Language of document : ECLI:EU:T:2010:255

Processo T‑66/01

Imperial Chemical Industries Ltd

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Abuso de posição dominante – Mercado do sódio no Reino Unido – Decisão que dá por provada uma infracção ao artigo 82.° CE – Prescrição do poder da Comissão de aplicar coimas ou sanções – Prazo razoável – Formalidades essenciais – Caso julgado – Existência da posição dominante – Exploração abusiva da posição dominante – Afectação do comércio entre Estados‑Membros – Coima – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias atenuantes»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Prescrição em matéria de procedimentos – Suspensão

(Regulamento n.° 2988/74 do Conselho, artigo 3.°)

2.      Direito comunitário – Princípios – Respeito de um prazo razoável – Âmbito de aplicação – Concorrência – Procedimento administrativo – Processo judicial – Distinção para efeitos de apreciação do respeito do prazo razoável

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

3.      Concorrência – Procedimento administrativo – Obrigações da Comissão – Respeito de um prazo razoável

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

4.      Tramitação processual – Duração do processo no Tribunal Geral – Prazo razoável – Critérios de apreciação

5.      Direito comunitário – Princípios – Direitos de defesa – Âmbito de aplicação – Concorrência – Procedimento administrativo – Alcance do princípio depois da anulação de uma primeira decisão da Comissão

(Artigos 81.° CE, 82.° CE e 233.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho)

6.      Comissão – Princípio da colegialidade – Alcance – Decisão em matéria de concorrência

7.      Recurso de anulação – Acórdão de anulação – Alcance – Efeito absoluto de caso julgado

8.      Recurso de anulação – Acórdão de anulação – Efeitos

(Artigos 82.° CE, 230.° CE e 233.° CE)

9.      Concorrência – Posição dominante – Caracterização através da detenção de uma quota de mercado muito significativa

(Artigo 82.° CE)

10.    Concorrência – Posição dominante – Abuso – Desconto com efeito de encerramento do mercado – Descontos de fidelidade

(Artigo 82.° CE)

11.    Concorrência – Posição dominante – Abuso – Descontos com base na quantidade – Admissibilidade – Requisitos – Carácter abusivo do sistema de descontos

(Artigo 82.° CE)

12.    Concorrência – Posição dominante – Abuso – Contratos de exclusividade de fornecimento – Descontos de fidelidade

(Artigo 82.° CE)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação da Comissão

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 2988/74 do Conselho)

14.    Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão – Decisão que declara uma infracção e aplica uma coima – Anulação por vício de forma

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

15.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Infracção com particular gravidade

(Artigo 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

16.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Reincidência – Conceito de infracções do mesmo tipo – Infracções ao artigo 81.° CE, por um lado, e ao artigo 82.° CE, por outro – Exclusão

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

17.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Obrigação de deduzir do montante da coima as despesas efectuadas para garantir a aplicação de uma decisão posteriormente anulada – Inexistência

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

18.    Concorrência – Regras comunitárias – Infracções – Actuação deliberada – Conceito

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)

19.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

20.    Concorrência – Coimas – Aplicação – Necessidade de um benefício retirado pela empresa da infracção – Inexistência – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Inexistência de benefício – Exclusão

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

21.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Dissimulação do acordo – Inexistência de carácter secreto que não constitui uma circunstância atenuante

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°,n.° 2)

1.      Nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74, a prescrição de procedimentos suspende‑se enquanto a decisão da Comissão for objecto de um processo pendente no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, A referência no artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 a um «processo pendente no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias» deve ser entendida, desde a criação do então Tribunal de Primeira Instância, no sentido de que se refere, em primeiro lugar a um processo aí pendente, na medida em que os recursos de decisões que aplicam sanções ou coimas no domínio da concorrência são da sua competência.

A prescrição fica igualmente suspensa durante todo o tempo do processo no Tribunal de Justiça. Visto o artigo 60.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 terem um âmbito de aplicação diferente, a inexistência de efeito suspensivo de um recurso de segunda instância não é susceptível de privar de qualquer efeito útil o artigo 3.° do referido regulamento, que respeita a situações em que a Comissão tem que aguardar a decisão do tribunal comunitário. Por outro lado, o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 protege a Comissão contra o efeito da prescrição nas situações em que tenha que aguardar a decisão do tribunal comunitário, no âmbito de processos cuja tramitação não domina, antes de saber se o acto recorrido está ou não ferido de ilegalidade.

Não se pode acolher o argumento de que, na sequência de uma anulação da decisão da Comissão, esta não pode beneficiar da sua própria falta ao aplicar uma coima depois do termo do prazo de prescrição. Com efeito, qualquer anulação de um acto adoptado pela Comissão é‑lhe necessariamente imputável, na medida em que traduz um erro seu. Portanto, excluir a suspensão da prescrição do procedimento, quando o recurso leva a reconhecer um erro imputável à Comissão, deixaria sem qualquer sentido o artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74. É o próprio facto de estar pendente um recurso no Tribunal Geral ou no Tribunal de Justiça que justifica a suspensão, e não as conclusões a que esses tribunais cheguem nos seus acórdãos.

Por último, se a Comissão tivesse que adoptar uma nova decisão na sequência da anulação de uma decisão pelo Tribunal Geral, sem aguardar o acórdão do Tribunal de Justiça, existiria o risco de coexistirem duas decisões com o mesmo objecto no caso de o Tribunal de Justiça anular o acórdão do Tribunal Geral. Vai contra as exigências da economia processual administrativa impor à Comissão que, unicamente para evitar a prescrição, adopte nova decisão antes de saber se a decisão inicial está ou não ferida de ilegalidade.

Uma vez que a prescrição prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 2988/74 esteve suspensa durante todo o tempo do processo no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, não se pode acusar a Comissão de ter violado o princípio do prazo razoável por ter aguardado que o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça decidissem, antes de adoptar nova decisão, uma vez que isso se justifica pelo respeito do processo jurisdicional e dos futuros acórdãos.

(cf. n.os 73 a 74, 77, 82, 85 a 86, 88 a 89 e 132)

2.      Com efeito, no âmbito da análise de uma alegação de violação do princípio do prazo razoável, há que fazer uma distinção entre o procedimento administrativo em matéria de concorrência nos termos do Regulamento n.° 17 e o processo jurisdicional em caso de recurso da decisão da Comissão. O período em que o juiz comunitário analisou a legalidade da decisão e, em caso de recurso de segunda instância, a validade do acórdão de primeira instância não pode ser tido em conta na determinação da duração do procedimento na Comissão.

(cf. n.° 102)

3.      A violação do princípio do respeito de um prazo razoável na adopção de uma decisão no termo do um procedimento administrativo em matéria de concorrência só justifica a anulação de uma decisão da Comissão se implicar também uma violação dos direitos de defesa da empresa em causa. Com efeito, quando não se prove que o decurso excessivo do tempo afectou a capacidade de as empresas em questão se defenderem efectivamente, o desrespeito do princípio de um prazo razoável não tem influência na validade do procedimento administrativo.

(cf. n.° 109)

4.      O princípio geral de direito comunitário nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo, que se inspira no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, nomeadamente o direito a um processo num prazo razoável, é aplicável no âmbito do recurso judicial de uma decisão da Comissão que aplica a uma empresa coimas por violação do direito da concorrência.

O carácter razoável do prazo é apreciado em função das circunstâncias concretas de cada processo, designadamente, a importância do litígio para o interessado, a complexidade do processo, bem como o comportamento do recorrente e das autoridades competentes.

A esse respeito, a lista desses critérios não é taxativa e a apreciação do carácter razoável do prazo não exige uma análise sistemática das circunstâncias da causa à luz de cada um deles quando a duração do processo se revelar justificada à luz de apenas um. Assim, a complexidade do processo pode justificar um prazo à primeira vista demasiado longo.

Na falta de qualquer indício de que a duração do processo tivesse influenciado a decisão da causa, um eventual excesso do prazo razoável pelo tribunal comunitário, mesmo admitindo‑o demonstrado, não tem qualquer influência da legalidade da decisão recorrida. Poderá justificar o pagamento de uma indemnização se a empresa o pedir.

(cf. n.os 114, 116 a 117)

5.      A anulação de um acto comunitário não afecta necessariamente os actos preparatórios, podendo, em princípio, o procedimento destinado a substituir o acto anulado ser retomado no ponto exacto em que a ilegalidade ocorreu.

Uma vez que o vício processual ocorreu na última fase da adopção de uma decisão que pune uma empresa por violação das normas da concorrência, a sua anulação não afecta a validade das medidas preparatórias dessa decisão, anteriores ao momento em que se verificou o vício. Quando adopta uma nova decisão, com um conteúdo substancialmente idêntico e com base nas mesmas acusações, a Comissão não tem que proceder a novas diligências processuais.

Em particular, não pode ser criticada por não ter procedido, antes de adoptar a nova decisão, a uma nova audição da empresa em causa, por não lhe ter dado a ocasião de apresentar novamente os seus argumentos, ou por não lhe ter dirigido uma nova comunicação de acusações.

Quanto às questões de direito susceptíveis de surgir no âmbito da aplicação do artigo 233.° CE, tal como as relativas ao decurso do tempo, à possibilidade de recomeço do procedimento, ao acesso ao processo que seria inerente a esse recomeço, à intervenção do consultor‑auditor e do comité consultivo e quanto a eventuais implicações do artigo 20.° do Regulamento n.° 17, não exigem novas audições, na medida em que não alteram o conteúdo das acusações, sendo unicamente passíveis de fiscalização jurisdicional posterior, se for esse o caso.

Por outro lado, uma vez que não é necessária nova audição, também não é necessária uma nova intervenção do consultor‑auditor. Com efeito, resulta do próprio conteúdo da missão confiada ao consultor‑auditor que a sua intervenção está necessariamente ligada à audição das empresas, na perspectiva de uma eventual decisão.

Além disso, na medida em que a nova decisão não contenha alterações substanciais face à decisão anulada, a Comissão, que não tem que ouvir novamente a empresa em causa, também não tem que proceder a uma nova consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes.

Pelas mesmas razões, o processo submetido ao colégio dos comissários não tem que conter, nomeadamente, um novo relatório do consultor‑auditor ou uma nova acta de consulta do comité consultivo.

(cf. n.os 125 a 126, 134 a 135, 151, 153 a 154, 161 a 162, 168, 174)

6.      O princípio da colegialidade assenta na igualdade dos membros da Comissão no processo de decisão e implica, nomeadamente, que as decisões são tomadas em comum e que todos os membros do colégio são colectivamente responsáveis, no plano político, por todas as decisões. O respeito deste princípio e, em especial, a necessidade de as decisões serem tomadas em comum, interessa necessariamente aos sujeitos de direito afectados pelos seus efeitos jurídicos, devendo poder confiar que essas decisões foram efectivamente tomadas pelo colégio e correspondem exactamente à sua vontade. Em particular, é esse o caso dos actos, expressamente qualificados de decisões, que a Comissão pratica face às empresas ou associações de empresas com vista ao respeito das normas da de concorrência e que têm por objecto a declaração de uma infracção a essas normas, dirigir intimações a essas empresas e aplicar‑lhes sanções pecuniárias.

O simples facto de um comunicado de imprensa não emanado da Comissão e sem qualquer carácter oficial mencionar uma declaração de um porta‑voz da Comissão referindo em que data será tomada uma decisão em matéria de concorrência e o seu teor não basta para considerar que a Comissão violou o princípio da colegialidade. Uma vez que não está vinculado por essa declaração, o colégio dos comissários pode decidir, após deliberação em comum, não adoptar essa decisão.

(cf. n.os 175 a 178)

7.      A fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, importa que as decisões jurisdicionais que tenham transitado em julgado após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou após a extinção dos prazos previstos para tais recursos já não possam ser postas em causa.

O caso julgado de um acórdão pode obstar à admissibilidade de um recurso ou acção se o recurso ou acção que lhe deu origem tiver oposto as mesmas partes, tiver tido o mesmo objecto e se tiver baseado na mesma causa, sendo esses pressupostos necessariamente cumulativos. O caso julgado está ligado apenas aos pontos de facto e de direito que tenham sido efectivamente ou necessariamente decididos pela decisão judicial em causa.

(cf. n.os 196 a 198)

8.      A instituição que praticou o acto anulado só está vinculada nos limites do necessário para assegurar a execução do acórdão de anulação O procedimento destinado a substituir esse acto pode assim ser retomado no ponto exacto em que a ilegalidade ocorreu.

Quando uma decisão da Comissão que pune uma empresa por abuso de posição dominante é anulada pelo Tribunal Geral pelo facto de a sua autenticação ter sido efectuada depois da respectiva notificação, o que constitui uma preterição de formalidade essencial, na acepção do artigo 230.° CE, a Comissão pode retomar a sua análise na fase da autenticação sem ter que analisar se as conclusões relativas ao mercado em causa que extraiu na adopção da primeira decisão ainda são válidas à luz das circunstâncias de facto e de direito existentes no momento da adopção da segunda decisão. A consideração de que a verificação da existência de uma posição dominante resulta de uma análise da estrutura do mercado e da concorrência aí reinante no momento em que a Comissão adopta cada decisão não implica que a Comissão deva proceder em todos os casos a uma nova análise do mercado em causa no momento da adopção da decisão recorrida. A Comissão não tem que proceder a essa análise, uma vez que isso não é necessário para assegurar a execução do acórdão que anula a decisão.

(cf. n.os 243 a 245)

9.      A posição dominante referida no artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe dá o poder de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em questão, ao possibilitar‑lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, relativamente aos consumidores. Essa posição, ao contrário de uma situação de monopólio ou de quase monopólio, não exclui a existência de alguma concorrência, mas permite à empresa que dela desfruta, se não determinar, pelo menos ter uma influência considerável nas condições em que se desenvolve a concorrência e, de qualquer modo, agir em grande medida em seu desrespeito e sem que isso lhe cause prejuízo.

A existência de uma posição dominante resulta geralmente da reunião de vários factores, que, isoladamente, não seriam necessariamente determinantes. A análise da existência de uma posição dominante no mercado em causa deve ser feita examinando primeiro a sua estrutura e, seguidamente, a situação da concorrência nesse mercado.

As grandes quotas de mercado constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante. Com efeito, a posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período, em razão do volume de produção e de oferta que representa – sem que os detentores de quotas sensivelmente mais reduzidas tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretenda afastar‑se da empresa que detém a quota mais importante –, numa situação de força, transformando‑a num parceiro obrigatório e que, só por isso, lhe assegura, pelo menos durante períodos relativamente longos, a independência de comportamento característica da posição dominante.

Assim, uma quota de mercado de 70 a 80% constitui, só por si, um indício claro da existência de uma posição dominante. Do mesmo modo, uma quota de mercado de 50% constitui, só por si, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante.

(cf. n.os 254 a 257)

10.    Um sistema de descontos que tenha um efeito de encerramento do mercado será considerado contrário ao artigo 82.° CE se for aplicado por uma empresa em posição dominante. É esse o caso de um desconto de fidelidade concedido como contrapartida de um compromisso de um cliente se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente junto da empresa em posição dominante. Com efeito, esse desconto destina‑se a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes. Ao barrar o acesso de concorrentes ao mercado, a conduta da recorrente pode ter repercussões nos fluxos comerciais e na concorrência no mercado comum.

(cf. n.os 296 a 297, 337)

11.    Considera‑se geralmente que os sistemas de descontos pela quantidade, ligados apenas ao volume de compras efectuadas a uma empresa na situação de posição dominante não têm o efeito de encerramento proibido pelo artigo 82. Se o aumento da quantidade fornecida se traduzir num custo inferior para o fornecedor, este tem o direito de fazer o seu cliente beneficiar dessa redução através de uma tarifa mais favorável. É suposto, portanto, que os descontos pela quantidade reflictam os ganhos de eficiência e as economias de escala realizados pela empresa em posição dominante.

Daí resulta que um sistema de descontos cuja taxa de redução aumente em função do volume comprado não viola o artigo 82.° CE, a não ser que os critérios e as modalidades de concessão dos descontos demonstrem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, antes se destinando, como no caso de um desconto de fidelização e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes na concorrência.

Para determinar o eventual carácter abusivo de um sistema de descontos pela quantidade, há que analisar, portanto, todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada.

(cf. n.os 298 a 300)

12.    O facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular compradores – ainda que a seu pedido – por uma obrigação ou uma promessa de se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto dela constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE, quer essa obrigação tenha sido estipulada sem mais, quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. Isto vale também quando essa empresa, sem vincular os compradores por uma obrigação formal, aplica, quer por força de acordos celebrados com esses compradores, quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, descontos ligados à condição de o cliente se abastecer exclusivamente, na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades, na empresa em posição dominante. Com efeito, os compromissos de abastecimento exclusivo dessa natureza, com ou sem contrapartida de reduções ou de descontos de fidelidade com o fim de incentivar o comprador a abastecer‑se junto da empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, pois não assentam numa prestação económica que justifique esse encargo ou essa vantagem, antes se destinam a eliminar ou a restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento e a barrar o acesso dos outros produtores ao mercado.

(cf. n.° 315)

13.    Na determinação do montante das coimas por infracção ao direito da concorrência, a Comissão deve não só ter em consideração a gravidade da infracção e as circunstâncias específicas do caso concreto, mas também o contexto em que a infracção foi cometida e zelar pelo carácter dissuasivo da sua acção, sobretudo para os tipos de infracção particularmente nocivos para a realização dos objectivos da Comunidade. Por outro lado, quando a Comissão adopta uma decisão em observância do Regulamento n.° 2988/74, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência e do princípio do prazo razoável, não pode ser acusada de ter demorado a adoptar a decisão recorrida. Nestas circunstâncias, não há que anular uma coima, aplicada por uma decisão adoptada na sequência da anulação de uma primeira decisão, por causa do tempo decorrido entre a adopção das duas decisões.

(cf. n.os 354 a 355)

14.    Quando uma decisão da Comissão em matéria de concorrência é anulada por vício de forma, a Comissão pode adoptar nova decisão sem abrir novo procedimento administrativo. Uma vez que o conteúdo da nova decisão é quase idêntico ao da anterior e ambas têm os mesmos fundamentos, a nova decisão está sujeita, no âmbito da fixação do montante da coima, às normas em vigor no momento da adopção da primeira decisão. Com efeito, a Comissão retoma o procedimento na fase em que foi cometido o erro procedimental e adopta uma nova decisão, sem proceder a uma nova apreciação do caso à luz de normas que não existiam à data da adopção da primeira decisão.

(cf. n.os 366 a 368)

15.    Para apreciar a gravidade das infracções às normas comunitárias da concorrência imputáveis a uma empresa, a fim de determinar um montante de coima que lhe seja proporcional, a Comissão pode ter em conta a duração particularmente longa de certas infracções, o número e a diversidade das infracções, que abrangeram a totalidade ou a quase totalidade dos produtos da empresa em causa, alguns dos quais afectando todos os Estados Membros, a gravidade particular de infracções integradas numa estratégia deliberada e coerente com vista, através de diversas práticas eliminatórias dos concorrentes e de uma política de fidelização dos clientes, a manter artificialmente ou a reforçar a posição dominante da empresa em mercados onde a concorrência já era limitada, os efeitos de abuso particularmente nefastos no plano da concorrência e a vantagem obtida pela empresa com as suas infracções.

A Comissão pode qualificar de particularmente graves as práticas de uma empresa em posição dominante que, ao conceder descontos dobre a tonelagem marginal aos seus clientes e ao celebrar acordos de fidelização com eles, fecha durante muito tempo as possibilidades de venda a todos os seus concorrentes e lesa duradouramente a estrutura do mercado, em prejuízo dos consumidores.

(cf. n.os 370, 372 e 374)

16.    A análise da gravidade de uma infracção às normas comunitárias da concorrência deve ter em conta uma eventual reincidência. O conceito de reincidência, tal como entendido num certo número de ordenamentos jurídicos nacionais, implica que uma pessoa tenha cometido novas infracções após ter sido punida por infracções semelhantes. As orientações para o cálculo das coimas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA vão no mesmo sentido quando se referem a uma «infracção do mesmo tipo». A Comissão não pode, portanto, imputar a circunstância agravante de reincidência a uma empresa que explora de forma abusiva a posição dominante que detém num mercado, na acepção do artigo 82.° CE por práticas de colusão anteriores ligadas ao artigo 81.° CE, aliás muito diferentes das que deram origem à infracção ao artigo 82 CE.°

(cf. n.os 377 a 381)

17.    Em matéria de concorrência, quando uma empresa efectua despesas com a constituição das garantias para o pagamento das coimas aplicadas por uma decisão que vem a ser anulada pelo julgador comunitário e para demonstrar que essa decisão era ilegal, a Comissão não tem que tomar em conta essas despesas ao fixar a coima na decisão adoptada na sequência do acórdão, podendo a empresa pedir o seu reembolso em sede de acção de indemnização.

(cf. n.° 383)

18.    Para se poder considerar que uma infracção às normas de concorrência do Tratado foi cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir uma proibição aprovada por essas normas, basta que não pudesse ignorar que essa conduta tinha por objecto restringir a concorrência no mercado comum.

(cf. n.° 412)

19.    Os elementos que integram o objectivo de um comportamento podem ter mais importância para efeitos de fixação do montante da coima do que os relativos aos seus efeitos.

(cf. n.° 435)

20.    Embora o montante da coima aplicada por infracção às normas da concorrência deva ser proporcionado à duração da infracção e aos outros elementos que influem na apreciação da gravidade da infracção, tais como o proveito que a empresa em causa possa ter retirado das suas práticas, o facto de uma empresa não ter retirado qualquer benefício da infracção não pode obstar à aplicação de coimas, sob pena de as mesmas perderem a sua natureza dissuasora. Daí resulta que a Comissão não é obrigada, para fixar o montante das coimas, a tomar em consideração a inexistência de benefícios decorrentes da infracção. Além disso, a inexistência de benefícios financeiros ligados à infracção não pode ser considerada uma circunstância atenuante.

(cf. n.° 443)

21.    A Comissão pode qualificar o carácter secreto como circunstância agravante na apreciação da gravidade da infracção 81.° CE ou 82.° CE. Não é por isso que se pode inferir que a inexistência de carácter secreto constitui uma circunstância atenuante.

(cf. n.os 446 a 447)