Language of document : ECLI:EU:T:2011:68

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

3 de Março de 2011 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado relativo aos projectos de mecanismos de comutação isolados a gás – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE – Repartição do mercado – Efeitos no mercado comum – Conceito de infracção continuada – Duração da infracção – Prescrição – Coimas – Proporcionalidade – Circunstâncias agravantes – Papel de líder – Circunstâncias atenuantes – Cooperação»

No processo T‑110/07,

Siemens AG, com sede em Berlim (Alemanha) e em Munique (Alemanha), representada inicialmente por I. Brinker, T. Loest e C. Steinle, e seguidamente por Brinker e Steinle, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Arbault e O. Weber, em seguida por X. Lewis e R. Sauer, e seguidamente por M. Sauer e A. Antoniadis, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação parcial da Decisão C (2006) 6762 final da Comissão, de 24 de Janeiro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/F/38.899 – Mecanismos de comutação isolados a gás), e, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: I. Pelikánová (relatora), presidente, K. Jürimäe e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Dezembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Siemens AG, é uma sociedade cotada na bolsa, com actividade nos domínios da engenharia electrotécnica e da electrónica. Tem sede em Berlim (Alemanha) e em Munique (Alemanha).

2        Os mecanismos de comutação isolados a gás (a seguir «MCIG») são utilizados para controlar o fluxo de energia nas redes eléctricas. Trata‑se de equipamentos eléctricos pesados, utilizados como um dos principais componentes de subestações eléctricas «chave na mão». As subestações são centrais eléctricas auxiliares que convertem a corrente eléctrica. Além do transformador, os elementos constitutivos das subestações são os sistemas de controlo, os relés, as baterias, os carregadores e o mecanismo de comutação. A função de um mecanismo de comutação é proteger o transformador de uma sobrecarga e/ou isolar o circuito e um transformador em falha.

3        Os mecanismos de comutação podem ser isolados a gás, isolados a ar ou de isolamento híbrido, quando combinam as duas técnicas. Os MCIG são vendidos em todo o mundo como partes integrantes de subestações eléctricas «chave na mão» ou como peças sobressalentes a integrar nessas subestações. Representam cerca de 30% a 60% do preço total dessas subestações.

4        Em 3 de Março de 2004, a ABB Ltd informou a Comissão da existência de práticas anticoncorrenciais no sector dos MCIG e apresentou um pedido oral de imunidade das coimas, nos termos da Comunicação da Comissão, de 19 de Fevereiro de 2002, relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação»).

5        As práticas denunciadas pela ABB consistiam numa coordenação a nível mundial da venda de projectos de MCIG, que implicavam a repartição dos mercados, a atribuição de quotas e a manutenção das quotas de mercado respectivas, a atribuição de projectos de MCIG a produtores designados para o efeito e a manipulação do procedimento de concurso (manipulação das propostas) para os contratos serem atribuídos a esses produtores, a fixação dos preços por acordos complexos sobre os projectos de MCIG não atribuídos, a rescisão dos contratos de licença com sociedades que não eram membros do cartel e a troca de informações sensíveis sobre o mercado.

6        O pedido verbal de imunidade das coimas apresentado pela ABB foi completado por observações orais e por provas documentais. Em 25 de Abril de 2004, a Comissão concedeu imunidade condicional à ABB.

7        Com base nas declarações da ABB, a Comissão abriu um inquérito e, em 11 e 12 de Maio de 2004, procedeu a inspecções nas instalações da Areva T&D SA, da Siemens AG, do grupo VA Tech, da Hitachi Ltd e da Japan AE Power Systems Corp (a seguir «JAEPS»).

8        Em 20 de Abril de 2006, a Comissão adoptou uma comunicação de acusações dirigida a 20 sociedades, entre as quais, a Siemens.

9        A Comissão procedeu a uma audição em 18 e 19 de Julho de 2006.

10      Em 24 de Janeiro de 2007, a Comissão adoptou a Decisão C (2006) 6762 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/F/38.899 – Mecanismos de comutação isolados a gás) (a seguir «decisão impugnada»). Esta decisão foi notificada à Siemens em 8 de Fevereiro de 2007.

11      Além da Siemens, a decisão impugnada foi notificada à ABB, à Alstom, SA, à Areva, SA, à Areva T&D AG, à Areva T&D Holding SA e à Areva T&D SA, à Fuji Electric Holdings Co., Ltd e à Fuji Electric Systems Co., Ltd (a seguir, em conjunto, «Fuji»), à Hitachi Ltd e à Hitachi Europe Ltd (a seguir, em conjunto, «Hitachi»), à JAEPS, à Mitsubishi Electric System Corp. (a seguir «Melco»), à Nuova Magrini Galileo SpA, à Schneider Electric SA, à Siemens AG Österreich, à Siemens Transmission & Distribution Ltd (a seguir «Reyrolle»), à Siemens Transmission & Distribution SA, à Toshiba Corp. e à VA Tech Transmission & Distribution GmbH & Co. KEG.

12      Nos considerandos 113 a 123 da decisão impugnada, a Comissão indicou que as diversas empresas participantes no cartel coordenaram a atribuição dos projectos de MCIG à escala mundial, com excepção de certos mercados, segundo regras convencionadas, nomeadamente a fim de manter quotas que reflectissem em grande medida as suas quotas de mercado históricas estimadas. Precisou que a atribuição dos projectos de MCIG era efectuada com base numa quota conjunta «japonesa» e numa quota conjunta «europeia» que deveriam seguidamente ser repartidas respectivamente pelos produtores japoneses e pelos produtores europeus entre si. Um acordo assinado em Viena, em 15 de Abril de 1988 (a seguir «acordo GQ»), estipulava regras que permitiam atribuir os projectos de MCIG quer aos produtores japoneses quer aos produtores europeus, e imputar o seu valor na quota correspondente.

13       Além disso, nos considerandos 124 a 132 da decisão impugnada, a Comissão precisou que as diversas empresas que participaram no cartel tinham feito um acordo não escrito (a seguir «acordo comum»), segundo o qual os projectos de MCIG no Japão, por um lado, e nos países dos membros europeus do cartel, por outro, designados em conjunto como «países construtores» dos projectos de MCIG, estavam reservados, respectivamente, aos membros japoneses e aos membros europeus do cartel. Os projectos de MCIG nos «países construtores» não eram objecto de trocas de informações entre os dois grupos nem eram imputados nas respectivas quotas. O acordo GQ continha igualmente regras relativas à troca das informações necessárias ao funcionamento do cartel entre os dois grupos de produtores, que era nomeadamente assegurado pelos secretários dos dois grupos, à manipulação dos concursos em causa e à fixação de preços para os projectos de MCIG que não podiam ser atribuídos. Segundo os termos do seu anexo 2, o acordo GQ aplicava‑se a todo o mundo, com excepção dos Estados Unidos, do Canadá, do Japão e de 17 países da Europa Ocidental. Além disso, nos termos do acordo comum, os projectos de MCIG nos países europeus diferentes dos «países construtores» estavam igualmente reservados ao grupo europeu, uma vez que os produtores japoneses se tinham obrigado a não apresentar propostas para os projectos de MCIG na Europa.

14      Segundo a Comissão, a repartição dos projectos de MCIG entre os produtores europeus regia‑se por um acordo igualmente assinado em Viena, em 15 de Abril de 1988, intitulado «E‑Group Operation Agreement for GQ‑Agreement» (Acordo do grupo E para a execução do acordo GQ) (a seguir «acordo EQ»). Indicou que a atribuição dos projectos de MCIG na Europa seguia as mesmas regras e procedimentos da atribuição dos projectos de MCIG noutros países. Em particular, os projectos de MCIG na Europa deviam igualmente ser notificados, repertoriados, atribuídos, convencionados ou tinham recebido um nível mínimo de preços.

15      No considerando 142 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, no acordo GQ e no acordo EQ, bem como para efeitos de organização e de funcionamento do cartel, os diversos membros do cartel eram identificados por um código, composto por números para os membros europeus e por letras para os membros japoneses. Os códigos iniciais foram substituídos por números a partir de Julho de 2002.

16      No artigo 1.°, alínea o), da decisão impugnada, a Comissão declarou que a Siemens participou na infracção no período compreendido entre 15 de Abril de 1988 e 1 de Setembro de 1999 e entre 26 de Março de 2002 e 11 de Maio de 2004.

17      Pela infracção declarada no artigo 1.° da decisão impugnada, foi aplicada à Siemens, no artigo 2.°, alínea m), da mesma decisão, uma coima no montante de 396 562 500 euros.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de Abril de 2007, a Siemens interpôs o presente recurso.

19      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

20      No quadro das medidas de organização do processo, previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, foi solicitado às partes que respondessem às perguntas escritas apresentadas pelo Tribunal Geral. As partes responderam a este pedido nos prazos concedidos.

21      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência de 16 de Dezembro de 2009.

22      A Siemens conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na medida em que lhe diz respeito;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas do processo.

23      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Siemens nas despesas.

 Questão de direito

24      Em apoio do seu recurso de anulação, a Siemens invoca três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «Acordo EEE»). O segundo é relativo a uma violação do artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 1, p. 1). O terceiro é relativo a erros de direito no cálculo do montante das coimas.

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE

25      O primeiro fundamento está dividido em duas partes. No âmbito da primeira parte, a Siemens alega uma «descrição insuficiente das infracções de que é acusada». No âmbito da segunda parte, invoca uma «análise incorrecta dos alegados acordos e dos seus efeitos sobre o mercado comum».

A –  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a uma «descrição insuficiente das infracções de que é acusada»

1.     Argumentos das partes

26      A Siemens alega que a Comissão não descreveu com exactidão nem provou suficientemente a infracção de que a acusa. No essencial, alega que, em primeiro lugar, a Comissão não provou a natureza única e continuada dos comportamentos de que a acusa, em segundo lugar, não descreveu os efeitos concretos do cartel sobre o mercado comum e, em terceiro lugar, não provou a sua intenção global de participar, por duas vezes, na mesma infracção.

27      A Comissão alega que este fundamento devia ser rejeitado como insuficientemente fundado. Além disso, sustenta que as alegações da Siemens são improcedentes.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

28      Cumpre observar que a primeira parte do primeiro fundamento contém unicamente alegações que ou são igualmente invocadas noutras partes da petição ou devem igualmente ser analisadas no âmbito da análise de outros fundamentos invocados noutras partes da petição ou devem também ser examinadas no âmbito do tratamento de outros fundamentos invocados pela Siemens e igualmente relacionados com o artigo 1.° da decisão impugnada, que declara a infracção de que é acusada. Assim, a alegação de falta de prova da natureza única e continuada dos comportamentos de que é acusada é igualmente suscitada no âmbito da segunda parte do segundo fundamento e a alegação relativa à intenção global da Siemens de participar nesta infracção deve também ser tratada neste contexto. Do mesmo modo, a alegação relativa à ausência de descrição dos efeitos concretos do cartel sobre o mercado comum é igualmente feita, de maneira muito mais pormenorizada, no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento. Verifica‑se, pois, que a presente parte do fundamento não apresenta carácter autónomo.

29      Consequentemente, não há que decidir sobre a primeira parte do primeiro fundamento.

B –  Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a uma «análise incorrecta dos alegados acordos e dos seus efeitos sobre o mercado comum»

30      No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a Siemens apresenta três alegações, relativas, respectivamente, à inexistência de um cartel que tenha tido efeitos no EEE, à inexistência de uma repartição geográfica dos mercados entre os produtores japoneses e os produtores europeus e à inexistência de uma protecção dos «países construtores».

31      Estas três alegações estão estreitamente associadas. Com efeito, por um lado, as segunda e terceira alegações são relativas a constatações da Comissão que, caso sejam demonstradas, provam a existência de um cartel que teve efeitos no EEE, questão que é objecto da primeira alegação. Por outro lado, as três alegações estão igualmente interligadas na medida em que incidem sobre os mesmos elementos de prova invocados pela Comissão. Por conseguinte, há que apreciá‑las em conjunto.

1.     Argumentos das partes

32      A Siemens argumenta que, no que respeita à primeira fase da sua participação, que corresponde ao período compreendido entre 1988 e 1999, a infracção de que é acusada não está suficientemente fundamentada na decisão impugnada. Em especial, a Comissão considerou erradamente que o acordo GQ e o acordo EQ provam uma infracção que teve efeitos no EEE, quando este último foi expressamente excluído do âmbito de aplicação destes acordos. Esta infracção também não foi demonstrada pelos outros elementos de prova aduzidos pela Comissão.

33      A este respeito, a Siemens considera que a Comissão não provou que os produtores europeus e japoneses, no acordo comum, tenham decidido não intervir nos mercados dos respectivos países. Tal repartição geográfica dos mercados não foi provada nem pela exclusão expressa dos 17 Estados europeus do âmbito de aplicação do acordo GQ, nem pela alegada imputação dos projectos de MCIG na Europa na quota global, nem mesmo pelas declarações da Hitachi ou da Fuji invocadas pela Comissão. Em contrapartida, o facto de os participantes no acordo GQ se terem abstido de comercializar os seus produtos em certos mercados europeus deveu‑se exclusivamente a obstáculos técnicos e económicos ao acesso a estes mercados.

34      A Siemens contesta tanto a existência de uma repartição geográfica dos mercados europeus segundo o princípio dos «países construtores» ou dos «mercados domésticos» como a sua participação nos alegados «acordos preliminares na Europa» invocados pela Comissão para fundamentar a sua tese de uma repartição dos mercados no EEE. As provas apresentadas pela Comissão a este propósito são insuficientes. Finalmente, a ausência de actividades de determinados produtores em certos mercados nacionais explicava‑se por razões distintas da existência de um cartel ilícito.

35      A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

36      Cumpre salientar, a título liminar, que, nos seus articulados, a Siemens admite expressamente os factos, tal como foram apresentados na decisão impugnada, que são relativos à segunda fase da sua participação na infracção, correspondente ao período compreendido entre 2002 e 2004. O primeiro fundamento invocado pela Siemens é, pois, relativo unicamente à primeira fase da sua participação na infracção correspondente ao período compreendido entre 1988 e 1999. Por conseguinte, os elementos de prova em que a Comissão se baseia só devem ser examinados no âmbito da presente parte do primeiro fundamento na medida em que sejam relativos a esse período ou na medida em que permitam retirar conclusões respeitantes ao mesmo período.

37      A este propósito, há que rejeitar o argumento da Comissão de que era legítimo projectar as observações relativas ao período compreendido entre 2002 e 2004 para o período anterior, dado tratar‑se de uma única e mesma infracção. Com efeito, sem que, nesta fase, seja necessário decidir sobre a existência de uma única infracção que englobe os dois períodos de participação da Siemens no cartel, só caso a caso é há que apreciar em que medida os elementos de prova relativos a um período específico da infracção são susceptíveis de facultar indicações válidas também para a primeira fase da sua participação na infracção.

38      Além disso, a tese da Comissão segundo a qual a Siemens se limita a contestar o impacto do cartel sobre a concorrência no EEE, quando, na decisão impugnada, a acusa de ter estabelecido um cartel cujo objectivo era falsear a concorrência no mercado comum, não podia levar à limitação da análise dos factos imputados à Siemens. Com efeito, decorre do conjunto das observações da Siemens nos seus articulados que esta contesta não só que o cartel de que é acusada tenha produzido efeitos no mercado comum e no EEE (salvo Liechtenstein e Islândia), mas também que tenha tido por objectivo falsear a concorrência no mercado comum e no EEE.

39      Portanto, substancialmente, as partes opõem‑se quanto à questão de saber se, em relação ao período compreendido entre 1988 e 1999, a Comissão provou a existência de um cartel susceptível de produzir efeitos no mercado comum e no EEE.

40      Cumpre, pois, determinar se o acordo GQ e o acordo EQ, enquanto provas documentais, provam a existência de um cartel susceptível de produzir efeitos no mercado comum e no EEE. A este propósito, não há que fazer distinção entre as duas alternativas do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, segundo jurisprudência constante, para apreciar se uma prática concertada é proibida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, a apreciação dos seus efeitos concretos é supérflua quando se verifique que tem por objectivo impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 29, e jurisprudência aí referida). A jurisprudência referida é aplicável, por analogia, ao artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE.

41      Em caso de resposta negativa, há que determinar seguidamente se o acordo comum invocado pela Comissão é suficientemente apoiado por um conjunto de outros elementos.

42      No entanto, antes de proceder a estas verificações, cabe recordar as regras aplicáveis em matéria de ónus da prova, dado que as partes se opõem igualmente quanto a esta questão.

a)     Quanto ao ónus da prova

43      Recorde, antes de mais, que a Comissão deve apresentar a prova das infracções ao artigo 81.°, n.° 1 CE, por ela declaradas e apresentar os elementos probatórios adequados a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos da infracção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 58, e de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 86).

44      Neste contexto, a existência de uma dúvida no espírito do julgador deve beneficiar a empresa destinatária da decisão que declara a existência de uma infracção. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infracção em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso de anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T‑44/02 OP, T‑54/02 OP, T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colect., p. II‑3567, n.° 60).

45      Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção de inocência, tal como resulta, nomeadamente, do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o qual faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aliás reafirmada pelo artigo 6.°, n.° 2, UE, constituem princípios gerais do direito comunitário. Atenta a natureza das infracções em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções a elas ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, designadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas, susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colect., p. I‑4539, n.os 175 e 176).

46      Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para demonstrar a existência da infracção (acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 57, supra, n.° 62), e para basear a firme convicção de que as infracções alegadas constituem restrições da concorrência sensíveis na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdão do Tribunal Geral de 21 de Janeiro de 1999, Riviera Auto Service e o./Comissão, T‑185/96, T‑189/96 e T‑190/96, Colect., p. II‑93, n.° 47).

47      No entanto, deve salientar‑se que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem necessariamente de satisfazer esses critérios relativamente a cada elemento da infracção. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, satisfaça essa exigência (v. acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 44, supra, n.° 63, e jurisprudência aí referida).

48      Além disso, tendo em conta o carácter notório da proibição dos acordos anticoncorrenciais e da clandestinidade em que, consequentemente, estes são executados, não se pode exigir à Comissão que apresente documentos que comprovem de forma explícita a existência de contactos entre os operadores em causa. Os elementos fragmentários e dispersos de que a Comissão eventualmente dispõe devem, em qualquer caso, poder ser completados por deduções que permitam a reconstituição das circunstâncias pertinentes. A existência de uma prática ou de um acordo anti‑concorrencial pode, pois, ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das normas da concorrência (acórdão Dresdner Bank e o./Comissão, n.° 44, supra, n.os 64 e 65, e acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.os 55 a 57).

49      No entanto, quando a Comissão se apoia unicamente na conduta das empresas em causa no mercado para concluir pela existência de uma infracção, basta a estas últimas demonstrar a existência de circunstâncias que dão uma explicação diferente dos factos provados pela Comissão e que deste modo permitem substituir a explicação da Comissão que levou a concluir pela existência de uma violação das normas comunitárias da concorrência por outra explicação plausível dos factos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colect., p. II‑2501, n.° 186, e jurisprudência aí referida).

50      No que respeita aos meios de prova que podem ser invocados para demonstrar a violação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE, cumpre observar que o princípio que prevalece no direito comunitário é o da livre administração da prova (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colect., p. II‑2395, n.° 72). Em particular, nenhuma disposição nem nenhum princípio geral de direito comunitário proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa as declarações de outras empresas acusadas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado CE (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49, supra, n.° 192).

51      Por conseguinte, a existência de uma explicação alternativa dos factos só é pertinente quando a Comissão se apoia unicamente na conduta das empresas em causa no mercado. Assim, tal explicação não é pertinente a partir do momento em que a existência da infracção não é simplesmente presumida, mas demonstrada por provas. Além disso, por força do princípio da livre administração da prova invocado no número anterior, todos os meios de prova são admissíveis para provar uma infracção, de modo que a existência de uma explicação alternativa não é pertinente quando uma infracção é suficientemente provada, através de provas distintas das provas documentais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/9, Colect., p. II‑931, n.os 727 e 728).

52      No caso em apreço, no que respeita aos elementos impugnados pela Siemens, cumpre, pois, verificar se os comportamentos de que é acusada pela Comissão na decisão impugnada estão demonstrados por elementos de prova ou foram deduzidos unicamente da conduta das empresas em causa no mercado. Nesta última hipótese, há, pois que analisar em seguida se existem explicações alternativas para a conduta das empresas em causa no mercado, suficientemente plausíveis para pôr em causa as constatações feitas na decisão impugnada.

53      Em contrapartida, segundo a jurisprudência, tendo em conta o carácter notório da proibição dos acordos anticoncorrenciais e a clandestinidade em que são aplicados, a prova de um cartel pode ser inferida de um conjunto concordante de indícios (v. n.° 48 supra). Consequentemente, a Siemens não pode pretender excluir essa prova alegando que, considerados isoladamente, os indícios individuais invocados pela Comissão não bastam para provar os comportamentos de que é acusada. Com efeito, por definição, os elementos individuais que fazem parte do referido conjunto concordante de indícios indicados pela Comissão, considerados isoladamente, não poderiam constituir provas completas deste comportamento.

54      No que respeita ao valor probatório a atribuir aos diferentes elementos de prova, há que observar que o único critério pertinente para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.° 84, e jurisprudência aí referida; acórdãos Dalmine/Comissão, n.° 50 supra, n.° 72, e JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49, supra, n.° 273). Segundo as regras geralmente aplicáveis em matéria de prova, a credibilidade e, portanto, o valor probatório de um documento dependem da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do carácter prudente e fiável do seu conteúdo (acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 1053; conclusões do juiz B. Vesterdorf, exercendo funções de advogado‑geral no processo Rhône‑Poulenc/Comissão, acórdão de 24 de Outubro de 1991, T‑1/89, Colect., pp. II‑867, II‑869, II‑956). Importa, designadamente, atribuir grande importância ao facto de ter sido elaborado um documento em conexão imediata com os factos (acórdãos do Tribunal Geral de 11 de Março de 1999, Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colect., p. II‑707, n.° 312, e de 16 de Dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, T‑5/00 e T‑6/00, Colect., p. II‑5761, n.° 181) ou por testemunho directo desses factos (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49, supra, n.° 207). Além disso, as declarações que vão contra interesses do declarante devem, em princípio, ser consideradas elementos de prova particularmente fiáveis (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49, supra, n.os 207, 211 e 212).

b)     Quanto ao valor probatório do acordo GQ e do acordo EQ

55      Em primeiro lugar, no que respeita ao acordo GQ, as partes concordam quanto ao facto de este acordo prever a execução de um cartel sobre os projectos de MCIG a nível mundial, incluindo designadamente trocas de informações sobre concursos e sobre contratos celebrados, com o auxílio de formulários padronizados, sobre a atribuição de uma quota respectivamente para os grupos de construtores europeus e japoneses, a atribuição de contratos no interior do cartel, a manipulação de concursos, a fixação de preços mínimos e a luta contra as empresas alheias ao cartel. No entanto, cabe salientar que, à semelhança do que afirma a Siemens, o teor do acordo GQ excluía a sua aplicação na Europa. Com efeito, o anexo 2 a este acordo, relativo ao seu âmbito territorial, define cinco grupos de territórios. O primeiro grupo é definido como a Europa e o Mediterrâneo, com excepção dos doze Estados‑Membros da Comunidade à época, da Áustria, da Suécia, da Suíça, da Finlândia e da Noruega. Quanto ao EEE, só estão incluídos o Liechtenstein e a Islândia – circunstância que só é pertinente a partir da entrada em vigor do acordo EEE, em 1 de Janeiro de 1994. O segundo grupo é definido como a Ásia, com excepção do Japão.

56      O teor do acordo GQ não constitui pois, em si mesmo, a prova de um cartel que tenha produzido efeitos no mercado comum e no EEE.

57      Em seguida, quanto ao acordo EQ, há que salientar que o mesmo constitui apenas um acordo de execução do acordo GQ, o que é confirmado pela sua denominação e pelas disposições constantes do seu preâmbulo segundo as quais, designadamente, o acordo EQ é aplicável no âmbito da execução do acordo GQ e as regras estipuladas neste último prevalecem sobre as estabelecidas no acordo EQ. Substancialmente, o acordo EQ contém regras relativas à redistribuição da quota conjunta «europeia» entre os produtores europeus. Essa redistribuição era efectuada segundo o procedimento previsto no artigo 4.° do acordo EQ e segundo as quotas enunciadas no artigo 8.° desse acordo.

58      Portanto, dado que o acordo EQ se limita, em princípio, a repartir a quota conjunta «europeia» prevista no acordo GQ, o qual, como acabei de referir, exclui o mercado comum e o essencial do EEE, o teor do acordo EQ não constitui uma prova de um cartel com efeitos no mercado comum e no EEE. Consequentemente, como refere o n.° 39 supra, há que analisar se a Comissão conseguiu provar de outro modo a existência de tais efeitos. As conclusões que, para além da sua redacção, se podem retirar do acordo GQ e do acordo EQ serão adiante tratadas nos n.os 140 e segs., relativos aos elementos de prova documental.

c)     Quanto à prova do acordo comum

59      Saliente‑se, a título preliminar, que o facto de as cláusulas do acordo GQ, para as quais remete igualmente o acordo EQ, excluírem expressamente do seu âmbito de aplicação os mercados europeus e japonês não pode ser automaticamente entendido como uma prova de que o cartel não teve efeitos nos mercados europeus, nem como uma prova da ausência de repartição geográfica ou de «países construtores». Com efeito, embora possa significar que as empresas envolvidas exerciam uma concorrência não falseada nos referidos mercados, a referida exclusão pode igualmente significar que a atribuição e o controlo de quotas entre os grupos europeus e japoneses não eram necessários quanto a estes mercados, porque, de qualquer modo, estes estavam exclusivamente reservados a um dos dois grupos. Esta interpretação é acolhida pela Comissão.

60      Cumpre realçar que um acordo que tem por objecto o respeito das posições privilegiadas tradicionais das partes no cartel, respectivamente, nos mercados europeu e japonês, caso seja provado, constitui já em si um cartel com efeitos no mercado comum, na medida em que suprime a concorrência potencial dos produtores japoneses no mercado comum. Isto é válido mesmo na hipótese de a Comissão não conseguir demonstrar que, além disso, os produtores europeus partilharam entre si o mercado europeu. No entanto, como a seguir se explica, a Comissão fez prova bastante do conjunto dos factos contestados pela Siemens no âmbito do primeiro fundamento.

61      Com o objectivo de provar a existência e o âmbito do acordo comum, a Comissão referiu, na decisão impugnada, um conjunto de elementos entre os quais, designadamente, as declarações da ABB, da testemunha M., da Fuji e da Hitachi, o facto de nem a Alstom nem as sociedades que constituem o grupo Areva nem o grupo de que a sociedade VA Technologie era a sociedade‑mãe (a seguir «grupo VA Tech») terem contestado abertamente o acordo comum, uma lista de projectos de MCIG discutidos no cartel, fornecida pela ABB, e certos elementos de prova documentais. Há, pois, que analisar o alcance e o valor probatório de cada um destes elementos.

 Quanto às declarações da ABB e da testemunha M.

62      Nas suas declarações, a ABB indicou que existia a protecção dos territórios do leste europeu e japonês e que alguns casos, nos quais produtores japoneses, contrariamente a esta disposição, pretendiam responder a concursos europeus, tinham causado problemas no cartel, os quais, no entanto, no final, foram resolvidos. Além disso, na sua declaração de 3 de Fevereiro de 2005, a ABB indicou que os resultados da atribuição dos projectos de MCIG no mercado comum – com excepção dos «países construtores» – eram depois imputados nas quotas mundiais dos produtores europeus no cartel. Finalmente, na sua declaração de 4 de Outubro de 2005, a ABB admitiu a existência do sistema dos «países construtores», segundo a qual, se existisse apenas um produtor nestes países, era o único proprietário dos projectos e, se existissem vários produtores, estes repartiam os projectos entre si.

63      A este respeito, a Siemens argumenta que as declarações da ABB são meras afirmações interessadas dessa sociedade, desprovidas de valor probatório por não se apoiarem em provas precisas e verificáveis. Por seu lado, a Comissão considera que a declaração de uma empresa que pretenda obter uma imunidade de coima possui um valor probatório particular devido ao simples facto de contrariar o interesse natural do seu autor.

64      No que respeita ao grau de credibilidade a atribuir às declarações da ABB, cumpre realçar que, no caso em apreço, enquanto primeira denunciante do cartel, a ABB podia razoavelmente esperar beneficiar da imunidade total de coimas prevista no ponto 8 da comunicação sobre a cooperação. Consequentemente, não se pode excluir a possibilidade de se sentir incitada a maximizar a importância do comportamento ilícito denunciado, com o objectivo de prejudicar os seus concorrentes no mercado.

65      Isso, no entanto, não significa que as declarações da ABB devam ser consideradas desprovidas de toda a credibilidade. A este respeito, considerou‑se que o facto de requerer o benefício da aplicação da comunicação sobre a cooperação com o objectivo de obter uma redução do montante da coima não cria necessariamente um incentivo à apresentação de elementos de prova deformados. Com efeito, qualquer tentativa de induzir a Comissão em erro pode pôr em causa a sinceridade bem como a integridade da cooperação do requerente e, portanto, pôr em risco a possibilidade de este beneficiar plenamente da comunicação sobre a cooperação (acórdão do Tribunal Geral de 16 de Novembro de 2006, Peróxidos Orgânicos/Comissão, T‑120/04, Colect., p. II‑4441, n.° 70).

66      No entanto, na medida em que são impugnadas por outras empresas que são igualmente acusadas de terem celebrado o acordo comum, as declarações da ABB devem ser apoiadas por outros elementos de prova para poder constituir prova bastante da existência e do alcance do acordo comum (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Enso‑Gutzeit/Comissão, T‑337/94, Colect., p. II‑1571, n.° 91, e de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colect., p. II‑4407, n.° 285).

67      Há, pois, que verificar em que medida as declarações da ABB relativas à repartição do mercado entre os produtores europeus e japoneses e à existência de «países construtores» são apoiadas por outros elementos de prova invocados pela Comissão.

68      A este respeito, observe‑se que, na decisão impugnada, a Comissão se refere designadamente às declarações da testemunha M., ex‑empregado da ABB, que a representava ao nível operacional do cartel entre 1988 e Abril de 2002.

69      Ora, no que respeita à natureza das declarações de M., cumpre salientar, a título liminar, que o seu testemunho não pode ser qualificado como diferente e independente do da ABB. Com efeito, não só foi empregado desta sociedade durante toda a sua vida profissional – circunstância que não pode assegurar a ausência de quaisquer divergências de interesses entre eles, como a Comissão adequadamente salienta ‑, como também se expressou, junto da Comissão, enquanto mandatário da ABB no âmbito da obrigação de cooperação desta última para efeitos da obtenção de uma imunidade de coimas, nos termos do ponto 11 da comunicação sobre a cooperação, sendo assistido pelo advogado da ABB, tal como decorre da parte introdutória da transcrição das observações que fez na sua audição de 23 de Setembro de 2005. Além disso, a Comissão equiparou, por exemplo, nas notas de rodapé n.os 90 e 91 da decisão impugnada, os testemunhos de M. às declarações da ABB.

70      Consequentemente, as declarações de M. não podem ser consideradas um outro elemento de prova em apoio das declarações da ABB, na acepção da jurisprudência acima referida no n.° 66, devendo até ser consideradas parte destas últimas. Isso não as priva de todo o valor probatório. Podem servir designadamente para precisar as declarações da ABB. No entanto, é necessário corroborar as informações retiradas dos depoimentos de M. com outros elementos que façam prova bastante da existência e do alcance do acordo comum, do mesmo modo que as retiradas das declarações da ABB, apesar de M., contrariamente à ABB, não poder ter um interesse pessoal em maximizar o comportamento ilícito das concorrentes da ABB. As mesmas considerações são, aliás, aplicáveis às declarações de V.‑A., empregado da ABB, interrogado pela Comissão nas mesmas condições descritas no número anterior quanto a M.

71      Quanto ao conteúdo das declarações de M., refira‑se que este indicou que o princípio de protecção dos mercados domésticos tinha uma importância primordial para a realização do cartel e que este último não teria podido funcionar se esse princípio não fosse respeitado.

72      Segundo M., é por esta razão que, na determinação das quotas das diversas empresas implicadas no momento da criação do cartel em 1988, os mercados domésticos respectivos dos produtores japoneses e europeus, a saber, por um lado, do Japão enquanto mercado doméstico das empresas japonesas e, por outro, da Alemanha, da França, da Suécia, da Suíça e da Itália enquanto mercados domésticos das empresas europeias, estavam excluídos da avaliação das quotas de mercado detidas por cada empresa.

73      M. indicou igualmente que os países europeus, distintos dos «países construtores», estavam excluídos do sistema de repartição dos projectos previsto pelo acordo GQ, com o objectivo de não afectar o funcionamento de certas práticas de colusão que tinham sido instituídas a nível local entre os diferentes produtore, ao longo dos anos. Em contrapartida, o volume de vendas obtido por cada produtor era tido em conta para efeitos do controlo do respeito das quotas mundiais dos grupos europeu e japonês e das quotas de cada empresa.

74      Além disso, M. considerou que não havia obstáculos técnicos ou comerciais intransponíveis à entrada das empresas japonesas no mercado europeu e que essa entrada teria sido possível, a médio prazo, mediante certos investimentos. Consequentemente, em sua opinião, as empresas japonesas abstinham‑se de penetrar no mercado europeu mais para respeitar as regras do cartel do que por razões técnicas.

75      No que respeita à credibilidade do testemunho de M., há que ter em conta que, durante quase toda a vigência do cartel, a saber, entre 1988 e 2002, foi um dos representantes da ABB no mesmo, enquanto a própria ABB era um dos principais actores do cartel. Foi, pois, testemunha directa das circunstâncias que apresentou. Portanto, o seu testemunho deve, em princípio, ser qualificado como elemento de prova com elevado valor probatório.

76      Além disso, as declarações de M. são coerentes e claras, ainda que ele não se recorde de todos os pormenores factuais da execução do cartel em que participou, por conta da ABB, durante catorze anos. Ora, num testemunho que abrange um período tão longo, o facto de poderem existir algumas pequenas imprecisões nestas declarações deve ser considerado normal.

77      Consequentemente, há que atribuir elevada credibilidade às declarações de M., sem prejuízo do facto, já realçado, de as mesmas deverem ser apreciadas enquanto declarações feitas por conta da ABB.

78      Esta apreciação não é posta em causa pelos argumentos aduzidos pela Siemens para contestar a credibilidade do depoimento de M. e, designadamente, pelas alegadas contradições entre este depoimento e o de V.‑A. Com efeito, não colhem as alegações da Siemens segundo as quais, por um lado, V.‑A. indicou que os Estados‑Membros do EEE, tal como os Estados da América do Norte, estavam excluídos do âmbito de aplicação do acordo GQ e, por outro, a Comissão não demonstrou em que medida o depoimento de V.‑A. era menos credível do que o de M., uma vez que o depoimento de V.‑A. não contradiz o de M.

79      A este respeito, cabe referir que o próprio V.‑A. afirmou, na sua declaração de 21 de Setembro de 2005, que participou apenas em seis a dez reuniões ao nível operacional, entre 1997 e 1998, que teve conhecimento limitado e, neste domínio, esteve dependente de M., que era o único que dispunha de determinadas informações, designadamente respeitantes à exclusão da América do Norte e da Europa do âmbito de aplicação do acordo GQ.

80      Além disso, V.‑A. referiu uma diferença entre a exclusão da América do Norte e a exclusão da Europa, especificando que os Estados Unidos estavam excluídos por receio de se exporem às sanções severas que impendem sobre os participantes em cartéis nesse país, ao passo que supunha que os projectos europeus eram efectivamente tratados pelas empresas participantes no cartel, mas não no âmbito das reuniões em que ele próprio participava.

81      Finalmente, V.‑A. referiu que, nas reuniões em que participou, assistiu a discussões entre os representantes do grupo dos produtores japoneses e os representantes do grupo dos produtores europeus sobre alegadas tentativas dos produtores japoneses de penetrarem nos mercados europeus, violando um acordo que os proibia de concorrer com os produtores europeus na Europa Ocidental. Especificou igualmente que não via qualquer obstáculo técnico ou comercial intransponível a que os produtores japoneses possam penetrar nos mercados europeus.

82      Com fundamento nos conhecimentos limitados de que, nas suas próprias palavras, dispunha sobre o funcionamento do cartel, as declarações de V.‑A são, pois, compatíveis com as de M., confirmando‑as mesmo, em certos aspectos, designadamente no que respeita à repartição dos mercados entre os produtores europeus e japoneses. Embora a Comissão não o tenha indicado expressamente na decisão impugnada, o testemunho de V.‑A. constitui, pois, para a Siemens, um elemento de acusação mais do que de defesa. Consequentemente, o argumento da Siemens relativo a uma contradição entre os depoimentos de M. e de V.‑A. deve ser rejeitado.

83      Em conclusão, as declarações de M., que gozam de uma elevada credibilidade, constituem um elemento de prova da existência do princípio de protecção dos «países construtores», da reserva dos mercados europeus excepto «países construtores», em benefício dos produtores europeus, e da tomada em consideração do volume de vendas nestes últimos, com o objectivo de respeitar as quotas mundiais. No entanto, tal como acima referido no n.° 70, as declarações de M. devem ser apoiadas por outros elementos de prova, tal como as de ABB, para poderem constituir prova bastante da existência e alcance do acordo comum.

 Quanto às declarações da Fuji

84      A Fuji declarou que tinha conhecimento do acordo comum segundo o qual os produtores japoneses se deviam abster de entrar no mercado europeu. No entanto, argumenta que a sua própria abstenção do mercado europeu era principalmente devida ao facto de não poder seriamente pretender fornecer MCIG na Europa por outras razões, designadamente a sua quota de mercado mundial limitada que não justificava os custos não recuperáveis necessários ao desenvolvimento de uma base europeia. No que respeita ao único projecto de MCIG que a Fuji realizou na Europa, a saber, um projecto na República Checa, em 1995, alega que, no caso, actuou como subcontratante de outra empresa japonesa à qual forneceu o MCIG em causa no Japão. Consequentemente, considera esse projecto como um projecto de MCIG no Japão e entende que o mesmo não demonstra a sua capacidade geral de distribuição na Europa.

85      A Siemens argumenta, a este respeito, que esta declaração da Fuji só foi prestada após a audição acima referida no n.° 9, ou seja, num momento em que a Fuji já não tinha a possibilidade de prestar um testemunho imparcial e objectivo. Ora, segundo a jurisprudência, apenas os documentos que foram citados ou referidos na comunicação de acusações constituem meios de prova válidos (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 21, e do Tribunal Geral de 16 de Dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, n.° 54, supra, n.° 34, e jurisprudência aí referida).

86      Esta objecção não pode ser acolhida. Com efeito, a comunicação de acusações deve, segundo jurisprudência constante, permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é imputado pela Comissão, sendo esta exigência respeitada quando a decisão final não impute aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas considere factos sobre os quais os interessados tiveram oportunidade de se pronunciar (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 94; acórdãos do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 138, e de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 47).

87      Assim, embora seja verdade que as infracções imputadas a uma empresa numa decisão não podem ser diferentes das enunciadas na comunicação de acusações, tal não acontece com os factos tomados em consideração, dado que, em relação a estes últimos, basta que as empresas interessadas tenham a possibilidade de se pronunciar sobre todos os factos que lhe são imputados. Com efeito, como foi decidido, nenhuma disposição impede a Comissão de comunicar às partes, após o envio da comunicação de acusações, novos documentos que considera apoiarem a sua tese, sem prejuízo de dar às empresas o tempo necessário para apresentarem o seu ponto de vista sobre o assunto (acórdão do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 190; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.° 29).

88      Ora, no vertente caso, é facto assente que, por carta de 25 de Agosto de 2006, a Comissão comunicou à Siemens as declarações da Fuji e convidou‑a a apresentar‑lhe os seus comentários sobre estas declarações. Além disso, as mesmas declarações não mencionavam alegações contra a Siemens que fossem novas em relação às enunciadas na comunicação de acusações, contendo apenas um novo elemento de prova que servia para apoiar uma alegação já referida na comunicação de acusações, a saber, a existência de um acordo comum entre os produtores japoneses e europeus segundo o qual os produtores japoneses não deviam penetrar no mercado europeu.

89      Consequentemente, as declarações da Fuji podem ser acolhidas enquanto elementos de prova contra a Siemens.

90      No que respeita à credibilidade a atribuir às declarações da Fuji, refira-se que, na medida em que admitiu, pelo menos indirectamente, que a sua ausência do mercado europeu se devia, em parte, ao acordo comum, esta última reconheceu um facto de que podia ser acusada pela Comissão. Ora, já foi decidido que as declarações que vão contra interesses do declarante devem, em princípio, ser consideradas elementos de prova particularmente fiáveis (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49, supra, n.° 211).

91      Isto continua a ser verdade no presente caso, apesar de a Fuji ter requerido o benefício da comunicação sobre a cooperação. Com efeito, em primeiro lugar, as declarações da Fuji não foram feitas no quadro deste pedido, mas na resposta à comunicação de acusações, ainda que os dois documentos tenham sido apresentados quase simultaneamente. Em segundo lugar, o reconhecimento pela Fuji de que tinha conhecimento da repartição dos mercados europeus e japonês não tem natureza exclusivamente acusatória em relação a outras empresas – circunstância que devia fazer com que a sua declaração fosse tratada cuidadosamente ‑, contendo igualmente o reconhecimento de uma infracção sua. Nestas circunstâncias, há que considerar que, no presente caso, a declaração da Fuji deve gozar de elevada credibilidade.

92      Finalmente, no que respeita ao conteúdo da declaração da Fuji, refira-se que, nesta declaração, a Fuji não se limita a reconhecer uma repartição de mercados entre os produtores europeus e japoneses, indicando igualmente pormenores relativos aos objectivos respectivos das empresas que participaram no cartel, que permitem tirar outras conclusões. Com efeito, a Fuji indica que, no que lhe diz respeito, o acordo comum não era a razão principal da sua não penetração no mercado europeu e dá todo um conjunto de razões que, segundo ela, pesaram mais nessa opção. Em particular, o argumento de que a sua quota de mercado mundial era demasiado frágil para justificar os custos não recuperáveis necessários ao desenvolvimento de uma base europeia permite concluir que os produtores japoneses – e, inversamente, os produtores europeus – detentores de uma maior quota de mercado teriam sido capazes de ultrapassar os obstáculos técnicos e comerciais à entrada nos mercados protegidos dos respectivos grupos de produtores e rentabilizar esse investimento. Nesta perspectiva, quanto maior for a quota de mercado de uma determinada empresa, menor importância assume para ela o argumento relativo aos obstáculos técnicos e comerciais e, inversamente, maior importância assume a proibição estabelecida no quadro do acordo comum de penetração nos mercados do outro grupo de produtores.

93      Ora, se nos reportarmos às quotas de mercado indicadas pela Comissão nos considerandos 484 a 488 da decisão impugnada, que se baseiam nos volumes de vendas indicados pelas próprias empresas e que não são impugnadas no presente caso, verifica‑se que a Fuji era de longe o menor produtor de MCIG que participava no cartel, com, no máximo, 2% do volume de negócios mundial das empresas participantes no cartel, no que respeita aos projectos de MCIG. As quotas de mercado das outras empresas japonesas eram claramente superiores e compreendidas entre 15% e 20% para a Melco, entre 8% e 12% para a Toshiba e entre 4% e 7% para a Hitachi. Por sua vez, a Siemens detinha uma quota de mercado compreendida entre 23% e 29%. Consequentemente, a declaração da Fuji permite concluir que a protecção dos mercados europeu e japonês em benefício, respectivamente, dos produtores europeus e dos produtores japoneses, se revestia de interesse para a maioria das empresas abrangidas, dado que a sua quota de mercado claramente superior à da Fuji lhes teria permitido suportar mais facilmente os custos de uma penetração nos mercados do outro grupo de produtores.

94      Além disso, refira-se que a Comissão não contesta a existência de obstáculos técnicos e comerciais à entrada nos mercados respectivos dos grupos europeu e japonês, mas sim o entendimento de que esses obstáculos não puderam ser transpostos de forma rentável. A este respeito, baseou‑se em dois projectos de MCIG na República Checa. O primeiro foi atribuído à Fuji e o segundo é objecto de uma proposta da Melco, o que não foi impugnado pela Siemens. Isso demonstra que não existiam obstáculos técnicos e comerciais intransponíveis à entrada dos produtores japoneses nos mercados europeus, o que tende a apoiar o argumento da Comissão de que as empresas que participaram no cartel tinham interesse subjectivo em que os produtores do outro grupo não procurassem transpor estes mesmos obstáculos.

95      Em conclusão, as declarações da Fuji constituem um elemento de prova da existência de uma repartição dos mercados europeus e japonês em benefício dos respectivos grupos de produtores, o qual goza de elevada credibilidade.

 Quanto às declarações da Hitachi

96      A Hitachi declarou que os projectos de MCIG na Europa repartidos entre os produtores europeus eram imputados na quota conjunta «europeia» no âmbito do acordo GQ e que, por este motivo, até 1999, os produtores japoneses eram informados ex post, do resultado da repartição dos projectos de MCIG na Europa entre os produtores europeus. Com efeito, na sua resposta à comunicação de acusações, a Hitachi indicou:

«A Hitachi confirma que, antes de 1999, os produtores europeus de MCIG comunicavam aos produtores japoneses de MCIG os pormenores dos projectos de MCIG que iam fornecer na Europa. A Hitachi confirma, além disso, que o objectivo desta comunicação consistia em assegurar que o valor dos projectos europeus era tido em conta no acordo relativo à quota de projectos fora da Europa a atribuir entre os produtores europeus e os produtores japoneses, em conformidade com o acordo GQ […]

Para se poder perceber a falta de importância prática deste mecanismo, durante o período em que se encontrava em vigor (a saber, antes de 2002), deve salientar‑se que a comunicação dos pormenores dos projectos na Europa no quadro do acordo GQ não estava associada a qualquer consentimento dos produtores japoneses em se manterem afastados do mercado europeu nem demonstra a existência desse consentimento, dado que não havia qualquer ‘acordo comum’. Em quaisquer circunstâncias, o que é talvez mais importante é que, de modo nenhum, a atribuição dos projectos de MCIG europeus por força do cartel europeu ‘resultava de’ comunicações entre os produtores de MCIG europeus e os produtores de MCIG japoneses, como alegou a Comissão. Todas as comunicações entre os produtores de MCIG europeus e japoneses eram feitas depois de ter tido lugar a atribuição dos projectos de MCIG europeus.»

97      Esta declaração é elucidativa quanto a vários aspectos. Em primeiro lugar, ao confirmar expressamente que projectos de MCIG na Europa realizados pelos produtores europeus eram contabilizados na sua quota global no âmbito do acordo GQ, a Hitachi confirma a tese da Comissão de que os produtores europeus, ente os quais a Siemens, faziam acordos sobre projectos no mercado comum (durante os primeiros anos do funcionamento do cartel, a Europa de Leste ainda não era acessível como mercado) e de que, consequentemente, o cartel tinha efectivamente efeitos no mercado comum e no EEE.

98      Em segundo lugar, independentemente da vontade do seu autor, a declaração da Hitachi constitui igualmente um indício em apoio da tese da Comissão segundo a qual os mercados europeus estavam globalmente reservados aos produtores europeus. Com efeito, a Hitachi insiste, em diversas ocasiões, no facto de a informação dos produtores japoneses ser efectuada ex post. Por um lado, conclui daí que estes últimos não estavam implicados nas práticas colusórias dos produtores europeus nos mercados europeus. Por outro, considera que a referida informação não tinha qualquer conexão com um compromisso dos produtores japoneses de se manterem afastados dos mercados europeus nem provava esse compromisso e contesta a existência do acordo comum.

99      Ora, o facto, igualmente admitido pela Hitachi, de os projectos de MCIG na Europa, que eram repartidos entre os produtores europeus serem contabilizados na quota mundial, não pode encontrar uma explicação razoável se, em qualquer caso, os mercados europeus não estivessem acessíveis aos produtores japoneses por razões técnicas e comerciais. Com efeito, nessa hipótese, os produtores europeus não teriam tido qualquer razão para aceitar que esses projectos fossem imputados na sua quota mundial, o que diminuía necessariamente o número e o valor dos projectos de MCIG nos mercados mundiais que podiam reivindicar no âmbito do cartel. Pelo contrário, o facto de terem permitido esta contrapartida demonstra que a abstenção dos produtores japoneses de penetrarem nos mercados europeus tinha um valor para os produtores europeus que podia justificar a mesma contrapartida.

100    Quanto à credibilidade da declaração da Hitachi, refira-se que esta última requereu o benefício da comunicação sobre a cooperação. Consequentemente, as suas declarações deviam ser tratadas com reserva na medida em que tivessem carácter exclusivamente acusatório em relação a outras empresas. Contudo, não é isso que acontece no caso vertente. Com efeito, a dedução que se pode retirar da declaração da Hitachi, segundo a qual os produtores japoneses tinham aceitado não penetrar nos mercados europeus, contraria tanto os interesses da Hitachi como os das outras participantes no cartel, na medida em que confirma um facto que poderá ser invocado contra ela. Além disso, é evidente que a Hitachi não estava consciente de todas as conclusões que o conteúdo da sua declaração permitia retirar, designadamente no que respeita à reserva dos mercados europeus em benefício dos produtores europeus, o que tende a aumentar a credibilidade da sua declaração.

101    Em conclusão, há que atribuir elevada credibilidade às declarações da Hitachi.

 Quanto à não contestação da Areva, da Alstom e do grupo VA Tech

102    No que respeita à não contestação da Areva, da Alstom e do grupo VA Tech, importa observar que os autos ou não justificam que se atribua grande valor probatório a este facto ou não permitem apoiar as alegações da Comissão.

103    Em primeiro lugar, no que respeita à Areva e à Alstom, a Comissão refere, no considerando 125 da decisão impugnada, que estas duas sociedades não contestaram o acordo comum relativo ao respeito das posições privilegiadas tradicionais nos mercados domésticos das empresas que participaram no cartel, nem nas respectivas respostas à comunicação de acusações nem nas suas declarações posteriores, de 21 e 26 de Novembro de 2006 respectivamente, na sequência da recepção da resposta da Fuji que reconhece o acordo comum. No entanto, nem a Siemens nem a Comissão abordaram a falta de contestação pela Areva e pela Alstom nos seus articulados no Tribunal Geral. Nestas condições, há que considerar que esta questão não faz parte do presente litígio.

104    Em segundo lugar, no que respeita ao grupo VA Tech, a Comissão salienta, no considerando 125 da decisão impugnada, que este não contestou abertamente, na resposta à comunicação de acusações, as informações relativas ao acordo comum. A este respeito, cumpre observar, em primeiro lugar, que a referida resposta não consta do processo e que o Tribunal Geral apenas dispõe da citação da mesma que foi feita pela Comissão, na nota de rodapé n.° 79 da decisão impugnada, que dispõe o seguinte: «Mesmo sem o pretenso acordo comum, os produtores japoneses mantiveram‑se afastados do mercado europeu devido às importantes barreiras à entrada, como se demonstra em seguida». Em segundo lugar, importa referir que o simples facto de uma sociedade não ter contestado abertamente determinados factos não pode deixar de ter um valor probatório muito limitado, tanto mais que não é possível verificar o contexto da não contestação apenas com fundamento nessa citação isolada. Em terceiro lugar, cumpre observar que, mesmo considerada isoladamente, a referida citação não tem o conteúdo que a Comissão lhe atribui. A este respeito, há que evidenciar a expressão «pretenso», utilizada pelo grupo VA Tech para qualificar o acordo comum. Resulta da utilização desta expressão que, ainda que o grupo VA Tech não tenha contestado expressamente a existência deste acordo, também não o admitiu, mesmo implicitamente. Pelo contrário, a passagem referida deve ser interpretada como uma contestação implícita da existência do acordo comum.

105    Consequentemente, a pretensa falta de contestação do acordo comum pela Areva, pela Alstom e pelo grupo VA Tech não pode ser considerada um elemento que confirma a tese da Comissão relativa à reserva dos mercados europeus para os produtores europeus e à protecção dos «países construtores».

 Quanto à lista de projectos de MCIG na Europa

106    No que respeita à lista de onze projectos de MCIG invocada pela Comissão no considerando 164 da decisão impugnada, trata‑se, de facto, de um extracto de uma lista de projectos de MCIG discutidos no interior do cartel durante o período compreendido entre 1988 e 1999, intitulada «Enquirylist1» e apresentada pela ABB (a seguir «lista global»), que contém indicações, designadamente, quanto às datas limite para a apresentação das propostas, às empresas que manifestaram interesse por cada projecto e ao resultado das discussões no cartel (a saber, a atribuição a um membro do cartel ou a fixação de um nível mínimo de preço).

107    Segundo estas indicações, dos onze projectos de AIG na Europa constantes da lista global, em seis destes projectos, a empresa à qual o projecto foi atribuído no âmbito do cartel obteve a encomenda, como aconteceu três vezes, respectivamente, com a ABB e com a Siemens. Quanto aos outros cinco projectos, a lista global especifica que não foram atribuídos a uma das empresas participantes no cartel, tendo sido objecto de um acordo relativo ao nível inferior do preço, isto é, que as empresas europeias que participaram no cartel chegaram a acordo quanto ao preço mínimo que iam propor no âmbito das eventuais respostas ao concurso em questão.

108    Num primeiro momento, a Siemens procurou, de forma geral, lançar a dúvida quanto à fiabilidade das informações constantes da lista global, sem todavia contestar expressamente nem a realidade dos projectos nela incluídos nem, em particular, a realidade dos onze projectos de MCIG na Europa nela indicados, nem mesmo o facto desses projectos terem sido discutidos no cartel.

109    Neste contexto, a Siemens alegou, designadamente, que um determinado número de projectos é referido diversas vezes, que numerosos projectos nunca foram executados e que em lugar algum a lista global indica que lhe foi atribuído um projecto de MCIG no EEE. Em dois casos em que lhe foi atribuído o projecto em causa, tal resultou de práticas concorrenciais. Além disso, a Siemens refere uma análise da lista global realizada por uma sociedade independente, que demonstrava, designadamente, que os projectos de MCIG no EEE não foram objecto de um sistema de repartição funcionando de maneira equivalente ao estabelecido pelo acordo GQ e pelo acordo EQ.

110    Além disso, na sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral antes da audiência, a Siemens contestou que os onze projectos de MCIG na Europa constantes da lista global tenham sido objecto de concertação no interior do cartel.

111    Estas alegações serão adiante examinadas nos n.os 116 a 138.

–       Quanto à origem e à data de criação da lista global, bem como à sua qualificação como elemento de prova

112    Há que observar, como alegou a Siemens, que não foi possível determinar com certeza a origem e a data de criação da lista global.

113    A este propósito, importa, no entanto, referir que, como decorre do considerando 88 e da nota de rodapé n.° 21 da decisão impugnada, a lista global foi apresentada pela ABB em 7 de Maio de 2004, ou seja, um dia após a data de 6 de Maio de 2004, que figura no cabeçalho da sua primeira página, data que constitui pois, muito provavelmente, quer a da sua criação, quer a da sua impressão. Além disso, sublinhe‑se que, em relação aos outros membros do cartel, a ABB dispunha de um código suplementar na referida lista. Com efeito, os membros europeus – com excepção da ABB – e os membros japoneses figuram na coluna intitulada «Member» desta lista, em dois grupos, com os códigos respectivos, tais como utilizados no cartel. Em contrapartida, segundo a expressão empregue por M. na sua audição, pela Comissão, em 23 de Setembro de 2005, a ABB «esconde‑se» na coluna intitulada «GCs», em princípio destinada à indicação dos eventuais contratos gerais. Segundo as indicações de M., tratava‑se de uma precaução tomada na sequência de uma investigação efectuada pela autoridade sueca da concorrência em relação à ABB.

114    Estas duas circunstâncias permitem presumir que a lista global foi estabelecida, inicialmente, pela ABB para efeitos do seu próprio acompanhamento do cartel, e foi reimpressa para ser apresentada perante a Comissão. Há, pois, que se basear nesta presunção, aliás, a mais favorável à Siemens e compatível com as declarações desta última, que contesta ser a autora da lista global.

115    Consequentemente, como sustenta a Siemens, há que qualificar a lista global como parte das declarações da ABB. Com efeito, tendo em conta que, como foi referido, foi elaborada pela ABB ou impressa por ela a partir de um ficheiro electrónico, num contexto temporal próximo das suas declarações para efeitos do seu pedido de imunidade de coimas, nos termos da comunicação sobre a cooperação, a lista global não podia ser qualificada como prova documental. Consequentemente, as declarações, acima referidas nos n.os 64 a 67, relativas ao valor probatório das declarações da ABB, são igualmente válidas no que respeita à lista global. Em particular, as informações retiradas da lista global não podem servir para apoiar as declarações da ABB, devendo, pelo contrário, ser apoiadas por outros elementos de prova, nos termos da jurisprudência acima referida no n.° 66.

–       Quanto à alegação segundo a qual os projectos de MCIG na Europa referidos na lista global não foram discutidos no cartel

116    Como foi acima referido no n.° 110, no âmbito da sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral antes da audiência, a Siemens contestou, pela primeira vez, que os onze projectos de MCIG na Europa constantes da lista global tenham sido objecto de concertação no cartel. É verdade que, na sequência de uma questão colocada na audiência a este respeito, indicou que já fez esta contestação no quadro do procedimento administrativo perante a Comissão e na petição. No entanto, a este respeito, a petição inclui apenas os elementos acima referidos no n.° 109 e, ainda que a Siemens tenha feito esta contestação no procedimento administrativo, isso não podia compensar a falta de contestação no Tribunal, na fase da petição. Consequentemente, a alegação da Siemens, segundo a qual os onze projectos de MCIG na Europa constantes da lista global não foram objecto de discussão no cartel, deve ser rejeitada, por intempestiva, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

117    Além disso, importa sublinhar o carácter pormenorizado das informações constantes da lista global. Com efeito, esta inclui, designadamente, indicações quanto às características dos equipamentos a fornecer para os projectos em causa, à data prevista para a apresentação das propostas, às datas de deliberação no cartel, às manifestações de interesse pelos projectos por parte dos diversos membros do cartel, à identidade do eventual adjudicatário ou à indicação do facto de que foi determinado um nível mínimo de preço e, se for o caso, à indicação de que o projecto foi efectivamente obtido pelo adjudicatário. Não é admissível que indicações de tal diversidade e precisão sejam contestadas por uma simples alegação de que os onze projectos de MCIG na Europa não foram objecto de concertação no cartel.

118    Deve recordar‑se, neste contexto, que a Siemens não contesta que assumiu a função de secretário europeu do cartel durante o período compreendido entre 1988 e 1999. Devia, pois, necessariamente ter conhecimento da totalidade dos projectos discutidos no grupo europeu de produtores e, consequentemente, estar em condições de contestar de maneira circunstanciada e individual os projectos enumerados pela ABB com base nos seus próprios documentos, caso existisse um erro. O facto de a Siemens não ter aproveitado esta ocasião nem explicado em que medida estava impedida de o fazer permite pois declarar que a Siemens não contestou de forma válida que os projectos constantes da lista global e, em particular, os onze projectos no EEE, foram objecto de concertação no cartel.

119    Há que rejeitar como errada a afirmação da Siemens, feita no âmbito da sua resposta às questões escritas apresentadas pelo Tribunal Geral antes da audiência, segundo a qual os onze projectos em causa se localizavam fora do EEE na época dos factos. Com efeito, entre estes onze projectos, discutidos no cartel entre 1992 e 1998, figuram três projectos em Espanha, um na Dinamarca, um na Irlanda e um em Portugal, todos estes Estados tendo aderido à Comunidade antes de 1988. Do mesmo modo, os dois projectos na Finlândia, de 1994 e 1995, estão indiscutivelmente abrangidos, respectivamente, pelo acordo EEE e pelo Tratado CE, dado que a República da Finlândia, desde 1 de Janeiro de 1994, é membro do EEE, e, desde 1 de Janeiro de 1995, é membro da Comunidade. Contestação semelhante impõe‑se quanto ao projecto na Islândia e aos dois projectos na Noruega, todos de 1998, data em que a República da Islândia e o Reino da Noruega eram membros do EEE. Portanto, aquando da discussão do projecto em causa, todos estes países faziam parte do mercado comum ou do EEE.

120    Além disso, há que rejeitar a alegação da Siemens de que a lista global era «obscura». É verdade que esta lista, que é elaborada sob a forma de quadro, utiliza diferentes códigos compostos por números ou letras. No entanto, foram dadas explicações à Comissão sobre estes códigos, designadamente, pela testemunha M., na sua audição de 23 de Setembro de 2005, e, face a estas explicações, há que considerar que a lista global dá uma imagem clara da maneira como os projectos de MCIG eram tratados no cartel.

–       Quanto aos projectos alegadamente referidos diversas vezes ou não executados

121    A Siemens argumenta que alguns projectos constantes da lista global são referidos diversas vezes. A este respeito, refira‑se que, mesmo que esta alegação seja fundada, isso não afecta em nada a pertinência e a credibilidade da lista global e, portanto, o seu valor probatório. Com efeito, por um lado, a Siemens não especifica quais são os projectos em causa nem indica se eles fazem parte dos onze projectos de MCIG na Europa Ocidental – os únicos projectos em que a Comissão especificamente se baseou na sua decisão e, portanto, os únicos pertinentes para efeitos da análise da decisão impugnada. Por outro lado, o facto de uma lista composta por mais de 1 500 entradas poder conter alguns erros não é susceptível de a descredibilizar no seu conjunto.

122    Quanto à alegação da Siemens de que alguns dos projectos constantes da lista nunca foram executados, refira-se que a Siemens não especifica de que projectos se trata. De resto, ainda que essa alegação tenha fundamento, a não execução de alguns projectos em nenhum caso seria susceptível de excluir a aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE a empresas que manipularam concursos respeitantes a esses projectos no âmbito de um cartel.

–       Quanto à reduzida taxa de projectos de MCIG na Europa repertoriados na lista global

123    A Siemens alega, sem impugnação da Comissão, que, nos mais de 1 500 projectos de MCIG repertoriados na lista global, apenas 11 projectos deviam ser realizados no EEE. É verdade que esta reduzida taxa não reflecte a importância dos mercados europeus. No entanto, cumpre considerar que esta circunstância não justifica que não sejam tidas em conta as informações constantes desta lista.

124    Com efeito, antes de mais, nem a ABB nem a Comissão alegaram que a lista global continha a totalidade dos projectos abrangidos pelo cartel. Além disso, a ausência, em larga medida, de projectos «europeus» na referida lista coincide de facto com a tese segundo a qual existiam «países construtores» que eram de imediato reservados para certas empresas, sem que os projectos realizados nesses países fossem imputados nas quotas nos termos do cartel. Finalmente, a Comissão invocou a existência de cartéis suplementares ao nível nacional, em cujo âmbito podiam ser tratados projectos, os quais foram igualmente referidos pela testemunha M. Esta última explicou que, na maioria dos países europeus não construtores, havia há muito tempo cartéis locais entre os diferentes produtores europeus cujo funcionamento não devia ser afectado pelo acordo GQ e pelo acordo EQ. Por conseguinte, foi decidido não incluir estes países no procedimento de atribuição dos projectos instaurado por estes acordos, mas apenas registar as atribuições de projectos de MCIG a realizar nestes países para os imputar na quota mundial das empresas europeias.

125    Ora, tanto no caso dos «países construtores» como na hipótese de cartéis locais pré‑existentes, não era necessário discutir projectos de MCIG a realizar nos países em causa no quadro do cartel global, o que podia explicar a reduzida percentagem de projectos «europeus» numa lista de projectos atribuídos no referido âmbito, designadamente no que respeita a mercados internacionais tão importantes como a França, a Alemanha e a Itália – que, segundo as declarações da Comissão, eram todos «países construtores» no início do cartel.

126    Sem que seja necessário decidir, com carácter definitivo, sobre a existência dos alegados cartéis locais pré‑existentes, contestados pela Siemens, há, pois, que considerar que, atentas as circunstâncias do presente caso, a reduzida percentagem de projectos de MCIG na Europa repertoriados na lista global não impede que se tenham em conta na apreciação das provas, as informações constantes desta lista, designadamente as informações relativas aos onze projectos de MCIG na Europa que constam da mesma.

127    Além disso, como observou a Comissão na contestação, o raciocínio da Siemens, baseado na alegada exclusão total dos concursos europeus – excepto os do Liechenstein e da Islândia – do âmbito de aplicação do cartel, caso esteja provada, não é susceptível de explicar porque é que a lista global continha um único projecto de MCIG no EEE. Na réplica, a Siemens absteve‑se de tomar posição sobre este assunto. Em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral a este respeito, limitou‑se a contestar que os onze projectos de MCIG na Europa constantes da lista global tivessem sido objecto de concertação no cartel. Ora, como acima evidenciado nos n.os 116 e 117, esta contestação, que teve lugar pela primeira vez na fase oral do processo, deve ser rejeitada.

128    Consequentemente, a reduzida taxa de projectos de MCIG na Europa constantes na lista global não põe em causa o facto, demonstrado pela referida lista, de que no cartel foram discutidos e atribuídos projectos de MCIG na Europa.

–       Quanto à alegada não atribuição à Siemens, no âmbito de cartel, de projectos de MCIG no EEE

129    A Siemens argumenta que a lista global não indica qualquer caso em que um projecto de MCIG no EEE lhe tenha sido atribuído. A este respeito, diga‑se, antes de mais, que, mesmo presumindo que esta alegação da Siemens é fundada, isso não permite excluir a aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE no que lhe diz respeito, uma vez que ela participou num cartel ilegal que abrangia o mercado comum e o EEE, ao participar nas discussões sobre projectos e em decisões de atribuição destes projectos a outras empresas. Com efeito, esses comportamentos, enquanto tais, afectam a concorrência, independentemente da identidade da empresa a que, afinal de contas, o projecto é atribuído.

130    Em quaisquer circunstâncias, a alegação da Siemens de que a lista global não indica que lhe foram atribuídos projectos é errada. Com efeito, no n.° 164 da decisão impugnada, a Comissão indica três projectos cuja encomenda foi obtida pela Siemens, a saber, o projecto n.° 1327, o projecto n.° 0140 e o projecto n.° 0144. Para dois destes projectos, a saber, os projectos nos 0140 e 0144, resulta da lista global que a Siemens era a única empresa interessada nos mesmos e que estes acabaram por lhe ser encomendados. Em contrapartida, quanto ao terceiro projecto, com o n.° 1327, resulta da lista global que, para além da Siemens, a ABB e a Alstom tinham igualmente manifestado o seu interesse no projecto em causa e que este foi atribuído à Siemens nas discussões no cartel.

131    Finalmente, quanto ao argumento da Siemens de que, para dois dos projectos – que não identificou – cuja encomenda obteve, tal facto resultou de práticas concorrenciais, cabe à Siemens demonstrar que encomendas obtidas nessas condições – a saber, após notificação e discussão no interior de um cartel – resultavam de práticas concorrenciais. A este respeito, saliente‑se que, mesmo que se tenha limitado à notificação e à discussão de projectos, a infracção era, todavia, susceptível de afectar a concorrência no mercado em causa. Com efeito, a título exemplificativo, a lista global não menciona, para além da Siemens, outras empresas que tenham manifestado o seu interesse nos projectos nos 0140 e 0144. Consequentemente, após a discussão destes projectos no cartel, que teve lugar, respectivamente, em 25 de Junho e em 16 de Julho de 1998, a Siemens sabia que não haveria outros concorrentes, o que lhe permitiu, por exemplo, fixar preços mais altos para as suas propostas. Além disso, em tal caso – isto é, num caso em que só uma das empresas tinha manifestado o seu interesse por um projecto – não tinha qualquer interesse uma atribuição específica dos projectos, dado que, assim, a única empresa interessada podia ter a certeza de obter o projecto. Parece, pois, inteiramente natural que os membros do cartel não tenham procedido a uma atribuição formal nestes casos, facto esse que não é susceptível de excluir a aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE no que respeita à empresa que obteve a encomenda.

132    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da Siemens relativo à não atribuição, no quadro do cartel, de projectos de MCIG no EEE.

–       Quanto à análise econométrica apresentada pela Siemens

133    A Siemens invoca a análise econométrica da lista global efectuada por uma sociedade terceira a seu pedido (a seguir «análise»). Segundo ela, esta análise revelou que, na lista global, apenas era repertoriada uma parte mínima do volume de mercado durante o período em causa, que representa menos de 4% dos projectos de MCIG nos países europeus excepto «países construtores», que os projectos de MCIG no EEE não foram objecto de um sistema de repartição funcionando de maneira equivalente ao que está previsto no acordo GQ e no acordo EQ e que não existia qualquer conexão entre a lista global e o acordo GQ. A análise demonstrou igualmente que o facto de os produtores europeus e japoneses não terem entrado nos mercados domésticos respectivos do outro grupo não era explicado por um cartel, mas pelos obstáculos ao acesso aos mercados que tinham continuado a existir mesmo depois da liberalização dos mercados da energia. Finalmente, a análise provou ainda que não existia uma protecção dos «países construtores», designadamente em razão do facto de tanto a ABB como a Siemens serem muito activas nos mercados de «países construtores» distintos dos seus.

134    Ora, no presente caso, a Comissão invocou os projectos europeus constantes da lista global apenas para provar a existência do acordo comum e não para provar a existência de efeitos concretos do cartel. Com efeito, baseou a decisão impugnada principalmente no objecto restritivo da concorrência do acordo punido no artigo 1.° da referida decisão. Assim, observou, em primeiro lugar, nos considerandos 303 e 304 da decisão impugnada, que o conjunto dos acordos e/ou práticas concertadas descrito tinha por objecto restringir a concorrência, na acepção do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE, e que, em tais circunstâncias, para efeitos da aplicação das referidas disposições, não era relevante tomar em consideração os efeitos concretos de um acordo, acrescentando, depois, no considerando 308 da referida decisão, que, pela sua própria natureza, a execução de um acordo do tipo descrito provoca uma importante distorção da concorrência.

135    A este propósito, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, decorre do próprio texto do artigo 81.°, n.° 1, CE que os acordos entre empresas são proibidos, independentemente de qualquer efeito, se tiverem um objectivo anticoncorrencial (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 43, supra, n.° 123, e JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49 supra, n.° 181). Consequentemente, a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais não é exigida quando estiver provado o objectivo anticoncorrencial dos comportamento controvertidos (v. acórdão do Tribunal Geral de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 178, e jurisprudência aí referida).

136    Nestas condições, em primeiro lugar, a análise apresentada pela Siemens é inoperante enquanto meio de prova na medida em que, pela sua natureza, ela só podia prestar informações sobre os efeitos do cartel, enquanto a declaração da infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, efectuada pela Comissão se baseava essencialmente na observação da existência de um cartel que teve por efeito restringir a concorrência. Com efeito, mesmo que, como a Siemens alega, a análise não tenha permitido identificar indícios do cartel de que a Comissão a acusa, isso não seria susceptível de infirmar a existência de um cartel destinado a impedir, restringir ou falsear a concorrência, na medida em que exista prova bastante da sua existência. Consequentemente, a argumentação da Siemens relativa à inexistência dos efeitos do cartel em causa, ainda que fosse fundada, não poderia por si só, em princípio, levar à anulação do artigo 1.° da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1990, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, C‑277/87, Colect., p. I‑45; acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão, T‑143/89, Colect., p. II‑917, n.° 30, e JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49, supra, n.° 183).

137    Em segundo lugar, a análise não pode ser considerada uma peritagem neutra e independente, na medida em que foi pedida e financiada pela Siemens e provada com fundamento em bases de dados disponibilizados por esta empresa, sem que a exactidão ou a pertinência destes dados tenham sido objecto de qualquer verificação independente. Portanto, não se pode atribuir à análise uma credibilidade e, consequentemente, um valor probatório superiores aos de uma simples declaração interessada da Siemens.

138    Por conseguinte, o argumento relativo aos resultados da análise apresentada pela Siemens deve ser rejeitado.

 Quanto aos elementos documentais de prova

139    No que respeita aos elementos documentais de prova, a Comissão apoiou‑se, essencialmente, no acordo GQ e no acordo EQ com os respectivos anexos, que é um documento não datado encontrado nas inspecções da Comissão às instalações do grupo VA Tech, denominado «Síntese discussão com JJC», uma troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999 entre Wa., J. e B., empregados do grupo VA Tech, uma nota interna de 2 de Dezembro de 2003, redigida por We., empregado do grupo VA Tech, duas telecópias de 21 de Julho e 18 de Dezembro de 2003 da ABB para a Siemens e para a Alstom e uma nota interna não datada, redigida em Setembro de 2002 por Zi., empregado do grupo VA Tech.

–       Quanto ao acordo GQ e ao acordo EQ

140    Em primeiro lugar, refira‑se que, no que respeita ao acordo GQ e ao acordo EQ, bem como aos respectivos anexos, ainda que seja verdade, como acima referido nos n.os 55 a 58, que só o seu teor não prova a existência de um cartel que tenha tido efeitos no EEE – sempre com a excepção do Liechtenstein e da Islândia, como acima referido no n.° 55 ‑, o acordo EQ contém duas disposições susceptíveis de facultar indicações quanto aos efeitos do cartel sobre o mercado comum.

141    Em primeiro lugar, o artigo 2.° do acordo EQ, intitulado «Notificação», dispõe:

«Os membros‑E notificam os pedidos, como habitualmente. Para efeitos das discussões com o grupo J., os membros‑E notificam os pedidos ao [secretário europeu do cartel] utilizando o formulário de notificação GQ que figura no anexo 1».

142    A este respeito, cumpre considerar que a expressão «como habitualmente» permite concluir que existiam notificações – e, portanto, um cartel – anteriormente à celebração do acordo GQ e do acordo EQ, que foram ambos celebrados em 15 de Abril de 1988, facto que a Comissão salientou na decisão impugnada, sem insistir quanto a este aspecto e sem prever sanções neste domínio, e que a Siemens contesta. Com efeito, as referidas expressões não poderiam ser interpretadas como significando «utilizando o formulário previsto para efeitos do acordo GQ», porque, nesse caso, a segunda frase do artigo 2.° do acordo EQ seria redundante em relação à primeira.

143    Em segundo lugar, o anexo 2 do acordo EQ, que contém um «plano de comunicação», dispõe, designadamente, que «[o] secretário [europeu] notifica automaticamente os projectos [notificados pelos produtores europeus] ao lado [japonês], excepto os projectos europeus» e que «MM decide sobre a notificação dos projectos europeus ao grupo J». Cabe especificar, a este respeito, que, como resulta igualmente deste anexo, «MM» significa «assembleia das partes» (members meeting). Além disso, resulta do anexo 1 do acordo GQ que «grupo E» e «grupo J» designavam, respectivamente, os grupos de produtores europeus e japoneses. Além disso, segundo as declarações da Comissão no considerando 147 da decisão impugnada, não impugnadas pela Siemens, esta última desempenhou a função de secretário europeu do cartel durante todo o período da sua primeira participação no cartel, de 1988 a 1999.

144    Resulta, pois, do anexo 2 do acordo EQ, em primeiro lugar, que projectos de MCIG na Europa eram tratados no grupo dos membros europeus do cartel e, em segundo lugar, que estes projectos eram tratados de maneira diferente da dos projectos de MCIG no resto do mundo, na medida em que não eram notificados ao grupo de produtores japoneses de forma automática, mas apenas por decisão específica da assembleia dos membros europeus.

145    Ora, estas comunicações, mesmo admitindo que só fossem efectuadas ocasionalmente por decisão específica e/ou a posteriori e globalmente, como alega a Hitachi (v. n.° 96, supra), não são concebíveis sem qualquer razão. Pelo contrário, no âmbito de um cartel, como o estabelecido pelo acordo GQ e pelo acordo EQ, a única razão concebível para tais comunicações é as informações em causa servirem a execução do cartel. Mais concretamente, no caso em apreço, tendo em conta que, como acima referido no n.° 55, a grande maioria dos países europeus estava excluída da repartição dos projectos entre os grupos de produtores europeus e japoneses em razão do acordo GQ, não há outra explicação possível para a comunicação das vendas efectuadas pelos produtores europeus nestes países a não ser a de elas terem sido imputadas na quota mundial dos produtores europeus nos termos do cartel. Ora, como acima se explicou no n.° 98, a imputação das vendas nos países europeus – excepto «países construtores» – na quota mundial é, por sua vez, um indício importante da existência da obrigação de os produtores japoneses se absterem de penetrar no mercado europeu, por força do acordo comum.

146    Em quaisquer circunstâncias, os argumentos apresentados pela Siemens a este respeito não podem ser acolhidos. Em primeiro lugar, a afirmação da Siemens segundo a qual a Comissão procura invocar possíveis acordos na Europa Central e Oriental como prova de infracções alegadamente cometidas no EEE, ou acordos efectuados no período entre 2002 e 2004, com o objectivo de demonstrar os efeitos do cartel no período entre 1988 e 1999, não tem fundamento. Com efeito, a Comissão limita‑se a argumentar com as discussões que aparentemente tiveram lugar entre os grupos de produtores europeus e japoneses, a propósito da questão de saber se os mercados na Europa Central e Oriental, acessíveis de novo após a queda da cortina de ferro em 1989, deviam igualmente ser reservados aos produtores europeus. Neste contexto, nos considerandos 126 e 127 da decisão impugnada, invocou alguns projectos nos referidos países que terão sido objecto de uma discussão com os produtores japoneses, para demonstrar que estes, em princípio, tinham mesmo um interesse e a possibilidade de abastecer estes mercados. Tal raciocínio não pode ser considerado inadequado enquanto tal.

147    Em segundo lugar, o argumento da Siemens de que a comunicação ao grupo de produtores japoneses só podia abranger os projectos nos países da Europa Central e Oriental deve ser rejeitado. Como justamente alega a Comissão, no momento da celebração do acordo GQ e do acordo EQ, estes países não eram acessíveis aos fornecedores ocidentais. Consequentemente, os projectos europeus referidos no plano de comunicação deviam ser realizados nos países da Europa Ocidental, a maioria dos quais – com a única excepção da Suíça – faziam parte do EEE desde 1994. Do mesmo modo, contrariamente ao que alega a Siemens, a tese defendida pela Comissão não é ilógica. Com efeito, de modo nenhum a Comissão declarou, como a Siemens dá a entender, que a obrigação de notificação era «automática» ou «obrigatória». Pelo contrário, era absolutamente suficiente, para os efeitos que a Comissão atribui a esta comunicação, que tivesse sido efectuada global e posteriormente, mediante decisão específica, pela assembleia dos membros europeus do cartel.

148    Finalmente, refira-se que a Siemens não dá qualquer explicação convincente sobre o facto de o plano de comunicação prever a comunicação dos projectos de MCIG na Europa ao grupo de produtores japoneses, mesmo de forma não sistemática e apenas mediante decisão específica do grupo de produtores europeus. Em resposta a uma questão do Tribunal Geral na audiência, a Siemens argumentou que as comunicações em causa podiam, no máximo, abranger os onze projectos de MCIG na Europa, referidos pela Comissão no considerando 164 da decisão impugnada, e portanto um número muito limitado de projectos que representa apenas 1% do volume dos projectos constantes da lista global. Ora, como acima se salientou no n.° 125, a reduzida quantidade de projectos «europeus» na lista global não significa que o cartel não tenha afectado outros projectos na Europa, podendo antes ser explicado pelo facto de não ser necessário debater esses projectos no âmbito do cartel geral, na presença dos produtores japoneses. Por conseguinte, a lista global não podia ser relevante para efeitos da determinação do número de projectos relativamente aos quais foram feitas comunicações aos produtores japoneses, nos termos do plano de comunicação previsto no anexo 2 do acordo EQ.

149    Consequentemente, o anexo 2 do acordo EQ constitui um elemento de prova válido da constatação da Comissão segundo a qual projectos localizados na Europa Ocidental faziam parte dos projectos discutidos e repartidos entre os produtores europeus e segundo a qual os produtores japoneses deviam manter‑se afastados dos mercados europeus em contrapartida de uma imputação na sua quota mundial das vendas efectuadas nestes países pelos produtores europeus.

–       Quanto ao documento encontrado nas instalações do grupo VA Tech, denominado «Síntese discussão com JJC»

150    No considerando 135 da decisão impugnada, a Comissão invoca um documento encontrado num computador portátil nas inspecções das instalações do grupo VA Tech, denominado «Síntese discussão com JJC» e, segundo a Comissão, criado em 10 de Junho de 2003. Este documento é, em parte, dificilmente compreensível, permitindo, no entanto, retirar certas conclusões. Designadamente, refere, por duas vezes, o conceito de «países constr.», que só pode ser razoavelmente interpretado como significando «países construtores». Além disso, este documento refere o «Último estudo realizado em Fevereiro 99 – Exp. excepto E. e países constr.» e, para cada membro europeu, identificado pelos códigos válidos a partir de Julho de 2002, não contestados pela Siemens, são indicadas as quotas aplicáveis antes e após «02/99» (que significa, provavelmente, o mês de Fevereiro de 1999). Neste documento, são igualmente indicadas as quotas de mercado dos mercados europeus, excepto «países construtores» entre 1988 e 1998 e é estabelecida uma lista não exaustiva dos países europeus não construtores («Fin, Din, Nor, Es, Po, Irl, Bel, Gre, Lux.»).

151    Quanto ao valor probatório e à credibilidade a atribuir a este documento, há que ter em conta que o autor, desconhecido, aí se manifesta sobre factos que remontam a cerca de quatro anos antes da data da criação do mesmo documento, que provavelmente obteve de um indivíduo igualmente desconhecido. Com efeito, a pessoa designada como «JJC» não foi identificada e essas iniciais não correspondem a qualquer das pessoas indicadas pela Comissão, no anexo II da decisão impugnada, como tendo participado no cartel por conta das empresas implicadas. Ainda que estas circunstâncias não sejam susceptíveis de retirar todo o valor probatório a esse documento, são todavia susceptíveis de inspirar uma certa reserva em relação às conclusões a retirar do mesmo, designadamente no que respeita ao valor a atribuir aos dados pormenorizados que contém, e justificam que se lhe atribua apenas valor probatório médio.

152    Portanto, há que atribuir um certo valor probatório ao facto de o conceito de «país construtor» ser não só invocado duas vezes neste documento, mas também conter uma lista não exaustiva dos países não construtores e deixar ver claramente que existia uma diferença de regime aplicável entre os países não construtores e construtores, na medida em que as quotas fixadas no cartel não eram aplicáveis a estes últimos. Em relação a este último aspecto, saliente‑se que as quotas indicadas no documento como aplicáveis «após 02/99» correspondem exactamente às referidas pela Comissão no considerando 145 da decisão impugnada, com fundamento noutros elementos de prova, como tendo sido aplicáveis no final da primeira fase da participação da Siemens na infracção.

153    Além disso, pode igualmente deduzir‑se deste documento que os produtores europeus no cartel trocavam informações sobre o volume dos seus fornecimentos na Europa, excepto «países construtores». Com efeito, o conhecimento, na empresa pertencente ao grupo VA Tech (a seguir «empresa VA Tech»), de números exactos sobre as quotas de mercado na Europa (salvo «países construtores») dos produtores europeus, relativas a um período de dez anos, só pode ser explicado pelo facto de os referidos produtores se informarem mutuamente sobre as suas vendas na Europa, excepto «países construtores».

–       Quanto à troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999 entre Wa., J. e B., empregados do grupo VA Tech

154    Em 18 de Janeiro de 1999, Wa. enviou uma mensagem de correio electrónico a J., que o remeteu, no mesmo dia, em forma impressa e anotada, por telecópia, a B. Nesta mensagem, cujo objecto é «Siemens in UK.», Wa. adverte J. que a Siemens estava a estabelecer uma aliança com outra sociedade para projectos no Reino Unido, o que era entendido como uma ameaça e foi declarado, no «UK fórum», como «Bad Behaviour». No entanto, não tendo sido obtida qualquer explicação, Wa. propunha esperar e ver o que se ia passar. Na telecópia, J. propunha reagir, ameaçando penetrar no mercado alemão no sector dos MCIG de 400 kilovolts. Além disso, recordava a posição do grupo VA Tech segundo a qual o mercado do Reino Unido pertencia historicamente, em partes iguais, à Reyrolle e à GEC (cujas actividades em matéria de MCIG foram fundidas com as da Alstom em 1989) e qualquer outra empresa que obtivesse encomendas devia compensar, mas lamentava que os mecanismos previstos para o efeito fossem frágeis.

155    No âmbito da sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral, a Siemens alegou que resultava unicamente deste documento que, na opinião do redactor da mensagem de correio electrónico, ela aparecia como um concorrente agressivo no mercado do Reino Unido. Em contrapartida, não permitia confirmar a existência de «países construtores» protegidos.

156    Em primeiro lugar, há que considerar, no entanto, que esta troca de correspondência atesta a existência, no quadro do cartel, de uma protecção do Reino Unido em benefício dos produtores históricos Reyrolle e GEC, o que, substancialmente, pode ser qualificado como protecção do «país construtor», apesar de a expressão não ser utilizada. O facto de outros membros europeus do cartel terem estado activos neste mercado não se opõe a esta interpretação, dado que é evidente que existia um mecanismo de compensação, apesar de, aparentemente, não funcionar satisfatoriamente. Em segundo lugar, resulta da telecópia que, até aí, a VA Tech se tinha mantido afastada do mercado alemão – pelo menos no sector dos MCIG de 400 kilovolts –, não por razões técnicas ou comerciais, dado que previa uma entrada nesse mercado como medida de represália em relação à Siemens. Há que inferir daí, na ausência de qualquer outra explicação plausível, que existia igualmente uma protecção do mercado alemão enquanto «país construtor». Em terceiro lugar, decorre da telecópia que existia um «UK forum», no qual eram debatidos problemas relativos ao mercado do Reino Unido. Embora não haja que tomar uma posição definitiva a este respeito, no âmbito do presente processo, poder‑se‑ia tratar de um fórum de concertação local dos membros do cartel activos neste mercado.

157    Enquanto documentos redigidos durante a vigência do cartel por pessoas nele envolvidas, esta correspondência constitui um elemento de prova cujo valor probatório é muito elevado.

–       Quanto aos elementos de prova documental relativos a factos ocorridos no período compreendido entre 2002 e 2004

158    No que respeita à nota interna de 2 de Dezembro de 2003, redigida por We., que resume uma reunião efectuada em 1 e 2 de Dezembro de 2003, à telecópia de 21 de Julho de 2003, enviada pela ABB à Alstom e à Siemens, respeitante a uma reunião relativa a projectos na Alemanha, à telecópia de 18 de Dezembro de 2003, enviada pela ABB à Alstom, relativa à situação no mercado do Reino Unido, e à nota interna não datada, redigida aproximadamente em Setembro de 2002, por Zi., há que observar que estes quatro documentos são unicamente relativos a situações e acontecimentos abrangidos claramente pelo período compreendido entre 2002 e 2004.

159    Ora, tal como acima referido no n.° 37, há que rejeitar o argumento da Comissão de que era legítimo projectar as observações relativas ao período compreendido entre 2002 e 2004 para o período anterior, dado que se trata de uma única e mesma infracção. Pelo contrário, tendo em conta que, na sequência da interrupção da sua participação por determinadas empresas, as actividades do cartel foram reduzidas entre 1999 e 2002 e que 2002 marcou um novo arranque, com um sistema alterado, é antes necessário provar uma continuidade nos objectivos, nos participantes e no âmbito do cartel para provar que efectivamente se tratava de uma infracção única.

160    Por conseguinte, há que considerar que os quatro documentos em causa não poderiam constituir elementos de prova no que respeita à primeira fase da participação da Siemens na infracção, entre 1988 e 1999.

d)     Conclusões relativas à segunda parte do primeiro fundamento

 Quanto aos efeitos do cartel no EEE

161    O cartel teve efeitos no EEE, dado que os produtores europeus discutiram projectos de MCIG no EEE e repartiram‑nos entre si. Este facto é demonstrado pelo conjunto de provas constituído pelas declarações da ABB – incluindo a lista de projectos «europeus» que figura no considerando 164 da decisão impugnada e as declarações de M. –, pelas declarações da Fuji e da Hitachi, pelo anexo 2 do acordo EQ, pelo documento «Síntese discussões com JJC» e pela troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999. Entre estes elementos de prova, as declarações de M., da Fuji e da Hitachi, bem como o anexo 2 do acordo EQ e a troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999 têm elevado valor probatório.

162    Em relação a esse conjunto de provas concordantes, as declarações da Melco invocadas pela Siemens como provando o contrário não são susceptíveis de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, a Melco pronuncia‑se sobretudo sobre o âmbito de aplicação do cartel global, isto é, sobre a coordenação entre os grupos de produtores europeus e japoneses, e sobre o facto de, no âmbito do cartel, não terem lugar discussões sobre o mercado europeu ou projectos de MCIG neste mercado. A este respeito, afirma que não dispõe de provas de um acordo no mercado europeu. Em contrapartida, enquanto empresa japonesa, não poderia ser informada das discussões ocorridas no grupo de produtores europeus. Ora, deixa expressamente antever a possibilidade de outras empresas que tenham participado no cartel poderem ter alargado o objecto das suas discussões a outros assuntos, salientando mesmo que, por diversas vezes, os produtores japoneses tiveram que esperar, antes do início das reuniões do cartel, pelo final das discussões entre os produtores europeus, discussões essas cujo conteúdo desconheciam. Ressalvado o facto de a Melco contestar a repartição dos mercados europeus e japonês entre os dois grupos de produtores e independentemente de saber se as suas declarações são credíveis, cumpre salientar que essas declarações não podem pois ser entendidas no sentido de que confirmam a posição da Siemens segundo a qual não havia discussão e atribuição de projectos de MCIG no EEE.

 Quanto à reserva dos mercados europeus e japonês, respectivamente, para os grupos de produtores europeus e japoneses

163    O facto de os produtores europeus e japoneses terem globalmente repartido os mercados entre si, de modo a reservar o mercado japonês aos produtores japoneses e o mercado europeu aos produtores europeus, é comprovado pelas declarações da ABB e de M., bem como pelas declarações da Fuji e da Hitachi e pelo anexo 2 do acordo EQ. Com a excepção das declarações da ABB, todos estes elementos de prova têm elevado valor probatório.

 Quanto à protecção dos «países construtores» na Europa

164    O facto de existir uma protecção dos «países construtores» na Europa, de modo que os mercados dos países em que, historicamente, os produtores estavam presentes lhes estavam reservados à partida e sem imputação nas quotas por força do cartel, é demonstrado pelo conjunto de provas constituído pelas declarações da ABB e de M., bem como pelo documento «Síntese discussões com JJC» e pela troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999. Entre estes elementos de prova, as declarações de M. têm elevado valor probatório e a troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999 tem valor probatório muito elevado.

165    Em resumo, todas as alegações contestadas pela Siemens têm por fundamento, para além das declarações da ABB e de M., outros elementos de prova com valor probatório elevado, bem como outros elementos com menor valor probatório. Há, pois, que considerar que o conjunto destes elementos de prova permite provar a existência do cartel dado por provado na decisão impugnada.

166    Resulta do exposto que a Comissão fez prova bastante da existência, no período compreendido entre 1988 e 1999, de um cartel e, em especial, que esse cartel tinha efeitos no EEE, da existência de uma repartição dos mercados entre os produtores europeus e japoneses e da existência da protecção dos «países construtores».

167    Consequentemente, improcede a segunda parte do primeiro fundamento e, portanto, o primeiro fundamento na sua totalidade.

II –  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003

168    O segundo fundamento da Siemens está dividido em três partes. No âmbito da primeira parte, alega que a Comissão não provou que ela participou no cartel após 11 de Abril de 1999. No âmbito da segunda parte, invoca a prescrição das acusações. No âmbito da terceira parte, alega que não participou no cartel a partir de 1 de Janeiro de 2004.

A –  Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à inexistência de prova de participação na infracção entre Abril e Setembro de 1999

1.     Argumentos das partes

169    Em apoio desta parte, a Siemens invoca oito alegações, relativas, em primeiro lugar, à inexistência de prova da sua participação num acordo relativo aos projectos após Abril de 1999, em segundo lugar, à inexistência de prova da sua participação em qualquer reunião após 22 de Abril de 1999, em terceiro lugar, ao carácter contraditório e pouco credível das declarações da ABB, em quarto lugar, à inadmissibilidade das declarações de M., em quinto lugar, à falta de prova documental clara da sua participação no cartel até Setembro de 1999, em sexto lugar, à inexistência de provas claras resultantes de declarações de outras empresas participantes no cartel, em sétimo lugar, à não tomada em consideração dos meios de prova que demonstravam a interrupção da sua participação no cartel a partir de Abril de 1999 e, em oitavo lugar, à não tomada em consideração das provas económicas empíricas da interrupção da sua participação no cartel o mais tardar em Abril de 1999.

170    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

171    Cabe salientar, a título liminar, que não se contesta que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1999. Em contrapartida, as partes opõem‑se quanto à data exacta desta interrupção. A Siemens contesta ter participado no cartel a partir de 22 de Abril de 1999, data da reunião de Sydney (Austrália) que foi a última em que participou. A Comissão, embora admitindo, como resulta do considerando 295 da decisão impugnada, que não lhe foi possível determinar a data exacta da referida interrupção, fixou a data da saída em 1 de Setembro de 1999. Determinou esta data com base nas declarações da ABB e de M. e nas indicações constantes do documento denominado «Síntese discussão com JJC», recolhido na ocasião das inspecções nas instalações do grupo VA Tech, que considera confirmadas por declarações da Areva, da Melco, da Fuji e da Hitachi/JAEPS.

172    Este desacordo suscita a questão de saber quem tem o ónus da prova na matéria. Enquanto a Siemens considera que cabe à Comissão provar que ela participou no cartel até 1 de Setembro de 1999, a Comissão alega que, dado que demonstrou a participação de uma empresa num cartel, presume‑se que esta participação dura até prova da sua cessação, a qual incumbe à empresa que participou no cartel.

a)     Quanto à repartição do ónus da prova entre a Siemens e a Comissão

173    No que respeita à questão de saber em que data cessou a participação da Siemens na infracção, recorde‑se, a título liminar, a jurisprudência assente segundo a qual, por um lado, é à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência que cabe provar essa violação fazendo prova bastante dos factos constitutivos de uma infracção e, por outro, compete à empresa que invoca um meio de defesa contra a declaração da existência de uma infracção fazer prova de que se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação desse meio de defesa, devendo a referida autoridade, assim, recorrer a outros elementos de prova (acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, n.° 65 supra, n.° 50; v. igualmente, neste sentido, acórdãos Baustahlgewebe/Comissão, n.° 43 supra, n.° 58, e Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 48 supra, n.° 78).

174    No presente caso, o princípio geral segundo o qual compete à Comissão fazer prova de todos os elementos constitutivos da infracção, incluindo da sua duração (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colect., p. II‑441, n.° 79; de 13 de Dezembro de 2001, Acerinox/Comissão, T‑48/98, Colect., p. II‑3859, n.° 55, e de 29 de Novembro de 2005, Union Pigments/Comissão, T‑62/02, Colect., p. II‑5057, n.° 36), e susceptíveis de terem efeitos sobre as suas conclusões definitivas quanto à gravidade da referida infracção não é posto em causa pelo facto de a Siemens ter invocado, no âmbito da segunda parte do segundo fundamento, um fundamento de defesa relativo à prescrição, cujo ónus da prova, em princípio, incumbe à parte recorrente.

175    Com efeito, a invocação de tal fundamento de defesa implica necessariamente a determinação da duração da infracção e da data de cessação da mesma. Ora, estas circunstâncias não podem justificar, por si só, uma transferência do ónus da prova a este respeito em detrimento da parte recorrente. Por um lado, a duração de uma infracção, conceito que implica que seja conhecida a sua data final, constitui um dos elementos essenciais da infracção, cujo ónus da prova incumbe à Comissão, independentemente do facto de a contestação destes elementos fazer igualmente parte do fundamento de defesa relativo à prescrição. Por outro lado, esta conclusão justifica‑se atendendo ao facto de a não‑prescrição do procedimento instaurado pela Comissão, nos termos do artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003, constituir um critério legal objectivo que decorre do princípio da segurança jurídica (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de Outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, Colect., p. II‑4065, n.os 80 a 82) e, portanto, uma condição da validade de qualquer decisão que aplique uma sanção. Com efeito, o seu respeito impõe‑se à Comissão mesmo que não seja invocado um fundamento de defesa pela empresa a este respeito (acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, n.° 65 supra, n.° 52).

176    Importa contudo especificar que essa repartição do ónus da prova pode variar na medida em que os elementos de facto invocados por uma parte podem ser susceptíveis de obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que foi feita a prova (acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, referido no n.° 65 supra, n.° 53; v., também, no n.° 48 supra, n.° 79). Designadamente, quando, como neste caso, a Comissão prova a existência de um acordo, incumbe à empresa que nele tomou parte provar que dele se distanciou, prova essa que deve demonstrar uma vontade clara e levada ao conhecimento das outras empresas participantes de se subtrair ao acordo (acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, GlaxoSmithKline Services/Comissão, T‑168/01, Colect., p. II‑2969, n.° 86; v., igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer, C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colect., p. I‑23, n.° 63, e Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 48 supra, n.os 81 a 84).

177    É à luz destes princípios que se deve averiguar se a Comissão apurou correctamente os factos nos quais fundamenta a sua apreciação segundo a qual a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1 de Setembro de 1999.

b)     Quanto ao valor probatório dos elementos em que a Comissão baseia a sua apreciação segundo a qual a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1 de Setembro de 1999

178    A título liminar, importa recordar os elementos de facto essenciais em que a Comissão baseou a sua apreciação segundo a qual a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1 de Setembro de 1999, tais como decorrem, designadamente, dos considerandos 186, 295, 296 e 298 da decisão impugnada.

179    Em primeiro lugar, a ABB declarou que a Siemens deixou de participar nas reuniões do cartel a partir dos finais de 1999 e M. indicou que a Siemens se retirou em Setembro de 1999. Em segundo lugar, o documento intitulado «Síntese discussões com JJC», encontrado nas instalações do grupo VA Tech, contém uma indicação que a Comissão interpreta como uma referência à saída da Siemens em Setembro de 1999. Em terceiro lugar, a Comissão refere que a Areva, a Melco, a Fuji e a Hitachi/JAEPS confirmaram que a saída da Siemens teve lugar em Setembro de 1999.

 Quanto às declarações da ABB e de M.

180    No âmbito da terceira alegação invocada em apoio da presente parte, a Siemens alega que as declarações da ABB são particularmente gerais e contraditórias e que tiveram «desenvolvimentos» em função das circunstâncias, a ponto de serem desprovidas de qualquer valor probatório.

181    A este respeito, importa salientar que, na sua declaração de 7 de Maio de 2004, a ABB indicou que «em 1999, tanto quanto sabe, a Siemens deixou o cartel durante um determinado período». Por sua vez, M. respondeu à Comissão, que lhe perguntou, na sua audição, em 23 de Setembro de 2005, se podia indicar exactamente quando a Siemens interrompeu a sua participação no cartel:

«Não exactamente. Estávamos em Genebra, mas recordo‑me quando Th. anunciou isso, mas não 100%. Era Outono ou Primavera, não me recordo. É importante?».

182    Finalmente, numa declaração de 4 de Outubro, a ABB indicou que, entretanto, M. se recordou que a Siemens ainda esteve representada na reunião anual de Sydney, em Abril de 1999, e só se retirou do cartel quatro ou cinco meses mais tarde, portanto, em Agosto ou Setembro, o que foi anunciado por Th. numa reunião ao nível operacional em Genebra (Suíça).

183    Há que, observar, portanto, que as declarações de ABB e de M. sobre a data exacta em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel, em 1999, sofreram uma certa evolução ao longo do tempo. No entanto, não é por isso que são contraditórias, tendo‑se simplesmente tornado cada vez mais precisas («por volta de 1999», «Primavera ou Outono de 1999» e, finalmente, «Agosto ou Setembro de 1999») à medida que M., que parece ser a fonte principal de informação, na ABB, quanto aos factos que rodeiam a interrupção, pela Siemens da sua participação no cartel, se recordava de pormenores cada vez mais exactos.

184    Em particular, importa salientar que, contrariamente ao que alega a Siemens, as recordações posteriores de M. que deram lugar às declarações da ABB de 4 de Outubro de 2005, não contradizem as suas declarações anteriores sobre as circunstâncias que rodearam a interrupção da participação da Siemens. Com efeito, embora tenha indicado que, no seguimento da evolução desfavorável do mercado em 1997 e em 1998, a Siemens relançou uma concorrência agressiva quanto aos preços, não indicou de modo algum que tal aconteceu em 1998. Por um lado, é concebível que o processo de decisão na Siemens no que respeita à boa reacção à evolução desfavorável do mercado tenha podido demorar um certo tempo. Por outro lado, é igualmente concebível que a Siemens, embora tendo decidido, nos finais de 1998, não prosseguir a sua participação no cartel e tendo adoptado um comportamento mais agressivo no mercado, tenha procurado beneficiar o maior tempo possível dos efeitos do mesmo, adiando o anúncio dessa decisão para Setembro de 1999. Ora, segundo jurisprudência assente, este comportamento – presumindo‑se provado – não basta para poder dar por provada a referida interrupção, dado que uma empresa que se comporte desse modo pode simplesmente tentar utilizar o cartel em seu benefício (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 142; Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 54 supra, n.os 277 e 278; Union Pigments/Comissão, n.° 174 supra, n.° 130, e de 27 de Setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colect., p. II‑3435, n.° 269).

185    Quanto à impugnação das declarações da ABB pela Siemens, importa considerar que, tal como observado no n.° 64 supra, ainda que não se possa excluir que a ABB tenha podido sentir‑se incitada a maximizar a importância do comportamento ilícito dos seus concorrentes, esse facto não podia retirar às declarações da ABB e de M. todo o valor probatório sobre a interrupção da participação da Siemens no cartel em 1999. Com efeito, dado que, a este respeito, a ABB se refere exclusivamente às recordações de M., no caso, é a credibilidade do testemunho de M. que determina a credibilidade das declarações da ABB. Ora, como acima referido no n.° 76, o facto de poderem existir algumas pequenas imprecisões nas declarações de M. não é susceptível de afectar, de maneira geral, o valor probatório das referidas declarações.

186    Além disso, há que rejeitar a quarta alegação invocada pela Siemens em apoio desta parte, segundo a qual as declarações de M. são inadmissíveis como meio de prova, dado que, contrariamente ao que dispõe o artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da CEDH, ela não teve a possibilidade de ouvir ou de interrogar directamente essa testemunha.

187    Segundo jurisprudência constante, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo juiz comunitário (parecer 2/94 do Tribunal de Justiça, de 28 de Março de 1996, Colect., p. I‑1759, n.° 33, e do Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colect., p. I‑2629, n.° 14). Para este efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral inspiram‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem em que os Estados‑Membros colaboraram ou a que aderiram. Neste quadro, a CEDH reveste um significado particular (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.° 18, e Kremzow, já referido, n.° 14). Além disso, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, UE, a União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

188    Consequentemente, importa analisar se, à luz destas considerações, a Comissão desrespeitou o princípio fundamental da ordem jurídica comunitária que é o respeito dos direitos da defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 7) ao não proporcionar à Siemens a possibilidade de interrogar directamente a testemunha M.

189    A este respeito, refira-se que, segundo jurisprudência assente, este princípio exige que as empresas e as associações de empresas afectadas por um inquérito da Comissão sejam colocadas em condições de, logo na fase do procedimento administrativo, darem utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Avebe/Comissão, T‑314/01, Colect., p. II‑3085, n.° 49, e jurisprudência aí referida). Em contrapartida, o referido princípio não exige que seja facultada a essas empresas a possibilidade de, na fase administrativa do processo, interrogarem as testemunhas ouvidas pela Comissão (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 48 supra, n.° 200).

190    Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação da Siemens.

191    Em conclusão, cumpre atribuir às declarações da ABB e de M. um elevado valor probatório, no que respeita à data em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1999. No entanto, em conformidade com o princípio acima enunciado no n.° 66, estas declarações devem ser apoiadas noutros elementos de prova.

 Quanto ao documento intitulado «Síntese discussões com JJC»

192    Como acima referido no n.° 151, o valor probatório deste documento é questionável, em particular no que respeita ao valor a atribuir aos dados pormenorizados que contém. Ora, a data exacta em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1999 constitui uma dessas informações pormenorizadas. A isso acresce o facto de, no que respeita à indicação da data dessa interrupção, o documento não ser inteiramente desprovido de ambiguidade.

193    Com efeito, a primeira linha desse documento refere:

«A/ Paragem  3 ==> 09/99 1 ==> no decurso de 00»

194    Dado que, na ocasião da criação do documento, em 10 de Junho de 2003, o número «3» era o código da Siemens no cartel, a Comissão deduziu que a Siemens tinha interrompido a sua participação no cartel em Setembro de 1999. Ora, como justamente invoca a Siemens na sua quinta alegação, relativa à inexistência de prova documental clara da sua participação no cartel até Setembro de 1999, esta interpretação leva obrigatoriamente a concluir que a ABB, designada pelo código 1, interrompeu a sua participação no cartel em 2000, quando é facto assente que a ABB sempre participou no cartel. Portanto, ou a interpretação da Comissão desta passagem do documento é errada, na medida em que ele não se refere à interrupção pela Siemens da sua participação no cartel, ou é errada a indicação «1 ==> no decurso de 00». Ora, nesta última hipótese, não há razão para atribuir maior credibilidade à indicação «3 ==> 09/99». Em quaisquer circunstâncias, há que excluir a interpretação da Comissão segundo a qual a expressão «Paragem» na primeira linha do documento acima referido no n.° 193 se reporta apenas à indicação «3 ==> 09/99» e não à indicação «1 ==> no decurso de 00».

195    Em conclusão, há que considerar que o valor probatório deste documento, no que respeita à data em que a Siemens interrompeu a sua participação na infracção em 1999, é extremamente frágil.

 Quanto às declarações da Areva, da Melco, da Fuji e da Hitachi/JAEPS

–       Quanto às declarações da Areva

196    No que respeita às declarações da Areva, no considerando 186 da decisão impugnada, a Comissão refere um documento apresentado pela Areva no âmbito do seu pedido de imunidade de coimas, intitulado «Nota explicativa relativa ao funcionamento do cartel para os mercados GIS». Sob o título «Historial», este documento refere:

«Existiu um primeiro cartel entre o final dos anos 1980 e 1997 quando foi interrompido. A partir de 1997, os participantes continuaram a encontrar‑se, mas não chegaram a acordo quanto à repartição dos mercados, nem quanto aos preços, e os encontros relativos a este cartel cessaram em Setembro de 1999, tendo‑se a Siemens retirado definitivamente».

197    Em primeiro lugar, importa salientar que esta indicação não é desprovida de ambiguidade. Com efeito, como a Siemens sustenta no âmbito da sua sexta alegação, invocada em apoio da presente parte, é possível interpretá‑la no sentido de que a interrupção da sua participação no cartel teve lugar antes do mês de Setembro de 1999, mas que o efeito desta interrupção – a saber, a cessação dos encontros no âmbito do cartel – só ocorreu no mês de Setembro. Todavia, essa interpretação não é correcta. Cabe referir, além disso, que a afirmação da Areva de que os encontros terminaram a partir do mês de Setembro de 1999 veio a revelar‑se falso, como atestam, designadamente, as provas apresentadas pela Comissão nos considerandos 191 a 197 da decisão impugnada. Embora não torne mais provável qualquer das interpretações da passagem acima referida no n.° 196, em qualquer caso, esta circunstância é susceptível de lançar uma dúvida geral sobre a fiabilidade das declarações da Areva. A este respeito, cumpre salientar que a própria Comissão, nos considerandos 290 e 291 da decisão impugnada, qualificou as declarações da Areva como «contraditórias e ambíguas», facto que foi entendido, entre outras coisas, como uma razão para não lhe atribuir uma redução de coima nos termos da comunicação sobre a cooperação, tal como decorre do considerando 531 da decisão impugnada.

198    Consequentemente, há que atribuir um frágil valor probatório às declarações da Areva.

199    Em segundo lugar, na medida em que a Comissão, no considerando 285 e na nota de rodapé n.° 237 da decisão impugnada, se baseia na resposta da Areva à comunicação de acusações, há que acolher o argumento da Siemens de que essa resposta não lhe é oponível, dado que não teve acesso à mesma antes da adopção da decisão impugnada (v., a este respeito, a jurisprudência referida no n.° 189 supra). Com efeito, a Comissão, na sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral antes da audiência, confirmou que a resposta da Areva à comunicação de acusações não foi comunicada à Siemens antes da adopção da decisão impugnada.

–       Quanto às declarações da Melco

200    Num documento de 4 de Novembro de 2004, apresentado no quadro do seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação, a Melco declarou:

«Até Setembro de 1999, o Grupo funcionava sem conflitos, na linha dos seus objectivos. Depois, em Setembro de 1999, a Siemens declarou formalmente numa reunião do Grupo, que se retirava do mesmo, devido ao facto de os dirigentes superiores da Siemens terem descoberto as actividades do Grupo».

201    A Melco confirmou, assim, expressa e inequivocamente que a Siemens só anunciou a interrupção da sua participação no cartel no mês de Setembro de 1999.

202    No âmbito da sua sexta alegação, invocada em apoio da presente parte, a Siemens sustenta que, no considerando 292 da decisão impugnada, a própria Comissão qualificou estas declarações da Melco como desprovidas de valor probatório, em razão do seu carácter contraditório e ambíguo. Saliente‑se, a este propósito, que, no decurso da fase administrativa do processo, a Melco apresentou duas declarações diferentes, a saber, por um lado, um documento de 4 de Novembro de 2004, apresentado no âmbito do seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação, do qual foi retirada a passagem acima reproduzida no n.° 200, e, por outro lado, a resposta à comunicação de acusações, data de 5 de Julho de 2006. Ora, a qualificação como desprovida de valor probatório que figura no n.° 292 da decisão impugnada reporta‑se apenas a esta última. Além disso, esta qualificação é apenas relativa a um aspecto isolado dessa resposta, a saber, a alegação da Melco de que o cartel cessou completamente em 1999, após a interrupção pela Siemens da sua participação no mesmo. A Comissão considerou designadamente que estas alegações tinham como único fundamento as declarações das outras partes no processo e são apresentadas apenas com vista à sua própria defesa. Em contrapartida, a decisão impugnada não contém qualquer declaração expressa do valor probatório das declarações prestadas pela Melco, em 4 de Novembro de 2004, no âmbito do seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação.

203    Importa considerar que a indicação do mês de Setembro de 1999 como data em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel, nas declarações da Melco de 4 de Novembro de 2004, devia gozar de elevada credibilidade, dado que a Melco não podia ter qualquer interesse em indicar uma data posterior à data efectiva dessa interrupção. Com efeito, tendo em conta que a saída da Siemens – e a da Hitachi alguns meses mais tarde – era susceptível de tornar mais credível o «desmoronamento do cartel» que, segundo a Melco, teve lugar a partir de 1999/2000, de facto, ela tinha mais interesse em indicar uma data anterior à data efectiva.

–       Quanto às declarações da Fuji

204    Na sua resposta de 11 de Julho de 2006 à comunicação de acusações, a Fuji declarou:

«Quando a Siemens se retirou do cartel, em Setembro de 1999, o cartel do acordo GQ começou a desmoronar‑se. Tanto quanto a Fuji sabe, após a reunião de Sydney, não houve mais reuniões que incluíssem todas as partes»

205    Já acima se indicou no n.° 90 que, contrariamente ao que alega a Siemens, há que atribuir elevada credibilidade às declarações da Fuji, apesar de estas terem sido feitas numa fase relativamente tardia do procedimento e num contexto temporal associado a um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação. Além disso, em especial, no que respeita à indicação da data em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel, aplicam‑se as mesmas considerações que para as declarações da Melco (v. n.° 203 supra): uma vez que essa interrupção credibilizava a tese do «desmoronamento do cartel» algum tempo depois, igualmente defendida pela Fuji, esta empresa não tinha interesse em atrasar artificialmente esta data.

–       Quanto às declarações da Hitachi

206    No considerando 186 e na nota de rodapé n.° 238 da decisão impugnada, a Comissão invoca a resposta da Hitachi à comunicação de acusações, em que esta última confirmou que o mês de Setembro de 1999 foi o momento em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel. Ora, como alega a Siemens, sem impugnação da Comissão, esta resposta não lhe é oponível, dado que não teve acesso à mesma antes da adopção da decisão impugnada (v., a este respeito, a jurisprudência acima referida no n.° 189). Consequentemente, este elemento de prova não pode ser acolhido.

 Conclusão intercalar

207    Resulta do exposto que, para dar por provada a participação da Siemens no cartel até Setembro de 1999, a Comissão pode basear‑se em vários elementos, designadamente nas declarações da ABB e de M., que foram consideradas credíveis e confirmadas, quanto a este aspecto, pelas declarações da Areva, da Melco e da Fuji, algumas das quais, designadamente as da Melco e da Fuji, gozam de credibilidade elevada.

208    Face a estes elementos, cumpre, depois, examinar se os outros elementos invocados pela Siemens são susceptíveis de refutar a afirmação da Comissão e de provar a alegação da Siemens de que interrompeu a sua participação no cartel a partir de Abril de 1999.

c)     Quanto aos elementos invocados pela Siemens para demonstrar a interrupção da sua participação no cartel a partir de Abril de 1999

 Quanto às provas económicas empíricas da interrupção da sua participação no cartel o mais tardar em Abril de 1999

209    Na sua oitava alegação, invocada em apoio da presente parte, a Siemens invoca a análise para fundamentar a interrupção da sua participação no cartel a partir de Abril de 1999. Em seu entender, a análise demonstrou que, no período compreendido entre Abril e Setembro de 1999, ela se comportava no mercado de forma concorrencial, como fazia depois de Setembro de 1999 e contrariamente ao que fazia antes de Abril de 1999.

210    A este respeito, remete‑se para as observações constantes dos n.os 135 a 138 supra, que são igualmente válidas no que respeita à questão da interrupção, pela Siemens, da sua participação no cartel. Com efeito, por um lado, como o artigo 81.° CE proíbe não só os acordos que tenham por efeito falsear a concorrência mas também os acordos que tenham esse objectivo, a Comissão não tem a obrigação de provar efeitos concretos na declaração da infracção. Por outro lado, mesmo que a Siemens se tenha comportado de forma concorrencial durante o período compreendido entre Abril e Setembro de 1999, isso não prova que se tenha distanciado do cartel, mas apenas que não respeitava os acordos. Ora, como a Comissão justamente argumenta, isso podia também ser devido ao facto de a Siemens procurar beneficiar com o cartel.

211    Assim, esta alegação é improcedente.

 Quanto ao testemunho de Se.

212    Com a sua sétima alegação, a Siemens invoca uma declaração de Se., na época empregado da Alstom, que, em Setembro de 2006, indicou: «Em Abril de 1999, compreendo que já não há cartel possível, dado que a Siemens, um dos principais concorrentes, anunciou a sua saída do mesmo». Segundo a Siemens, o facto de a Comissão ter excluído esta declaração é constitutivo de vários erros de direito.

213    A este respeito, em primeiro lugar, saliente‑se que a declaração de Se. não está necessariamente em contradição com a declaração da Comissão segundo a qual a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em Setembro de 1999. Com efeito, Se. datou de Abril de 1999 o anúncio da decisão da Siemens de não continuar a sua participação no cartel e não a interrupção efectiva da sua participação neste cartel. É, pois, concebível que, em Abril de 1999, a Siemens se tenha limitado a anunciar a sua decisão e que a interrupção da sua participação só tenha ocorrido efectivamente numa data posterior. Ainda que apenas por esta razão, há que rejeitar o argumento da Siemens.

214    Em segundo lugar, a Comissão não excluiu o testemunho de Se. apenas porque teve lugar «sob o controlo exclusivo dos advogados da Alstom», como alegou a Siemens, mas também porque não o considerava, em si, credível, dado que não foi o próprio Se. a testemunhar os factos sobre os quais se pronunciou. Tal como resulta do considerando 289, alínea b), da decisão impugnada, aquela teve designadamente em conta o facto de o próprio Se. ter reconhecido que, antes de Abril de 1999, tinha conhecimento do cartel, mas não tinha qualquer informação sobre o modo como o mesmo funcionava, ignorando a identidade dos participantes, as datas e locais das reuniões e as regras aplicáveis. Além disso, resulta do quadro das reuniões facultado pela ABB em 5 de Outubro de 2005, não impugnado pela Siemens, que Se. não participou pessoalmente na reunião de Sydney, em Abril de 1999, tendo a Alstom sido representada por três outros empregados. Esta apreciação das provas pela Comissão não é errada. Em qualquer caso, não incumbe ao Tribunal Geral, na falta de impugnação circunstanciada da Siemens, substituí‑la pela sua própria apreciação.

215    Consequentemente, esta alegação é improcedente, na parte em que respeita ao testemunho de Se.

 Quanto aos testemunhos de Tr., E. e Sch.

216    No âmbito da sua sétima alegação, invocada em apoio da presente parte, a Siemens acusa igualmente a Comissão de não ter tido em consideração as declarações dos seus ex‑empregados Tr., E. e Sch., que apresentou no procedimento administrativo.

217    Em primeiro lugar, importa rejeitar a alegação da Siemens de que a Comissão não tomou em consideração as declarações dos seus ex‑empregados. Com efeito, depois de a Siemens ter apresentado estes depoimentos por escrito, por carta de 7 de Agosto de 2006, a Comissão, por carta de 12 de Dezembro de 2006, indicou que não considerava necessário ouvir essas testemunhas, dado que os seus depoimentos não lhe suscitaram outras questões.

218    Além disso, a Comissão indicou que as declarações dos ex‑empregados da Siemens não eram susceptíveis de modificar a sua apreciação quanto à data em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel, com base no alcance das declarações e nos elementos de prova que reuniu.

219    A este respeito, importa observar que a credibilidade das declarações dos ex‑empregados da Siemens se encontra fortemente afectada pelo facto de estas pessoas contestarem qualquer acordo relativo a projectos de MCIG na Europa, quando, como foi referido no primeiro fundamento, a Comissão demonstrou de forma juridicamente adequada, que o acordo comum abrangia igualmente projectos de MCIG na Europa.

220    Além disso, no que respeita à data exacta em que a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1999, saliente‑se que, segundo a sua declaração, Tr. se reformou em 1994 e indicou que não sabia com exactidão quando é que a Siemens abandonou o cartel. Sch. indicou que, durante o ano de 1998, o seu superior, E., lhe disse que ia reformar‑se antecipadamente em 1999 e que, na mesma ocasião, decidiu que a Siemens renunciaria à sua participação no acordo GQ. No entanto, não indicou quando é que esta decisão se tornou efectiva e, além disso, as datas que indicou não coincidiam com as indicadas por E. Com efeito, este último indicou que só se aposentou em meados de 2000 e que decidiu que a Siemens se retirava do acordo GQ anteriormente («im Vorfeld») à reunião de Sydney, facto de que informou designadamente Sch., tendo‑o encarregado de adoptar as medidas necessárias. Era, pois, possível que os factos relatados por Sch. tivessem ocorrido uma semana após as datas indicadas por este. E. afirmou ainda que informou V., empregado da Alstom, antes da reunião de Sydney, e as empresas japonesas, «no contexto temporal imediato» da referida reunião, embora admitindo que não se recordava se antes ou depois da mesma. Em contrapartida, reconheceu expressamente que não informou as outras empresas, designadamente a ABB, e que não mencionou a saída da Siemens na reunião anual.

221    Em face do exposto, há que considerar que estes elementos constituem prova bastante de que não houve um afastamento «oficial» da Siemens nesta reunião. Com efeito, num cartel que envolve diversas empresas, um afastamento claro e expresso por parte de uma das empresas participantes deve ser dirigido a todos os outros participantes. Portanto, não poderia tratar‑se de uma «discriminação inadmissível» em relação a outros processos semelhantes, como alega a Siemens.

222    De resto, E. indicou igualmente que só depois de informar as empresas japonesas é que informou o secretário europeu do cartel da interrupção, pela Siemens, da sua participação no mesmo, o qual posteriormente, em data que E. desconhece, comunicou às outras empresas. Recorde‑se, a este respeito, que, segundo as declarações de Tr., nessa época, o secretariado era assegurado, em nome da Siemens, por Th., que estava igualmente presente na reunião de Sydney. Portanto, o testemunho de E. não contradiz as observações da Comissão a este respeito. Pelo contrário, a sua declaração confirma que não houve um distanciamento claro do cartel, por parte da Siemens, na reunião de Sydney, em Abril de 1999 e, além disso, é perfeitamente compatível com a versão de M., segundo a qual este último foi informado por Th. numa reunião de trabalho, em Genève, em Setembro de 1999. Importa salientar, a este respeito, que resulta da declaração de E. que Th. desempenhou ainda as funções de secretário europeu do cartel em nome da Siemens durante algum tempo após a reunião de Sydney, o que é, em si, bastante para rejeitar o argumento da Siemens segundo o qual a mesma interrompeu a sua participação no cartel em Abril de 1999. Ora, segundo a jurisprudência, o facto de não se distanciar publicamente de uma infracção na qual a empresa em causa participou ou de não a denunciar às autoridades administrativas tem por efeito incentivar a continuidade da infracção e compromete a sua descoberta, pelo que esta aprovação tácita pode ser qualificada de cumplicidade ou de modo passivo de participação na infracção (v. acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 48 supra, n.° 84).

223    Consequentemente, longe de pôr em causa a afirmação da Comissão de que a Siemens só interrompeu a sua participação no cartel em Setembro de 1999, os testemunhos de Tr., E. e Sch. são antes susceptíveis, em certa medida, de a confirmar.

224    Consequentemente, esta alegação é improcedente, na medida em que respeita aos testemunhos de Tr., E. e Sch., sendo, portanto, integralmente improcedente.

 Quanto à inexistência de prova da participação da Siemens num acordo relativo a projectos de MCIG após Abril de 1999

225    No âmbito da sua primeira alegação, invocada em apoio da presente parte, a Siemens refere que, na decisão impugnada, a Comissão não a acusa de ter participado num acordo relativo a projectos depois de Abril de 1999. Afirma que, o último projecto indicado pela Comissão em que participou era de 8 de Março de 1999 e as indicações prestadas pela Fuji no seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação não provam que tenha participado em projectos ou trocado informações a este respeito depois de Março de 1999.

226    A este respeito, há que salientar que a falta de prova da existência de acordos relativos a projectos depois de Março de 1999 não significa que esses acordos não tenham existido. Como alega a Comissão, a lista global não é exaustiva. Além disso, mesmo que se provasse que a Siemens não participou num acordo relativo a projectos depois de Março de 1999, isso não constituía uma prova da interrupção da sua participação no cartel. Com efeito, como salienta a Comissão nos seus articulados, a acusação feita à Siemens na decisão impugnada excede claramente os acordos sobre os projectos em causa. A este respeito, basta referir que, durante este tempo, a Siemens desempenhou a função de secretário europeu do cartel, a qual permitia o funcionamento deste último.

227    Portanto, os argumentos apresentados pela Siemens no quadro desta alegação não são susceptíveis de ilidir a constatação da Comissão, baseada em elementos de prova acima analisados nos n.os 179 a 207, que indicam que a Siemens participou no cartel até Setembro de 1999. Deste modo, há que rejeitar este argumento.

 Quanto à inexistência de provas de uma reunião posterior a 22 de Abril de 1999

228    No âmbito da sua terceira alegação, invocada em apoio da presente parte, a Siemens argumenta que a Comissão não indicou qualquer prova de que ela participou, em 1999, numa reunião posterior à de Sydney, que decorreu de 19 a 24 de Abril desse ano.

229    A este respeito, cabe salientar que a inexistência de prova de uma reunião posterior a 22 de Abril de 1999 não é susceptível de pôr em causa os indícios em que se baseou a Comissão para dar por provado que a Siemens participou no cartel até Setembro de 1999.

230    Com efeito, o facto de a Comissão não ter tido conhecimento de reuniões posteriores não significa que essas reuniões não tenham tido ligar. Em especial, ao indicar, no considerando 183 da decisão impugnada, que «[a]pós a reunião de Sydney organizada de 19 a 24 de Abril de 1999, terminaram as reuniões anuais», a Comissão referiu claramente as reuniões anuais e, portanto, não excluiu que, após esta data, tenha havido outras reuniões ao nível operacional. A este respeito, resulta do artigo 3.° do acordo GQ que a reunião geral (general meeting) estava prevista uma vez por ano. Consequentemente, ainda que a Siemens não tivesse interrompido a sua participação no cartel em 1999, não teria sido possível esperar a realização de outro encontro deste género no mesmo ano. Em contrapartida, o artigo 5.° do acordo GQ prevê a realização de reuniões quinzenais de comité (committee meetings), tendo por objectivo a troca de opiniões sobre os projectos pretendidos por cada grupo. Ora, tal como resulta do anexo 4 do acordo GQ, a Siemens (designada pelo código «8») era membro do comité europeu e, portanto, devia participar nessas reuniões. Além disso, resulta do artigo 5.° do acordo EQ que as reuniões de trabalho (job meetings), nas quais deviam participar todos os membros em causa, eram realizadas tanto para os projectos que tinham sido objecto de atribuição como para aqueles que tinham sido apenas objecto de acordo quanto ao preço mínimo e que incumbia ao secretário europeu do cartel – portanto, à Siemens – enviar os convites para estas reuniões e presidi‑las. Nestas condições, o simples facto de a Comissão não ter conseguido determinar a data e o local exacto de outras reuniões em 1999 posteriores à de Sydney não permite concluir que elas não existiram.

231    Deste modo, cabe rejeitar este argumento.

232    À luz de tudo o que precede, há que considerar que a Comissão dispunha de elementos de prova suficientes que justificavam concluir que a Siemens tinha participado no cartel até Setembro de 1999. Além disso, a Siemens não deu uma explicação alternativa convincente para a existência destes elementos, em conformidade com as exigências decorrentes da jurisprudência. Ora, tendo em conta os elementos factuais acima referidos no n.° 207, invocados pela Comissão para provar a participação da Siemens até Setembro de 1999, incumbia a esta última dar uma explicação ou uma justificação alternativa susceptível de refutar as conclusões da Comissão, que tinha esse ónus (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 48 supra, n.° 79, e acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, n.° 65 supra, n.° 71).

233    Há que rejeitar, portanto, a primeira parte do segundo fundamento.

B –  Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à prescrição das acusações

1.     Argumentos das partes

234    A Siemens alega a prescrição da primeira fase da sua participação na infracção de que é acusada e que alegadamente terminou em 22 de Abril de 2004, portanto, antes da data das inspecções, em 11 e 12 de Maio de 2004. Em seu entender, o argumento da Comissão segundo o qual participou duas vezes na mesma infracção única e continuada não permite excluir a prescrição. Com efeito, o cartel que existiu entre 1998 e 1999 distinguia‑se claramente do que existiu entre 2002 e 2004.

235    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

236    O artigo 25.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 1/2003 estabelece um prazo de prescrição de cinco anos para as infracções do tipo da que a Siemens é acusada. Nos termos do artigo 25.°, n.° 2, do mesmo diploma, no que se refere às infracções continuadas ou repetidas, o prazo de prescrição começa a ser contado a partir do dia em que tiverem cessado essas infracções. Segundo o artigo 25.°, n.° 3, primeira parte, do mesmo regulamento, a prescrição é interrompida por qualquer acto da Comissão destinado à investigação da infracção ou à instrução do respectivo processo.

237    No presente caso, a excepção de prescrição invocada no que respeita à primeira fase da infracção de que a Siemens é acusada pressupõe, portanto, a existência de duas condições cumulativas. Por um lado, esta primeira fase deve ter terminado até 10 de Maio de 1999, ou seja, cinco anos antes da véspera das inspecções no local a que a Comissão procedeu em 11 e 12 de Maio de 2004. Por outro, as duas fases da infracção de que é acusada não devem fazer parte de uma infracção única e continuada, na acepção do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, dado que, nessa hipótese, a prescrição só começa a contar a partir do dia em que a segunda destas fases terminou, em 2004.

238    A este respeito, basta recordar que, como acima referido no n.° 232, a Comissão observou acertadamente na decisão impugnada que a primeira fase da participação da Siemens na infracção só terminou em Setembro de 1999, portanto, após 10 de Maio de 1999.

239    Há, pois, que rejeitar a excepção de prescrição objecto da segunda parte do segundo fundamento.

240    Em quaisquer circunstâncias, também não está preenchida a segunda condição acima enunciada no n.° 237. Com efeito, a Comissão observou acertadamente que o cartel em que a Siemens participou a partir de 2002 era substancialmente o mesmo em que participou até 1999.

241    A este respeito, foram identificados pela jurisprudência vários critérios como adequados para determinar o carácter único de uma infracção, a saber, a identidade ou a diversidade dos objectivos das práticas em causa (acórdão do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, Dansk Rørindustri/Comissão, T‑21/99, Colect., p. II‑1681, n.° 67; v., igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colect., p. I‑8831, n.os 170 e 171, e acórdão Jungbunzlauer/Comissão, n.° 184 supra, n.° 312), a identidade dos produtos e dos serviços abrangidos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Colectânea, n.os 118, 119 e 124, e Jungbunzlauer/Comissão, n.° 184 supra, n.° 312), a identidade das empresas que nela participaram (acórdão Jungbunzlauer/Comissão, n.° 184 supra, n.° 312) e a identidade das regras da sua execução (acórdão Dansk Rørindustri/Comissão, já referido, n.° 68). A identidade das pessoas singulares implicadas por conta das empresas e a identidade do âmbito de aplicação geográfica das práticas em causa são outros critérios pertinentes.

242    No caso em apreço, importa salientar que todos os critérios referidos no número anterior permitem considerar que o cartel em que a Siemens participou a partir de 2002 era, no essencial, o mesmo em que participou até 1999.

243    Com efeito, em primeiro lugar, o objectivo, que consiste em estabilizar as quotas de mercado dos membros do cartel, em partilhar o mercado mundial entre os produtores japoneses e europeus – designadamente reservando a estes últimos os mercados europeus – e em evitar a erosão dos preços, era o mesmo durante os dois períodos em causa. A este respeito, há que rejeitar os argumentos invocados pela Siemens, segundo os quais as duas fases da sua participação na infracção foram inteiramente diferentes uma da outra.

244    Em primeiro lugar, não é exacto que o cartel só tenha sido aplicado aos projectos europeus a partir de 2002. Pelo contrário, tal como resulta das observações acima feitas no n.° 161, a Comissão fez prova bastante de que o cartel era aplicável aos projectos de MCIG no EEE desde o seu início.

245    Em seguida, pouco importa saber se o acordo GQ foi revogado e substituído por outro acordo, como afirma a Siemens, com base nas declarações da Hitachi, ou se foi apenas modificado, uma vez que o objectivo das práticas em causa continuou a ser o mesmo.

246    Finalmente, há que rejeitar a concepção do conceito de «objectivo comum», implicitamente defendida pela Siemens. Segundo esta concepção, a verificação da existência de uma infracção única depende não só de critérios objectivos, como acima referidos no n.° 241, mas pressupõe ainda a existência de um elemento subjectivo sob forma de uma intenção global comum, que, no presente caso, não existia. Refira‑se, a este respeito, que a tese defendida pela Siemens não encontra qualquer apoio na jurisprudência acima referida no n.° 241, que não refere um critério subjectivo em relação à apreciação do carácter único de uma infracção. Portanto, a questão de saber se um conjunto de acordos e práticas contrários ao artigo 81.°, n.° 1, CE constituem uma infracção única e continuada é, pelo contrário, uma questão que depende unicamente de factores objectivos, entre os quais o objectivo comum dos referidos acordos e práticas. Este último é um critério que deve ser apreciado apenas na perspectiva do conteúdo destes acordos e práticas e não deve ser confundido, como a Siemens parece fazer, com a intenção subjectiva das diferentes empresas de participarem num cartel único e continuado. Pelo contrário, esta intenção subjectiva não pode nem deve ser tomada em consideração, a não ser no âmbito da apreciação da participação individual de uma empresa nesse acordo único e continuado (v. n.° 253 infra).

247    Em segundo lugar, os métodos de funcionamento do cartel permaneceram globalmente inalterados, ainda que tendo evoluído progressivamente ao longo dos anos, designadamente em função da redução do número de empresas participantes na sequência da concentração do sector e da evolução técnica dos meios de comunicação. No entanto, como referiu a Comissão no considerando 280 da decisão impugnada, estas modificações não tiveram lugar num momento exacto mas progressivamente. Além disso, não afectaram os princípios essenciais do modo de funcionamento, a saber, a atribuição de projectos de MCIG entre os membros do cartel com base em quotas estabelecidas por eles e por meio de manipulação dos concursos, bem como a fixação de preços mínimos para os projectos de MCIG que não eram adjudicados.

248    Em terceiro lugar, durante os dois períodos em causa, o cartel abrangia o mesmo mercado, a saber, o dos projectos de MCIG na forma de peças autónomas ou de subestações «chave na mão».

249    Em quarto lugar, as empresas que participaram no cartel, no essencial, continuaram a ser as mesmas durante toda a vigência do cartel, entre 1988 e 2004, tendo em conta o processo de concentração no sector dos MCIG ocorrido durante este período, com a única excepção da ausência temporária da Siemens, da empresa VA Tech e da Hitachi.

250    Em quinto lugar, as pessoas que representavam as várias empresas no cartel eram, em grande medida, as mesmas em 1999 e em 2002, se abstrairmos de uma certa flutuação normal no interior de cada empresa. A continuidade pessoal dos representantes é comprovada pelas várias listas de reuniões que fazem parte do processo e, designadamente, pela que consta do anexo I da decisão impugnada, bem como pela lista dos colaboradores das empresas activas no cartel, que figura no anexo II da decisão impugnada.

251    Em sexto lugar, o âmbito de aplicação geográfica do cartel era o mesmo em 1999 e durante o período entre 2002 e 2004. Com efeito, foi um pouco alargado depois de 1988, devido ao facto de, entretanto, os mercados dos países da Europa Central e do Leste se terem tornado acessíveis aos membros do cartel.

252    Em sétimo lugar, o facto, salientado pela Comissão e não impugnado pela Siemens, de o cartel ter sido continuado pelos outros membros sem as empresas temporariamente ausentes e de a continuidade objectiva de uma infracção única ter, pois, sido preservado, demonstra igualmente que se tratava de um único e mesmo cartel. A este respeito, há que rejeitar o argumento da Siemens segundo o qual, ao tomar em consideração este elemento, a Comissão lhe imputa os factos de outrem. Com efeito, não se trata de considerar a Siemens como responsável pelo período compreendido entre Setembro de 1999 e Março de 2002, mas de lhe opor o carácter único da infracção que prosseguiu na sua ausência. Ora, como referido no número seguinte, a Siemens estava, ou devia estar, consciente de que, a partir de 2002, participava no mesmo cartel em que participou até 1999.

253    Finalmente, no que respeita ao elemento subjectivo, basta que, quando a Siemens retomou a sua participação no cartel, estivesse ciente de que participava no mesmo cartel que anteriormente. Basta mesmo que a Siemens estivesse ciente dos critérios essenciais, indicados no n.° 241 supra, que justificavam a verificação do carácter único da infracção, para que lhe possa ser oposto este carácter único, ainda que ela mesma não tenha concluído pela sua existência. Ora, atento o facto de os seus próprios empregados S. e Ze. terem participado, em nome dela, no cartel, tanto antes da sua saída, em 1999, como depois do seu regresso, em 2002, a Siemens não podia ignorar a identidade dos factores que determinam o carácter único do cartel, designadamente, a identidade dos seus objectivos, dos produtos abrangidos, dos mercados geográficos e das empresas participantes.

254    Consequentemente, em quaisquer circunstâncias, há que rejeitar a excepção de prescrição invocada pela Siemens, devido ao facto de as duas fases da infracção de que é acusada fazerem parte de uma mesma infracção única e continuada.

255    Em conclusão, há que julgar improcedente a segunda parte do segundo fundamento, relativa à prescrição da primeira fase da infracção de que a Siemens é acusada.

C –  Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à não participação no cartel a partir de 1 de Janeiro de 2004

1.     Argumentos das partes

256    A Siemens argumenta que a Comissão declarou, erradamente, na decisão impugnada, que a infracção cessou definitivamente em 11 de Maio de 2004, apesar de não se ter observado qualquer repercussão efectiva no mercado após Janeiro de 2004, tendo a última reunião relevante tido lugar em 21 de Janeiro de 2004, sem que tenha sido alcançado qualquer acordo sobre preços. Assim sendo, o cartel deixou de ter efeitos no mercado a partir de Janeiro de 2004, não tendo, aliás, a Comissão descrito qualquer prova desses efeitos.

257    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

258    Há que rejeitar esta parte do fundamento por duas razões.

259    Em primeiro lugar, como acima referido no n.° 135, segundo jurisprudência constante, do próprio texto do artigo 81.°, n.° 1, CE decorre que os acordos entre empresas são proibidos, independentemente dos efeitos, se tiverem um objecto anticoncorrencial (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 43 supra, n.° 123, e JFE Engineering e o./Comissão, n.° 49 supra, n.° 181). Consequentemente, a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais não é exigida quando estiver provado o objectivo anticoncorrencial dos comportamentos imputados (v. acórdão Volkswagen/Comissão, n.° 135 supra, n.° 178, e jurisprudência aí referida). Também acima e referido no n.° 136, que, no presente caso, a Comissão se baseou principalmente no objecto restritivo da concorrência do acordo punido no artigo 1.° da decisão recorrida. Observou, em primeiro lugar, nos considerandos 303 e 304 da decisão impugnada, que o conjunto dos acordos e/ou práticas concertadas descrito tinha por objecto restringir a concorrência, na acepção do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE, e que, em tais circunstâncias, para efeitos da aplicação das referidas disposições, não era relevante tomar em consideração os efeitos concretos de um acordo, acrescentando, depois, no considerando 308 da referida decisão, que, pela sua própria natureza, a execução de um acordo do tipo descrito provoca uma importante distorção da concorrência.

260    Assim sendo, como alega, com justeza, a Comissão, o acórdão do Tribunal Geral de 5 de Abril de 2006, Degussa/Comissão (T‑279/02, Colect., p. II‑897, n.os 236 e 240), não é susceptível de apoiar a argumentação da Siemens. Com efeito, por um lado, as passagens do referido acórdão que invoca não estão relacionadas com a declaração da infracção ou da duração da mesma, mas apenas com a apreciação da sua gravidade. Por outro lado, a Comissão, no processo que deu lugar a esse acórdão, baseou‑se expressamente nos efeitos que o cartel teve sobre os preços dos produtos em causa. Ora, como se recordou no número anterior, é precisamente o que não acontece no presente caso.

261    Consequentemente, os argumentos da Siemens que visam apoiar a inexistência de novas repercussões do cartel após 1 de Janeiro de 2004 não são pertinentes.

262    Em segundo lugar, como a Comissão indicou, no considerando 215 da decisão impugnada, com fundamento nas declarações do grupo VA Tech, sem impugnação da Siemens, as comunicações e as reuniões entre os membros que permaneceram no cartel após a saída da ABB eram, designadamente, relativas à troca de informações sobre os procedimentos de concurso pendentes, à posição dos actores externos ao cartel, à manutenção ou à interrupção dos contactos e a questões de segurança. Ora, estes temas de discussão demonstram que, mesmo que os restantes membros do cartel não chegassem a acordo quanto a projectos concretos, tinham a intenção de manter o cartel para o futuro ou, pelo menos, não tinham tomado a decisão de lhe pôr termo.

263    Contrariamente ao que argumenta a Siemens, esta interpretação dos factos não é posta em causa por uma declaração da Hitachi relativa ao fim do cartel. Com efeito, esta declaração foi feita sob a forma de um quadro que, para diversas reuniões no âmbito do cartel, indica, respectivamente, a data, o local, os participantes, um breve resumo dos objectos e a fonte destas informações entre os empregados da Hitachi. Antes de mais, importa salientar, a este respeito, que as indicações relativas ao objecto das diferentes reuniões são apenas muito breves e, por vezes, gerais. Por exemplo, para as reuniões de 17 de Março e de 18 de Abril de 2004, indica‑se, respectivamente, que «o objectivo da reunião era a troca de informações» e que «[a reunião ao nível de trabalho] incluía uma discussão geral sobre o mercado». Estas indicações não deixam ver claramente o tema exacto das discussões e, em quaisquer circunstâncias, não excluem que se tratava de uma troca de informações e de discussões que constituíam uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.° do acordo EEE.

264    Além disso, cumpre observar que os excertos da declaração da Hitachi apresentados pela Siemens incluem as páginas 7278, 7280 e 7281 dos elementos do procedimento na Comissão, mas não a página 7279, que é susceptível de conter indicações relativas a outras reuniões que tiveram lugar entre Janeiro e Março de 2004. Independentemente da questão da sua credibilidade e do seu valor probatório, estes documentos não relatam de forma completa as declarações da Hitachi relativas às reuniões de 2004, que a Siemens entende que deixaram de ter repercussões no cartel. Há, pois, que considerar que a Siemens não provou esta alegação.

265    Consequentemente, há que negar provimento à terceira parte do segundo fundamento, relativa à ausência de novas repercussões do cartel a partir de Janeiro de 2004.

266    Assim, há que negar provimento ao segundo fundamento na íntegra.

III –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro de direito no cálculo do montante da coima

267    O terceiro fundamento da Siemens divide‑se em seis partes. No âmbito da primeira parte, alega que o montante de partida da coima é desproporcionado. A segunda parte é relativa ao carácter desproporcionado do quociente multiplicador de dissuasão. No quadro da terceira parte, a Siemens alega que a Comissão se baseia numa duração incorrecta da infracção. No âmbito da quarta parte, invoca a qualificação errada de líder que lhe foi aplicada. No quadro da quinta parte, alega que a Comissão deveria ter‑lhe atribuído uma redução do montante da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação. A sexta parte é relativa ao facto de a Direcção‑Geral (DG) «Concorrência» ter contrariado de facto o colégio dos comissários.

A –  Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao carácter desproporcionado do montante de partida da coima

268    No âmbito da primeira parte do terceiro fundamento, a Siemens, no essencial, alega que o montante de partida da coima que lhe foi aplicada é desproporcionado em relação à gravidade da infracção e aos seus efeitos económicos e não está correctamente fundamentado. Em sua opinião, a Comissão não devia ter qualificado a infracção como «muito grave» e, consequentemente, devia ter fixado o montante de partida da coima muito abaixo de 10 milhões de euros. A este respeito, invoca três alegações, relativas, em primeiro lugar, ao facto de a Comissão não ter apresentado a prova dos efeitos do cartel, em segundo lugar, ao carácter desproporcionado do montante de partida da coima em relação à importância económica da infracção e, em terceiro lugar, à sua inscrição numa categoria incorrecta.

1.     Quanto à primeira alegação, relativa à inexistência de prova dos efeitos do cartel

a)     Argumentos das partes

269    A Siemens contesta as observações da Comissão nos considerandos 477 e 484 da decisão impugnada, relativas aos efeitos do cartel, alegando que estas são contraditórias, imprecisas e erradas. Em sua opinião, tendo a Comissão reconhecido, com justeza, que o cartel não teve qualquer efeito quantificável, esta não poderia, em seguida, na determinação do montante de partida, fazer referência aos alegados efeitos da infracção. Além disso, a Comissão não apresentou qualquer indício concreto e credível de que o cartel tenha tido impacto sobre o mercado e a análise demonstrava mesmo que tais efeitos não existiram. A afirmação da Comissão de que a longa participação num sistema dispendioso demonstra que o cartel era rentável para os seus membros e, consequentemente, tinha impacto, assentava em meras conjecturas e não em factores económicos objectivos.

270    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

271    A título liminar, importa recordar que, nos termos do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das Orientações da Comissão para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), no cálculo da coima em função da gravidade da infracção, a Comissão tem, designadamente, em conta «o impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

272    Em primeiro lugar, cumpre salientar, a este respeito, que, contrariamente ao que alega a Siemens, a Comissão de modo nenhum reconheceu, na decisão impugnada, que o cartel não tinha tido qualquer impacto quantificável. No considerando 477 da decisão impugnada, a Comissão indicou que, devido à falta de informações sobre os preços prováveis dos projectos de MCIG no EEE se não houvesse cartel, não era possível medir o seu impacto concreto no mercado e que, consequentemente, não se baseou especificamente num impacto concreto ao determinar a gravidade da infracção nos termos do ponto 1 A das orientações.

273    A Comissão referiu apenas a título supletivo que, no caso em apreço, existiam indícios concretos e credíveis indicando com probabilidade razoável que o cartel teve impacto no mercado, tendo em conta que foi efectivamente executado, durou mais de dezasseis anos e os participantes estavam prontos a suportar despesas consideráveis para perenizar a sua existência. Este entendimento não podia ser compreendido no sentido de que contradizia a impossibilidade de medir o referido impacto. Como é evidente, apenas serve para especificar que a Comissão considerava adequadamente que o cartel teve impacto, ainda que este não pudesse ser concretamente medido e, portanto, não pudesse ser tido em conta para efeitos da determinação da gravidade do cartel.

274    Em segundo lugar, contrariamente ao que afirma a Siemens, não resulta do considerando 484 da decisão impugnada que a Comissão tenha feito referência aos efeitos do cartel aquando da determinação da gravidade da infracção. Com efeito, a formulação «tendo em conta as circunstâncias descritas no ponto 8.3.1 supra» (ao abrigo do qual foi inserido o considerando 477 da decisão impugnada) deve ser entendida no sentido de que se refere, designadamente, à observação da Comissão de que os efeitos do cartel não eram quantificáveis.

275    Por conseguinte, não é necessário analisar se, com fundamento nos indícios invocados pela Comissão, se podia presumir a existência de um impacto do cartel no mercado.

276    Assim, improcede a primeira alegação da Siemens.

2.     Quanto à segunda alegação, relativa ao carácter desproporcionado do montante de partida da coima em relação à importância económica da infracção

a)     Argumentos das partes

277    A Siemens argumenta que o montante de partida da coima é desproporcionado em relação ao valor de mercado dos produtos em causa e à sua própria quota de mercado. Ao fixar este montante em 45 milhões de euros, a Comissão afastou‑se da sua prática decisória anterior, quando tinha a obrigação de adoptar uma prática decisória coerente e não discriminatória. Segundo a Siemens, este montante deve ser claramente inferior a 35 milhões de euros. Consequentemente, pede ao Tribunal Geral que reduza substancialmente o montante de partida da coima, no âmbito do seu poder de plena jurisdição.

278    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

279    No ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, as orientações dispõem que se tome em consideração a capacidade económica efectiva de os autores da infracção causarem um prejuízo importante aos outros operadores e que se tenha em conta o peso específico de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção. Em contrapartida, as orientações não dispõem que a capacidade económica efectiva das empresas ou o peso específico do seu comportamento devam ser apreciados à luz de um critério específico, como a sua quota de mercado relativa ao produto em causa no EEE ou no mercado comum. Assim sendo, a Comissão é livre de aplicar, neste domínio, um critério apropriado na perspectiva das circunstâncias de cada caso específico.

280    No caso em apreço, após ter observado, no considerando 479 da decisão impugnada, que a infracção devia ser qualificada como «muito grave», na perspectiva das orientações, a Comissão explicou, nos considerandos 480 a 490 da decisão impugnada, o tratamento diferenciado que aplicou às diversas empresas, em função das quotas de mercado mundiais detidas pelas mesmas, reflectindo a respectiva capacidade económica para prejudicarem de forma significativa a concorrência.

281    A Comissão explicou designadamente, no considerando 481 da decisão impugnada, que, atento o carácter mundial dos acordos do cartel, os volumes de negócios reflectiam com muita fidelidade a capacidade de as empresas prejudicarem significativamente os outros operadores do EEE e os respectivos contributos para a eficácia do cartel no seu conjunto ou, inversamente, a instabilidade que teria afectado o cartel se determinada empresa não tivesse participado no mesmo. Em particular, a Comissão salientou o facto de que o papel das empresas japonesas teria sido consideravelmente subestimado se se tivesse apoiado apenas no volume de negócios relativos ao EEE, tendo em conta que, nos termos dos acordos subjacentes ao cartel, estas empresas se tinham abstido, em larga medida, de actividades nos mercados europeus.

282    Finalmente, a Comissão indicou que, para a Siemens e a ABB, que detinham, cada uma, entre 23 e 29% do volume de negócios mundial respeitante aos projectos de MCIG, o montante de partida da coima devia ser fixado, com base no valor de mercado no EEE, em 45 milhões de euros.

283    Portanto, ao fixar o montante de partida, a Comissão teve em consideração, sem que possa ser acusada de erro manifesto de apreciação, tanto o volume de negócios mundial respeitante aos projectos de MCIG, como o valor de mercado no EEE, servindo o primeiro destes critérios, nos termos dos considerandos 480 e 481 da decisão impugnada, para repartir as empresas em várias categorias. Em particular, a aplicação destes critérios tem em consideração, de forma adequada, as circunstâncias do caso concreto, designadamente o facto de os participantes no cartel terem acordado uma repartição dos mercados europeus e japonês entre os respectivos grupos de produtores. O nível da coima que resulta desse exercício não pode ser qualificado de desproporcionado.

284    Em contrapartida, os argumentos invocados pela Siemens não são convincentes.

285    Em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento da Siemens segundo o qual, no acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 242), o Tribunal de Justiça declarou que «o benefício que [as empresas] puderam retirar dessas práticas […] e o valor das mercadorias objecto da infracção» constituem elementos essenciais do cálculo do montante da coima.

286    A este respeito, importa salientar que esta citação incompleta não reproduz fielmente o conteúdo do n.° 242 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 285 supra, que, além disso, não pode ser plenamente compreendido fora do seu contexto. Com efeito, os n.os 241 a 243 do referido acórdão têm o seguinte teor:

«241      A gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa de critérios a tomar obrigatoriamente em consideração […]

242      Entre os elementos que podem entrar na apreciação da gravidade das infracções figuram o comportamento de cada uma das empresas, o papel desempenhado por cada uma delas na determinação das práticas concertadas, o benefício que puderam retirar dessas práticas, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que infracções deste tipo representam para os objectivos da Comunidade […]

243      Daí resulta, por um lado, que é permitido, com vista à determinação da coima, atender quer ao volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximativa e imperfeita, da dimensão desta e do seu poder económico, quer à parte desse volume que provém das mercadorias objecto da infracção e que, portanto, pode dar uma indicação da amplitude desta. Daí resulta, por outro lado, que não se pode atribuir nem a um nem a outro desses volumes uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação e, por conseguinte, que a fixação de uma coima adequada não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global. É particularmente assim quando as mercadorias em causa representam apenas uma pequena fracção desse volume […]».

287    Primeiro, resulta do n.° 241 deste acórdão que o enunciado dos elementos susceptíveis de entrar na apreciação da gravidade de uma infracção, indicados no n.° 242 do referido acórdão, não é vinculativo nem taxativo. Portanto, a Comissão é livre de tomar em consideração outros elementos ou de atribuir menor importância a um dos elementos enunciados no referido n.° 242, ou mesmo de não o tomar sequer em consideração, se isso lhe parecer apropriado perante as circunstâncias de um caso concreto. Esta interpretação é igualmente confirmada pelo n.° 243 do mesmo acórdão. A Siemens não pode pois basear‑se no n.° 242 deste acórdão para afirmar que o montante de partida da coima devia ser determinado de forma proporcional à dimensão do mercado dos projectos de MCIG no EEE.

288    Segundo, resulta da primeira parte do n.° 243 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 285 supra, que o conceito de «valor das mercadorias em causa», utilizado no n.° 242 deste acórdão, deve ser entendido como uma medida que indica a parte do volume de negócios global das empresas em causa proveniente dos produtos objecto do cartel e não como reportando‑se à dimensão do mercado destes produtos no EEE. Portanto, neste último número, contrariamente ao que afirma a Siemens, o Tribunal de Justiça de modo nenhum se pronuncia sobre a tomada em consideração do valor de mercado relevante no EEE.

289    Em segundo lugar, como a Comissão adequadamente refere, nem as orientações nem o direito comunitário em geral dispõem que as coimas aplicadas pela Comissão devem obrigatoriamente ser proporcionais ao valor de mercado dos produtos em causa. Em contrapartida, as orientações prevêem expressamente, quanto à determinação da gravidade da infracção, que sejam tidos em consideração outros factores, designadamente, a capacidade económica efectiva das empresas, o carácter dissuasivo do montante da coima, a dimensão das empresas em causa e o peso específico das várias empresas num cartel, critérios que foram aplicados pela Comissão nos considerandos 480 e 481 da decisão impugnada.

290    Em terceiro lugar, cabe recordar desde logo que a prática decisória anterior da Comissão não serve so por si de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 87 supra, n.° 234). A Comissão dispõe, no âmbito do Regulamento n.° 1/2003, de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras da concorrência. Assim sendo, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 1/2003, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa em qualquer altura adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v., por analogia, acórdãos Rørindustri e o./Comissão, n.° 285 supra, n.° 227, e Groupe Danone/Comissão, n.° 66 supra, n.° 395).

291    Daqui resulta que as empresas arguidas num procedimento administrativo que pode dar origem a uma coima não podem adquirir a confiança legítima de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente. Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão poder decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 285 supra, n.os 228 e 229).

292    Consequentemente, os exemplos de decisões referidas pela Siemens não podem pôr em causa, na perspectiva do princípio da legalidade das penas, inscrito no artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, a legalidade do montante inicial da coima fixado no presente caso pela Comissão, mesmo que, como alega a Siemens, este seja superior aos montantes fixados noutros processos relativos a um mercado de valor superior ao do mercado em causa.

293    Consequentemente, há que rejeitar o segundo argumento da Siemens.

3.     Quanto à terceira alegação, relativa à inscrição da Siemens numa categoria incorrecta

a)     Argumentos das partes

294    Por um lado, a Siemens argumenta que, no cálculo do montante da coima a aplicar‑lhe, a Comissão devia ter tomado em consideração o seu volume de negócios em 2001, como para a Fuji, a Hitachi, a Melco e a Toshiba, e não o seu volume de negócios em 2003, como para a ABB, a Alstom, a Areva e o grupo VA Tech. Portanto, a Comissão não aplicou o seu próprio método de cálculo das coimas de forma correcta, coerente e não discriminatória. Por outro lado, a Siemens considera que não devia ter sido classificada na mesma categoria que a ABB, dado que o seu volume de negócios em 2001 e em 2003 era bastante inferior ao da ABB, como comprovam determinados documentos constantes dos autos. Além disso, a Siemens evidencia incoerências quanto ao valor do mercado mundial relativo aos projectos de MCIG em 2001 e em 2003 e sustenta que a Comissão deveria indicar com exactidão a quota de cada participante no volume de negócios global do cartel para estes dois anos, bem como os volumes de negócios que obtiveram com projectos de MCIG.

295    A Comissão refuta os argumentos da Siemens.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

296    Antes de mais, importa distinguir dois elementos diferentes contestados pela Siemens. Por um lado, alega que a Comissão devia ter escolhido 2001 como ano de referência para determinar a sua quota de mercado. Por outro, alega que, perante a sua quota de mercado alegadamente menor do que a da ABB, não deveria ter sido inscrita na primeira categoria de empresas, ao lado da ABB, mas na segunda categoria.

297    Em primeiro lugar, no que respeita à escolha do ano de referência para a determinação do peso relativo das empresas, importa salientar que, embora as orientações estabeleçam, no ponto 1 A, quarto e quinto parágrafos, um tratamento diferenciado das empresas em função da sua importância económica, não indicam em relação a que ano deve ser fixado o peso relativo das empresas. A este respeito, o ponto 5, alínea a), segundo parágrafo, das orientações, que dispõe que sejam tomados em consideração o exercício anterior ao ano da tomada de decisão, é aplicável unicamente à determinação do volume de negócios para efeitos do respeito do limite de 10%, nos termos do disposto no artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003 e, portanto, não é aplicável para efeitos da determinação do peso relativo das empresas activas no cartel.

298    No caso em apreço, o ano de 2003, que foi escolhido pela Comissão como ano de referência para a determinação do peso relativo da Siemens e das outras empresas europeias, foi o último ano completo de actividade do cartel. Esta opção parece adequada para efeitos da determinação do peso relativo das referidas empresas no cartel.

299    O facto de a Comissão ter escolhido o ano 2001 como ano de referência para a determinação do peso relativo das empresas japonesas foi explicado, no considerando 482 da decisão impugnada, pelas circunstâncias específicas dos produtores japoneses, designadamente o facto de, em razão da reestruturação das suas actividades em matéria de MCIG em duas empresas comuns, a Comissão não dispor de volumes de negócios separados quanto a estas empresas. Ora, para efeitos da decisão da presente causa, não há que analisar a legalidade do tratamento reservado às empresas japonesas. Com efeito, mesmo que este tratamento fosse ilegal, nesse caso, havia que corrigir a decisão impugnada em relação aos produtores japoneses e não à Siemens.

300    Em segundo lugar, no que respeita à quota de mercado alegadamente menor da Siemens em relação à ABB, a Comissão, como indica no considerando 483 da decisão impugnada, baseou‑se nos números apresentados pelas próprias empresas. Na sua resposta de 5 de Julho de 2005 a um pedido de informações da Comissão, a Siemens indicou, em relação a 2003, um volume de negócios total mundial em matéria de MCIG de 658,9 milhões de euros. Além disso, segundo a sua própria estimativa, o mercado mundial em matéria de MCIG tinha, em 2003, um valor de 2 305,5 milhões de euros, o que o posiciona na mesma ordem de grandeza da referida nas estimativas da Comissão, que indica, na nota de rodapé n.° 444 da decisão impugnada, um montante de 2 200 milhões de euros para 2003 e, no n.° 4 da decisão impugnada, uma margem de variação de 1 700 a 2 300 milhões de euros para os anos 2001 a 2003. Contrariamente ao que a Siemens alega, não existe incoerência entre estes dois valores.

301    Ora, ao calcular a quota de mercado da Siemens com base nos valores relativos a 2003 que ela própria apresentou, a saber, um valor total de mercado de 2 305,5 milhões e um volume de negócios da Siemens de 658,9 milhões, daí resulta uma quota de mercado para esta empresa de cerca de 28,59% em 2003, montante esse que se situa no limite superior da margem de variação de 23% a 29% indicada pela Comissão para o primeiro grupo de empresas.

302    A Siemens não poderia contestar este valor, calculado com base nos seus próprios dados, invocando documentos internos da Alstom e da ABB que declaram uma quota de mercado diferente em relação a ela.

303    Acresce que os valores constantes destes documentos são relativos a parâmetros distintos dos considerados pela Comissão. Com efeito, por um lado, o documento proveniente da ABB apresentado em anexo à petição de recurso, ressalvado o facto de ser relativo a 2002 e não a 2003, é denominado «Substations Competitor Overview» (Panorâmica dos concorrentes para as subestações) e, portanto, trata apenas da situação no mercado das subestações de MCIG e não no mercado dos projectos de MCIG em geral. Por outro lado, o documento proveniente da Alstom apresentado em anexo à petição, ressalvado o facto de ser relativo a 2001 e 2002, não só inclui uma lista das empresas que participaram no cartel, como refere igualmente outras sociedades (Others), cuja quota global de mercado era de 33,8%. Ora, como resulta da nota de rodapé n.° 444 da decisão impugnada, a Comissão efectuou os seus cálculos apenas com base nos volumes de negócios realizados pelos membros do cartel, dado que as vendas realizadas por outros produtores não afectam a classificação relativa das empresas no âmbito do presente processo.

304    Há pois que rejeitar as críticas da Siemens ao cálculo da sua quota de mercado pela Comissão, sem que seja necessário solicitar a esta última que apresente os volumes de negócios indicados pelas outras empresas que participaram no cartel, como requer a Siemens.

305    Consequentemente, há que rejeitar o terceiro argumento da Siemens e, por conseguinte, a primeira parte do terceiro fundamento no seu conjunto.

B –  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa ao carácter desproporcionado do coeficiente multiplicador de dissuasão

1.     Argumentos das partes

306    A Siemens sustenta que o factor de dissuasão de 2,5, aplicado pela Comissão para a majoração do montante de partida da sua coima, é excessivo e desproporcionado em relação ao aplicado à ABB e constitui uma violação do princípio de igualdade de tratamento. Uma vez que, no presente caso, a Comissão escolheu um método exclusivamente proporcional ao volume de negócios das empresas em causa para determinar o multiplicador de dissuasão, a majoração aplicada à Siemens podia ter sido, no máximo, quatro vezes superior à da ABB, dado que o volume de negócios total da Siemens era apenas quatro vezes superior ao da ABB. Por conseguinte, a Siemens convida o Tribunal a reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada. Além disso, alega falta de fundamentação, dado que a Comissão não explicou o seu método de cálculo na decisão impugnada.

307    No âmbito da sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral antes da audiência, a Siemens especificou que se devia deduzir do factor de dissuasão o número 1 enquanto elemento neutro na multiplicação. Portanto, o factor de dissuasão aplicado à Siemens (2,5 – 1 = 1,5) era, na realidade, seis vezes superior ao da ABB (1,25 – 1 = 0,25) e não duas vezes superior.

308    A Comissão contesta ter infringido o método que escolheu para determinar os respectivos coeficientes de dissuasão. Salienta que o coeficiente multiplicador de dissuasão escolhido é directamente proporcional ao volume de negócios das várias empresas abrangidas. De facto, o coeficiente da Siemens é mesmo degressivo em relação ao aplicado à ABB. Finalmente, o dever de fundamentação é limitado no que respeita ao coeficiente multiplicador de dissuasão. Aliás, os números falam por si.

309    Em resposta a uma questão do Tribunal Geral na audiência, a Comissão especificou que procedeu em três etapas. Em primeiro lugar, os volumes de negócios das empresas abrangidas foram divididos por dez. Em segundo lugar, foi tirada a raiz dos números obtidos deste modo. Em terceiro lugar, os números obtidos foram objecto de um arredondamento para baixo, obtendo‑se assim os coeficientes de dissuasão efectivamente aplicados às diversas empresas abrangidas e, designadamente, o coeficiente de 2,5 aplicado à Siemens. Além disso, a Comissão salientou que não tinha a obrigação de apresentar detalhadamente o seu método na decisão e que, em quaisquer circunstâncias, um multiplicador de 2,5 não é inabitual face à sua prática decisória anterior.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

310    Em primeiro lugar, no que respeita à alegação de falta de fundamentação, na medida em que a Comissão não explicou o método de cálculo dos coeficientes multiplicadores de dissuasão, cabe recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63).

311    A este respeito, importa salientar que, embora seja verdade que a decisão impugnada não indica o método segundo o qual a Comissão determinou o nível exacto dos coeficientes, resulta da jurisprudência que os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção, não tendo a obrigação de apresentar, na referida decisão, uma exposição pormenorizada ou os elementos quantificados relativos ao modo de cálculo da coima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, C‑279/98 P, Colect., p. I‑9693, n.os 39 a 47, e de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.os 463 e 464; acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colect., p. II‑497, n.° 213).

312    Em especial, considerou‑se que a indicação dos números que foram tidos em conta, designadamente quanto ao efeito dissuasor pretendido, no exercício do poder de apreciação da Comissão na fixação das coimas, é uma faculdade que se pretende seja usada pela Comissão, mas que ultrapassa o exigido pelo dever de fundamentação (acórdãos Cascades/Comissão, n.° 311 supra, n.os 47 e 48, e BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 214).

313    No presente caso, a Comissão indicou, no considerando 491 da decisão recorrida:

«[… A] tabela das coimas susceptíveis de serem aplicadas permite igualmente que o seu montante seja fixado a um nível que lhes assegure um efeito suficientemente dissuasor, tendo em conta a dimensão de cada empresa condenada ao pagamento de uma coima e as circunstâncias específicas do caso em apreço. No que respeita às empresas com um volume de negócios especialmente elevado em relação aos outros actores, justifica‑se a aplicação de um coeficiente multiplicador para assegurar um efeito dissuasor suficiente.»

314    Em seguida, a Comissão indicou, para cada uma das empresas abrangidas, o volume de negócios mundial em 2005 e o coeficiente atribuído, dados que voltou a indicar num quadro. À ABB, com um volume de negócios mundial em 2005 de 18 038 milhões de euros, foi aplicado um coeficiente de 1,25. À Melco, com um volume de negócios mundial em 2005 de 26 336 milhões de euros, foi aplicado um coeficiente de 1,5. À Toshiba, com um volume de negócios mundial em 2005 de 46 353 milhões de euros, foi aplicado um coeficiente de 2. À Hitachi, com um volume de negócios mundial em 2005 de 69 161 milhões de euros, foi aplicado um coeficiente de 2,5. Finalmente, à Siemens, com um volume de negócios mundial em 2005 de 75 445 milhões de euros, foi aplicado um coeficiente de 2,5.

315    Assim, resulta do considerando 491 da decisão impugnada que a Comissão considerou que era exigível um aumento do montante inicial fixado para a Siemens, a fim de assegurar um efeito suficientemente dissuasor da coima, atentos a dimensão e os recursos globais desta empresa. Decorre igualmente que, a este respeito, a Comissão se apoiou no volume de negócios global em 2005.

316    A este respeito, importa recordar a jurisprudência assente segundo a qual o volume de negócios global constitui uma indicação, embora aproximada e imperfeita, da dimensão e do poder económico de uma empresa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 121, e Baustahlgewebe/Comissão, n.° 43 supra, n.° 139; acórdão BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 212).

317    Observa‑se, assim, que, na decisão impugnada, a Comissão apresentou de forma suficiente, os elementos tidos em consideração para o aumento dos montantes de partida das coimas para efeitos de dissuasão, permitindo, deste modo, à Siemens conhecer a justificação deste aumento no que respeita ao montante inicial da sua coima e fazer valer os seus direitos, e permitindo ao Tribunal exercer a sua fiscalização. Pelo contrário, face à jurisprudência acima referida no n.° 312, a Comissão não tinha a obrigação de, na decisão impugnada, facultar os números que indicou na audiência, os quais não constituem objecto das exigências resultantes do dever de fundamentação.

318    Assim sendo, há que rejeitar a alegação de falta de fundamentação.

319    Em segundo lugar, importa rejeitar a alegação da Siemens segundo a qual a Comissão, na determinação dos coeficientes de dissuasão, não seguiu fielmente o seu próprio método, caracterizado pelo volume de negócios e pelo coeficiente de dissuasão da ABB enquanto «ponto de partida». Com efeito, este argumento provém de uma confusão entre o coeficiente de dissuasão, por um lado, e a majoração do montante de partida da coima resultante da aplicação desse coeficiente, por outro. Ora, se a Comissão afirmou que calculou os coeficientes de dissuasão proporcionalmente ao volume de negócios das empresas abrangidas, não afirmou, na decisão impugnada ou nos articulados submetidos ao Tribunal, que devia resultar da aplicação destes coeficientes uma majoração do montante inicial da coima que, por sua vez, era proporcional ao volume de negócios. Pelo contrário, resulta necessariamente dos valores apresentados pela Comissão no considerando 491 da decisão impugnada que a taxa de aumento da coima devida à aplicação do coeficiente de dissuasão é progressiva em relação ao volume de negócios das empresas abrangidas.

320    Como argumenta a Comissão, a proporcionalidade dos coeficientes de dissuasão pode ser facilmente verificada estabelecendo um gráfico dos diferentes coeficientes aplicados em relação aos volumes de negócios respectivos das empresas abrangidas. O gráfico resultante desse exercício é uma linha recta e, portanto, representa uma relação de proporcionalidade para todas as empresas abrangidas – com excepção da Siemens, para a qual a relação é mesmo regressiva na medida em que lhe é aplicado o mesmo coeficiente que à Hitachi, enquanto o seu volume de negócios mundial em 2005 era superior em mais de 6 mil milhões de euros ao da Hitachi. Esta relação de proporcionalidade basta para as exigências enunciadas pelo Tribunal no seu acórdão Degussa/Comissão, n.° 260 supra (n.° 338), em que especificou que a classificação das empresas por categorias para efeitos da determinação do coeficiente de dissuasão, em conformidade com o princípio da igualdade, deve ser objectivamente justificada. Cumpre ainda recordar, a este respeito, que, segundo a jurisprudência referida no n.° 316 supra, o volume de negócios global das empresas constitui um indicador da sua dimensão e da sua capacidade económica.

321    Consequentemente, não está em causa qualquer aplicação incoerente, pela Comissão, do seu próprio método de cálculo, em detrimento da Siemens. Por conseguinte, a alegação relativa ao carácter excessivo do coeficiente de dissuasão, baseada nessa aplicação incoerente, deve ser rejeitada.

322    Pela mesma razão, a Siemens não tem razão ao invocar o acórdão de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 86 supra (n.os 245 a 247), no que respeita ao cálculo dos coeficientes de dissuasão. Com efeito, nos referidos números deste acórdão, o Tribunal, no essencial, acusou a Comissão de não ter seguido de maneira lógica e coerente, em relação a todas as empresas abrangidas, o método que escolheu para determinar o coeficiente de dissuasão. Ora, como acabo de expor, no presente caso, não se pode fazer essa acusação à Comissão.

323    Em terceiro lugar, sublinhe‑se que, se, contrariamente aos coeficientes de dissuasão, a majoração do montante de partida que resulta da aplicação das mesmas não for proporcional ao volume de negócios das empresas abrangidas, mas sim progressivo, esta circunstância resulta necessariamente da aplicação do método escolhido pela Comissão. É, pois, evidente, que esta última considerou que essa majoração progressiva em relação ao volume de negócios era necessária para assegurar um efeito suficientemente dissuasor das coimas quanto às empresas abrangidas com um volume de negócios especialmente elevado. O Tribunal Geral não pode substituir esta apreciação pela sua própria apreciação do carácter bastante do coeficiente de dissuasão aplicado, tanto mais que não existe qualquer elemento factual que indique que o sistema aplicado pela Comissão conduz a resultados que excedam o indispensável para assegurar o carácter suficientemente dissuasor das coimas.

324    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento.

C –  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa a um erro na determinação da duração da infracção

325    A Siemens sustenta que, dado que a infracção prescreveu no que respeita ao período anterior a Abril de 1999, a Comissão se baseou numa duração incorrecta para majorar o montante inicial da coima. Considera que a Comissão apenas podia acusá‑la de uma infracção de duração limitada, a qual, de acordo com as orientações, justificava uma majoração de 20% em relação ao montante de partida da coima.

326    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

327    A este propósito, basta recordar que, uma vez que a excepção de prescrição invocada pela Siemens, no que respeita à primeira fase da infracção, deve ser rejeitada (v. n.os 236 a 255 supra), a presente parte, baseada na mesma excepção de prescrição, deve igualmente ser rejeitada.

D –  Quanto à quarta parte do terceiro fundamento, relativa à qualificação errada da Siemens como líder do cartel

328    No âmbito da quarta parte do terceiro fundamento, relativa à qualificação errada de líder que lhe foi aplicada, a Siemens invoca três alegações, relativas, em primeiro lugar, ao facto de a ABB ter desempenhado o papel de líder do cartel, em segundo lugar, ao facto de ela própria não ter desempenhado esse papel e, em terceiro lugar, ao carácter excessivo da majoração do montante de base da coima que lhe foi aplicada em razão do seu papel de líder do cartel. Invoca, a este propósito, uma violação, pela Comissão, do dever de fundamentação e dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade das penas.

329    Há que analisar conjuntamente as primeira e segunda alegações antes de analisar a terceira.

1.     Quanto às primeira e segunda alegações, relativas ao facto de a ABB e não a Siemens ter desempenhado o papel de líder do cartel

a)     Argumentos das partes

330    A Siemens considera que demonstrou que não desempenhou o papel de líder do cartel. A este respeito, recorda, em primeiro lugar, que os factos que lhe são imputados em relação ao período entre 1988 e 1999 estão prescritos e que, consequentemente, este período não pode ser tido em consideração como circunstância agravante para o cálculo do montante da coima. Em segundo lugar, sustenta que a Comissão interpreta de forma incorrecta o conceito de líder e ignora a natureza puramente administrativa dos serviços de secretariado que assumiu no cartel. Em terceiro lugar, segundo a Siemens, a Comissão não tem em conta que, durante o período entre 2002 e 2004, ela não assumiu qualquer papel de secretariado.

331    A Siemens afirma, além disso, que a Comissão ignora o papel de instigador e de líder desempenhado pela ABB durante o período entre 1988 e 1999, que contradiz a sua qualidade de líder durante o mesmo período. Em sua opinião, o papel desempenhado pela ABB enquanto instigador, director e motor do cartel foi muito mais importante do que o papel de secretário europeu do cartel assumido por ela durante a primeira fase da sua participação na infracção, tendo a Comissão sobrestimado este último. A Siemens considera que só se pode obstar a esta desigualdade de tratamento pela anulação da majoração do montante de base da coima que lhe foi aplicada.

332    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

 Quanto ao papel de líder do cartel

333    No considerando 514 da decisão impugnada, a Comissão imputou, designadamente, à Siemens o papel de «líder» da infracção, na acepção do ponto 2, terceiro travessão, das orientações, devido a ter desempenhado o papel de secretário europeu do cartel. Nos considerandos 514 e 522 da decisão impugnada, considerou que o montante de base da coima a aplicar à Siemens devia ser majorado em 50%, o que elevava esse montante a 396 562 000 euros.

334    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento da Siemens segundo o qual a Comissão a qualificou erradamente de líder na segunda fase da sua participação no cartel, de 2002 a 2004, há que rejeitá‑lo por não corresponder aos factos. Com efeito, embora seja verdade que os considerandos 511 a 514 da decisão impugnada, nos quais é apreciado o papel de líder no âmbito do exame das circunstâncias agravantes, não contêm especificações quanto aos períodos relativamente aos quais a Comissão qualificou a Siemens e a Alstom ou a Areva como líderes, o considerando 147 da decisão impugnada indica expressamente que «a função de [secretário europeu do cartel] foi exercida até Setembro de 1999, pela Siemens, seguida pela Alstom durante o período entre 1999 e 2004». Nestas condições, não se podia considerar que a Comissão qualificou a Siemens como líder durante o período entre 2002 e 2004.

335    Em seguida, no que respeita à alegada prescrição dos factos relativos ao período entre 1988 e 1999, remete‑se para a observações acima feitas nos n.os 236 a 255, segundo as quais não há prescrição da primeira fase da infracção no que respeita à participação da Siemens.

336    Finalmente, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, quando uma infracção tiver sido cometida por várias empresas, há que examinar, no quadro da determinação do montante das coimas, a gravidade relativa da participação de cada uma delas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 623, e Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 48 supra, n.° 92; acórdãos Groupe Danone/Comissão, n.° 66 supra, n.° 277, e BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 280). Este exercício implica, em particular, definir os papéis respectivos desempenhados na infracção enquanto tiver durado a sua participação na mesma (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 43 supra, n.° 150; Groupe Danone/Comissão, n.° 66 supra, n.° 277, e BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 280). A este respeito, a lista não taxativa de circunstâncias que podem justificar uma majoração do montante de base da coima, prevista no ponto 2 das orientações, abrange, nomeadamente, no seu terceiro travessão, o «papel de líder ou de instigador da infracção» desempenhado pela empresa.

337    Segundo a jurisprudência, para ser qualificada de «líder», uma empresa deve ter representado uma força motriz significativa para o cartel (acórdãos do Tribunal Geral, BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 374, e de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, T‑410/03, Colect., p. II‑881, n.° 423) ou ter assumido uma responsabilidade particular e concreta no seu funcionamento (v., neste sentido, acórdão BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 300). Essa circunstância deve ser apreciada de um ponto de vista global à luz do contexto do caso concreto (v., neste sentido, acórdão BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° os 299 e 373). A qualificação de «líder» foi designadamente acolhida pela jurisprudência quando se provou que a empresa assumiu as funções de coordenador do acordo e, designadamente, organizou e dotou de pessoal o secretariado responsável pela execução concreta do acordo (acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, a seguir, acórdão «ADM», n.os 246 e 247), ou quando a referida empresa desempenhou um papel fulcral no funcionamento concreto do cartel, por exemplo, organizando numerosas reuniões, recolhendo e distribuindo as informações no cartel, assumindo a representação de determinados membros no âmbito do cartel, encarregando‑se a maior parte das vezes de formular propostas relativas ao funcionamento do acordo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.os 57 e 58, e acórdão BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.os 404, 439 e 461).

338    No caso, como resulta dos considerandos 511 a 513 da decisão impugnada, a Comissão teve em conta o facto de o secretariado europeu do acordo ter subsistido durante todo o período do cartel e de ter permanecido estável no tempo, não obstante a mudança de muitas características organizacionais do cartel. As funções desse secretariado eram muitas. Por remissão para os considerandos 121 a 123, 131, 132, 142, 147 a 149, 157 a 161, 173 e 185 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que o secretariado europeu do acordo serviu de instrumento de comunicação entre as empresas europeias membros do cartel e entre estas e o secretariado japonês, que convocava e presidia às reuniões e que era responsável pela contabilização das quotas. A Siemens não contestou estes factos perante o Tribunal Geral. A Comissão considerou que resulta claramente do conteúdo do acordo GQ e do conteúdo do acordo EQ, bem como do funcionamento concreto do acordo, que o papel do secretário europeu do cartel era essencial. Ao tomar a iniciativa e ao consagrar recursos consideráveis ao cartel, o referido secretário europeu prestava um serviço considerável ao referido cartel e contribuía, de forma muito particular, para o seu bom funcionamento.

339    A Siemens não contestou nem no procedimento administrativo na Comissão nem perante o Tribunal Geral que, durante a primeira fase da sua participação no cartel entre 1988 e 1999, assumiu as funções de secretário europeu do cartel. O facto de desempenhar esta função decorre, além disso, dos depoimentos dos seus ex‑empregados E. e Tr. (v., a este respeito, o n.° 222 supra). No entanto, sustenta que, no presente caso, o referido secretário europeu não podia ser qualificado como líder, dado que a sua função se limitava a tarefas de comunicação e não implicava nem a adopção de iniciativas nem um estado de espírito especialmente contrário às regras da concorrência, dado que não dispunha de qualquer poder decisório.

340    A este respeito, há que observar que as missões exercidas pelo secretário europeu do acordo lhe conferiam o papel de um líder na coordenação do acordo e, de qualquer forma, no seu funcionamento concreto. Com efeito, a Comissão podia acertadamente considerar, na decisão impugnada, que o referido secretário europeu era o ponto de contacto entre os membros do cartel e desempenhava um papel crucial no seu funcionamento concreto na medida em que facilitava a troca de informações no seu interior e centralizava, compilava e trocava com os outros membros informações essenciais ao funcionamento do cartel. Isso abrangia designadamente as informações relativas aos projectos de MCIG, dado que o secretário organizava e assegurava o secretariado das reuniões de trabalho.

341    Este papel crucial não é posto em causa pela existência do comité do grupo europeu que desempenhava igualmente um papel importante no cartel. Além disso, não é contestado que a Siemens foi igualmente um membro permanente deste comité. Assim sendo, as suas funções de secretário europeu do cartel integram‑se na sua qualidade de membro permanente do comité e distinguiam‑na dos outros membros permanentes do comité, a saber, a ABB e a Alstom.

342    Além disso, a Comissão teve razão ao entender, nos considerandos 147 e 513 da decisão impugnada, que a manutenção do secretariado do acordo era uma responsabilidade importante que implicava recursos substanciais, pelo menos em termos de tempo e de pessoal disponibilizado. Sem a coordenação e organização central asseguradas pelo secretariado europeu do cartel, é indubitável que este último, tendo em conta a sua complexidade, não poderia funcionar de modo tão eficaz. Por outro lado, tendo em conta que não é contestado o facto de a Siemens ter executado essas missões de forma duradoura, desde o início do cartel em 1988 até à interrupção da sua participação em 1999, a Comissão teve razão ao concluir que essa empresa, no presente caso, representou uma força motriz significativa para o acordo e, desse modo, desempenhou um «papel de líder da infracção», na acepção do ponto 2, terceiro travessão, das orientações.

343    Os argumentos da Siemens relativos ao papel de líder da ABB não são susceptíveis de pôr em causa esta conclusão.

344    Antes de mais, no que respeita ao argumento da Siemens segundo o qual o papel de líder da ABB contradizia a sua qualidade de líder, há que rejeitar a premissa subjacente a este argumento, segundo a qual o papel de líder de um cartel pode ser preenchido por uma única empresa de cada vez.

345    Com efeito, como resulta da jurisprudência, é inteiramente possível que seja atribuída simultaneamente a duas, ou mesmo várias, empresas a qualidade de líder, designadamente no âmbito de um cartel que envolva um número elevado de participantes, como o cartel relativo aos projectos de MCIG, pelo menos durante a primeira fase do seu funcionamento (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.os 439 e 440, e de 26 de Abril de 2007, Bolloré e o./Comissão T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02, Colect., p. II‑947, n.° 561, e jurisprudência aí referida).

346    Assim sendo, mesmo que a ABB deva ser qualificada como líder do cartel relativo aos MCIG, isso não significava que a Siemens não pudesse ser igualmente qualificada como líder.

 Quanto à alegada desigualdade de tratamento da Siemens em relação à ABB

347    Em seguida, importa analisar o argumento da Siemens de que, ao atribuir‑lhe o papel de líder e não à ABB, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento, dado que a ABB desempenhou uma função de instigador e de líder. Este argumento deve ser rejeitado por duas razões.

348    Por um lado, no que respeita ao pretenso papel de instigador da ABB, importa recordar que, como resulta do próprio teor do ponto 2, terceiro travessão, das orientações, importa distinguir o conceito de «líder» do de «instigador» de uma infracção. Com efeito, enquanto o papel de instigador respeita ao momento da criação ou do alargamento de um acordo, o papel de líder respeita ao seu funcionamento (acórdão BASF/Comissão, n.° 311 supra, n.° 316). Assim sendo, o líder e o instigador de uma infracção não se encontram numa situação comparável, de modo que, mesmo supondo que a Comissão tivesse errado ao não qualificar a ABB como instigador do cartel, o facto de tratar diversamente esta sociedade e a Siemens não constitui uma violação do princípio de igualdade de tratamento.

349    Por outro lado, nem se demonstrou, nem sequer alegou, que a ABB tivesse assumido as funções de secretário europeu do acordo ou mesmo que tivesse exercido sozinha, de forma estável e duradoura, o conjunto das funções habitualmente atribuídas a esse secretário europeu. Além disso, embora em geral se admita, incluindo a Comissão, que a ABB desempenhou um «papel significativo» no acordo, não se demonstrou que esse papel fosse comparável, do ponto de vista do funcionamento do acordo, ao da Siemens ou da Alstom ou Areva enquanto secretários europeus do acordo.

350    As alegações da Siemens a este respeito não são susceptíveis de pôr em causa esta constatação.

351    Em primeiro lugar, o facto de a Siemens recordar o papel desempenhado pela ABB no cartel sobre os tubos com revestimento térmico nos finais dos anos 80, é despropositado no âmbito do presente processo – ressalvado o facto, correctamente considerado na decisão impugnada, de a ABB dever ser qualificada como reincidente em matéria de cartéis.

352    Em segundo lugar, os elementos dos autos invocados pela Siemens não são susceptíveis de fundamentar o seu argumento de que a ABB devia ser qualificada como líder do cartel.

353    Com efeito, contrariamente ao que alega a Siemens, a circunstância de, na ABB, a decisão de participar no cartel poder ter sido tomada ao mais alto nível, assumindo que está demonstrada, não confirma de modo algum o papel motor da ABB no cartel. O mesmo acontece com o facto de dois empregados da ABB serem sucessivamente, segundo as indicações de M., o «European speaker». Esta circunstância não confere a esta empresa uma posição de líder no cartel. A este respeito, refira-se que a natureza da função do «European speaker» não resulta dos autos nem, em especial, dos articulados da Siemens. Além disso, o facto de nem o acordo GQ nem o acordo EQ mencionarem esta função permite presumir que as funções do «European speaker» não assumiam grande importância no funcionamento do cartel.

354    Do mesmo modo, embora seja verdade que a nota de rodapé n.° 153 da decisão impugnada refere, como argumenta a Siemens, uma declaração da Areva segundo a qual a ABB presidiu às reuniões ao nível da direcção, a inserção da referida nota de rodapé no considerando 147 da decisão impugnada e o teor da declaração da Areva mostram claramente que esta declaração é apenas relativa ao período compreendido entre 2002 e 2004. A Comissão não acusa a Siemens de ter secretariado o cartel durante este período relativamente curto – com efeito, durante este período, esta função era desempenhada pela Alstom ou pela Areva. Ora, a Siemens não indica em que medida o facto, presumindo‑o demonstrado, de a ABB ter podido presidir às reuniões ao nível da direcção durante um período de apenas dois anos durante o qual o secretariado era exercido pela Alstom ou pela Areva tornava o papel da ABB equivalente ao da Siemens no período de mais de onze anos em que esta última desempenhou funções de secretário europeu do cartel.

355    O facto, sublinhado pela Siemens, de a ABB e a Alstom terem decidido, em 2000, excluir a empresa VA Tech do cartel, através da encenação de uma «sessão de despedida», não demonstra o papel de líder da ABB. Com efeito, uma vez que, na sequência da concentração que teve lugar no mercado em causa, restavam apenas três empresas europeias no cartel após a interrupção, pela Siemens, da sua participação, nem se coloca a questão do papel de líder quando duas destas empresas se aliam contra a terceira.

356    Finalmente, a alegação da Siemens de que a ABB desempenhou um papel determinante na organização e na execução das medidas de retaliação adoptadas contra a Siemens após a sua partida não se baseia em qualquer elemento de prova. Com efeito, nem o considerando 169 da decisão impugnada, nem a declaração de M. que é referida neste considerando incluem a menor indicação de que a ABB tenha desempenhado um papel determinante na organização ou na execução dessas medidas de retaliação.

357    Assim sendo, a Siemens não provou que a ABB esteve numa situação equiparada à sua, na perspectiva da sua qualidade de líder, pelo que o tratamento diferente que lhe foi aplicado é justificado.

358    Em quaisquer circunstâncias, mesmo que a Comissão se tenha abstido erradamente de qualificar a ABB como líder do cartel, apesar do papel significativo desempenhado pela sociedade ABB no cartel, essa ilegalidade, cometida a favor de outrem, não justificava que o fundamento de anulação invocado pela Siemens fosse acolhido. Com efeito, segundo jurisprudência assente, o respeito do princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação deve ser conciliado com o respeito do princípio da legalidade, o que implica que ninguém pode invocar a seu favor uma ilegalidade cometida a favor de outrem (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 1984, Witte/Parlamento, 188/83, Recueil, p. 3465, n.° 1; acórdãos do Tribunal Geral SCA Holding/Comissão, n.° 184 supra, n.° 160; de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 334, e LR AF 1998/Comissão, n.° 131 supra, n.° 367).

359    Ora, como referido nos n.os 339 a 342 supra, a Comissão adoptou, justamente, a qualificação da Siemens como líder do cartel. Portanto, na medida em que a argumentação da Siemens visa precisamente impedir ilegalmente que a sua coima seja aumentada, não pode, consequentemente, ser acolhida (v., neste sentido, acórdãos Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 358 supra, n.° 334, e SCA Holding/Comissão, n.° 184 supra, n.° 160).

360    Por conseguinte, há que rejeitar as alegações da Siemens de não ter desempenhado o papel de líder no cartel e de a ABB dever ser qualificada como instigador ou líder do cartel.

2.     Quanto à terceira alegação, relativa ao carácter excessivo da majoração do montante de base da coima aplicada à Siemens em razão do seu papel de líder do cartel

a)     Argumentos das partes

361    A Siemens argumenta, a título subsidiário, que, ainda que o exercício temporário de actividades de secretariado devesse justificar a qualificação de líder, a majoração de 50% aplicada pela Comissão é excessiva e constitui uma violação dos princípios de igualdade de tratamento e de proporcionalidade. Invocando a prática decisória da Comissão, a Siemens alega que uma majoração de 50% do montante de base da coima pressupõe a existência de outras circunstâncias agravantes para além do simples facto de a empresa em causa ter exercido actividades de secretariado. Concluiu pedindo que o Tribunal se digne reduzir substancialmente a majoração que lhe foi aplicada, no âmbito da sua competência de plena jurisdição.

362    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

b)     Apreciação do Tribunal Geral

363    Em primeiro lugar, importa observar que o argumento segundo o qual uma majoração de 50% era superior à majoração geralmente aplicada nas outras decisões da Comissão não é susceptível de revelar uma violação do princípio de proporcionalidade (acórdão Bolloré e o./Comissão, n.° 345 supra, n.° 579; v. igualmente, neste sentido, acórdão ADM, n.° 337 supra, n.° 248).

364    A esse propósito, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, na determinação do montante de cada coima, a Comissão dispõe de um poder de apreciação e não é obrigada a aplicar, para esse efeito, uma fórmula matemática precisa (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T‑150/89, Colect., p. II‑1165, n.° 59; de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 268, e Bolloré e o./Comissão, n.° 345 supra, n.° 580). Portanto, a Siemens não podia argumentar com as majorações aplicadas pela Comissão noutros processos para fundamentar a alegação relativa a uma violação do princípio de proporcionalidade.

365    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento da Siemens segundo o qual a majoração de 50% da coima em razão do seu papel de líder do cartel viola também o princípio de igualdade de tratamento na medida em que a ABB desempenhou um papel dinamizador no cartel, importa recordar que, como acima se observou nos n.os 352 a 357, a Siemens não conseguiu demonstrar que, com base nos autos, o papel da ABB deveria ser qualificado como equivalente ao seu. Em particular, o alegado papel dinamizador da ABB no cartel não se baseia em qualquer elemento. Portanto, dado que a ABB e a Siemens não se encontravam na mesma situação, a Comissão não tinha o dever de as tratar da mesma maneira.

366    Além disso, mesmo que, como alega a Siemens, a alegada qualidade da ABB, enquanto dinamizadora do cartel, impusesse a qualificação do papel dessa empresa como equivalente ao da Siemens, qualificação essa que a Comissão teria então erradamente omitido, tal ilegalidade, cometida a favor de outrem, não justificava que o fundamento de anulação invocado pela Siemens fosse acolhido. Com efeito, como acima recordado no n.° 358, o respeito do princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação deve conciliar‑se com o respeito do princípio da legalidade, o que implica que ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro.

367    Em terceiro lugar, quanto ao carácter proporcionado da majoração em razão da qualidade de dinamizador da Siemens, resulta da jurisprudência que o facto de uma empresa ter actuado como líder de um cartel implica que ela deve assumir uma responsabilidade particular face às outras empresas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça IAZ International Belgium e o./Comissão, n.° 337 supra, n.os 57 e 58, e de 16 de Novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, Colect., p. I‑10157, n.° 45; acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 358 supra, n.° 291).

368    No caso em apreço, tendo em conta a importância das funções assumidas pela Siemens no cartel, na sua qualidade de secretário europeu do mesmo, tais como acima descritas nos 338, 340 e 342, uma majoração de 50% não pode ser qualificada como desproporcionada.

369    Assim sendo, há que rejeitar a terceira alegação e, consequentemente, a quarta parte do terceiro fundamento.

E –  Quanto à quinta parte do terceiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação no que respeita à ausência de redução da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação

1.     Argumentos das partes

370    A Siemens sustenta que a Comissão agiu erradamente ao não lhe atribuir qualquer redução do montante da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação. Alega que apresentou provas com um valor acrescentado significativo e refere, a este propósito, a comunicação de uma série de reuniões do cartel, um ficheiro reconstituído, uma carta de um advogado relativa ao funcionamento do cartel entre 2002 e 2004, o resultado da inspecção interna da Siemens em 2005 e os depoimentos dos seus ex‑empregados, Tr., E. e Sch.

371    A Comissão contesta os argumentos da Siemens.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

372    Nos termos do n.° 21 da comunicação sobre a cooperação, para poder obter uma redução da coima ao abrigo da referida comunicação, uma empresa deve designadamente facultar à Comissão elementos de prova da presumida infracção, que atribuam um valor acrescentado significativo em relação aos elementos de prova já na posse da Comissão.

373    Nos termos do n.° 21 da comunicação sobre a cooperação, o conceito de «valor acrescentado» refere‑se à forma como os elementos de prova apresentados reforçam, pela sua própria natureza e/ou pelo seu nível de pormenor, a capacidade de a Comissão provar os factos em questão.

374    Segundo a jurisprudência, a redução do montante das coimas em caso de cooperação por parte das empresas que participaram em infracções ao direito comunitário da concorrência tem fundamento na consideração de que essa cooperação facilita a tarefa da Comissão de detectar a existência de uma infracção e, eventualmente, de pôr‑lhe termo (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 285 supra, n.° 399; acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T 311/94, Colect., p. II 1129, n.° 325; Finnboard/Comissão, T‑338/94, Colect., p. II‑1617, n.° 363, e Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 358 supra, n.° 330).

375    Como é mencionado no n.° 29 da comunicação sobre a cooperação, esta criou expectativas legítimas nas quais se basearam as empresas que desejavam informar a Comissão da existência de um cartel. Atenta a confiança legítima que as empresas que pretendiam colaborar com a Comissão podiam retirar dessa comunicação, a Comissão está, portanto, obrigada a respeitá‑la ao apreciar, no âmbito da determinação do montante da coima aplicada à Siemens, a sua cooperação (v., por analogia, acórdão do Tribunal de 15 de Março de 2006, Daiichi Pharmaceutical/Comissão, T‑26/02, Colect., p. II‑713, n.° 147, e jurisprudência aí referida).

376    Dentro dos limites fixados pela comunicação sobre a cooperação, a Comissão tem um amplo poder de apreciação para avaliar se os elementos de prova comunicados por uma empresa apresentam ou não um valor acrescentado na acepção do n.° 22 da comunicação sobre a cooperação e se há que conceder uma redução a uma empresa nos termos dessa comunicação (v., por analogia, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 285 supra, n.os 393 e 394, e acórdão do Tribunal Geral, de 14 de Dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colect., p. II‑5169, n.° 532). Esta avaliação é objecto de fiscalização jurisdicional restrita.

377    No caso em apreço, há, pois, que verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, ao considerar que as declarações da Siemens referidas nos considerandos 533 a 536 da decisão impugnada não tinham um valor acrescentado significativo.

378    No que respeita a estas declarações, importa salientar, a título liminar, que as informações prestadas pela Siemens entre 28 de Maio de 2004, data do seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação, e a comunicação de acusações, no final de Abril de 2006 eram apenas respeitantes à segunda fase da sua participação no cartel, a saber, o período compreendido entre 2002 e 2004. Em contrapartida, até à comunicação de acusações, manteve o silêncio sobre a sua participação na infracção entre 1988 e 1999.

379    Além disso, sublinhe‑se que, em todas as comunicações nos termos da sua cooperação com a Comissão, a Siemens sempre contestou que os acordos em que participou tivessem por objecto projectos de MCIG no EEE ou tivessem tido efeitos no EEE. Mais do que um espírito de cooperação sincera, estas comunicações mostram uma tentativa de dissimular, em toda a medida do possível, o verdadeiro conteúdo dos acordos, tal como demonstrado pela Comissão na decisão impugnada.

380    No entanto, a condição de cooperação total prevista no n.° 11 da comunicação sobre a cooperação só é aplicável aos pedidos de imunidade de coimas e não aos pedidos de clemência, tal como resulta do n.° 20 desta comunicação. Portanto, a falta evidente de sinceridade nas declarações da Siemens não impede que lhe seja atribuída uma redução da coima na medida em que, nos termos do n.° 21 da referida comunicação, ela tenha facultado elementos de prova com valor acrescentado significativo.

381    No que respeita ao alegado valor acrescentado significativo das informações prestadas pela Siemens, em primeiro lugar, esta argumenta que, na sua carta de 28 de Maio de 2004, descreveu «mais detalhadamente toda uma série de reuniões do cartel».

382    A este respeito, importa salientar que, no seu pedido de 28 de Maio de 2004 nos termos da comunicação sobre a cooperação, a Siemens reconheceu que os seus empregados R., S. e Ze., a partir do início de 2002, tiveram contactos com a ABB, a Alstom ou a Areva e o grupo VA Tech e apresentou uma primeira lista de reuniões ao nível da direcção e ao nível operacional. No entanto, indicou que o objecto destes contactos era o «benchmarking» – isto é, a troca de boas práticas para efeitos do aumento da competitividade das empresas do sector – e discutir a possibilidade de cooperar em matéria de fornecimentos comuns ou da troca de produtos preliminares. Além disso, a Siemens reconheceu igualmente que, nessas reuniões, foi discutido um número muito limitado de projectos concretos. No entanto, indicou que se tratava apenas de projectos internacionais sem qualquer relação com o EEE. Além disso, estes projectos não foram objecto de acordos relativos aos preços, mas apelou‑se a um comportamento «razoável» dos produtores no que respeita ao nível das suas propostas.

383    Estas informações não poderiam ser qualificadas como «elementos de prova da infracção presumida», na acepção do n.° 21 da comunicação sobre a cooperação, dado que apenas referem contactos absolutamente anódinos entre os produtores europeus de MCIG. Além disso, como a Comissão indicou no considerando 534 da decisão impugnada, impugnação da Siemens, já tinha conhecimento destas reuniões, bem como dos participantes nas mesmas.

384    Em segundo lugar, a Siemens alega que descodificou e forneceu dados à Comissão.

385    A este respeito, há que salientar que, na sua carta de 23 de Julho de 2004, a Siemens apresentou diversos documentos. Em primeiro lugar, apresentou uma lista de projectos de MCIG em relação aos quais deviam ser apresentadas propostas nos anos de 2002 e 2003, localizados exclusivamente fora do EEE, com indicação dos produtores aos quais foram atribuídos, tendo esta lista sido reconstituída a partir do ficheiro apreendido nas inspecções efectuadas pela Comissão nas suas instalações. Em segundo lugar, apresentou uma lista das comunicações que foram efectuadas, entre 22 de Abril e 22 de Maio de 2004, com o cartão SIM do seu empregado Ze. Em terceiro lugar, apresentou vários documentos descobertos no computador portátil de Ze. que referiam as possibilidades de cooperação bilateral previstas com os outros produtores de MCIG.

386    No que respeita à lista de projectos, a mesma não inclui qualquer projecto de MCIG na Europa e, portanto, não é susceptível de disponibilizar informações sobre os efeitos do cartel no EEE. Quanto à lista das comunicações telefónicas, contém apenas a data, hora e duração das chamadas efectuadas, bem como do número para que foram efectuadas. Além disso, a Siemens não indicou em que medida esta lista poderia ser útil para a Comissão provar a existência do cartel – tanto mais que se refere a um período (Abril e Maio de 2004) durante o qual, segundo a Siemens, o cartel já tinha deixado de existir. Finalmente, os documentos provenientes do computador portátil de Ze. só mostram projectos de cooperação anódinos e sem qualquer relação com o cartel em causa, como actividades de benchmarking e a eventual formação de consórcios para certos projectos.

387    Portanto, nenhum destes elementos poderia ser qualificado como elemento de prova que reforçasse a capacidade da Comissão de provar a existência do cartel.

388    Em terceiro lugar, a Siemens alega que transmitiu uma carta redigida em nome dos seus ex‑empregados que participaram no cartel, que descrevia «de forma detalhada o funcionamento do cartel» e enumerava «minuciosamente os acordos relativos a diversos projectos [de MCIG] no EEE». Em sua opinião, este documento constitui um «documento preciso que relata os acordos celebrados entre 2002 e 2004».

389    A este respeito, observe‑se que, em 7 de Dezembro de 2004, a Siemens efectivamente transmitiu à Comissão uma carta datada de 25 de Novembro de 2004, redigida pelo consultor jurídico de antigos colaboradores da Siemens não identificados. A Siemens supõe que se trata de R., de S. e/ou de Z., pelos quais, segundo as observações da Comissão, se fazia representar na segunda fase da sua participação no cartel. Nessa carta, estão resumidas as declarações desses empregados e indica‑se, designadamente, que, nas reuniões realizadas a partir de Outubro de 2002, com a ABB, a Alstom e o grupo VA Tech, foram discutidos projectos de MCIG no mercado comum, com o objectivo de coordenar os comportamentos, celebrar acordos e fixar preços, a Alstom se encarregou de tarefas de secretariado e a comunicação foi efectuada por via telefónica, por telecópia e por mensagens criptadas de correio electrónico. Na sua carta de 7 de Dezembro de 2004, a Siemens indicou que, face ao conteúdo da referida carta, as suas declarações anteriores eventualmente eram incompletas ou mesmo erradas. Especificou igualmente que, contrariamente ao que afirma perante o Tribunal Geral, «as informações transmitidas não [eram] muito detalhadas».

390    Ainda que estas informações assumam um certo valor probatório quanto à infracção – tendo a Comissão referido a correspondência de 25 de Novembro de 2004 na nota de rodapé n.° 153 da decisão impugnada como confirmando o facto de a Alstom ou a Areva terem mantido o secretariado europeu na sequência da partida da Siemens em 1999 –, limitam‑se a confirmar os elementos que a Comissão já detinha. Com efeito, a própria Areva reconheceu, num documento transmitido à Comissão por telecópia em 25 de Maio de 2004, que assegurou o secretariado. Assim sendo, as informações apresentadas pela Siemens não poderiam ser qualificadas como apresentando um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova já na posse da Comissão.

391    Em quarto lugar, a Siemens argumenta que analisou a situação da concorrência nos principais mercados da União e apresentou as suas conclusões à Comissão e que nenhuma outra empresa forneceu informações tão detalhadas sobre o contexto do mercado e da concorrência.

392    A este respeito, cumpre observar que, em 4 de Julho de 2005, a Siemens transmitiu à Comissão o resumo escrito de uma inspecção interna. Indicou que, no quadro desta inspecção, foi designadamente efectuado um exame da totalidade dos projectos de MCIG que realizou na Europa entre Janeiro de 2002 e Abril de 2004, na perspectiva do cumprimento das disposições legais em matéria de cartéis. Segundo ela, apesar dos esforços consideráveis que envolveu, esta inspecção não teve resultados concretos susceptíveis de confirmar as alegações apresentadas pela Comissão e não deixou observar irregularidades que permitissem concluir pela existência de acordos entre os concorrentes quanto a projectos específicos na União.

393    Logo, não é possível atribuir valor probatório às informações transmitidas pela Siemens em 4 de Julho de 2005. Em particular, não se verifica que as alegadas «informações detalhadas sobre o contexto do mercado e da concorrência» tenham reforçado a capacidade da Comissão de provar a infracção declarada na decisão impugnada e, portanto, tenham valor acrescentado significativo.

394    Em quinto lugar, a Siemens sustenta que transmitiu à Comissão os depoimentos dos seus ex‑empregados Tr., E. e Sch., que continham informações detalhadas sobre a celebração do acordo GQ e sobre o papel desempenhado pela ABB no cartel.

395    A este respeito, refira-se que, em anexo a uma carta de 7 de Agosto de 2006, a Siemens transmitiu à Comissão as actas dos depoimentos dos seus antigos empregados Tr., E. e Sch. Na referida carta, o consultor jurídico da Siemens resumiu o conteúdo dos referidos testemunhos. Indicou designadamente que foi a BBC, em seguida ABB, que teve a iniciativa do acordo GQ e foi o motor das discussões preliminares entre os produtores europeus, que o acordo GQ tinha por objectivo os mercados do Médio Oriente e não abrangia projectos europeus, que a Siemens se distanciou do acordo GQ nos finais de 1998 ou, o mais tardar, no início de 1999, e que o cartel em que a Siemens participou entre 2002 e 2004 não tinha qualquer relação com o cartel anterior baseado no acordo GQ.

396    Importa igualmente observar que estas informações foram transmitidas mais de três meses após a comunicação de acusações que teve lugar no final de Abril de 2006, na qual a Comissão já tinha apresentado os seus meios de prova relativos à infracção de que os produtores de MCIG eram acusados. Além disso, o único elemento novo decorrente de todos estes depoimentos é a afirmação de que a ABB foi o instigador e o líder aquando da celebração do acordo GQ. Ora, como acima se observou nos n.os 350 a 357, esta afirmação não se baseia noutros elementos do processo. Portanto, os depoimentos de Tr., E. e Sch. não pode ser qualificados de elementos que tenham reforçado a capacidade da Comissão de provar a infracção declarada na decisão impugnada ou que tenham apresentado um valor acrescentado significativo.

397    Resulta do exposto que a Comissão não violou a comunicação sobre a cooperação ao recusar atribuir à Siemens uma redução da coima que lhe foi aplicada. Por conseguinte, há que julgar improcedente a quinta parte do terceiro fundamento.

F –  Quanto à sexta parte do terceiro fundamento, relativa ao facto de a DG «Concorrência» ter de facto condicionado o colégio dos comissários

1.     Argumentos das partes

398    A Siemens afirma que, na véspera da decisão do colégio dos comissários relativa ao presente processo, alguns meios de comunicação social referiram que seria aplicada uma coima de um montante exorbitante às empresas que tinham participado no alegado cartel, indicando com exactidão o montante das coimas aplicadas às várias empresas em causa. Considera que esta actuação constitui uma violação do princípio fundamental do direito comunitário por força do qual o colégio dos comissários adopta as suas decisões por sua única responsabilidade e de maneira autónoma.

399    A Comissão lamenta o incidente suscitado pela Siemens. Salienta, no entanto, que a publicação destes números não foi deliberada, nem sequer consciente. Efectuou, sem êxito, um controlo interno sobre o assunto com o objectivo de detectar a fuga e, posteriormente, modificou a prática decisória, para evitar que tal incidente se reproduza. Quanto à apreciação jurídica deste aspecto, a Comissão considera que uma publicação prematura deste género não é susceptível de restringir a independência dos comissários e que o referido incidente não põe em causa a legalidade da decisão impugnada.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

400    Cumpre recordar que o artigo 287.° CE impõe aos membros, funcionários e agentes das instituições da Comunidade a obrigação de «não divulgar as informações que, por sua natureza, estejam abrangidas pelo segredo profissional, designadamente as respeitantes às empresas e respectivas relações comerciais ou elementos dos seus preços de custo». Embora esta disposição tenha sobretudo em vista as informações recolhidas nas empresas, o advérbio «designadamente» mostra que se trata de um princípio geral que se aplica também a outras informações confidenciais (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, Recueil, p. 3539, n.° 34; v., igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de Setembro de 1996, Postbank/Comissão, T‑353/94, Colect., p. II‑921, n.° 86).

401    No caso vertente, resulta dos autos que, antes da adopção da decisão impugnada, elementos essenciais do projecto de decisão apresentado, para aprovação definitiva, ao colégio dos comissários foram objecto de divulgação a uma agência noticiosa. Com efeito, em 23 de Janeiro de 2007, véspera da adopção da decisão impugnada, pelas 19 horas, esta agência publicou informações precisas quanto ao montante total das coimas e quanto aos montantes das coimas individuais da Siemens, da Melco e da Alstom, bem como a informação de que a ABB tinha beneficiado da imunidade de coimas enquanto informadora da Comissão. Esta última, embora afirmando que não pode identificar o autor da divulgação à imprensa, não contestou que a fuga ocorreu nos seus serviços.

402    Segundo jurisprudência assente, uma irregularidade deste género pode ocasionar a anulação da decisão em causa se se demonstrar que, na ausência desta irregularidade, a referida decisão teria tido conteúdo diferente (acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, n.° 336 supra, n.° 91, e Dunlop Slazenger/Comissão, n.° 174 supra, n.° 29). Ora, no presente caso, a Siemens não facultou essa prova. Com efeito, nada permite supor que, se as informações em causa não tivessem sido divulgadas, o colégio dos comissários teria alterado o montante da coima ou o conteúdo da decisão propostos. Em particular, não existe qualquer elemento que indique que o colégio dos comissários no seu conjunto ou alguns comissários se sentiram obrigados ou consideraram que não podiam afastar‑se dos elementos do projecto de decisão que já tinham sido divulgados à imprensa.

403    Consequentemente, esta parte do terceiro fundamento não pode igualmente ser acolhida. Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser desatendido na íntegra.

404    Uma vez que os três fundamentos invocados pela Siemens foram julgados improcedentes, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

405    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Siemens sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      Nega-se provimento ao recuro.

2)      A Siemens AG é condenada nas despesas.

Pelikánová

Jürimäe

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Março de 2011.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE

A –  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a uma «descrição insuficiente das infracções de que é acusada»

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

B –  Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a uma «análise incorrecta dos alegados acordos e dos seus efeitos sobre o mercado comum»

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

a)  Quanto ao ónus da prova

b)  Quanto ao valor probatório do acordo GQ e do acordo EQ

c)  Quanto à prova do acordo comum

Quanto às declarações da ABB e da testemunha M.

Quanto às declarações da Fuji

Quanto às declarações da Hitachi

Quanto à não contestação da Areva, da Alstom e do grupo VA Tech

Quanto à lista de projectos de MCIG na Europa

–  Quanto à origem e à data de criação da lista global, bem como à sua qualificação como elemento de prova

–  Quanto à alegação segundo a qual os projectos de MCIG na Europa referidos na lista global não foram discutidos no cartel

–  Quanto aos projectos alegadamente referidos diversas vezes ou não executados

–  Quanto à reduzida taxa de projectos de MCIG na Europa repertoriados na lista global

–  Quanto à alegada não atribuição à Siemens, no âmbito de cartel, de projectos de MCIG no EEE

–  Quanto à análise econométrica apresentada pela Siemens

Quanto aos elementos documentais de prova

–  Quanto ao acordo GQ e ao acordo EQ

–  Quanto ao documento encontrado nas instalações do grupo VA Tech, denominado «Síntese discussão com JJC»

–  Quanto à troca de correspondência de 18 de Janeiro de 1999 entre Wa., J. e B., empregados do grupo VA Tech

–  Quanto aos elementos de prova documental relativos a factos ocorridos no período compreendido entre 2002 e 2004

d)  Conclusões relativas à segunda parte do primeiro fundamento

Quanto aos efeitos do cartel no EEE

Quanto à reserva dos mercados europeus e japonês, respectivamente, para os grupos de produtores europeus e japoneses

Quanto à protecção dos «países construtores» na Europa

II –  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003

A –  Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à inexistência de prova de participação na infracção entre Abril e Setembro de 1999

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

a)  Quanto à repartição do ónus da prova entre a Siemens e a Comissão

b)  Quanto ao valor probatório dos elementos em que a Comissão baseia a sua apreciação segundo a qual a Siemens interrompeu a sua participação no cartel em 1 de Setembro de 1999

Quanto às declarações da ABB e de M.

Quanto ao documento intitulado «Síntese discussões com JJC»

Quanto às declarações da Areva, da Melco, da Fuji e da Hitachi/JAEPS

–  Quanto às declarações da Areva

–  Quanto às declarações da Melco

–  Quanto às declarações da Fuji

–  Quanto às declarações da Hitachi

Conclusão intercalar

c)  Quanto aos elementos invocados pela Siemens para demonstrar a interrupção da sua participação no cartel a partir de Abril de 1999

Quanto às provas económicas empíricas da interrupção da sua participação no cartel o mais tardar em Abril de 1999

Quanto ao testemunho de Se.

Quanto aos testemunhos de Tr., E. e Sch.

Quanto à inexistência de prova da participação da Siemens num acordo relativo a projectos de MCIG após Abril de 1999

Quanto à inexistência de provas de uma reunião posterior a 22 de Abril de 1999

B –  Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à prescrição das acusações

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

C –  Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à não participação no cartel a partir de 1 de Janeiro de 2004

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

III –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro de direito no cálculo do montante da coima

A –  Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao carácter desproporcionado do montante de partida da coima

1.  Quanto à primeira alegação, relativa à inexistência de prova dos efeitos do cartel

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

2.  Quanto à segunda alegação, relativa ao carácter desproporcionado do montante de partida da coima em relação à importância económica da infracção

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

3.  Quanto à terceira alegação, relativa à inscrição da Siemens numa categoria incorrecta

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

B –  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa ao carácter desproporcionado do coeficiente multiplicador de dissuasão

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

C –  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa a um erro na determinação da duração da infracção

D –  Quanto à quarta parte do terceiro fundamento, relativa à qualificação errada da Siemens como líder do cartel

1.  Quanto às primeira e segunda alegações, relativas ao facto de a ABB e não a Siemens ter desempenhado o papel de líder do cartel

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao papel de líder do cartel

Quanto à alegada desigualdade de tratamento da Siemens em relação à ABB

2.  Quanto à terceira alegação, relativa ao carácter excessivo da majoração do montante de base da coima aplicada à Siemens em razão do seu papel de líder do cartel

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal Geral

E –  Quanto à quinta parte do terceiro fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação no que respeita à ausência de redução da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

F –  Quanto à sexta parte do terceiro fundamento, relativa ao facto de a DG «Concorrência» ter de facto condicionado o colégio dos comissários

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.