Language of document : ECLI:EU:C:2016:52

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 27 de janeiro de 2016 (1)

Processo C‑464/14

SECIL — Companhia Geral de Cal e Cimento, SA,

contra

Fazenda Pública

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Tributário de Lisboa (Portugal)]

«Reenvio prejudicial — Acordo euro‑mediterrânico de associação — Acordo CE‑Tunísia — Acordo CE‑Líbano — Livre circulação de capitais — Restrições»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.o TFUE e 64.o TFUE, bem como dos artigos 31.o, 34.o e 89.o do Acordo euro‑mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998 (2) (a seguir «Acordo CE‑Tunísia»), e dos artigos 31.o, 33.o e 85.o do Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006 (3) (a seguir «Acordo CE‑Líbano»).

2.        Em relação aos processos anteriores, nos quais se colocavam questões de interpretação dos acordos euro‑mediterrânicos, no presente processo colocam‑se questões relativas à livre circulação de capitais e, nessa medida, suscita‑se a aplicação simultânea das disposições do Tratado FUE e das disposições dos referidos acordos. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deverá abordar pela primeira vez a questão do eventual primado de umas em relação às outras.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Tratado FUE

3.        O artigo 63.o, n.o 1, TFUE dispõe:

«No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros.»

4.        O artigo 64.o, n.o 1, TFUE, que introduz uma cláusula de salvaguarda, dispõe:

«O disposto no artigo 63.o não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais. […]»

5.        O artigo 65.o, n.os 1 a 3, TFUE dispõe:

«1.      O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados‑Membros:

a)      Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b)      Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2.      O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3.      As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o»

2.      Acordo CE‑Tunísia

6.        O artigo 31.o do Acordo CE‑Tunísia, constante do título III, com a epígrafe «Direito de estabelecimento e livre prestação de serviços», tem a seguinte redação:

«1.      As partes acordam em alargar o âmbito de aplicação do acordo de forma a incluir o direito de estabelecimento das sociedades de uma parte no território da outra parte e a liberalização da prestação de serviços pelas sociedades de uma parte aos destinatários de serviços da outra parte.

2.      O Conselho de Associação apresentará as recomendações necessárias para a execução do objetivo previsto no n.o 1.

Ao efetuar tais recomendações, o Conselho de Associação terá em conta a experiência adquirida com a aplicação da concessão recíproca do tratamento da nação mais favorecida, bem como as obrigações respetivas das partes, nos termos do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, anexo ao Acordo que institui a [Organização Mundial do Comércio (OMC)], a seguir designado ‘GATS’, e nomeadamente as previstas no seu artigo V.

3.      A realização deste objetivo será objeto de uma primeira análise pelo Conselho de Associação o mais tardar cinco anos após a entrada em vigor do presente acordo.»

7.        O artigo 34.o desse acordo, constante do capítulo I, com a epígrafe «Pagamentos correntes e circulação de capitais», do respetivo título IV, intitulado «Pagamentos, capitais, concorrência e outras disposições em matéria económica», dispõe:

«1.      No que respeita às transações da balança de capitais, [a União] e a Tunísia assegurarão, a partir da entrada em vigor do presente acordo, a livre circulação de capitais respeitante aos investimentos diretos na Tunísia, efetuados em sociedades constituídas de acordo com a legislação em vigor, bem como a liquidação ou o repatriamento de tais investimentos e de quaisquer lucros deles resultantes.

2.      As partes consultar‑se‑ão a fim de facilitar a circulação de capitais entre [a União] e a Tunísia e de a liberalizarem integralmente quando estiverem reunidas as condições necessárias.»

8.        O artigo 89.o do referido acordo, constante do capítulo I do respetivo título VIII, com a epígrafe «Disposições institucionais, gerais e finais», dispõe:

«Nenhuma disposição do presente acordo pode ter por efeito:

–        aumentar as vantagens concedidas por uma parte no domínio fiscal em qualquer acordo ou convénio internacional que vincula essa mesma parte,

–        impedir a adoção ou a aplicação por uma parte de qualquer medida destinada a evitar a fraude ou a evasão fiscal,

–        impedir o direito de uma parte de aplicar as disposições relevantes da sua legislação fiscal aos contribuintes que não se encontram em situação idêntica no que respeita ao seu local de residência.»

3.      Acordo CE‑Líbano

9.        O artigo 31.o do Acordo CE‑Líbano, constante do capítulo 1, com a epígrafe «Pagamentos correntes e circulação de capitais», do respetivo título IV, intitulado «Pagamentos, capitais, concorrência e outras disposições em matéria económica», dispõe:

«No âmbito do presente acordo e sob reserva do disposto nos artigos 33.o e 34.o, não serão impostas restrições à circulação de capitais entre [a União], por um lado, e o Líbano, por outro, nem efetuadas discriminações baseadas na nacionalidade ou no local de residência dos respetivos nacionais ou no local de investimento dos referidos capitais.»

10.      O artigo 33.o, constante do mesmo capítulo 1 desse acordo, prevê:

«1.      Sob reserva de outras disposições do presente acordo e de outras obrigações internacionais da [União] e do Líbano, o disposto nos artigos 31.o e 32.o não prejudica a aplicação de qualquer restrição existente entre as partes à data de entrada em vigor do presente acordo, relativamente à circulação de capitais entre elas que envolva investimento direto, incluindo em bens imóveis, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários aos mercados de capitais.

2.      Contudo, a transferência para o estrangeiro de investimentos feitos no Líbano por residentes [na União] ou na [União] por residentes libaneses ou de lucros deles decorrentes não será afetada.»

11.      O artigo 85.o do referido acordo, constante do título VIII, com a epígrafe «Disposições institucionais, gerais e finais», dispõe:

«Quanto à fiscalidade direta, nada no presente acordo pode ter por efeito:

a)      Aumentar as vantagens fiscais concedidas por uma das partes em qualquer acordo ou convénio internacional que a vincule;

b)      Impedir a adoção ou a aplicação por uma parte de qualquer medida destinada a evitar a fraude ou a evasão fiscais;

c)      Impedir qualquer das partes de aplicar as disposições pertinentes da sua legislação fiscal aos contribuintes que não se encontrem em situação idêntica, nomeadamente no que respeita ao seu local de residência.»

B –    Direito internacional público

12.      Nos termos do artigo 1.o da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), com a epígrafe «Âmbito da presente Convenção», esta aplica‑se aos tratados celebrados entre Estados.

13.      O artigo 30.o dessa Convenção, com a epígrafe «Aplicação de tratados sucessivos sobre a mesma matéria», dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto no artigo 103.o da Carta das Nações Unidas, os direitos e obrigações dos Estados Partes em tratados sucessivos sobre a mesma matéria são determinados de acordo com os números seguintes.

[…]

3.      Quando todas as Partes no tratado anterior são também Partes no tratado posterior, sem que o tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do artigo 59.o, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as do tratado posterior.

4.      Quando as Partes no tratado anterior não são todas Partes no tratado posterior:

a) Nas relações entre os Estados Partes nos dois tratados é aplicável a norma enunciada no n.o 3;

b) Nas relações entre um Estado Parte em ambos os tratados e um Estado Parte apenas num deles, o tratado no qual os dois Estados são Partes rege os seus direitos e obrigações recíprocos.»

C –    Direito português

14.      Na redação em vigor em 2009, o artigo 46.o do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (a seguir «CIRC»), com a epígrafe «Eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos», dispunha:

«1.      Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direção efetiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:

a)      A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direção efetiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de [imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas] ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7.o;

b)      A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.o;

c)      A entidade beneficiária detenha diretamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a (euro) 20 000 000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período.

[…]

5.      O disposto no n.o 1 é também aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado‑Membro da União Europeia, desde que ambas as entidades preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2.o da Diretiva 90/435/CEE [do Conselho], de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO L 225, p. 6)].

6.      O disposto nos n.os 1 e 5 é igualmente aplicável aos rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos que sejam imputáveis a um estabelecimento estável, situado em território português, de uma entidade residente noutro Estado‑Membro da União Europeia que detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente num Estado‑Membro, desde que ambas as entidades preencham os requisitos e condições estabelecidos no artigo 2.o da Diretiva [90/435].

[…]

8.      A dedução a que se refere o n.o 1 é apenas de 50% dos rendimentos incluídos no lucro tributável correspondentes a:

a)      Lucros distribuídos, quando não esteja preenchido qualquer dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do mesmo número e, bem assim, relativamente aos rendimentos que o associado aufira da associação à quota, desde que se verifique, em qualquer dos casos, a condição da alínea a) do n.o 1;

b)      Lucros distribuídos por entidade residente noutro Estado‑Membro da União Europeia quando a entidade cumpre as condições estabelecidas no artigo 2.o da Diretiva [90/435] e não esteja verificado qualquer dos requisitos previstos na alínea c) do n.o 1.

[…]».

15.      No que se refere aos benefícios fiscais ao investimento, que resultam de um contrato celebrado entre o Estado português e o contribuinte, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (a seguir «EBF»), no seu artigo 41.o, n.o 5, alínea b), na sua versão em vigor em 2009, previa o seguinte:

«5.      Aos promotores dos projetos de investimento podem ser concedidos os seguintes benefícios fiscais:

[…]

b)      Eliminação da dupla tributação económica, nos termos e condições estabelecidos no artigo 46.o do [CIRC], durante o período contratual, quando o investimento seja efetuado sob a forma de constituição ou de aquisição de sociedades estrangeiras.»

16.      Na sua versão em vigor em 2009, o artigo 42.o do EBF, com a epígrafe «Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos por sociedades residentes nos países africanos de língua oficial portuguesa e na República Democrática de Timor‑Leste», dispõe:

«1.      A dedução prevista no n.o 1 do artigo 46.o do [CIRC] é aplicável aos lucros distribuídos a entidades residentes por sociedades afiliadas residentes em países africanos de língua oficial portuguesa e em Timor‑Leste, desde que verificadas as seguintes condições:

a)      A entidade beneficiária dos lucros esteja sujeita e não isenta de [imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas] e a sociedade afiliada esteja sujeita e não isenta de um imposto sobre o rendimento análogo ao [imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas];

b)      A entidade beneficiária detenha, de forma direta, uma participação que represente, pelo menos, 25% do capital da sociedade afiliada durante um período não inferior a dois anos;

c)      Os lucros distribuídos provenham de lucros da sociedade afiliada que tenham sido tributados a uma taxa não inferior a 10% e não resultem de atividades geradoras de rendimentos passivos, designadamente royalties, mais‑valias e outros rendimentos relativos a valores mobiliários, rendimentos de imóveis situados fora do país de residência da sociedade, rendimentos da atividade seguradora oriundos predominantemente de seguros relativos a bens situados fora do território de residência da sociedade ou de seguros respeitantes a pessoas que não residam nesse território e rendimentos de operações próprias da atividade bancária não dirigidas principalmente ao mercado desse território.»

17.      A Convenção entre a República Portuguesa e a República da Tunísia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa, em 24 de fevereiro de 1999 (4), dispõe, no seu artigo 10.o, com a epígrafe «Dividendos» e constante do capítulo III, com a epígrafe «Tributação dos rendimentos»:

«1.      Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.

2.      Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que recebe os dividendos for o seu beneficiário efetivo, o imposto assim estabelecido não excederá 15% do montante bruto dos dividendos.

[…]»

18.      O artigo 25.o dessa Convenção, com a epígrafe «Troca de informações» e constante do capítulo V, intitulado «Disposições especiais», dispõe:

«1.      As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar as disposições desta Convenção ou as da legislação interna dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a esta Convenção. A troca de informações não é restringida pelo disposto no artigo 1.o As informações obtidas por um Estado Contratante serão consideradas secretas, do mesmo modo que as informações obtidas com base na legislação interna desse Estado, e só poderão ser comunicadas às pessoas ou autoridades (incluindo tribunais e autoridades administrativas) encarregadas do lançamento ou cobrança dos impostos abrangidos por esta Convenção, ou dos procedimentos declarativos ou executivos relativos a estes impostos, ou da decisão de recursos referentes a estes impostos. Essas pessoas ou autoridades utilizarão as informações assim obtidas apenas para os fins referidos. Essas informações poderão ser reveladas no decurso de audiências públicas de tribunais ou de decisão judicial.

2.      O disposto no n.o 1 nunca poderá ser interpretado no sentido de impor a um Estado Contratante a obrigação:

a)      De tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação e à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante;

b)      De fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou das do outro Estado Contratante;

c)      De transmitir informações reveladoras de segredos comerciais, industriais ou profissionais, ou processos comerciais ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública».

III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19.      A SECIL — Companhia Geral de Cal e Cimento, SA (a seguir «SECIL»), é uma sociedade anónima de direito português, com sede em Outão (Portugal). Para efeitos fiscais, está sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

20.      Fundada em 1930, a SECIL é produtora de cimento. Em 2009, detinha 98,72% do capital social da Société des Ciments de Gabés SA (a seguir «Ciments de Gabés»), com sede em Tunes (Tunísia), bem como 51,05% do capital social da sociedade Ciments de Sibline SAL (a seguir «Ciments de Sibline»), com sede em Beirute (Líbano).

21.      Em 2009, a SECIL recebeu, a título de dividendos, 6 288 683,39 euros da Ciments de Gabés e 2 022 478,12 euros da Ciments de Sibline.

22.      Após cada uma das suas afiliadas ter sido tributada, uma na Tunísia, outra no Líbano, a SECIL declarou os dividendos em Portugal, onde estes não foram objeto de qualquer mecanismo de eliminação ou mitigação da dupla tributação económica.

23.      A SECIL foi assim obrigada a pagar à Fazenda Pública um montante total de 4 587 208,20 euros a título de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

24.      Em 29 de maio de 2012, a SECIL apresentou ao Diretor de Finanças de Setúbal uma reclamação graciosa na qual invocava a ilegalidade da tributação que incidiu sobre os dividendos recebidos da Ciments de Gabés e da Ciments de Sibline, na medida em que a lei portuguesa violava os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, bem como o Tratado FUE ao excluir a aplicação das regras de eliminação da dupla tributação económica.

25.      Essa reclamação graciosa foi indeferida por decisão de 10 de outubro de 2012, comunicada à SECIL por ofício de 17 de outubro de 2012.

26.      A SECIL impugnou judicialmente essa decisão no Tribunal Tributário de Lisboa (Portugal), alegando, no essencial, que a recusa das autoridades fiscais portuguesas em aplicar o regime de eliminação da dupla tributação económica em vigor em Portugal durante o exercício de 2009, previsto no artigo 46.o, n.os 1 e 8 do CIRC, bem como nos artigos 41.o, n.o 5, alínea b), e 45.o do EBF, não era conforme com o direito internacional público nem com o direito da União, uma vez que este regime apenas se aplicava aos lucros distribuídos por sociedades com residência fiscal em Portugal, num Estado‑Membro da União ou no Espaço Económico Europeu (EEE), num dos países africanos de língua oficial portuguesa ou ainda em Timor‑Leste. De acordo com a SECIL, esta diferença de tratamento em relação aos lucros provenientes da Tunísia e do Líbano viola os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, bem como os artigos 49.o TFUE e 63.o TFUE.

27.      O Tribunal Tributário de Lisboa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O art. 31.o do Acordo [CE‑Tunísia] consubstancia uma norma clara, precisa e incondicional e por isso imediatamente aplicável, dela se devendo retirar a aplicação ao caso do direito de estabelecimento?

2)      Em caso afirmativo, o direito de estabelecimento ali previsto tem a consequência pretendida pela [SECIL], de implicar, sob pena da sua violação, a aplicação do mecanismo de dedução integral previsto no n.o 1 do artigo 46.o do CIRC aos dividendos que recebeu da sua subsidiária na Tunísia?

3)      O art. 34.o do Acordo [CE‑Tunísia] consubstancia uma norma clara, precisa e incondicional e por isso imediatamente aplicável, dela se devendo retirar a aplicação ao caso da livre circulação de capitais, devendo considerar‑se o investimento efetuado pela impugnante abrangido pela mesma?

4)      Em caso afirmativo, a liberdade de circulação de capitais ali prevista tem as implicações pretendidas pela [SECIL], impondo a aplicação aos dividendos que a impugnante recebeu da sua subsidiária na Tunísia do mecanismo de dedução integral previsto no n.o 1 do art. 46.o do CIRC?

5)      O disposto no art. 89.o do Acordo [CE‑Tunísia] condiciona a resposta afirmativa às questões colocadas anteriormente?

6)      É justificável um tratamento restritivo dos dividendos distribuídos pela [Ciments de Gabés], atendendo a que com a Tunísia não existe o quadro de cooperação estabelecido na Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos [(JO 1977, L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94)]?

7)      O disposto conjugadamente nos arts. 31.o e 33.o, n.o 2, do Acordo [CE‑Líbano] consubstancia uma norma clara, precisa e incondicional e por isso imediatamente aplicável, dali se devendo retirar a aplicação ao caso da liberdade de circulação de capitais?

8)      Em caso afirmativo, a liberdade de circulação de capitais ali prevista tem as implicações pretendidas pela impugnante, impondo aplicação aos dividendos que a impugnante recebeu da sua subsidiária no Líbano do mecanismo de dedução integral previsto no n.o 1 do art. 46.o do CIRC?

9)      O disposto no artigo 85.o do Acordo [CE‑Líbano] condiciona a resposta afirmativa às questões colocadas anteriormente?

10)      É justificável um tratamento restritivo dos dividendos distribuídos pela [Ciments de Sibline], atendendo a que com o Líbano não existe o quadro de cooperação estabelecido na [Diretiva 77/799]?

11)      É aplicável ao caso o disposto no art. 56.o CE [(atual) artigo 63.o TFUE)] e em caso afirmativo, da liberdade de circulação de capitais ali consagrada resulta a imposição de aplicação aos dividendos distribuídos no exercício de 2009 pela [Ciments de Gabés] e pela [Ciments de Sibline] à [SECIL] do mecanismo de dedução integral previsto no n.o 1 do art. 46.o do CIRC, ou, em alternativa, do mecanismo de dedução parcial constante no n.o 8 daquela disposição?

12)      Ainda que se considere que a liberdade de circulação de capitais é aplicável ao caso, a não aplicação aos dividendos em questão dos mecanismos de eliminação/mitigação da dupla tributação económica consagrados à data na lei portuguesa é justificado pelo facto de não existir com a Tunísia e com o Líbano o quadro de cooperação estabelecido na [Diretiva 77/799]?

13)      O disposto na cláusula de salvaguarda constante no art. 57.o, n.o 1, [CE] [(atual artigo 64.o TFUE)] obsta à aplicação da liberdade de circulação de capitais, com as consequências pretendidas pela impugnante?

14)      A cláusula de salvaguarda constante no art. 57.o, n.o 1, [CE] [(artigo 64.o TFUE)] não deve ser aplicada por entretanto ter sido introduzido o regime dos benefícios fiscais ao investimento de natureza contratual constante no art. 41.o, n.o 5, alínea b) do EBF e o regime previsto no art. 42.o do EBF para dividendos com origem nos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] e em Timor‑Leste?»

IV – Processo no Tribunal de Justiça

28.      O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado no Tribunal de Justiça em 8 de outubro de 2014. A SECIL, os Governos português, grego e sueco, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas.

29.      Em aplicação do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, as partes foram convidadas a responder às questões do Tribunal de Justiça sobre a relação entre o Tratado FUE e os acordos euro‑mediterrânicos, o que fizeram.

30.      Em 18 de novembro de 2015 foi realizada uma audiência na qual a SECIL, o Governo português e a Comissão apresentaram observações orais.

V –    Análise

A –    Observações preliminares

31.      O presente pedido de decisão prejudicial apresenta uma particularidade bastante rara na jurisprudência do Tribunal de Justiça na medida em que coloca a problemática da aplicabilidade concorrente das disposições do Tratado FUE e dos acordos euro‑mediterrânicos, concretamente, dos artigos 49.o TFUE, 63.o TFUE e 64.o TFUE e dos artigos 31.o, 34.o e 89.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o, 33.o e 85.o do Acordo CE‑Líbano.

32.      A este respeito há que recordar que, de acordo com jurisprudência constante, um acordo celebrado pela União e um ou vários Estados terceiros constitui, no que diz respeito à União, um ato adotado por uma das suas instituições, na aceção do artigo 267.o, primeiro parágrafo, alínea b), TFUE, que as disposições de tal acordo são, a partir da sua entrada em vigor, parte integrante desta ordem jurídica e que, no âmbito da referida ordem jurídica, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação de tal acordo (5).

33.      Com este fundamento, o Tribunal de Justiça já teve muitas vezes oportunidade de responder a questões prejudiciais relativas à interpretação de disposições dos acordos euro‑mediterrânicos, designadamente dos Acordos CEE‑Argélia (6), CE‑Marrocos (7), CE‑Israel e CE‑OLP (8), CE‑Líbano (9), CE‑Egito (10) e CE‑Tunísia (11).

34.      Contudo, nenhum desses processos suscitava a questão da aplicabilidade concorrente das disposições do Tratado FUE e dos acordos euro‑mediterrânicos.

35.      O mesmo pode dizer‑se dos processos que suscitaram questões de interpretação dos acordos de associação CEE‑Grécia (12), CEE‑Turquia (13) e CE‑Hungria (14), bem como do acordo de parceria e de cooperação CE‑Rússia (15).

36.      Em contrapartida, a questão da aplicabilidade concorrente das disposições do Tratado FUE sobre a livre circulação de capitais e das disposições do Acordo EEE relativas à mesma liberdade foi objeto de vários pedidos de decisão prejudicial (16) e de ações por incumprimento (17).

37.      Essa jurisprudência não terá contudo grande utilidade no presente processo, uma vez que o Tribunal de Justiça já decidiu por diversas vezes que «as normas que proíbem as restrições aos movimentos de capitais e a discriminação que preveem são, quanto às relações entre os Estados partes no Acordo EEE, quer sejam membros da União ou membros da EFTA, idênticas às que o direito da União impõe nas relações entre os Estados‑Membros» (18).

38.      Tendo em conta que o nível de proteção jurídica atribuído nesta matéria pelo Tratado FUE e pelo Acordo EEE é o mesmo, pouco importa que as disposições aplicáveis sejam as do Tratado FUE ou as do Acordo EEE. Por isso, a questão da existência ou não de uma hierarquia ou de uma prevalência entre estas disposições não se colocava nesses processos, nos quais se aplicavam simultaneamente o Tratado FUE e o Acordo EEE.

39.      Tal não se verifica no caso em apreço, no qual as disposições aplicáveis dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano não são iguais às do Tratado FUE. Por um lado, ainda que se considere que as disposições desses acordos relativas à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais têm efeito direto, o seu âmbito é limitado pelos artigos 89.o do Acordo CE‑Tunísia e 85.o do Acordo CE‑Líbano, que limitam o âmbito dos referidos acordos no domínio da fiscalidade direta. Por outro lado, contrariamente ao Tratado FUE, o Acordo CE‑Tunísia não contém nenhuma cláusula de salvaguarda que limite o âmbito da livre circulação de capitais, enquanto a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 33.o do Acordo CE‑Líbano exclui do seu âmbito a transferência para o estrangeiro dos lucros que resultem de investimentos feitos no Líbano por pessoas singulares ou coletivas estabelecidas na União.

40.      Por conseguinte, pode colocar‑se a questão de saber se a aplicação das disposições dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano exclui a aplicação das disposições do Tratado FUE ou vice‑versa.

41.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «[os acordos celebrados pela União] primam sobre os atos de direito derivado [da União]» (19), acrescentando o Tribunal de Justiça que «essa prevalência no plano do direito [da União] não [é] extensiva ao direito primário» (20).

42.      Contudo, o direito internacional público não prevê qualquer hierarquia entre os vários tratados celebrados por Estados. Com efeito, como escreveu o professor Charles Rousseau, «[c]oncebida para a ordem estadual, assente na hierarquia dos órgãos e das normas, [a doutrina kelseniana de acordo com a qual a falta de conformidade de uma norma de grau inferior com uma norma de grau superior origina quer a sua nulidade ou a sua anulabilidade quer a aplicação de uma sanção ao órgão responsável] é incapaz de resolver conflitos de normas internacionais, uma vez que a maioria das normas do ius gentium são normas convencionais, que emanam de órgãos diferentes e não hierarquizados» (21), com exceção do artigo 103.o da Carta das Nações Unidas (22) e das normas do ius cogens (23), que prevalecem sobre qualquer outra norma de direito internacional com um sentido contrário (24).

43.      Ora, como a ordem jurídica da União se insere na linha da doutrina kelseniana e estabelece uma hierarquia de normas na qual o Tratado FUE prevalece sobre o direito internacional público, só é possível recorrer a essa hierarquia de normas em caso de antinomia entre as disposições dos vários tratados aplicáveis, a menos que apenas se trate de um conflito aparente que possa resolver‑se por interpretação (25).

44.      Na minha opinião, existem vários elementos que não permitem concluir pela existência dessa antinomia entre as disposições do Tratado FUE e os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano. Pelo contrário, à semelhança das disposições do Tratado FUE sobre as grandes liberdades de circulação, e como referem os artigos 1.o, n.o 2, segundo travessão, do Acordo CE‑Tunísia e 1.o, n.o 2, alínea b), do Acordo CE‑Líbano, os referidos acordos têm como objetivo «estabelecer as condições de liberalização progressiva do comércio de bens, de serviços e de capitais».

45.      Como o Tribunal de Justiça afirmou por diversas vezes, os acordos euro‑mediterrânicos têm «por objetivo promover uma cooperação global entre as partes contratantes, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento económico e social [do Estado terceiro em causa] e favorecer o reforço das suas relações» (26).

46.      Consequentemente, ao introduzir disposições que preveem a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais, os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano inserem‑se na linha dos princípios que inspiram o Tratado FUE, sem prosseguir finalidades contraditórias com as do referido Tratado.

47.      A referida antinomia também não pode resultar da existência dos artigos 89.o do Acordo CE‑Tunísia e 85.o do Acordo CE‑Líbano.

48.      Com efeito, essas disposições têm simplesmente como objetivo não estender aos nacionais das outras partes as vantagens concedidas pelas convenções preventivas da dupla tributação celebradas por uma das partes no acordo euro‑mediterrânico, que a adoção ou a aplicação de qualquer medida destinada a evitar a fraude e a evasão fiscais não seja impedida e que qualquer das partes não seja impedida de aplicar as disposições pertinentes da sua legislação fiscal que confiram um tratamento diferenciado aos contribuintes em função do seu local de residência.

49.      O artigo 65.o, n.o 1, TFUE retoma os mesmos objetivos e, ainda que não sejam referidas as convenções preventivas da dupla tributação, nada no Tratado FUE permite que um nacional tunisino ou libanês obtenha uma vantagem concedida por uma convenção preventiva da dupla tributação celebrada entre a República Portuguesa e outro Estado (27).

50.      De igual modo, o facto de o Acordo CE‑Tunísia não conter nenhuma cláusula de salvaguarda que limite o âmbito da livre circulação de capitais e o facto de a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 33.o do Acordo CE‑Líbano excluir do seu âmbito a transferência para o estrangeiro dos lucros que resultem de investimentos feitos no Líbano por pessoas residentes na União não está em contradição com o artigo 64.o TFUE.

51.      Com efeito, a cláusula de salvaguarda, prevista nesse artigo, a favor de restrições à livre circulação de capitais que já estavam em vigor em 31 de dezembro de 1993, não impõe nenhuma obrigação de as manter e proíbe que o seu âmbito seja alargado.

52.      Como afirma o Governo sueco na sua resposta escrita às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, não é, por isso, necessário recorrer à hierarquia das normas. Por conseguinte, há que analisar se as disposições desses acordos são aplicáveis por força do princípio lex posterior derogat legi priori.

53.      Trata‑se não apenas de um princípio geral de direito cuja existência no direito da União foi reconhecida por vários advogados‑gerais do Tribunal de Justiça (28) mas igualmente de um princípio de direito internacional, constante do artigo 30.o, n.os 1, 3 e 4, da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados, celebrada em Viena, em 23 de maio de 1969 (29).

54.      Na minha opinião, no presente processo, a norma constante do artigo 30.o, n.o 3, da Convenção de Viena é aplicável (30), o que implica que se determine qual dos dois tratados é anterior ao outro.

55.      Os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano devem, quanto às disposições que nos interessam, ser considerados posteriores ao Tratado FUE, ainda que tenham sido celebrados antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Com efeito, no que diz respeito à livre circulação de capitais, o Tratado FUE apenas retomou o tratado anterior. Mais concretamente, a proibição de «todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros» (31), tal como a conhecemos hoje, data de 1992 (32), data anterior à celebração dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano.

56.      Resulta das considerações que antecedem que, por força do artigo 30.o, n.o 3, da Convenção de Viena, uma vez que todas as partes no tratado anterior, ou seja, no Tratado FUE, são também partes no tratado posterior, ou seja, nos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, as disposições do Tratado FUE apenas são aplicáveis na medida em que não tenham sido substituídas pelas disposições dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano.

57.      Esta interpretação é coerente com a posição adotada pelo advogado‑geral N. Jääskinen no n.o 28 das conclusões que apresentou no processo Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:235), de acordo com a qual, num processo que, como o que está em causa, diga respeito à livre circulação de capitais, «os princípios lex posterior derogat legi priori e lex specialis derogat legi generali excluem qualquer aplicação do artigo [64.o], n.o 1, [TFUE] às relações entre os Estados‑Membros e o Principado do Liechtenstein». Assim, a aplicação do artigo 40.o do Acordo EEE, que, tal como o Acordo CE‑Tunísia, não incluía uma cláusula de salvaguarda, excluía a aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no Tratado FUE (33).

B –    Quanto à primeira a terceira e sétima questões prejudiciais

58.      Através da primeira a terceira e sétima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os artigos 31.o do Acordo CE‑Tunísia e 30.o do Acordo CE‑Líbano (34) (que se referem ao direito de estabelecimento e à livre prestação de serviços), por um lado, e os artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano (que se referem à livre circulação de capitais), por outro, têm efeito direto.

1.      Quanto à liberdade em causa no processo principal

59.      As referidas questões devem ser antecedidas pela questão de saber se o presente processo diz respeito ao direito de estabelecimento ou à livre circulação de capitais.

60.      Ainda que até hoje esta questão prévia não tenha sido colocada a propósito dos acordos euro‑mediterrânicos, existe jurisprudência assente do Tribunal de Justiça sobre os artigos 49.o TFUE (liberdade de estabelecimento) e 63.o TFUE (livre circulação de capitais) que pode ser transposta para o caso em apreço.

61.      De acordo com essa jurisprudência, «o tratamento fiscal de dividendos é suscetível de estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 49.o TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento, e do artigo 63.o TFUE, relativo à livre circulação de capitais» (35).

62.      Segundo o Governo português, o presente processo diz exclusivamente respeito ao direito de estabelecimento previsto nos artigos 31.o do Acordo CE‑Tunísia e 30.o do Acordo CE‑Líbano porque a SECIL exerce uma influência decisiva sobre as suas afiliadas Ciments de Gabés e Ciments de Sibline.

63.      Contudo, como salienta a Comissão, a legislação portuguesa em causa no processo principal não distingue os dividendos recebidos por uma sociedade residente com base numa participação que lhe confere uma influência certa sobre as decisões da sociedade que procede à distribuição desses dividendos, e que lhe permite condicionar as atividades desta, dos dividendos recebidos com base numa participação que não lhe confere tal influência.

64.      Ora, «uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos de um país terceiro, que não se aplique exclusivamente às situações em que a sociedade‑mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que procede à distribuição dos dividendos, deve ser apreciada à luz do artigo 63.o TFUE. Por conseguinte, uma sociedade residente num Estado‑Membro pode invocar esta disposição para questionar a legalidade de uma legislação deste tipo, independentemente da dimensão da participação que detém na sociedade que procede à distribuição de dividendos estabelecida num país terceiro (v., neste sentido, acórdão A, C‑101/05, EU:C:2007:804, n.os 11 e 27)» (36).

65.      Consequentemente, no que diz respeito ao Tratado FUE, o presente processo está abrangido pela livre circulação de capitais.

66.      Considero que esta jurisprudência é transponível para os acordos euro‑mediterrânicos que, como o Tratado FUE, incluem disposições sobre o direito de estabelecimento e a livre circulação de capitais.

67.      À semelhança da Comissão, considero que o presente processo não está abrangido pelo direito de estabelecimento previsto nos artigos 31.o do Acordo CE‑Tunísia e 30.o do Acordo CE‑Líbano, mas sim pela livre circulação de capitais prevista, respetivamente, nos artigos 34.o e 31.o desses acordos. Assim, não há que responder à primeira e segunda questões nem à sétima questão, porquanto estas dizem respeito à liberdade de estabelecimento.

2.      Quanto ao âmbito de aplicação dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano

68.      Há que verificar se o litígio em causa no processo principal, que diz respeito ao tratamento fiscal de dividendos pagos pelas sociedades Ciments de Gabés e Ciments de Sibline à sua acionista SECIL, está abrangido pelo âmbito de aplicação dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano.

69.      A este respeito, observo que, embora o artigo 31.o do Acordo CE‑Líbano proíba, de forma geral, «restriç[ões] à circulação de capitais», o artigo 34.o do Acordo CE‑Tunísia limita essa liberdade «aos investimentos diretos na Tunísia, efetuados em sociedades constituídas de acordo com a legislação em vigor, bem como a liquidação ou o repatriamento de tais investimentos e de quaisquer lucros deles resultantes».

70.      Interpretando o conceito de «investimento direto» constante do artigo 64.o, n.o 1, TFUE, o Tribunal de Justiça decidiu que «[esse] conceito […] respeita a investimentos de qualquer natureza efetuados por pessoas singulares ou coletivas que servem para criar ou manter relações duradouras e diretas entre o investidor e a empresa a que se destinam esses fundos com vista ao exercício de uma atividade económica» (37).

71.      Tendo em conta que «o objetivo de criar ou manter laços económicos duradouros pressupõe que as ações detidas pelo acionista lhe dão, seja nos termos das disposições da legislação nacional relativas às sociedades por ações, seja por outra razão, a possibilidade de participar efetivamente na gestão dessa sociedade ou no seu controlo» (38), parece‑me incontestável que o investimento da SECIL no capital social da Ciments de Gabés desde 2000, que, em 2009, ascendia a 98,72% do seu capital social, preenche largamente esses critérios.

72.      De igual forma, no direito internacional, encontramos uma definição semelhante do conceito de «investimento» utilizada pela Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados: «[a] doutrina considera geralmente que investimento pressupõe um contributo económico do investidor em dinheiro ou outros bens, uma determinada duração da execução do contrato e uma participação nos riscos da operação […]. A leitura do preâmbulo da [Convenção para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados] permite acrescentar a estes o critério da contribuição para o desenvolvimento económico do Estado de acolhimento do investimento» (39).

73.      Por conseguinte, o presente processo está abrangido pelo âmbito de aplicação dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano.

3.      Quanto ao efeito direto dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano

74.      Há que salientar que, como afirmou o Tribunal de Justiça no n.o 25 do acórdão Gattoussi (C‑97/05, EU:C:2006:780), em relação ao artigo 64.o, n.o 1, do Acordo CE‑Tunísia, «[s]egundo jurisprudência assente, uma disposição de um acordo celebrado pelas Comunidades com Estados terceiros deve ser considerada diretamente aplicável sempre que, atendendo à sua redação e ao objeto e natureza do acordo, contenha uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de qualquer ato posterior» (40).

75.      Em primeiro lugar, quanto ao artigo 34.o, n.o 1, do Acordo CE‑Tunísia, a sua redação prevê que «[a União] e a Tunísia assegurarão […] a livre circulação de capitais respeitante aos investimentos diretos na Tunísia, efetuados em sociedades constituídas de acordo com a legislação em vigor, bem como a liquidação ou o repatriamento de tais investimentos e de quaisquer lucros deles resultantes» (41).

76.      O artigo 31.o do Acordo CE‑Líbano dispõe que «não serão impostas restrições à circulação de capitais entre [a União], por um lado, e o Líbano, por outro, nem efetuadas discriminações baseadas na nacionalidade ou no local de residência dos respetivos nacionais ou no local de investimento dos referidos capitais» (42).

77.      Considero que, como salientam a SECIL e a Comissão, se trata de disposições claras, precisas e incondicionais, na medida em que estabelecem uma obrigação muito concreta quanto ao resultado a atingir, sem necessidade de intervenção de qualquer ato posterior que as torne executórias.

78.      Como demonstra o Governo português nas suas observações escritas, a clareza, a precisão e o caráter incondicional destas disposições é ainda mais patente se as compararmos com as disposições dos acordos em causa sobre o direito de estabelecimento, cujo caráter programático é incontestável.

79.      Com efeito, os artigos 31.o do Acordo CE‑Tunísia e 30.o do Acordo CE‑Líbano contêm apenas um acordo em chegar a acordo («an agreement to agree») quanto à extensão da proteção a conferir aos nacionais da União, da República do Líbano e da República da Tunísia. Nesse sentido, essas disposições limitam‑se a fixar o objetivo que as partes se comprometem a prosseguir e determinam o processo que permite concretizar esse objetivo.

80.      Esta conclusão não é posta em causa pelo artigo 34.o, n.o 2, do Acordo CE‑Tunísia, que dispõe que «[a]s partes consultar‑se‑ão a fim de facilitar a circulação de capitais entre [a União] e a Tunísia e de a liberalizarem integralmente quando estiverem reunidas as condições necessárias» (43).

81.      Com efeito, como sustenta a Comissão, esta disposição visa apenas movimentos de capitais que não sejam investimentos diretos regulados pelo n.o 1 desse artigo, como, por exemplo, a prestação de serviços financeiros e a admissão de valores mobiliários aos mercados de capitais. Tendo em conta que o presente processo diz respeito a um investimento direto abrangido pelo n.o 1 do referido artigo, o seu n.o 2 não têm influência sobre o efeito direto do n.o 1 desse mesmo artigo.

82.      Em segundo lugar, quanto ao objeto e à natureza dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, que transpõem para o seu artigo 1.o, n.o 1, o que o Tribunal de Justiça afirmou no n.o 27 do acórdão Gattoussi (C‑97/05, EU:C:2006:780), considero que a criação, por essas disposições, de uma associação entre a União e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Tunísia e a República do Líbano, por outro, é uma razão suplementar para aceitar que o seu objeto e a sua natureza são compatíveis com o efeito direto dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano.

83.      Por estes motivos, à semelhança da SECIL, do Governo sueco e da Comissão, considero que os artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano têm um efeito direto que pode ser invocado pela SECIL perante o órgão jurisdicional de reenvio.

C –    Quanto à quinta e nona questões prejudiciais

84.      Através da quinta e nona questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende delimitar o alcance dos artigos 89.o do Acordo CE‑Tunísia e 85.o do Acordo CE‑Líbano para saber se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que não permite a dedução integral ou parcial, conforme o caso, de dividendos recebidos de sociedades cuja sede ou direção efetiva se situe fora da União ou do EEE, está abrangida pelo âmbito de aplicação dessas normas.

85.      Os artigos 89.o, primeiro travessão, do Acordo CE‑Tunísia e 85.o, alínea a), do Acordo CE‑Líbano dispõem que esses acordos não têm como efeito aumentar as vantagens concedidas por um Estado‑Membro no domínio fiscal numa convenção destinada a evitar a dupla tributação.

86.      Ao invés do Governo português, que, a propósito do artigo 89.o, primeiro travessão, do Acordo CE‑Tunísia, responde à questão a partir da convenção preventiva da dupla tributação que assinou com a República da Tunísia, considero, tal como a Comissão, que o objeto dessa disposição é evitar que uma norma prevista numa convenção preventiva da dupla tributação celebrada pela República Portuguesa com outro Estado diferente da República da Tunísia seja extensível a um residente tunisino cujo Estado de residência não seja parte nesta última convenção.

87.      Ora, a SECIL não visa obter uma vantagem concedida por uma convenção em matéria de dupla tributação que a República Portuguesa tenha celebrado com outro Estado diferente da República da Tunísia.

88.      O mesmo se aplica ao artigo 85.o, alínea a), do Acordo CE‑Líbano.

89.      Os artigos 89.o, segundo travessão, do Acordo CE‑Tunísia e 85.o, alínea b), do Acordo CE‑Líbano permitem às partes nesses acordos adotar ou aplicar qualquer medida destinada a evitar a fraude e a evasão fiscais.

90.      Contudo, como não existe nenhuma alegação de fraude e de evasão fiscais no presente processo, as referidas disposições não se aplicam.

91.      Por último, os artigos 89.o, terceiro travessão, do Acordo CE‑Tunísia e 85.o, alínea c), do Acordo CE‑Líbano permitem às autoridades fiscais portuguesas aplicar as disposições pertinentes da sua legislação fiscal aos contribuintes que não se encontrem em situação idêntica no que respeita ao seu local de residência.

92.      Segundo o Governo português, essas disposições permitem‑lhe estabelecer uma distinção entre os contribuintes em função do seu local de residência e do local de investimento do capital.

93.      Não comungo desta interpretação das referidas disposições, que lhes acrescenta um critério que poderia justificar uma diferença de tratamento, concretamente, o local de investimento do capital.

94.      Além disso, a SECIL é uma sociedade residente em Portugal e as disposições em causa não permitem que, nessa qualidade, seja vítima de discriminação com base no local da residência das suas afiliadas.

95.      A este respeito, recordo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça de acordo com a qual «a situação de uma sociedade acionista que recebe dividendos de origem estrangeira é comparável à de uma sociedade acionista que recebe dividendos de origem nacional, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de uma tributação em cadeia» (44).

96.      Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça responda à quinta e nona questões que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que não permite a dedução integral ou parcial, conforme o caso, de dividendos recebidos de sociedades cuja sede ou direção efetiva se situe fora da União ou do EEE, não pode basear‑se no artigo 89.o do Acordo CE‑Tunísia nem no artigo 85.o do Acordo CE‑Líbano.

D –    Quanto à quarta, sexta, oitava e décima questões prejudiciais

97.      Através da quarta, sexta, oitava e décima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que reserva o direito à eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos casos em que a sociedade que procede à distribuição tenha a sua sede ou direção efetiva no território português ou a sua residência num outro Estado‑Membro da União ou do EEE e, em caso de resposta afirmativa, quais as consequências daí decorrentes.

1.      Quanto à existência na legislação portuguesa em questão de uma restrição à livre circulação de capitais, como garantida pelos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano

98.      Como recordei recentemente no n.o 27 das conclusões que apresentei no processo Timac Agro Deutschland (C‑388/14, EU:C:2015:533), no domínio da fiscalidade direta e das liberdades fundamentais, o Tribunal de Justiça procura verificar a existência de uma discriminação sob a aparência de uma restrição, ou seja, de um obstáculo às liberdades fundamentais que resulte de uma diferença de tratamento entre contribuintes que se encontram em situações objetivamente comparáveis ou de um tratamento idêntico de contribuintes que se encontram em situações diferentes.

99.      Tal permite aos Estados‑Membros justificar a medida em causa com base numa ou várias razões imperiosas de interesse geral definidas na jurisprudência, com base nas quais normalmente não é possível justificar uma discriminação, uma vez que esta última só pode ser justificada com base numa das razões expressamente referidas no Tratado FUE, ou seja, a ordem pública, a segurança pública e a saúde pública, que, em matéria de fiscalidade, têm pouca utilidade.

100. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas nacionais «que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados» (45) constituem um obstáculo à livre circulação de capitais.

101. Como afirmou o Tribunal de Justiça no n.o 46 do acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (C‑374/04, EU:C:2006:773), «[p]ara determinar se uma diferença de tratamento fiscal é discriminatória, há […] que procurar saber se, tendo em conta a medida nacional em questão, as sociedades em causa se encontram numa situação objetivamente comparável. Com efeito, resulta de jurisprudência assente que a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes».

102. Quanto à prevenção da dupla tributação económica, o Tribunal de Justiça afirmou, por diversas vezes, que o artigo 63.o TFUE impõe «a um Estado‑Membro que aplica um sistema de prevenção da dupla tributação económica, no caso dos dividendos pagos a residentes por sociedades residentes, que conceda um tratamento equivalente aos dividendos pagos a residentes por sociedades não residentes» (46).

103. No caso em apreço, como explica o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 46.o do CIRC reserva o direito à eliminação da dupla tributação económica dos dividendos pagos às sociedades portuguesas que preencham determinados requisitos mínimos relativos à percentagem do capital social detido na sociedade que procede à distribuição, ao valor e à duração dessa detenção (47). Esta eliminação assume a forma de uma dedução integral dos dividendos em questão ao lucro tributável das sociedades portuguesas. Esta disposição prevê uma dedução parcial de 50% quando um desses requisitos mínimos não estiver preenchido.

104. Contudo, só existe esse direito à dedução integral ou parcial se a sociedade que procede à distribuição tiver a sua sede ou direção efetiva no território português ou a sua residência noutro Estado‑Membro da União ou do EEE.

105. Em contrapartida, as sociedades que recebam dividendos de uma sociedade que, como a Ciments de Gabés e a Ciments de Sibline, tenha a sua sede ou direção efetiva num Estado terceiro, como a Tunísia e o Líbano, estão sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas a uma taxa de 23%, a menos que seja aplicável uma taxa reduzida nos termos de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação.

106. Resulta do pedido de decisão prejudicial que a República Portuguesa não celebrou semelhante convenção com a República do Líbano e que o artigo 10.o, n.o 2, da convenção celebrada com a República da Tunísia prevê uma taxa máxima de 15%.

107. Resulta das considerações que antecedem que a taxa efetiva de tributação dos dividendos é fixa (taxa máxima de 15% para os dividendos de origem tunisina e de 23% para os dividendos de origem libanesa) enquanto, para os dividendos de origem portuguesa, da UE ou do EEE, a taxa é de 0% (dedução integral) ou de 11,5% (dedução parcial de 50%).

108. Por conseguinte, existe uma diferença de tratamento entre os contribuintes portugueses em função da origem dos dividendos que recebem.

109. Além disso, não há qualquer dúvida de que a SECIL se encontra numa situação objetivamente comparável à de um contribuinte português que receba dividendos de origem portuguesa ou de um Estado‑Membro da União ou do EEE (48).

110. Consequentemente, uma diferença de tratamento como a que resulta da legislação portuguesa em questão no processo principal constitui uma restrição proibida pelos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano.

2.      Quanto à aplicabilidade da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 33.o do Acordo CE‑Líbano

111. Como observa o Governo sueco, contrariamente ao Acordo CE‑Tunísia, o Acordo CE‑Líbano contém, no seu artigo 33.o, uma cláusula de salvaguarda análoga à prevista no artigo 64.o, n.o 1, TFUE.

112. Com efeito, o artigo 31.o do Acordo CE‑Líbano apenas assegura a livre circulação de capitais «sob reserva [do artigo] 33.o […]», que dispõe, no seu n.o 1, que «[o artigo] 31.o […] não prejudica a aplicação de qualquer restrição existente entre as partes à data de entrada em vigor do presente acordo, relativamente à circulação de capitais entre elas que envolva investimento direto, incluindo em bens imóveis, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários aos mercados de capitais».

113. O n.o 2 do referido artigo acrescenta que, «[c]ontudo, a transferência para o estrangeiro de investimentos feitos no Líbano por residentes [na União] ou na [União] por residentes libaneses ou de lucros deles decorrentes não será afetada».

114. Na medida em que o presente processo diz respeito ao tratamento de dividendos pagos pela Ciments de Sibline ao seu acionista português, dividendos esses que resultam de lucros provenientes de investimentos feitos no Líbano por um residente na União, na aceção do artigo 33.o, n.o 2, do Acordo CE‑Líbano, considero que a cláusula de salvaguarda não é aplicável no caso em apreço.

115. Por último, há que averiguar se a restrição em questão pode ser justificada.

3.      Quanto à justificação da restrição

116. Através da sexta e décima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a restrição à livre circulação de capitais, garantida pelos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, pode ser justificada atendendo a que não existe um quadro de cooperação equivalente ao estabelecido na Diretiva 77/799 (49).

117. Curiosamente, com exceção dos artigos 28.o do Acordo CE‑Tunísia e 27.o do Acordo CE‑Líbano, que preveem a possibilidade de justificar uma restrição à livre circulação de mercadorias em termos quase idênticos aos do artigo 36.o TFUE, estes acordos não preveem nenhuma justificação equivalente à dos artigos 45.o, n.o 3, 52.o, n.o 1, 62.o e 65.o, n.os 1, alínea b), e 2, TFUE, ou seja, a ordem pública, a segurança pública e a saúde pública.

118. Contudo, também aqui a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as relações entre a fiscalidade direta nacional e as disposições do Tratado FUE sobre as grandes liberdades de circulação (e, mais precisamente, a liberdade de estabelecimento, a livre prestação de serviços e a livre circulação de capitais) (50) é aplicável à problemática suscitada no presente processo.

119. Já salientei que as acima referidas restrições às liberdades de circulação através de medidas nacionais de fiscalidade direta dificilmente podem ser justificadas por razões relacionadas com a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública. Prova disso é o facto de nenhum dos cerca de 250 acórdãos do Tribunal de Justiça relativos à compatibilidade de medidas fiscais nacionais com o Tratado FUE se ter alguma vez baseado na existência ou na falta dessas justificações.

120. Todas as outras justificações (ou razões imperiosas de interesse geral) que estiveram no centro desses processos foram progressivamente inseridas no direito da União (primeiro em teoria e depois em casos concretos) apenas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, no que diz respeito quer à coerência fiscal quer à necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais e de lutar contra a fraude e a evasão fiscais, ou ainda de assegurar a repartição equilibrada do poder tributário.

121. A este respeito, a referência feita pelo órgão jurisdicional de reenvio à Diretiva 77/799 (que este qualifica de «quadro de cooperação») remete diretamente para as justificações das restrições às liberdades de circulação pela necessidade de assegurar a eficácia dos controlos fiscais e de lutar contra a fraude e a evasão fiscais, a respeito das quais o Tratado FUE também é omisso. A jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a interpretação do Tratado FUE é tanto mais transponível neste caso quanto está em causa a livre circulação de capitais que o Tratado FUE torna aplicável nas relações com países terceiros.

122. Foi precisamente a propósito das relações com países terceiros que o Tribunal aceitou justificações para restrições aos movimentos de capitais ao passo que as recusou para restrições aos movimentos entre os Estados‑Membros. Com efeito, em vários acórdãos, o Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva 77/799 permitia aos Estados‑Membros assegurar a cobrança eficaz de impostos sem ter de recorrer a restrições aos movimentos de capitais. A inaplicabilidade da diretiva aos países terceiros mudava evidentemente o cenário, a menos que, como afirmou o Tribunal de Justiça, existisse uma convenção preventiva da dupla tributação que incluísse disposições de cooperação administrativa entre o Estado terceiro e o Estado‑Membro da medida fiscal controvertida (51).

123. Como salientam os Governos português e sueco, basearmo‑nos no silêncio dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano para excluir qualquer justificação para uma restrição à livre circulação de capitais teria como consequência instituir, para os movimentos de capitais com destino à Tunísia ou ao Líbano, ou provenientes desses países, um regime mais liberalizado do que o que existe para os movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e entre os Estados‑Membros e os países terceiros, em relação aos quais razões imperiosas de interesse geral podem justificar determinadas restrições decididas pelos Estados‑Membros.

124. Como o Tribunal Internacional de Justiça decidiu no acórdão de 25 de setembro de 1997, no processo Projet Gabčikovo‑Nagymaros (Hungria/Eslováquia), relativamente à obrigação de as partes executarem os tratados «de boa‑fé», de acordo com a exigência do artigo 26.o da Convenção de Viena (52), «este último elemento implica que, neste caso, é a finalidade do tratado e a intenção com que as partes o celebraram que devem prevalecer sobre a sua aplicação literal. O princípio da boa‑fé obriga as partes a aplicá‑lo de forma razoável e de forma a que a sua finalidade possa ser atingida» (53).

125. Tendo em conta que me parece altamente improvável que os redatores dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano tenham pretendido conceder liberdade total aos movimentos de capitais entre a União e esses dois países, enquanto podiam ser impostas determinadas restrições aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros ou entre os Estados‑Membros e os países terceiros, considero que uma restrição à livre circulação de capitais não violaria os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano se fosse justificada por uma das razões imperiosas de interesse geral (54), mais precisamente aquelas a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere.

126. Nesta perspetiva, o Governo português, apoiado pelo Governo sueco, invoca a eficácia dos controlos fiscais e a luta contra a fraude e a evasão fiscais para justificar uma restrição como a que está em causa no processo principal, uma vez que não existe, nem com a República da Tunísia nem com a República do Líbano, qualquer instrumento de cooperação administrativa análogo à Diretiva 77/799.

127. O Governo português precisa que não existe nenhuma convenção preventiva da dupla tributação entre a República Portuguesa e a República do Líbano e que o mecanismo de troca de informações, previsto no artigo 25.o da Convenção entre a República Portuguesa e a República da Tunísia, não vincula os Estados, contrariamente ao que acontece no âmbito da referida diretiva.

128. Tendo em conta que os artigos 89.o, segundo travessão, do Acordo CE‑Tunísia e 85.o, alínea b), do Acordo CE‑Líbano permitem a cada uma das partes adotar e aplicar qualquer medida destinada a evitar a fraude e a evasão fiscais, considero, pelas razões apresentadas no n.o 90 das presentes conclusões, que qualquer justificação assente neste fundamento deve ser liminarmente rejeitada no presente processo.

129. Acrescento que a jurisprudência do Tribunal de Justiça apenas admite essa justificação para disposições que tenham como objetivo específico excluir de um benefício fiscal os expedientes puramente artificiais cuja finalidade seja contornar a lei fiscal, o que não era, de modo algum, o caso no presente processo (55). Por outro lado, a justificação em questão nunca foi admitida em casos de presunção geral de fraude fiscal.

130. Quanto à justificação relativa à eficácia dos controlos fiscais no contexto de movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os Estados terceiros, o Tribunal de Justiça já decidiu que essa justificação «só se pode admitir quando a legislação de um Estado‑Membro faz depender um benefício fiscal da satisfação de condições cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um Estado terceiro e quando, por não existir uma obrigação convencional de esse Estado terceiro fornecer informações, for impossível obter essas informações junto desse Estado» (56).

131. Como afirma o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 46.o do CIRC reserva o direito à eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos às sociedades portuguesas que preencham determinados requisitos mínimos relativos à percentagem do capital social detido na sociedade que procede à distribuição, ao valor e à duração dessa detenção (57).

132. No caso em apreço, nem o Governo português nem o órgão jurisdicional de reenvio alegam que a concessão do benefício em causa depende «da satisfação de condições cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um Estado terceiro» (58).

133. Se o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão contrária a este respeito, o Governo português pode invocar a eficácia dos controlos fiscais mas apenas em relação aos dividendos recebidos da Ciments de Sibline, uma vez que não existe «uma obrigação convencional de [o Líbano] fornecer informações» (59).

134. A situação é diferente em relação aos dividendos recebidos da Ciments de Gabés, uma vez que o artigo 25.o da convenção para evitar a dupla tributação entre a República Portuguesa e a República da Tunísia prevê um mecanismo de troca de informações (60).

135. Contudo, há que esclarecer que, se a concessão do benefício em questão depender da satisfação de condições que as autoridades fiscais competentes do país terceiro em questão não têm possibilidade de confirmar, porque, por exemplo, não se trata de informações cuja recolha seja da sua competência, a concessão desse benefício não pode ser recusada sem dar ao contribuinte a oportunidade de fornecer as informações necessárias.

136. Em conclusão, a recusa da eliminação ou da mitigação da dupla tributação económica por uma legislação como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

4.      Quanto às consequências que resultam da violação dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano

137. Caso o Tribunal de Justiça decida que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal viola os artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano, o órgão jurisdicional de reenvio coloca igualmente ao Tribunal de Justiça a questão de saber se deve aplicar o mecanismo de dedução integral, previsto no artigo 46.o, n.o 1, do CIRC, aos dividendos que a SECIL recebeu da Ciments de Gabés e da Ciments de Sibline.

138. Há que recordar, desde logo, que «[r]esulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das regras de direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos sujeitos passivos pelas disposições do direito da União que proíbem esses impostos, nos termos em que foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados‑Membros são assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União» (61).

139. Por outro lado, o Tribunal de Justiça já decidiu que, «quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação das regras do direito da União, os sujeitos passivos têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto» (62).

140. Esta norma apenas tem uma exceção, concretamente, a repercussão do imposto noutros sujeitos (63), e está sujeita, na falta de legislação ao nível da União, a normas processuais nacionais, com ressalva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (64).

141. O mesmo se aplica no que diz respeito aos impostos cobrados em violação dos acordos euro‑mediterrânicos, que «fazem parte integrante […] da ordem jurídica [da União]» (65).

142. Assim sendo, as autoridades fiscais portuguesas devem restituir, com juros, à SECIL os montantes recebidos em violação dos artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano.

143. Esses montantes correspondem à diferença entre o montante pago pela SECIL e o que esta teria pagado se os dividendos recebidos da Ciments de Gabés e da Ciments de Sibline tivessem sido considerados pagos por sociedades com sede ou direção efetiva no território da União ou do EEE.

144. Em conclusão, proponho que o Tribunal de Justiça responda às quarta, sexta, oitava e décima questões que os artigos 34.o do Acordo CE‑Tunísia e 31.o do Acordo CE‑Líbano devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que reserva o direito à eliminação (total ou parcial) da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos casos em que a sociedade que procede à distribuição tenha a sua sede ou direção efetiva no território português ou o seu local de residência noutro Estado‑Membro da União ou da EEE. Os montantes recebidos em violação dessas disposições devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte.

E –    Quanto à décima primeira e décima segunda questões prejudiciais

145. Através da décima primeira e décima segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que não permite a dedução à base tributável dos dividendos recebidos de sociedades cuja sede ou direção efetiva se situe fora da União ou do EEE, embora permita tal dedução quando as sociedades que procedem à distribuição de dividendos tenham a sua sede ou direção efetiva num Estado‑Membro da União ou do EEE.

146. Como já expliquei nos n.os 40 a 57 das presentes conclusões, as disposições do Tratado FUE apenas se aplicam na medida em que sejam compatíveis com as dos Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, o que me parece ser o caso do artigo 63.o, n.o 1, TFUE.

147. Pelos motivos expostos nos n.os 98 a 110 e 116 a 144 das presentes conclusões, considero que uma legislação como a legislação portuguesa em causa no presente processo constitui uma restrição à livre circulação de capitais que não pode ser justificada.

F –    Quanto à décima terceira questão prejudicial

148. Através da décima terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio questiona a aplicabilidade da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 64.o TFUE no litígio em causa no processo principal.

149. Recordo que o Acordo CE‑Tunísia não contém nenhuma cláusula de salvaguarda comparável à prevista no artigo 64.o TFUE e que a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 33.o do Acordo CE‑Líbano é menos ampla do que a prevista no artigo 64.o TFUE.

150. O primado da aplicação do Tratado FUE apenas se manifestaria em caso de antinomia com as disposições de direito internacional e de direito derivado da União que constituem os Acordos CE‑Tunísia e CE‑Líbano, o que, na minha opinião, não é o caso.

151. Com efeito, o artigo 64.o TFUE permite, mas não impõe, a aplicação entre Estados‑Membros e países terceiros de restrições aos movimentos de capitais em vigor em 31 de dezembro de 1993. Por conseguinte, nada impede que os Estados‑Membros renunciem a tais restrições unilateralmente ou, como alegam o Governo sueco e a Comissão no caso em apreço, no âmbito de um acordo internacional, na totalidade (como no Acordo CE‑Tunísia) ou parcialmente (como no Acordo CE‑Líbano).

152. Assim, não há que responder a essa questão.

153. Contudo, se o Tribunal de Justiça decidir de outra forma, haverá que analisar se as condições previstas no artigo 64.o TFUE estão reunidas.

154. De acordo com o n.o 1 deste artigo, «[o] disposto no artigo 63.o não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolva investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários em mercados de capitais».

155. A este respeito, o Governo português alega que, ainda que o presente processo diga respeito ao artigo 46.o do CIRC na redação em vigor em 2009, já existia uma disposição equivalente em 31 de dezembro de 1993.

156. Como decidiu o Tribunal de Justiça no n.o 47 do acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249), «[q]uanto ao critério temporal definido pelo artigo 64.o, n.o 1, TFUE, resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que, embora, em princípio, incumba ao órgão jurisdicional nacional determinar o conteúdo de uma legislação em vigor na data fixada por um ato da União, compete ao Tribunal de Justiça fornecer os elementos de interpretação do conceito do direito da União que serve de referência para a aplicação de um regime derrogatório previsto por esse direito a uma legislação nacional que seja ‘atual’ na data fixada».

157. De acordo com jurisprudência assente, «uma medida nacional adotada posteriormente à data fixada não fica, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório instituído pelo ato da União em causa. Com efeito, uma disposição essencialmente idêntica à legislação anterior ou que se limite a reduzir ou suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades consagradas pelo direito da União que constam da legislação anterior beneficiará da derrogação. Pelo contrário, uma legislação que assente numa lógica diferente da do direito anterior e institua novos procedimentos não pode ser equiparada à legislação existente na data tomada em consideração pelo ato da União em causa» (66).

158. Se o Tribunal de Justiça concluir pela aplicabilidade do artigo 64.o TFUE, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, em 31 de dezembro de 1993, estava em vigor uma disposição que, na sua essência, era idêntica à do artigo 46.o do CIRC, no sentido de que recusava a eliminação da dupla tributação económica no caso de dividendos recebidos de países terceiros. Apenas nesse caso a restrição introduzida pelo artigo 46.o do CIRC beneficiará da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 64.o TFUE.

G –    Quanto à décima quarta questão prejudicial

159. Através da décima quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão de saber se a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 64.o TFUE não é aplicável pelo facto de a República Portuguesa ter instituído o regime de benefícios fiscais de natureza contratual para o investimento no estrangeiro, previsto no artigo 41.o, n.o 5, alínea b), do EBF, e o regime previsto no artigo 42.o do EBF para os dividendos provenientes de países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor‑Leste.

160. Esta questão tem origem na tese da SECIL, segundo a qual a República Portuguesa não pode renunciar à cláusula de salvaguarda apenas nos casos em que sejam aplicáveis os regimes fiscais especiais previstos nos artigos 41.o, n.o 5, alínea b), e 42.o do EBF.

161. Atendendo à minha resposta às questões anteriores, considero que não é necessário responder à décima quarta questão.

162. Tanto mais que, como alega a Comissão, a existência de um regime de benefícios fiscais específicos para o investimento de natureza contratual e para os dividendos provenientes de países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor‑Leste não é um elemento relevante no caso em apreço.

163. Esses regimes implicam que a República Portuguesa já não pode aplicar aos dividendos recebidos de países africanos de língua oficial portuguesa e de Timor‑Leste o seu regime geral respeitante aos dividendos recebidos de países terceiros, mas deve aplicar esse regime específico. Não pode concluir‑se que, ao adotar esses regimes específicos, a República Portuguesa decidiu abandonar a possibilidade de invocar a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 64.o TFUE, cujo alcance pode ser limitado.

164. Se se colocar um problema de igualdade de tratamento, este insere‑se apenas no âmbito de aplicação da legislação nacional e será da competência dos órgãos jurisdicionais portugueses.

VI – Conclusão

165. Assim, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa da seguinte forma:

1)      O artigo 31.o do Acordo euro‑mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998, e o artigo 30.o do Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006, não são aplicáveis no processo principal, que diz exclusivamente respeito à livre circulação de capitais.

2)      O artigo 34.o do Acordo euro‑mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998, bem como os artigos 31.o e 33.o do Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006, constituem disposições claras, precisas e incondicionais e têm efeito direto.

3)      O artigo 34.o do Acordo euro‑mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998, bem como os artigos 31.o e 33.o do Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que reserva o direito à eliminação (total ou parcial) da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos casos em que a sociedade que procede à distribuição tenha a sua sede ou direção efetiva no território português ou o seu local de residência noutro Estado‑Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu. Os montantes recebidos em violação dessas disposições devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte.

4)      Uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que não permite a dedução integral ou parcial, conforme o caso, de dividendos recebidos de sociedades cuja sede ou direção efetiva se situe fora da União ou do Espaço Económico Europeu, não pode basear‑se no artigo 89.o do Acordo euro‑mediterrânico que estabelece uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, assinado em Bruxelas, em 17 de julho de 1995, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, pela Decisão 98/238/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 26 de janeiro de 1998, nem no artigo 85.o do Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República do Líbano, por outro, assinado no Luxemburgo, em 17 de junho de 2002, e aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2006/356/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 2006.

5)      O artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que reserva o direito à eliminação (total ou parcial) da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos casos em que a sociedade que procede à distribuição tenha a sua sede ou direção efetiva no território português ou o seu local de residência noutro Estado‑Membro da União ou do Espaço Económico Europeu. Os montantes recebidos em violação dessa disposição devem ser reembolsados, com juros, ao contribuinte.


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 97, p. 1.


3 —      JO L 143, p. 1.


4 —      Diário da República I, série A, n.o 77, de 31 de março de 2000, p. 1411.


5 —      V. acórdãos Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.os 3 a 6), relativo ao Acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Grécia, assinado em Atenas, em 9 de julho de 1961, e celebrado, em nome da Comunidade, pela Decisão 63/106/CEE do Conselho, de 25 de setembro de 1961 (JO 1963, 26, p. 293, a seguir «acordo de associação CEE‑Grécia»); Demirel (12/86, EU:C:1987:400, n.o 7), relativo ao Acordo que cria uma associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em Ancara, em 12 de setembro de 1963, e celebrado, em nome da Comunidade, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir «acordo de associação CEE‑Turquia»); Andersson e Wåkerås‑Andersson (C‑321/97, EU:C:1999:307, n.os 26 e 27); Ospelt e Schlössle Weissenberg (C‑452/01, EU:C:2003:493, n.o 27); e Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 19), relativos ao Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, assinado em 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»), e aprovado pela Decisão 94/1/CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de dezembro de 1993, relativa à celebração do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu entre as Comunidades Europeias, os seus Estados‑Membros e a República da Áustria, a República da Finlândia, a República da Islândia, o Principado do Liechtenstein, o Reino da Noruega, o Reino da Suécia e a Confederação Suíça (JO 1994, L 1, p. 1).


6 —      V. Acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Argel, em 26 de abril de 1976, e aprovado, em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.o 2210/78 do Conselho, de 26 de setembro de 1978 (JO L 263, p. 1; EE 11 F8 p. 70), que foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça nos processos que deram origem aos acórdãos Krid (C‑103/94, EU:C:1995:97) e Babahenini (C‑113/97, EU:C:1998:13).


7 —      V. Acordo de cooperação entre a Comunidade Económica Europeia e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat, em 27 de abril de 1976, e aprovado em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.o 2211/78 do Conselho, de 26 de setembro de 1978 (JO L 264, p. 1; EE 11 F9 p. 3), substituído pelo Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, assinado em Bruxelas, em 26 de fevereiro de 1996, e aprovado, em nome das referidas Comunidades, pela Decisão 2000/204/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 24 de janeiro de 2000 (JO L 70, p. 1). Estes acordos foram objeto de pedidos de decisão prejudicial nos processos que deram origem aos acórdãos Eddline El‑Yassini (C‑416/96, EU:C:1999:107) e Mesbah (C‑179/98, EU:C:1999:549), bem como aos despachos Echouikh (C‑336/05, EU:C:2006:394) e El Youssfi (C‑276/06, EU:C:2007:215).


8 —      V. Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Estado de Israel, por outro, assinado em Bruxelas, em 20 de novembro de 1995 (JO 2000, L 147, p. 3), bem como Acordo provisório de associação euro‑mediterrânico sobre Comércio e Cooperação entre a Comunidade Europeia, por um lado, e a Organização de Libertação da Palestina (OLP) em benefício da Autoridade Palestiniana da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, por outro, assinado em Bruxelas, em 24 de fevereiro de 1997 (JO 1997, L 187, p. 3). Estes acordos foram objeto de um pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao acórdão Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91).


9 —      O Acordo CE‑Líbano já foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao despacho Mugraby/Conselho e Comissão (C‑581/11 P, EU:C:2012:466), bem como pelo Tribunal Geral no processo que deu origem ao despacho Mugraby/Conselho e Comissão (T‑292/09, EU:T:2011:418).


10 —      V. Acordo euro‑mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República Árabe do Egito, por outro, assinado no Luxemburgo, em 25 de junho de 2001, aprovado pela Decisão 2004/635/CE do Conselho, de 21 de abril de 2004 (JO L 304, p. 38). Este acordo foi objeto de um pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao acórdão Helm Düngemittel (C‑613/12, EU:C:2014:52).


11 —      O Acordo CE‑Tunísia já foi objeto de um pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao acórdão Gattoussi (C‑97/05, EU:C:2006:780), bem como objeto de análise pelo Tribunal Geral no processo que deu origem aos acórdãos Pigasos Alieftiki Naftiki Etaireia/Conselho e Comissão (T‑162/07, EU:T:2009:333) e ICF/Comissão (T‑406/08, EU:T:2013:322, n.os 208 a 214).


12 —      O acordo de associação CEE‑Grécia foi objeto de um pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao acórdão Haegeman (181/73, EU:C:1974:41).


13 —      O acordo de associação CEE‑Turquia foi objeto de pedidos de decisão prejudicial nos processos que deram origem a vários acórdãos, dos quais o mais importante é o acórdão Demirel (12/86, EU:C:1987:400).


14 —      V. Acordo Europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, celebrado e aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 93/742/Euratom, CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de dezembro de 1993 (JO L 347, p. 1). Este acordo foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça nos processos que deram origem aos acórdãos Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e ERSA (C‑347/03, EU:C:2005:285); Sfakianakis (C‑23/04 a C‑25/04, EU:C:2006:92); e Agrover (C‑173/06, EU:C:2007:612); bem como ao despacho Agenzia Dogane Circoscrizione Doganale di Genova (C‑505/06, EU:C:2007:768).


15 —      V. Acordo de parceria e de cooperação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Federação da Rússia, por outro, assinado em Corfu, em 24 de junho de 1994, e aprovado, em nome das Comunidades Europeias, pela Decisão 97/800/CECA, CE, Euratom do Conselho e da Comissão, de 30 de outubro de 1997 (JO L 327, p. 1). Este acordo foi objeto de análise pelo Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao acórdão Simutenkov (C‑265/03, EU:C:2005:213).


16 —      V., designadamente, acórdãos Andersson e Wåkerås‑Andersson (C‑321/97, EU:C:1999:307); Salzmann (C‑300/01, EU:C:2003:283); Ospelt e Schlössle Weissenberg (C‑452/01, EU:C:2003:493); Krankenheim Ruhesitz am Wannsee‑Seniorenheimstatt (C‑157/07, EU:C:2008:588); e Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645); bem como despacho projektart e o. (C‑476/10, EU:C:2011:422).


17 —      V., designadamente, acórdãos Comissão/Bélgica (C‑522/04, EU:C:2007:405); Comissão/Países Baixos (C‑521/07, EU:C:2009:360); Comissão/Portugal (C‑267/09, EU:C:2011:273); e Comissão/Alemanha (C‑284/09, EU:C:2011:670).


18 —      Acórdão Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 21). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Ospelt e Schlössle Weissenberg (C‑452/01, EU:C:2003:493, n.os 28 e 32); Comissão/Bélgica (C‑522/04, EU:C:2007:405, n.o 44); e Comissão/Países Baixos (C‑521/07, EU:C:2009:360, n.o 33); bem como despacho projektart e o. (C‑476/10, EU:C:2011:422, n.os 34 e 35).


19 —      Acórdão Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 42). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Comissão/Alemanha (C‑61/94, EU:C:1996:313, n.o 52); Algemene Scheeps Agentuur Dordrecht (C‑311/04, EU:C:2006:23, n.o 25); e IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 35).


20 —      Acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 285 e 308).


21 —      Rousseau, C., «De la compatibilité des normes juridiques contradictoires dans l’ordre international»,Revue générale de droit international public, 1932, vol. 39, pp. 133 a 136.


22 —      «No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta.»


23 —      De acordo com o artigo 53.o da Convenção de Viena, «[é] nulo todo o tratado que, no momento da sua conclusão, seja incompatível com uma norma imperativa de direito internacional geral». V., igualmente, neste sentido, artigo 53.o da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, celebrada em Viena, em 21 de março de 1986.


24 —      V., neste sentido, Crawford, J., Brownlie’s Principles of Public International Law, 8.a edição, Oxford University Press, 2012, pp. 22 e 23; Matz‑Lück, N., «Conflicts between treaties», publicado em Berhardt, R., e Macalister‑Smith, P. (eds.), Max Planck Encyclopedia of Public International Law, 2010, n.os 4, 9 e 10, disponível no sítio Internet no seguinte endereço: http://opil.ouplaw.com/view/10.1093/law:epil/9780199231690/law‑9780199231690‑e1485?rskey=uOhZpi&result=5&prd=EPIL.


25 —      V. Kelsen, H., «Les rapports de système entre le droit interne et le droit international public», 1926, vol. IV, Recueil des cours de l’Académie de droit international, p. 231 e pp. 267 a 274.


26 —      Acórdão Eddline El‑Yassini (C‑416/96, EU:C:1999:107, n.o 29). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Kziber (C‑18/90, EU:C:1991:36, n.o 21) e Gattoussi (C‑97/05, EU:C:2006:780, n.o 27).


27 —      V., neste sentido, acórdão D. (C‑376/03, EU:C:2005:424, n.os 58 a 63), no qual o Tribunal de Justiça decidiu que «os artigos [63.o TFUE] e [65.o TFUE] não se opõem a que uma regra prevista por uma convenção bilateral destinada a prevenir a dupla tributação […] não se estenda […] ao residente num Estado‑Membro que não é parte na referida convenção» (n.o 63). É verdade que, como o Tribunal de Justiça decidiu no n.o 55 desse acórdão, referindo‑se ao n.o 59 do acórdão Saint‑Gobain ZN (C‑307/97, EU:C:1999:438), «existem situações em que as vantagens de uma convenção bilateral podem ser estendidas a um residente de um Estado‑Membro que não tenha a qualidade de parte na referida convenção». Assim, «tratando‑se de uma convenção preventiva sobre a dupla tributação celebrada entre um Estado‑Membro e um país terceiro, o princípio do tratamento nacional exige ao Estado‑Membro parte na referida convenção que conceda aos estabelecimentos estáveis das sociedades não residentes os benefícios previstos pela convenção, nas mesmas condições que os que são aplicáveis às sociedades residentes» (n.o 56). Contudo, tal não é o caso no processo principal.


28 —      V. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/Conselho (C‑110/02, EU:C:2003:667, n.o 33); do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo St. Paul Dairy (C‑104/03, EU:C:2004:509, n.o 61); do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:235, n.o 28); do advogado‑geral J. Mazák no processo Comissão/Itália (C‑565/08, EU:C:2010:403, n.o 30); tomada de posição da advogada‑geral J. Kokott Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:573, n.o 48); conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta (C‑377/13, EU:C:2014:246, n.o 59); bem como do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑507/13, EU:C:2014:2394, n.o 59).


29 —      V., igualmente, neste sentido, artigo 30.o, n.os 3 e 4, da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, celebrada em Viena, em 21 de março de 1986. Como afirmou o Tribunal de Justiça no acórdão Helm Düngemittel (C‑613/12, EU:C:2014:52), «o direito internacional dos Tratados foi codificado, em substância, pela Convenção de Viena e […] as normas contidas nesta convenção são aplicáveis a um acordo celebrado entre um Estado e uma organização internacional, como o acordo euro‑mediterrânico com o Egito, na medida em que essas normas são a expressão do direito internacional geral consuetudinário». V., igualmente, neste sentido, acórdão Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.os 40 e 41). Por essa razão, essas normas «vinculam as instituições da [União] e integram a ordem jurídica [da União]» (acórdão Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 42).


30 —      A norma constante do artigo 30.o, n.o 3, da Convenção de Viena não implica que as partes nos dois tratados sejam as mesmas. Pelo contrário, como explica a Comissão do direito internacional nos seus comentários ao projeto de artigos sobre o direito dos tratados (Annuaire de la Commission du droit international, 1966, vol. II, p. 216), «[o] n.o 3 enuncia a norma geral aplicável quando todas as partes num tratado (com ou sem a participação de outros Estados) celebram posteriormente um tratado sobre a mesma matéria» (o sublinhado é meu). V., igualmente, neste sentido, Pauwelyn, J., Conflict of Norms in Public International Law: How WTO Law Relates to other Rules of International Law, 1.a edição, Cambridge University Press, 2003, p. 381; Sadat‑Akhavi, S.A., Methods of Resolving Conflicts Between Treaties, Martinus Nijhoff Publishers, Leiden/Boston, 2003, pp. 62 e 63; Mus, J. B., «Conflicts between treaties in international law», Netherlands International Law Review 1998, vol. XLV, p. 208, p. 219.


31 —      Artigo 63.o, n.o 1, TFUE.


32 —      V. artigo 73.o‑B CE, incluído em 1992 pelo artigo G.15 TUE e em vigor desde 1 de janeiro de 1994.


33 —      V. n.o 31 do acórdão Ospelt e Schlössle Weissenberg (C‑452/01, EU:C:2003:493), no qual o Tribunal de Justiça decidiu que, «desde 1 de maio de 1995, data da entrada em vigor do acordo EEE em relação ao Principado do Liechtenstein, e nos setores pelo mesmo abrangidos, os Estados‑Membros já não podem invocar o artigo [64.o TFUE] relativamente ao Principado do Liechtenstein. Em consequência, contrariamente ao que alega o Governo austríaco, o Tribunal de Justiça não tem de examinar, com fundamento nessa disposição, se as restrições aos movimentos de capitais entre a Áustria e o Liechtenstein, resultantes da VGVG, estavam já na sua essência em vigor em 31 de dezembro de 1993 e se, por este facto, podiam, em aplicação do mesmo artigo, ser mantidas». V., igualmente, neste sentido, acórdão Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.os 19 a 22), no qual o Tribunal de Justiça aplicou apenas as disposições do Acordo EEE.


34 —      Nenhuma das questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se refere ao artigo 30.o do Acordo CE‑Líbano. Uma vez que as partes se referem a esse artigo, acrescento‑o para completar a análise.


35 —      Acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 89). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 36); Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 33); e Accor (C‑310/09, EU:C:2011:581, n.o 30).


36 —      Acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 99). V., igualmente, neste sentido, acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.os 27 a 30).


37 —      Acórdão Holböck (C‑157/05, EU:C:2007:297, n.o 34). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.os 180 e 181) e Orange European Smallcap Fund (C‑194/06, EU:C:2008:289, n.o 102).


38 —      Acórdão Holböck (C‑157/05, EU:C:2007:297, n.o 35).


39 —      Decisão sobre a competência proferida em 23 de julho de 2001 no processo Salini Costruttori S.p.A. & Italstrade S.p.A. c. Royaume de Maroc (ICSID Case n.o ARB/00/4), 2002, vol. 129, Journal du droit international, p. 196, n.o 52. Vários tribunais arbitrais adotaram esta definição do conceito de «investimento». V., a este respeito, jurisprudência arbitral referida por Gaillard, E., «Identify or Define? Reflections on the Evolution of the Concept of Investment in ICSID Practice», em Binder, C., Kriebaum, U., Reinisch, A., e Wittich, S. (eds.), International Investment Law for the 21st Century: Essays in Honour of Christoph Schreuer, Oxford University Press, Oxford, 2009, p. 403, p. 411.


40 —      V., igualmente, neste sentido, acórdãos Gloszczuk (C‑63/99, EU:C:2001:488, n.o 30); Wählergruppe Gemeinsam (C‑171/01, EU:C:2003:260, n.o 53); e Simutenkov (C‑265/03, EU:C:2005:213, n.o 21).


41 —      O sublinhado é meu.


42 —      O sublinhado é meu.


43 —      O sublinhado é meu.


44 —      Acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 37). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 62) e Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 59).


45 —      Acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 39). V., igualmente, neste sentido, acórdãos A (C‑101/05, EU:C:2007:804, n.o 40); Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 50); e Santander Asset Management SGIIC e o. (C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.o 15).


46 —      Acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, EU:C:2012:707, n.o 38). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 72) e Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 60).


47 —      É necessário que a sociedade beneficiária detenha diretamente uma participação no capital da sociedade que procede à distribuição dos lucros não inferior a 10% ou com um valor não inferior a 20 000 000 euros, e esta tenha permanecido na sua titularidade durante pelo menos um ano.


48 —      V. n.o 95 das presentes conclusões.


49 —      Esta diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade (JO L 64, p. 1).


50 —      Uma vez que a fiscalidade direta não afeta a liberdade de circulação de mercadorias.


51 —      V., designadamente, acórdãos ELISA (C‑451/05, EU:C:2007:594, n.os 91 a 100) e Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.os 33 a 51).


52 —      V., igualmente, neste sentido, artigo 26.o da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, celebrada em Viena, em 21 de março de 1986, e acórdãos Eddline El‑Yassini (C‑416/96, EU:C:1999:107, n.o 47) e Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 43).


53 —      TIJ 1997, p. 7, n.o 142.


54 —      O Tribunal de Justiça já aceitou a justificação de uma restrição com base numa razão imperiosa de interesse geral no contexto do acordo de associação CEE‑Turquia. V., por exemplo, acórdãos Demir (C‑225/12, EU:C:2013:725, n.o 40) e Dogan (C‑138/13, EU:C:2014:2066, n.o 37).


55 —      V. acórdão ICI (C‑264/96, EU:C:1998:370, n.o 26).


56 —      Acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 84). V., igualmente, neste sentido, acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 67).


57 —      V. n.o 103 e nota 47 das presentes conclusões.


58 —      Acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 84).


59 —      Acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 84).


60 —      V. n.os 85 a 87 das presentes conclusões.


61 —      Acórdão Nicula (C‑331/13, EU:C:2014:2285, n.o 27). V., igualmente, neste sentido, acórdãos San Giorgio (199/82, EU:C:1983:318, n.o 12); Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, EU:C:2001:134, n.o 84); Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 202); Littlewoods Retail e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 24); e Test Claimants in the Franked Investment Income Group Litigation (C‑362/12, EU:C:2013:834, n.o 30).


62 —      Acórdão Nicula (C‑331/13, EU:C:2014:2285, n.o 28). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Littlewoods Retail e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 25) e Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250, n.o 21).


63 —      V. acórdão Lady & Kid e o. (C‑398/09, EU:C:2011:540, n.o 20).


64 —      V. acórdão Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250, n.o 23).


65 —      Acórdão Demirel (12/86, EU:C:1987:400, n.o 7).


66 —      Acórdão Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 48). V., igualmente, neste sentido, acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 192); Holböck (C‑157/05, EU:C:2007:297, n.o 41); e A (C‑101/05, EU:C:2007:804, n.o 49).