotadas pelos Estados‑Membros não vão além dos limites daquilo que é apropriado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela normativa em causa, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face aos objetivos visados.

198. A esse respeito, resulta do Regulamento 2019/1150 que a ligação entre o objetivo desse regulamento e a defesa do consumidor é apenas indireta e que «[o] impacto direto do desenvolvimento da economia das plataformas em linha nos consumidores é regulado por outra legislação da União […]» (104). Assim, o próprio legislador da União considera que as disposições do referido regulamento não são apropriadas à realização do objetivo da defesa do consumidor. O mesmo é válido no que se refere às medidas de aplicação do mesmo regulamento.

e)      Conclusão preliminar

199. Para concluir a minha análise relativa à Diretiva 2000/31, as medidas nacionais em causa nos processos principais não constituem medidas derrogatórias, na aceção do artigo 3.°, n.° 4, alínea a), da Diretiva 2000/31 (105)e, de qualquer modo, não preenchem as condições de fundo previstas nesta disposição. Estas medidas nacionais não podem, portanto, ser aplicadas aos prestadores de serviços da sociedade da informação estabelecidos em Estados‑Membros que não sejam aqueles em que foram adotadas.

200. Todavia, há que verificar ainda se este resultado não é posto em causa pela Diretiva 2006/123 nem, mesmo admitindo que as obrigações em causa resultam das medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150, por este regulamento.

2.      Quanto à Diretiva 2006/123

201. O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se à Diretiva 2006/123 em várias das suas questões prejudiciais (106).

202. Como se depreende dos pedidos de decisão prejudicial, todas estas questões dizem respeito ao artigo 16.° desta diretiva. Segundo esta disposição, os Estados‑Membros devem respeitar o direito de os prestadores prestarem serviços num Estado‑Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos. A referida diretiva determina igualmente as condições em que um Estado‑Membro pode derrogar a livre prestação de serviços. Estas condições são diferentes das previstas no artigo 3.°, n.os 2 e 4, da Diretiva 2000/31.

203. Da minha análise resulta que esta última disposição se opõe a que as obrigações em causa nos processos principais sejam impostas a um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se a Diretiva 2006/123 é suscetível de afetar o resultado da aplicação do mecanismo do artigo 3.° da Diretiva 2000/31.

204. A esse respeito, o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2006/123 prevê que, em caso de conflito, as disposições dos atos que disciplinem aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em setores específicos prevalecem sobre as disposições desta diretiva. O mecanismo do artigo 3.° da Diretiva 2000/31 diz respeito apenas aos serviços da sociedade da informação e à sua livre circulação na União. Esta última disposição afeta, por conseguinte, tanto o acesso a uma atividade de serviços num setor específico como o exercício de tal atividade. Constitui, portanto, uma lex specialis relativamente ao artigo 16.° da Diretiva 2006/123 e prevalece sobre este (107).

205. A título exaustivo, poder‑se‑ia perguntar, certamente, como as partes se, no caso em apreço, existe um «conflito», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2006/123. No entanto, em qualquer caso, esta diretiva não pode pôr em causa o resultado da aplicação do mecanismo do artigo 3.° da Diretiva 2000/31 nem conduzir a que se imponham obrigações resultantes das medidas nacionais em causa a um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro.

206. Com efeito, em presença de um «conflito», o artigo 16.° da Diretiva 2006/123 deve ceder a primazia ao artigo 3.° da Diretiva 2000/31. Na falta de «conflito», mesmo admitindo que estas duas disposições sejam suscetíveis de aplicação cumulativa, a primeira não pode fazer olvidar o facto de que as medidas nacionais em causa não preenchem as condições de fundo enunciadas na segunda.

207. Por conseguinte, não é necessário responder às questões prejudiciais que se referem à Diretiva 2006/123.

3.      Quanto ao artigo 56.° TFUE

208. Como já indiquei no n.° 129 das presentes conclusões, as questões prejudiciais relativas à livre prestação de serviços visam quer as Diretivas 2000/31 e 2006/123 quer o artigo 56.° TFUE.

209. Contudo, a interpretação destas diretivas será suficiente para dirimir os litígios nos processos principais à luz do direito da União. Com efeito, qualquer medida nacional tomada num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva no direito da União deve ser apreciada à luz não do direito primário, mas dessa medida de harmonização (108). Na medida em que as diretivas referidas precisam os princípios que regem o funcionamento do mercado interno estabelecidos pelo direito primário, não há motivo para examinar este último. Não é, portanto, necessário responder às questões relativas ao artigo 56.° TFUE para decidir no processo principal.

4.      Quanto à incidência do Regulamento 2019/1150

210. Resta ainda pendente a questão de saber se, no quadro do mecanismo previsto no artigo 3.° da Diretiva 2000/31, há que reservar um tratamento diferente quanto às medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150. A análise desta questão é interessante numa dupla perspetiva.

211. Com efeito, por um lado, como já indiquei na primeira parte das presentes conclusões, as medidas nacionais em causa no processo C‑663/22 e, por extensão, no processo C‑665/22 não constituem medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150 (109). Não obstante, para o caso de o Tribunal de Justiça não partilhar as minhas considerações no processo C‑665/22, que diz respeito a um prestador estabelecido num Estado‑Membro, o órgão jurisdicional de reenvio deve determinar se a inaplicabilidade destas medidas a esse prestador não é posta em causa pelo facto de estas constituírem medidas de aplicação desse regulamento.

212. Por outro lado, a resposta à dita questão pode revelar‑se útil para o órgão jurisdicional de reenvio em outros processos objetos das presentes conclusões, uma vez que estas se referem à obrigação de inscrição no ROC e de pagamento de uma contribuição financeira.

213. A esse respeito, por um lado, o artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2000/31 enuncia que completa o direito da União aplicável aos serviços da sociedade da informação, sem prejuízo do nível de proteção, designadamente da saúde pública e dos interesses dos consumidores, tal como consta dos atos da União e da legislação nacional de aplicação destes, «na medida em que não restrinjam a liberdade de prestação de serviços da sociedade da informação». Por outro lado, resulta do artigo 1.°, n.° 5, do Regulamento 2019/1150 que este não afeta o direito da União aplicável, nomeadamente, no domínio do comércio eletrónico.

214. É evidente que a Diretiva 2000/31 é aplicável nesse domínio. Uma medida de aplicação do Regulamento 2019/1150 não prevalece sobre o mecanismo estabelecido no artigo 3.° dessa diretiva. Por conseguinte, o facto de terem sido adotadas medidas nacionais com o objetivo declarado de garantir a aplicação deste regulamento não pode afetar a sua inaplicabilidade resultante deste mecanismo.

5.      Conclusão

215. À luz das considerações precedentes, há que responder às questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22 e no processo C‑665/22, reformuladas no n.° 138 das presentes conclusões, que o artigo 3.°, n.os 2 e 4, da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a medidas nacionais de natureza geral e abstrata pelas quais um Estado‑Membro impõe ao prestador de um serviço da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro a) uma obrigação de inscrição num registo, b) uma obrigação de transmitir informações relevantes sobre a sua organização, c) uma obrigação de transmitir informações relevantes sobre a sua situação económica e d) uma obrigação de pagamento de uma contribuição financeira, bem como a aplicação de sanções em caso de incumprimento destas obrigações. O facto de estas medidas nacionais terem sido adotadas com o objetivo declarado de garantir a aplicação do Regulamento 2019/1150 não pode afetar a sua inaplicabilidade a esse prestador.

D.      Quanto às obrigações de notificação prévia das medidas nacionais previstas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535

1.      Observações preliminares sobre a pertinência das questões prejudiciais

216. Várias questões prejudiciais nos presentes processos relativas aos prestadores estabelecidos nos seus respetivos Estados‑Membros de origem dizem respeito a obrigações de notificação prévia previstas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535 (110).

217. De um ponto de vista pragmático, se o Tribunal de Justiça partilhar a minha posição quanto à interpretação da Diretiva 2000/31, a análise destas questões é redundante.

218. Com efeito, as medidas nacionais em causa parecem impor exigências do domínio coordenado, na aceção da Diretiva 2000/31, e restringem a livre circulação de serviços da sociedade da informação. Do ponto de vista desta diretiva, elas não podem, portanto, ser aplicadas aos prestadores estabelecidos em Estados‑Membros diferentes daqueles que adotaram estas medidas.

219. Aliás, as medidas nacionais em causa nos processos principais não podem enquadrar‑se no artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31, por serem medidas de natureza geral e abstrata (111). Em qualquer caso, esta consideração não tem consequências quanto à constatação formulada no n.° 217 das presentes conclusões. Um Estado‑Membro não pode contornar o mecanismo previsto no artigo 3.° desta diretiva e impor exigências do domínio coordenado por uma medida geral e abstrata.

220. Todavia, por razões de exaustividade, e para o caso de o Tribunal de Justiça não partilhar a minha análise relativa à Diretiva 2000/31, abordarei em seguida as obrigações de notificação previstas por esta diretiva e pela Diretiva 2015/1535.

2.      Exposição do problema

221. O incumprimento por um Estado‑Membro das obrigações de notificação previstas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535 implica a inoponibilidade das medidas em questão aos particulares (112).

222. É certo que o incumprimento da obrigação de notificação prevista pela Diretiva 2000/31 conduz à inoponibilidade da medida nacional aos prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros diferentes do de origem, ao passo que o incumprimento da obrigação de notificação prevista pela Diretiva 2015/1535 conduz à inoponibilidade dessa medida aos prestadores estabelecidos em qualquer Estado‑Membro. No entanto, todos os processos em que o órgão jurisdicional de reenvio coloca uma questão relativa à obrigação de notificação (exceto o processo C‑663/22) visam prestadores estabelecidos em Estados‑Membros diferentes da Itália.

223. Nada indica que as obrigações em causa nos processos principais foram objeto da notificação prevista pela Diretiva 2000/31 ou da prevista pela Diretiva 2015/1535.

224. Sem embargo, o Governo Italiano alega, em substância, em primeiro lugar, que as medidas nacionais em causa não constituem regras técnicas que devam ser notificadas em virtude da Diretiva 2015/1535. Acrescento que, no contexto dos presentes processos, esta argumentação suscita uma nova questão relativa à delimitação do alcance respetivo das obrigações de notificação previstas pelas Diretivas 2000/31 e 2015/1535.

225. Em segundo lugar, o Governo Italiano sustenta que as medidas nacionais em causa não estão sujeitas à obrigação de notificação porque constituem medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150.

226. Há que analisar, pois, estes dois argumentos que se referem, respetivamente, ao alcance da obrigação de notificação prevista tanto pela Diretiva 2000/31 como pela Diretiva 2015/1535 e à eventual incidência do Regulamento 2019/1150 sobre a existência desta obrigação.

3.      A obrigação de notificação à luz da Diretiva 2000/31

227. Em virtude do artigo 3.°, n.° 4, alínea b), segundo travessão, da Diretiva 2000/31, o Estado‑Membro em questão deve, previamente à tomada das medidas em questão, e sem prejuízo de diligências judiciais, incluindo a instrução e os atos praticados no âmbito de uma investigação criminal, ter notificado a sua intenção de tomar as medidas restritivas em causa à Comissão e ao Estado‑Membro no território do qual o prestador do serviço visado está estabelecido.

228. O alcance da obrigação de notificação prevista no artigo 3.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2000/31 está determinado, por um lado, pelo âmbito de aplicação da referida diretiva e pelo conceito central desta, a saber, o do «domínio coordenado» e, por outro, pela natureza das medidas mediante as quais um Estado‑Membro pode derrogar o princípio da livre prestação de serviços da sociedade da informação.

229. Com efeito, o domínio coordenado, na aceção da Diretiva 2000/31, abrange as exigências de natureza geral e as que são especificamente concebidas para os prestadores de serviços da sociedade da informação ou para estes serviços [artigo 2.°, alínea h)]. Um Estado‑Membro de destino não pode, sem prejuízo das derrogações previstas no artigo 3.°, n.° 4, dessa diretiva, restringir a livre circulação destes serviços por razões que relevem do domínio coordenado (artigo 3.°, n.° 2). A obrigação de notificação prevista no artigo 3.°, n.° 4, alínea b), da diretiva referida abrange apenas, as medidas que relevam do domínio coordenado que restringem a livre circulação de serviços da sociedade da informação.

230. Aliás, o alcance da obrigação de notificação é determinado pela natureza das medidas pelas quais um Estado‑Membro pode derrogar o princípio da livre circulação de serviços da sociedade da informação provenientes de um Estado‑Membro. Das presentes conclusões, decorre que medidas gerais e abstratas que têm em vista uma categoria determinada de serviços da sociedade de informação descrita em termos gerais se aplicam indistintamente a qualquer prestador dessa categoria de serviços não podem ser qualificadas como «medidas», na aceção do artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31 (113). Consequentemente, como se depreende do Acórdão Google Ireland e.a. (114), tais medidas nacionais não estão sujeitas à obrigação de notificação prevista no artigo 3.°, n.° 4, alínea b), segundo travessão, desta diretiva. As medidas nacionais em causa têm um caráter geral e abstrato e parecem aplicar‑se indistintamente a qualquer prestador de determinadas categorias de serviços.

231. Por conseguinte, por um lado, a República Italiana não tinha obrigação de notificar as medidas nacionais em causa de natureza geral e abstrata por força do artigo 3.°, n.° 4, alínea b), da Diretiva 2000/31. Por outro lado, o que é ainda mais importante, estas medidas não podem de modo nenhum ser aplicadas aos prestadores de serviços da sociedade da informação estabelecidos em Estados‑Membros diferentes daquele em que foram adotadas (115). Mesmo admitindo que as ditas medidas nacionais constituem medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150, essa circunstância não pode afetar a sua inaplicabilidade (116).

232. Poderia terminar a minha análise neste ponto. Todavia, tendo em conta o facto de que, mediante as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio também se refere à Diretiva 2015/1535, analisarei ainda a questão de saber se as medidas nacionais em causa deveriam ter sido notificadas em virtude desta diretiva. Devo precisar que a resposta a esta questão não afeta a conclusão relativa à inoponibilidade dessas medidas nacionais aos prestadores de serviços da sociedade da informação estabelecidos em Estados‑Membros diferentes daquele em que foram adotadas.

4.      A obrigação de notificação à luz da Diretiva 2015/1535

233. A obrigação de notificação é estabelecida no artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 2015/1535 que prevê, em substância, que um Estado‑Membro deve comunicar imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica.

234. O conceito de «regra técnica» encontra‑se, portanto, no cerne da Diretiva 2015/1535 e determina o alcance da obrigação de notificação por ela imposta. A definição deste conceito consta do artigo 1.°, n.° 1, alínea f), da diretiva referida. Em conformidade com esta definição, para uma regulamentação nacional que afeta um serviço da sociedade da informação poder ser qualificada como «regra técnica», deve não só estar abrangida pela qualificação de «regra relativa aos serviços», conforme definida no artigo 1.°, n.° 1, alínea e), da mesma diretiva, mas também ser obrigatória de jure ou de facto, nomeadamente para a prestação do serviço em causa ou para a sua utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante deste (117).

235. Uma regra relativa aos serviços constitui, segundo o artigo 1.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2015/1535, um requisito de natureza geral relativo ao acesso às atividades de serviços da sociedade da informação e ao seu exercício, «nomeadamente as disposições relativas ao prestador de serviços, aos serviços e ao destinatário de serviços, com exclusão das regras que não visem especificamente os serviços definidos nessa mesma disposição» (118).

236. A esse respeito, as medidas nacionais em causa nos processos principais visam explicitamente os serviços de intermediação em linha e dos motores de busca em linha. Tais serviços constituem, por excelência, serviços da sociedade da informação (119).

237. É certo que as medidas nacionais em causa se limitam a estender obrigações preexistentes a estas duas categorias de prestadores. Todavia, não é necessário examinar se, antes das alterações introduzidas por estas medidas, os prestadores de serviços da sociedade da informação estavam sujeitos a estas obrigações. Com efeito, a definição do conceito de «regra relativa aos serviços» não requer que uma medida nacional vise exclusivamente os serviços da sociedade da informação. Basta que a medida em causa vise esse serviço de modo explícito e circunscrito, mesmo em determinadas disposições pontuais(120). Como referi no n.° 236 das presentes conclusões, assim é no caso vertente.

238. As medidas nacionais em causa constituem, portanto, «regras relativas aos serviços», na aceção da Diretiva 2015/1535. Aliás, é facto assente que são de caráter obrigatório e devem, portanto, ser consideradas como «regras técnicas». Por conseguinte, deviam ter sido objeto de uma notificação de acordo com essa diretiva. Caso contrário, um particular pode invocar a inoponibilidade destas regras no que lhe diz respeito.

239. Por último, resta determinar se as medidas nacionais em causa podem, no entanto, ser oponíveis a um particular na hipótese de constituírem medidas de aplicação do Regulamento 2019/1150.

240. É verdade que o artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2015/1535 prevê que a obrigação de notificação não se aplica às «disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou aos acordos voluntários através dos quais estes [...] deem cumprimento aos atos vinculativos da União cujo efeito seja a adoção [...] de regras relativas aos serviços».

241. A exceção prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2015/1535 abrange as disposições nacionais que podem ser consideradas como tendo sido adotadas para efeitos de cumprimento de um ato vinculativo do direito da União (121). Todavia, quando um ato do direito da União deixa aos Estados‑Membros uma margem de manobra importante, as medidas nacionais de aplicação não podem ser adas como disposições nacionais que deem cumprimento a tal ato vinculativo (122).

242. A única disposição do Regulamento 2019/1150 que contém indicações mais precisas quanto à margem de manobra das Estados‑Membros é o artigo 15.° Segundo esta disposição, cada Estado‑Membro assegura a aplicação adequada e efetiva deste regulamento e estabelece regras que prevejam as medidas (efetivas, proporcionadas e dissuasivas) aplicáveis às infrações ao regulamento e asseguram a sua aplicação. Em contrapartida, nenhuma disposição do referido regulamento fornece indicação sobre a margem de discricionariedade de que os Estados‑Membros dispõem aquando da recolha das informações pertinentes para aplicação do mesmo regulamento.

243. Portanto, há que considerar que as medidas nacionais em causa não são abrangidas pela exceção prevista pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2015/1535. Por conseguinte, deviam ter sido objeto de notificação a título desta diretiva. Caso contrário, um particular pode invocar a inoponibilidade destas regras a seu respeito.

VI.    Conclusão

244. À luz do conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) do seguinte modo:

1)      No processo C‑663/22:

O Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha e, nomeadamente, os seus artigos 15.° e 16.°

devem ser interpretados no sentido de que

não justificam a adoção de uma legislação nacional que impõe aos prestadores de serviços de intermediação em linha e de motores de busca em linha uma obrigação de apresentar periodicamente uma declaração contendo informações sobre a sua situação económica e que prevê a aplicação de sanções em caso de incumprimento desta obrigação.

Na medida em que esta legislação não entra no âmbito de aplicação desse regulamento, este não se opõe a essa legislação.

2)      Nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, bem como nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, e no processo C‑665/22:

O artigo 3.°, n.os 2 e 4, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico»)

deve ser interpretado no sentido de que

se opõe a medidas nacionais de natureza geral e abstrata pelas quais um Estado‑Membro impõe ao prestador de um serviço da sociedade da informação estabelecido noutro Estado‑Membro a) uma obrigação de inscrição num registo, b) uma obrigação de transmitir informações relevantes sobre a sua organização, c) uma obrigação de transmitir informações relevantes sobre a sua situação económica e d) uma obrigação de pagamento de uma contribuição financeira, bem como a aplicação de sanções em caso de incumprimento destas obrigações.

O facto de estas medidas nacionais terem sido adotadas com o objetivo declarado de garantir a aplicação do Regulamento 2019/1150 não pode afetar a sua inaplicabilidade a esse prestador.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (JO 2019, L 186, p. 57).


3      Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1).


4      Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).


5      Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1).


6      V. considerando 21 da Diretiva 2000/31 que refere que esta é «sem prejuízo de futura harmonização comunitária em matéria de sociedade da informação e de futura legislação adotada a nível nacional conforme com o direito comunitário».


7      Evidentemente, o Tribunal de Justiça também não perde de vista a realidade socioeconómica, nomeadamente, na interpretação do Tratado [v. as minhas conclusões nos processos apensos X e Visser (C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2017:397, n.os 1 a 5)]. Todavia, num domínio harmonizado, é mais difícil ter em conta essa realidade casuística e por isso é tanto mais necessária a intervenção do legislador europeu.


8      V., a título de exemplo, a Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão‑Quadro 2004/68/JAI do Conselho (JO 2011, L 335, p. 1, e a retificação JO 2012, L 18, p. 7) e o Regulamento (UE) 2021/784 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2021, relativo ao combate à difusão de conteúdos terroristas em linha (JO 2021, L 172, p. 79).


9      Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE (Regulamento dos Serviços Digitais) (JO 2022, L 277, p. 1).


10      V. artigo 1.°, n.° 5, alínea a), da Diretiva 2000/31.


11      V. Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Airbnb Ireland e Airbnb Payments UK (C‑83/21, EU:C:2022:1018, n.° 38).


12      Na sua versão anterior à entrada em vigor da Diretiva 2015/1535, o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31 definia os «serviços da sociedade da informação» como os «serviços da sociedade da informação na aceção do artigo 1.°, primeiro parágrafo, do n.° 2 da Diretiva [98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO 1998, L 204, p. 37)] com a redação que lhe foi dada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p 18) (a seguir “Diretiva 98/34”)]». Desde a entrada em vigor da Diretiva 2015/1535, esta referência deve considerar‑se feita para o artigo 1.°, n.° 1, alínea b), desta última diretiva.


13      Provvedimento presidenziale n.° 14/21/PRES, recante «Misura e modalità di versamento del contributo dovuto all’[Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni (AGCOM)] per l’anno 2021 dai soggetti che operano nel settore dei servizi di intermediazione online e dei motori di ricerca online» (Decisão do Presidente n.° 14/21/PRES, referente a «Montante e Condições de Pagamento da Contribuição devida à [Autoridade Reguladora das Comunicações (AGCOM)] para 2021 pelas Pessoas que operam no Setor dos Serviços de Intermediação em Linha e dos Motores de Busca em Linha»), de 5 de novembro de 2021 (GURI n.° 304 de 23 de dezembro de 2021) (a seguir «Decisão n.° 14/2021»), ratificada pela AGCOM através da delibera n.° 368/21/CONS (Decisão n.° 368/21/CONS).


14      Delibera n.° 200/21/CONS — Modifiche alla delibera n.° 666/08/CONS recante «regolamento per la tenuta del [ROC]» a seguito dell’entrata in vigore della legge 30 dicembre 2020, n.° 178, recante Bilancio di previsione dello Stato per l’anno finanziario 2021 e bilancio pluriennale per il triennio 2021‑2023 (Decisão n.° 200/21/CONS relativa a alterações da Decisão n.° 666/08 na sequência da entrada em vigor da Lei n.° 178/2020) (a seguir «Decisão n.° 200/2021»).


15      Delibera n.° 161/21/CONS. Modifiche alla delibera n.° 397/13 (Decisão n.° 161/21/CONS, relativa a alterações da Decisão n.° 397/13) (a seguir «Decisão n.° 161/2021»).


16      Suplemento ordinário do GURI n.° 322, de 30 de dezembro de 2020.


17      Suplemento ordinário do GURI no 169, de 25 de agosto de 1997.


18      Esta parte do quadro jurídico é pertinente para os processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, os processos apensos C‑664/22 e C‑666/22 bem como, uma vez que diz respeito à Lei n.° 178/2020, os processos C‑663/22 e C‑665/22.


19      GURI n.° 25, de 31 de janeiro de 2009.


20      V. artigos 8.° e 9.° do anexo A da Decisão n.° 666/2008.


21      V. anexo B e artigos 10.° e 11.° do anexo A da Decisão n.° 666/2008.


22      Quanto à pertinência dessa proibição para as presentes conclusões, v. nota 27.


23      V. anexo A da decisão n.° 666/2008 e, mais precisamente, o seu artigo 8.°, n.° 5, e o seu artigo 9.°, n.° 7.


24      Suplemento ordinário ao GURI no 211, de 29 de dezembro de 2005.


25      Esta parte do quadro jurídico é pertinente para os processos apensos C‑662/22 e C‑667/22.


26      Esta parte do quadro jurídico é pertinente para os processos C‑663/22 e C‑665/22.


27      Acórdão de 11 de dezembro de 2003 (C‑215/01, EU:C:2003:662).


28      V. n.° 58 das presentes conclusões.


29      O órgão jurisdicional de reenvio constata, tal como resulta das suas quartas questões nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, que as sociedades inscritas no ROC são proibidas de obter lucros que ultrapassem um determinado montante (v. n.° 21 das presentes conclusões). O Governo Italiano contesta esta afirmação. A Comissão observa que esta proibição foi invocada pela EGVR no processo principal. Do mesmo modo que o Governo Italiano, esta instituição indica que o quadro jurídico nacional já não prevê tal proibição. Em qualquer caso, visto que, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio não refere a razão pela qual considera essa proibição incompatível com o direito da União e não chama a atenção do Tribunal de Justiça para esta nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22 e, por outro, não é necessário ter em conta a mesma proibição para responder às questões prejudiciais de forma que seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio, concentrar‑me‑ei na circunstância de a inscrição no ROC implicar a transmissão de informações relevantes sobre a estrutura dos prestadores em causa.


30      A este respeito, observo que a referência do órgão jurisdicional de reenvio, nas questões prejudiciais nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, ao artigo 1.°, n.° 516, da Lei n.° 178/2020 me parece destituída de qualquer pertinência. Esta disposição, cujo texto nem sequer é reproduzido nos pedidos de decisão prejudicial, não parece ter nenhuma ligação com as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, ela prevê que «[as] disposições anteriores aplicam‑se sem prejuízo do artigo 27.°, n.° 1‑bis, do Código do Consumo [...]». Ora, este artigo do referido código diz respeito à competência para atuar contra as práticas comerciais desleais.


31      V., neste sentido, no que respeita à Diretiva 2000/31 e ao artigo 56.° TFUE, Acórdão de 27 de abril de 2023, Viagogo (C‑70/22, EU:C:2023:350, n.os 25 a 31 e 33). No que respeita à Diretiva 2006/123, v. o seu artigo 2.°, n.° 1, lido à luz do seu considerando 36, terceira frase, segundo o qual «a noção de prestador não deverá abranger o caso das sucursais de sociedades de países terceiros num Estado‑Membro porque, nos termos do artigo [56.° TFUE], a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de serviços beneficiam apenas as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que possuam na [União] a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal».


32      A saber, as primeiras questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, as quartas questões prejudiciais nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, as duas questões prejudiciais no processo C‑663/22, bem como a primeira e a segunda questões prejudiciais no processo C‑665/22.


33      V. formulação das primeira, terceira e quarta questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22.


34      V. formulação das primeira, quarta e quinta questões prejudiciais no processo C‑665/22. Nessa ordem de ideias, a Decisão n.° 161/2021, em causa nos processos C‑663/22 e C‑665/22, pela qual a obrigação de transmitir a IES foi alargada aos prestadores de serviços em linha, foi adotada «a fim de recolher anualmente as informações pertinentes e de tomar as medidas para assegurar a aplicação adequada e efetiva do [Regulamento 2019/1150]» bem como o «exercício das funções atribuídas à [AGCOM] pela [Lei n.° 178/2020]». V. n.° 55 das presentes conclusões.


35      V. n.° 77 das presentes conclusões.


36      V. artigo 1.°, n.° 2, e considerando 9 do Regulamento 2019/1150.


37      V. Acórdão de 15 de junho de 2021, Facebook Ireland e o. (C‑645/19, EU:C:2021:483, n.os 109 e 110).


38      V. Acórdão de 12 de abril de 2018, Comissão/Dinamarca (C‑541/16, EU:C:2018:251, n.os 31 a 33).


39      V. Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Ursa Major Services (C‑814/18, EU:C:2020:27, n.° 35).


40      V., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperantes) (C‑372/20, EU:C:2021:962, n.° 48).


41      V. Acórdão de 14 de outubro de 1999, Adidas (C‑223/98, EU:C:1999:500, n.° 25 e jurisprudência aí referida).


42      V. Acórdão de 12 de abril de 2018, Comissão/Dinamarca (C‑541/16, EU:C:2018:251, n.os 49 e 50). V. igualmente, neste sentido, Despacho de 16 de janeiro de 2014, Dél‑Zempléni Nektár Leader Nonprofit (C‑24/13, EU:C:2014:40, n.° 17 e jurisprudência aí referida).


43      V. considerando 7 do Regulamento 2019/1150.


44      V. artigo 1.°, n.° 1, e considerandos 7 e 51 do Regulamento 2019/1150.


45      V. artigo 16.°, primeira frase, do Regulamento 2019/1150.


46      V. artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento 2019/1150.


47      V. artigo 16.°, segunda frase, do Regulamento 2019/1150.


48      V. artigo 16.°, quarta frase, do Regulamento 2019/1150.


49      V. artigo 16.°, terceira frase, do Regulamento 2019/1150.


50      O considerando 46 do Regulamento 2019/1150 enuncia que «[os] Estados‑Membros deverão garantir a execução adequada e efetiva do presente regulamento. Nos Estados‑Membros já existem diferentes sistemas de controlo do cumprimento, e estes não deverão ser obrigados a criar novos organismos nacionais para esse efeito. Os Estados‑Membros deverão poder confiar o controlo do cumprimento do presente regulamento às autoridades existentes, incluindo aos tribunais. O presente regulamento não deverá obrigar os Estados‑Membros a preverem o controlo oficioso do seu cumprimento ou a imporem multas».


51      V. considerando 46, terceira e quarta frases, do Regulamento 2019/1150.


52      V. artigo 14.°, n.° 9, do Regulamento 2019/1150.


53      V. artigo 14.°, n.° 5, do Regulamento 2019/1150.


54      V. artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento 2019/1150, lido à luz do seu considerando 45.


55      V. considerando 45, primeira e segunda frases, do Regulamento 2019/1150.


56      Com efeito, o artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento 2019/1150 prevê que «[a] Comissão deve incentivar os Estados‑Membros à troca de boas práticas e de informações com os outros Estados‑Membros, com base nos registos de atos ilícitos que foram objeto de ações condenatórias pelos tribunais nacionais, caso esses registos sejam criados pelos organismos ou pelas autoridades públicas competentes».


57      V., neste sentido, Franck, J.‑U., «Individual Private Rights of Action under the Platform‑to‑Business Regulation», European Business Law Review, 2023, vol. 34, n.° 4, p. 528.


58      Por uma questão de exaustividade, uma argumentação análoga é reiterada no que se refere à obrigação dos prestadores de serviços em linha de se inscreverem num registo que implica a transmissão de informações relevantes sobre a sua organização, visada noutros processos abrangidos pelas presentes conclusões.


59      V. artigo 1.°, n.° 5, do Regulamento 2019/1150.


60      O artigo 56.° TFUE é visado pelas quartas questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, pelas segundas questões prejudiciais nos processos apensos C‑664/22 C‑666/22, bem como pela quinta questão prejudicial no processo C‑665/22.


61      É certo que as quartas questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22 se referem unicamente ao artigo 56.° TFUE e ao artigo 16.° da Diretiva 2006/123, sem mencionar a Diretiva 2000/31. Todavia, certas questões prejudiciais nestes processos visam esta última diretiva.


62      Esta abordagem é conforme à que o Tribunal de Justiça adotou no contexto do artigo 56.° TFUE [v. Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Airbnb Ireland e Airbnb Payments UK (C‑83/21, EU:C:2022:1018, n.° 41)] e do artigo 3.° da Diretiva 2000/31 [v. Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.° 46)].


63      Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é o caso nos processos C‑665/22 e C‑666/22.


64      Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, é o caso nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22 e no processo C‑664/22.


65      V., no que se refere aos prestadores de serviços de intermediação em linha, a título de exemplo, Acórdão de 27 de abril de 2022, Airbnb Ireland (C‑674/20, EU:C:2022:303, n.° 31), e, no que respeita aos serviços fornecidos pelos operadores profissionais de motores de busca na Internet, Acórdão de 12 de setembro de 2019, VG Media (C‑299/17, EU:C:2019:716, n.° 30).


66      V. artigo 2.°, alínea h), da Diretiva 2000/31.


67      V. artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31.


68      V. artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31.


69      V. as minhas conclusões no processo LEA (C‑10/22, EU:C:2023:437, n.° 49).


70      Foi o que fez a AGCOM no processo C‑664/22. V. n.° 42 das presentes conclusões.


71      V. artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2000/31.


72      V. considerando 22 da Diretiva 2000/31.


73      V. igualmente, neste sentido, Crabit, E., «La directive sur le commerce électronique: le projet “Méditerranée”», Revue du droit de l’Union européenne, 2000, n.° 4, p. 767.


74      V. considerando 21, segunda frase, da Diretiva 2000/31.


75      V. artigo 2.°, alíneas h), ii), da Diretiva 2000/31.


76      V. as minhas conclusões no processo LEA (C‑10/22, EU:C:2023:437, n.os 61, 63 e 64).


77      Título do artigo 3.° da Diretiva 2000/31. Esta ambiguidade manifesta‑se na base jurídica desta diretiva, que se refere tanto à liberdade de estabelecimento como à livre prestação de serviços, bem como nos seus considerandos 1, 5 e 6.


78      V. artigo 2.°, alínea h), i), segundo travessão, da Diretiva 2000/31.


79      V., recentemente, Acórdão de 27 de outubro de 2022, Instituto do Cinema e do Audiovisual (C‑411/21, EU:C:2022:836, n.° 29) que diz respeito a uma taxa destinada a financiar a promoção e a divulgação de obras cinematográficas e audiovisuais. V. igualmente, no que se refere às obrigações relativas ao domínio da fiscalidade, excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31, Acórdãos de 27 de abril de 2022, Airbnb Ireland (C‑674/20, EU:C:2022:303, n.° 42), e de 22 de dezembro de 2022, Airbnb Ireland e Airbnb Payments UK (C‑83/21, EU:C:2022:1018, n.° 45).


80      V. n.° 136 das presentes conclusões.


81      Acórdão de 25 de outubro de 2011 (C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.° 66). V. igualmente Acórdão de 15 de março de 2012, G (C‑292/10, EU:C:2012:142, n.° 70).


82      V., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o. (C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.os 66 e 67).


83      Acórdão de 19 de dezembro de 2019 (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.° 71).


84      Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.° 81).


85      Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.° 82).


86      V., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011 (C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.° 66).


87      Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.os 61 e 62).


88      Acórdão de 25 de outubro de 2011 (C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685).


89      Acórdão de 19 de dezembro de 2019 (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.° 71).


90      Acórdão de 1 de outubro de 2020 (C‑649/18, EU:C:2020:764).


91      V. n.° 7 do pedido de decisão prejudicial nesse processo, segundo o qual «é pacífico que a sociedade [em questão] está legalmente autorizada a vender medicamentos ao público [nos] Países Baixos, onde está regularmente estabelecida».


92      V. igualmente, neste sentido, as minhas conclusões no processo Google Ireland e o. (C‑376/22, EU:C:2023:467, n.° 55).


93      V. Acórdão de 9 de março de 2000, Comissão/Itália (C‑358/98, EU:C:2000:114, n.° 11).


94      V. Acórdão de 9 de março de 2000, Comissão/Itália (C‑358/98, EU:C:2000:114, n.os 13 e 14).


95      V. Acórdão de 11 de dezembro de 2003, Schnitzer (C‑215/01, EU:C:2003:662, n.os 36 e 37).


96      V. Acórdão de 25 de abril de 2013, Jyske Bank Gibraltar (C‑212/11, EU:C:2013:270, n.° 59).


97      V., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.os 83 e 99).


98      V. as minhas conclusões nos processos Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:336, n.os 134 e 135), LEA (C‑10/22, EU:C:2023:437, n.° 51), e Google Ireland e o. (C‑376/22, EU:C:2023:467, n.° 54).


99      Acórdão de 9 de novembro de 2023 (C‑376/22, EU:C:2023:835, n.° 60).


100      V. n.° 120 das presentes conclusões.


101      V. artigo 1.°, n.° 2, e considerando 9 do Regulamento 2019/1150.


102      V. considerando 3 do Regulamento 2019/1150.


103      V. Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.° 64).


104      V. n.° 190 das presentes conclusões.


105      V. n.os 181 e 182 das presentes conclusões.


106      A Diretiva 2006/123 é visada nas quartas questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, nas segundas questões prejudiciais nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, bem como na quinta questão prejudicial no processo C‑665/22.


107      V., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.os 40 a 42). V. igualmente as minhas conclusões no processo Star Taxi App (C‑62/19, EU:C:2020:692, n.° 90).


108      V., no que se refere à Diretiva 2000/31, Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.° 34), e, no que se refere à Diretiva 2006/123, Acórdão de 16 de junho de 2015, Rina Services e o. (C‑593/13, EU:C:2015:399, n.os 23 e segs.)


109      V. n.° 125 das presentes conclusões.


110      Com efeito, estas obrigações são visadas pela segunda e quinta questões prejudiciais nos processos apensos C‑662/22 e C‑667/22, pelas terceiras questões prejudiciais nos processos apensos C‑664/22 e C‑666/22, bem como pelas terceira e sexta questões prejudiciais no processo C‑665/22.


111      V. n.os 181 e 182 das presentes conclusões.


112      V., no que se refere às Diretivas 2000/31 e 2015/1535, respetivamente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.° 100), e de 3 de dezembro de 2020, Star Taxi App (C‑62/19, EU:C:2020:980, n.° 57).


113      V. n.° 181 e 182 das presentes conclusões.


114      Acórdão de 9 de novembro de 2023 (C‑376/22, EU:C:2023:835, n.° 37).


115      V. n.° 219 das presentes conclusões.


116      V. n.° 214 das presentes conclusões.


117      V. Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Star Taxi App (C‑62/19, EU:C:2020:980, n.° 61).


118      O artigo 1.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2015/1535 fornece, no seu segundo parágrafo, dois esclarecimentos suplementares a esse respeito. Assim, por um lado, considera‑se que uma regra tem em vista especificamente os serviços da sociedade da informação sempre que, no que diz respeito à sua motivação e ao texto do seu articulado, tenha como finalidade e objeto específicos, na totalidade ou em determinadas disposições pontuais, regulamentar de modo explícito e circunscrito esses serviços. Por outro lado, não se considera que uma regra tem em vista especificamente os serviços da sociedade da informação se apenas disser respeito a esses serviços de modo implícito ou incidental.


119      V. n.° 134 das presentes conclusões.


120      A este respeito, o Tribunal de Justiça julgou, no Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Falbert e o. (C‑255/16, EU:C:2017:983, n.os 35 e 36), proferido durante a vigência da diretiva anterior à Diretiva 2015/1535, a saber, a Diretiva 98/34, que uma regra nacional que tem claramente por finalidade e por objeto alargar uma regra existente a serviços da sociedade da informação deve ser qualificada de «regra relativa aos serviços», na aceção dessa diretiva.


121      V., neste sentido, no que respeita ao artigo 10.°, n.° 1, primeiro travessão, da Diretiva 98/34, que previa uma exceção semelhante, Acórdão de 8 de setembro de 2005, Comissão/Portugal (C‑500/03, EU:C:2005:515, n.° 33).


122      V., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2000, Unilever (C‑443/98, EU:C:2000:496, n.° 29).