Language of document : ECLI:EU:C:2018:628

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 25 de julho de 2018 (1)

Processo C265/17 P

Comissão Europeia

contra

United Parcel Service, Inc.

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Controlo das operações de concentração de empresas — Direitos de defesa — Direito de ser ouvido — Possibilidade de tomar posição — Análise econométrica — Modelo de concentração de preços — Alterações importantes do modelo de concentração de preços no decurso do processo administrativo — Mercado de serviços internacionais de entrega por correio expresso de pequenas encomendas no EEE — Artigo 18.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Artigos 13.o e 17.o do Regulamento (CE) n.o 802/2004»






I.      Introdução

1.        Os processos de controlo das concentrações conduzidos pela Comissão Europeia na sua qualidade de autoridade da concorrência caracterizam‑se frequentemente pela elevada complexidade dos contextos económicos a discutir. Para determinar se uma concentração de empresas não entrava significativamente uma concorrência efetiva, é necessário fazer, por vezes, previsões difíceis sobre a evolução previsível dos mercados. Com esta finalidade, a Comissão utiliza, nos casos adequados, modelos econométricos. Também no caso presente se baseou precisamente num modelo deste tipo para proibir a aquisição do serviço de entrega de encomendas TNT Express N.V. (TNT) pela United Parcel Service Inc. (UPS).

2.        No presente processo, a Comissão e a UPS discutem acerca das garantias processuais que a autoridade da concorrência tem de respeitar quando recorre a análises econométricas deste tipo. Trata‑se concretamente da questão de saber se a Comissão, no decurso do processo administrativo, podia fazer alterações importantes no modelo econométrico em que se baseou — o designado modelo de concentração de preços —, sem informar a UPS desse facto nem lhe dar a possibilidade de apresentar observações.

3.        A UPS obteve ganho de causa em primeira instância. A decisão da Comissão, de 30 de janeiro de 2013, que declarou a concentração incompatível com o mercado comum (2) (a seguir também «decisão controvertida») foi anulada pelo Tribunal Geral por acórdão de 7 de março de 2017 (3) (a seguir também «acórdão impugnado»), por violação dos direitos de defesa da UPS. A Comissão, por seu turno, interpôs o presente recurso desse acórdão.

4.        O que é determinante para o sucesso do recurso é saber qual a extensão a atribuir aos direitos de defesa das empresas no processo de controlo das concentrações. Os direitos de defesa impõem que se informem estas empresas sobre as alterações importantes nos modelos econométricos no decurso do processo administrativo e que as mesmas sejam ouvidas antes de ser decidida uma proibição da concentração?

5.        O caso vertente mostra uma vez mais os desafios com que são confrontadas as autoridades da concorrência quando têm de proceder a uma análise em consonância com os requisitos jurídicos. Qualquer que seja a decisão do Tribunal de Justiça no presente processo, o seu acórdão será pioneiro, para além do caso concreto, para a prática administrativa futura da Comissão em processos complexos de controlo das concentrações, mas também para as autoridades da concorrência e tribunais nacionais, que frequentemente seguem de modo muito estrito os critérios aplicáveis a nível da União no controlo das concentrações.

II.    Quadro jurídico

6.        O quadro jurídico deste caso é determinado ao nível do direito primário pelo artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, ao nível do direito derivado, pelo artigo 18.o do Regulamento sobre as Concentrações comunitárias (4) (a seguir também «Regulamento sobre as Concentrações»). Além disso, há que fazer referência ao Regulamento de Execução do Regulamento sobre as Concentrações comunitárias (5) (a seguir também «Regulamento de Execução») em especial aos seus artigos 13.o e 17.o

A.      Regulamento sobre as Concentrações

7.        O artigo 18.o do Regulamento sobre as Concentrações refere‑se à «[a]udição das partes e de terceiros» e tem, resumidamente, o seguinte teor:

«1.      Antes de tomar as decisões previstas no n.o 3 do artigo 6.o, no n.o 3 do artigo 7.o, nos n.os 2 a 6 do artigo 8.o e nos artigos 14.o e 15.o, a Comissão deve [dar] às pessoas, empresas e associações de empresas em causa a oportunidade de se pronunciarem, em todas as fases do processo até à consulta do comité consultivo, sobre as objeções contra elas formuladas.

2.      […]

3.      A Comissão deve basear as suas decisões exclusivamente em objeções relativamente às quais as partes tenham podido fazer valer as suas observações. Os direitos de defesa são plenamente garantidos durante o processo. Pelo menos as partes diretamente envolvidas têm acesso ao processo, garantindo‑se simultaneamente o legítimo interesse das empresas em que os seus segredos comerciais não sejam divulgados.

4.      […]»

B.      Regulamento de Execução do Regulamento sobre as Concentrações

8.        No Capítulo IV do Regulamento de Execução, com a epígrafe «Exercício do direito de ser ouvido; audições», encontra‑se o artigo 13.o, n.o 2, com o seguinte teor:

«A Comissão comunicará por escrito às partes notificantes as suas objeções.

Na comunicação de objeções, a Comissão fixará um prazo durante o qual as partes notificantes têm a possibilidade de lhe apresentar as suas observações por escrito.

[…]»

9.        Finalmente, no Capítulo V do Regulamento de Execução, relativo ao «[a]cesso ao processo e tratamento de informações confidenciais», está inserido o artigo 17.o, que tem o seguinte teor:

«1.      Mediante pedido, a Comissão facultará o acesso ao processo às partes a quem foi enviada uma comunicação de objeções a fim de lhes permitir exercer os direitos de defesa. O acesso será facultado após notificação da comunicação de objeções.

2.      […]

3.      O direito de acesso ao processo não abrange as informações confidenciais ou documentos internos da Comissão ou das autoridades competentes dos Estados‑Membros. […]

4.      […]»

III. Antecedentes do litígio

10.      A UPS e a TNT operam à escala mundial no setor dos serviços especializados de transporte e de logística. No Espaço Económico Europeu estão presentes nos mercados dos serviços internacionais de entrega por correio expresso de pequenas encomendas.

A.      Processo administrativo

11.      Em 15 de junho de 2012, a UPS notificou a Comissão Europeia do seu projeto de aquisição da TNT, em aplicação do Regulamento sobre as Concentrações e do respetivo Regulamento de Execução.

12.      Pela decisão controvertida, de 30 de janeiro de 2013, a Comissão declarou que esta concentração era incompatível com o mercado interno e com o acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), porque constituiria um entrave significativo à concorrência efetiva no mercado dos serviços internacionais de entrega por correio expresso de pequenas encomendas em quinze Estados‑Membros no interior do EEE.

13.      A previsão da Comissão relativamente à esperada evolução negativa da concorrência nos mercados em causa baseou‑se fundamentalmente numa análise econométrica através de um modelo de concentração de preços. Segundo as afirmações do Tribunal Geral, o modelo de concentração de preços que acabou por ser utilizado pela Comissão apresentava, contudo, diferenças importantes em relação ao modelo que tinha sido objeto de discussões com a UPS no decurso do processo administrativo, no que respeita às variáveis consideradas (designadas «variável discretizada» e «variável contínua») (6). Como afirma ainda o Tribunal Geral, a Comissão não deu à UPS qualquer oportunidade de se pronunciar, no decurso do processo administrativo, sobre as importantes alterações feitas no modelo de concentração de preços (7).

B.      Tramitação processual no Tribunal Geral

14.      Em 5 de abril de 2013, a UPS interpôs recurso da decisão controvertida para o Tribunal Geral. Em 21 de outubro de 2013, o Presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral admitiu a FedEx Corp. (FedEx) como interveniente no processo em primeira instância em apoio das conclusões da Comissão.

15.      Pelo acórdão agora impugnado, de 7 de março de 2017, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida da Comissão e condenou a Comissão a pagar, além das suas próprias despesas, as despesas da UPS, condenando a FedEx a suportar as suas próprias despesas.

16.      A anulação da decisão controvertida teve como único fundamento o facto de a Comissão não ter comunicado à UPS a versão final do modelo de concentração de preços em que se baseou (8), apesar de, já em 21 de novembro de 2012, ou seja, mais de dois meses antes da adoção da decisão impugnada, ter adotado esta versão final (9), que continha diferenças não insignificantes em relação à versão original (10). O Tribunal Geral entendeu que isso constituía uma violação dos direitos de defesa da UPS (11).

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.      Por petição de 16 de maio de 2017, a Comissão interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal Geral de 7 de março de 2017, pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        Anular o acórdão impugnado,

–        Devolver o processo ao Tribunal Geral, e

–        Reservar para final a decisão quanto às despesas.

18.      A UPS, por seu turno, pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        Declarar o recurso em parte inadmissível ou ineficaz,

–        Negar provimento ao recurso na parte em que é admissível e eficaz, e, a título subsidiário, decidir o recurso e manter a parte decisória do acórdão impugnado, substituindo os respetivos fundamentos, e

–        Condenar a Comissão e qualquer possível interveniente nas despesas deste recurso e do recurso em primeira instância.

19.      O recurso da Comissão foi objeto da fase escrita no Tribunal de Justiça. A FedEx não interveio no recurso.

V.      Apreciação

20.      Em primeiro lugar há que esclarecer que nem a adequação do recurso a uma análise econométrica nem a exatidão material do modelo de concentração de preços utilizado pela Comissão para esta análise são objeto do presente recurso. Por isso, embora as partes, em certas passagens dos seus articulados, deslizem para uma discussão sobre se a Comissão agiu lege artis do ponto de vista da Econometria, esta discussão não acrescenta nenhuma contribuição percetível para a solução do presente litígio.

21.      Assim, não vou aprofundar este aspeto nas considerações seguintes e, em vez disso, vou dedicar‑me exclusivamente às garantias jurídicas processuais para a aplicação de análises econométricas no controlo das concentrações, tal como são exemplarmente problematizadas no caso vertente.

A.      Questões processuais prévias

22.      Na sua resposta à petição de recurso, a UPS suscita três questões processuais prévias, que, na sua opinião, justificariam que se declare o recurso da Comissão parcialmente inadmissível e parcialmente ineficaz (em francês, «inoperante») e que o Tribunal de Justiça decida definitivamente sobre o litígio, sem devolução dos autos ao Tribunal Geral.

23.      Em primeiro lugar, a UPS alega que a Comissão pretende convencer o Tribunal de Justiça a fazer uma nova avaliação dos factos, o que, de acordo com a jurisprudência assente, é inadmissível na fase do recurso jurisdicional, exceto em caso de deturpação dos factos ou das provas (12).

24.      Esta alegação da UPS não é convincente. A Comissão não se limita aqui, de modo nenhum, a questionar a avaliação dos factos e das provas feita pelo Tribunal Geral. Pelo contrário, a Comissão suscita uma questão de direito genuína, a saber, a questão da amplitude dos direitos de defesa das empresas no processo de controlo das concentrações. A este respeito, a Comissão discute até a qualificação jurídica dos factos feita pelo Tribunal Geral. No fundo, trata‑se da questão de saber se o Tribunal Geral podia legitimamente concluir, com base na falta de audição da UPS sobre a versão final do modelo de concentração de preços, que foram violados os direitos de defesa. Esta questão pode e deve ser examinada pelo Tribunal de Justiça como instância de recurso (13).

25.      Em segundo lugar, a UPS alega que a Comissão se limita a repetir aqui os argumentos que apresentou no processo em primeira instância, o que também é inadmissível em sede de recurso.

26.      Todavia, esta censura da UPS também não vinga. Com efeito, como o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente, se uma parte não pudesse prosseguir no recurso a argumentação já utilizada em primeira instância, o recurso de decisão do Tribunal Geral ficaria privado de uma parte do seu sentido (14). É certo que a recorrente é obrigada neste contexto a discutir concretamente o acórdão proferido em primeira instância (15). Mas é isso que a Comissão faz no seu recurso, mesmo que não o faça de uma forma especialmente estruturada. Em substância, a Comissão censura o Tribunal Geral pelo facto de este não ter examinado suficientemente as suas alegações em primeira instância e além disso, ter ignorado as condições jurídicas em matéria de direitos de defesa. Tais censuras são perfeitamente admissíveis em sede de recurso.

27.      Em terceiro lugar, a UPS entende que o recurso da Comissão é ineficaz, porque a anulação da decisão controvertida se impõe também por outros fundamentos diferentes da violação dos direitos de defesa identificada pelo Tribunal Geral. Em particular, a UPS refere‑se a uma série de faltas de fundamentação de que, na sua opinião, enferma a decisão controvertida.

28.      A este respeito há que fazer dois tipos de observações. Em primeiro lugar, a questão de saber se um recurso é total ou parcialmente ineficaz diz respeito ao caráter fundado deste recurso (16). Por isso, não pode ser discutida separadamente da validade de cada uma das censuras formuladas no recurso. Por outro lado, as faltas de fundamentação alegadas pela UPS, de que supostamente enferma a decisão controvertida, não foram objeto de apreciação pelo Tribunal Geral no acórdão impugnado. No recurso de uma decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça apenas examina a solução que o Tribunal Geral deu ao litígio em primeira instância (17).

29.      Por conseguinte, o recurso é globalmente admissível e até pode perfeitamente conduzir à anulação do acórdão impugnado e à devolução do processo ao Tribunal Geral, desde que venha a mostrar‑se fundado.

B.      Caráter fundado do recurso

30.      Quanto ao fundo, o litígio entre a Comissão e a UPS gira essencialmente à volta da questão de saber se a lei impunha que a UPS fosse informada, no decurso do processo administrativo, da alteração do modelo de concentração de preços utilizado pela Comissão e que lhe fosse dada a possibilidade de se pronunciar sobre ela, como o Tribunal Geral decidiu no seu acórdão.

31.      A Comissão entende que não e, a este respeito, faz várias críticas ao acórdão impugnado, que estão contidas em quatro fundamentos de recurso distintos. Todavia, parece‑me que estes quatro fundamentos não estão classificados de modo especialmente claro e, além disso, sobrepõem‑se em dois aspetos. Por isso, proponho ao Tribunal de Justiça que classifique os argumentos da Comissão em três grandes grupos temáticos:

–        Os direitos de defesa (v. a este respeito a secção 1. infra);

–        Os efeitos de uma eventual violação dos direitos de defesa (v. a este respeito a secção 2, infra); e

–        Os requisitos da fundamentação do acórdão proferido em primeira instância (v. por fim, a este respeito, a secção 3, infra),

nos quais o cerne dos debates deve ser colocado na problemática dos direitos de defesa.

1.      Os direitos de defesa

32.      A crítica principal da Comissão, feita essencialmente na segunda e na terceira partes do seu primeiro fundamento, visa a afirmação do Tribunal Geral de que os direitos de defesa da UPS foram violados no processo administrativo (18). A Comissão entende que o Tribunal Geral errou ao concluir pela existência de tal violação dos direitos de defesa.

33.      Segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio geral do direito da União que é aplicável em todos os procedimentos que possam levar a adotar, relativamente a uma pessoa, um ato lesivo dos seus interesses (19). Este princípio é um corolário do direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais (20).

34.      Relativamente aos processos de controlo das concentrações a cargo da Comissão, os direitos de defesa das empresas interessadas, tanto quanto é pertinente no presente processo, estão concretizados no artigo 18.o do Regulamento sobre as Concentrações e no artigo 13.o do Regulamento de Execução. Segundo o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento sobre as Concentrações, a Comissão deve dar às empresas interessadas a oportunidade de se pronunciarem sobre as objeções contra elas formuladas. O artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento de Execução acrescenta que a Comissão comunicará por escrito às empresas interessadas as suas objeções. E o artigo 18.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento sobre as Concentrações estabelece que a Comissão deve basear as suas decisões em matéria de controlo das concentrações exclusivamente em objeções relativamente às quais as partes tenham podido fazer valer as suas observações.

35.      Analisarei em seguida, por um lado, com base nas censuras feitas pela Comissão, se os direitos de defesa se aplicam sequer à análise econométrica [v., a este respeito, a alínea a) seguinte], e, por outro, no caso de se aplicarem, que consequências resultam dos direitos de defesa para a realização de tal análise [v., a este respeito, a alínea b) seguinte].

a)      Quanto à aplicação dos direitos de defesa à análise econométrica

36.      Em primeiro lugar, as partes concentram um grande esforço argumentativo sobre a questão de saber se os direitos de defesa são sequer aplicáveis num modelo econométrico como o modelo de concentração de preços utilizado no caso vertente. Enquanto a Comissão sublinha que tal modelo é apenas a ferramenta com a qual a autoridade da concorrência faz a avaliação de uma concentração planeada do ponto de vista do direito da concorrência e relativamente ao qual as empresas interessadas não tinham de ser especificamente ouvidas, a UPS contrapõe que os modelos econométricos devem ser incluídos nos factos e provas relativamente aos quais as empresas podem evidentemente pronunciar‑se.

37.      Parece‑me que a controvérsia sobre a classificação de modelos econométricos numa ou noutra destas categorias constitui um plano de lide adicional que não tem relevância para a solução do presente litígio.

38.      Com efeito, segundo jurisprudência assente, o respeito pelos direitos de defesa exige que seja dada aos destinatários de decisões que afetem de modo sensível os seus interesses a possibilidade de darem a conhecer de forma útil o seu ponto de vista sobre todos os elementos sobre os quais a administração tenciona basear a sua decisão (21).

39.      Um modelo econométrico como o modelo de concentração de preços a que se refere este processo constitui, sem dúvida, um elemento sobre o qual a Comissão se baseou em grande medida na sua análise à luz do direito da concorrência com vista à adoção da decisão controvertida. Ou, para o exprimir com os termos do artigo 18.o, n.os 1 e 3, do Regulamento sobre as Concentrações: O referido modelo foi um dos importantes elementos em que a Comissão baseou as objeções contra a decisão de concentração projetada. Nestas circunstâncias, parece‑me evidente que a Comissão devia dar à UPS, para garantir os seus direitos de defesa, a possibilidade de apresentar utilmente o seu ponto de vista sobre este modelo de concentração de preços. Isto é válido por maioria de razão quando se pensa que tal modelo econométrico — como mostra expressivamente o caso vertente — pode conduzir a resultados totalmente diferentes consoante o modo como se compõe e se aplica em concreto este modelo.

40.      Também é inútil especular sobre se o modelo econométrico utilizado constitui um elemento desfavorável ou um elemento favorável (22). Para garantia dos direitos de defesa, é indispensável dar às empresas interessadas a possibilidade de manifestarem utilmente o seu ponto de vista relativamente a todos os elementos sobre os quais a Comissão tenciona basear‑se numa decisão de controlo de uma concentração. Não é a Comissão, mas antes a própria empresa interessada que deve verificar se determinados elementos dos autos lhe podem ser úteis para a sua defesa (23). Para que a empresa possa fazer esta escolha, devem ser levados indiferenciadamente ao seu conhecimento todos os elementos sobre os quais a Comissão pensa basear‑se. Mais ainda, deve possibilitar‑se à empresa interessada o acesso aos elementos obtidos pela Comissão no referido processo de controlo das concentrações, e, portanto, finalmente, também àqueles em que a Comissão por seu turno não queira eventualmente basear‑se.

41.      Por fim, é particularmente pouco convincente a tentativa da Comissão de, ao abrigo do artigo 17.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento de Execução, qualificar a sua análise econométrica como matéria meramente interna, que não tem de levar ao conhecimento das empresas interessadas — e muito menos antes da adoção da sua decisão de controlo de uma concentração.

42.      Num domínio como o do controlo das concentrações, no qual a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação dos factos, o respeito das garantias processuais reveste uma importância fundamental (24). Os direitos de defesa perderiam o seu sentido se a Comissão deixasse as empresas interessadas na dúvida quanto aos passos analíticos e cálculos essenciais nos quais ela baseia a sua previsão de que a operação de concentração entrava significativamente uma concorrência efetiva. Nesse caso, as empresas não poderiam dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista (25).

43.      Além disso, o direito a uma boa administração consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais obriga a Comissão a conduzir o processo equitativamente. Não seria de modo nenhum compatível com este princípio fundamental da equidade que as empresas interessadas tivessem finalmente de adivinhar de quê deviam defender‑se.

44.      A Comissão contrapõe ainda que as empresas interessadas podem eventualmente recorrer ao auditor e pedir‑lhe a consulta de determinados documentos do processo de que tenham sido privadas. Este argumento também deve ser rejeitado. Com efeito, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento sobre as Concentrações, a autoridade da concorrência é legalmente obrigada a, por sua própria iniciativa, dar às empresas interessadas a possibilidade de manifestarem o seu ponto de vista quanto às objeções que suscitou e explicar‑lhes os passos analíticos e cálculos essenciais em que se baseou — incluindo as variáveis utilizadas. As empresas não têm de modo nenhum de tomar a iniciativa a este respeito nem muito menos de se apresentarem como peticionárias.

45.      Em resumo, o modelo de concentração de preços como o que está aqui em causa é, assim, abrangido pelo âmbito de aplicação dos direitos de defesa. O Tribunal Geral não incorreu em qualquer erro de direito a este respeito.

b)      Quanto às exigências que decorrem dos direitos de defesa

46.      Em segundo lugar, as partes debatem intensamente sobre quais as exigências que resultam precisamente dos direitos de defesa quando a Comissão, numa decisão de controlo de uma concentração como a decisão aqui controvertida, pretende basear‑se numa análise econométrica. No fundo, a questão controvertida é a de saber se efetivamente é sempre necessário dar conhecimento às empresas interessadas da versão final de um modelo econométrico e dar‑lhes a possibilidade de manifestarem o seu ponto de vista a respeito da mesma antes de a Comissão tomar a sua decisão que põe termo ao processo.

–       Quanto ao argumento da Comissão de que as decisões de controlo de concentrações podem divergir da comunicação prévia das objeções

47.      Em primeiro lugar, a Comissão refere‑se à jurisprudência assente (26), segundo a qual a decisão que conclui um processo de concorrência não tem de coincidir precisamente, do ponto de vista factual e jurídico, com a comunicação prévia das objeções e que as eventuais diferenças em relação a essa comunicação não têm de ser detalhadamente explicadas. Baseando‑se nessa jurisprudência, a Comissão procura argumentar que a autoridade da concorrência, nos processos de controlo das concentrações, não é obrigada a dar conhecimento prévio às empresas interessadas da versão final do modelo econométrico que utiliza e a ouvi‑las acerca deste modelo.

48.      Este argumento não me parece convincente. Embora seja verdade que a comunicação das objeções em processos da concorrência tem apenas um caráter provisório e a decisão que põe termo ao processo pode afastar‑se dela sem fundamentação detalhada (27), entende‑se evidentemente que tais desvios só são permitidos dentro dos limites dos direitos de defesa.

49.      Se a Comissão se afasta da comunicação das objeções em sentido favorável às empresas interessadas, desistindo de algumas das objeções, não necessita, naturalmente, de ouvir de novo as empresas. O mesmo se aplica se a Comissão aperfeiçoar ou desenvolver as suas objeções à luz dos argumentos apresentados pelas empresas. Porém, se a Comissão se afasta da comunicação das objeções em sentido desfavorável às empresas interessadas, aduzindo elementos, teorias ou modelos de cálculo completamente novos, sobre os quais ainda não tenha ouvido as empresas, é obrigada a dar às empresas interessadas a possibilidade de manifestar o seu ponto de vista sobre eles. Com efeito, a Comissão, na sua decisão que põe termo ao processo, deve basear‑se exclusivamente em objeções relativamente às quais as partes tenham podido fazer valer as suas observações (artigo 18.o, n.o 3, primeiro período, do Regulamento sobre as Concentrações) (28).

50.      Como o Tribunal Geral constatou (29), o modelo econométrico em que a Comissão baseou a decisão controvertida difere, de modo que não pode considerar‑se insignificante — nomeadamente no que respeita às variáveis utilizadas para os cálculos econométricos — do modelo que tinha discutido anteriormente com a UPS. A Comissão, que não invocou a este respeito nenhuma deturpação dos factos ou dos meios de prova, deve ter em conta esta constatação.

51.      Assim, é ponto assente que a Comissão, na decisão controvertida, se baseou noutras objeções que não aquelas sobre as quais a UPS tinha dado o seu ponto de vista, embora tivesse acabado por manter a sua previsão de um entrave significativo à concorrência efetiva, com as subidas de preços em vários Estados‑Membros e, deste modo, a sua avaliação global negativa do projeto de concentração.

52.      Nesta perspetiva, o Tribunal Geral não incorreu, portanto, em qualquer erro de direito.

–       Quanto às especificidades do controlo das concentrações e aos seus efeitos sobre os direitos de defesa

53.      Em seguida, a Comissão sublinha as especificidades do controlo das concentrações ao nível da União. Salienta que o processo de controlo das concentrações se caracteriza pelo imperativo de celeridade, que se reflete até nos prazos processuais estritos (30). A Comissão conclui daí que não se pode cair, no decurso do processo de controlo das concentrações, em debates sem fim entre a Comissão e as empresas interessadas sobre o modelo econométrico a aplicar.

54.      É verdade que os constrangimentos a que está sujeita a autoridade europeia da concorrência no controlo das concentrações (entre as quais a importante pressão temporal, mas também os recursos limitados), não podem deixar de ter consequências sobre o modo como as empresas interessadas exercem os seus direitos de defesa.

55.      Por isso, as empresas interessadas não podem esperar, em termos de conteúdo, senão uma descrição breve e concisa do modelo econométrico em que a Comissão se baseou. Esta descrição deve ser feita de tal modo que possa ser entendida sem problemas por uma pessoa competente em matéria de Econometria.

56.      E, em termos temporais, não se pode entrar numa espécie de jogo de pingpong em que as empresas apresentam sucessivas novas dúvidas acerca do modelo econométrico preferido pela Comissão e a Comissão tem de lhes dar a possibilidade de exprimir o seu ponto de vista sobre sucessivas novas versões deste modelo.

57.      Acrescento, porém, desde já, que as empresas interessadas, apesar dos inquestionáveis constrangimentos do processo de controlo das concentrações, devem sempre dispor de oportunidades suficientes para a sua defesa e os seus direitos de defesa não podem ser prejudicados na sua essência (31). O desejo de incluir mais conhecimentos económicos na apreciação dos casos de concorrência não deve ser satisfeito à custa de garantias processuais fundamentais.

58.      Por conseguinte, quando a Comissão decide proceder a análises económicas complexas nos processos de concorrência no sentido de uma «more economic approach», compete‑lhe antes de mais proceder a esta análise, por um lado, com cuidado e imparcialidade (32) e, por outro, tão atempadamente que se insira sem problemas na tramitação do processo prevista pelo legislador da União.

59.      Em princípio, deve levar‑se ao conhecimento das empresas interessadas o modelo econométrico em que a Comissão se baseou na comunicação das objeções, em conformidade com o artigo 18.o, n.os 1 e 3, do Regulamento sobre as Concentrações e o artigo 13.o, n.o 2, do seu Regulamento de Execução e devem ser‑lhes explicadas as suas principais passagens. O necessário aperfeiçoamento deste modelo à luz do inquérito realizado e a sua eventual discussão com as empresas interessadas devem estar concluídos no momento da comunicação das objeções. As empresas interessadas têm então a possibilidade de, no âmbito da sua resposta à comunicação das objeções, manifestar o seu ponto de vista também sobre o modelo econométrico da Comissão.

60.      Se, excecionalmente, a Comissão só fixar num momento posterior a versão final do modelo econométrico em que se baseia, este atraso não pode prejudicar os direitos de defesa das empresas interessadas. Pelo contrário, em tal situação, a Comissão deve ouvir de novo as empresas interessadas especificamente sobre esta questão, a menos que a versão final já não seja significativamente diferente das versões discutidas anteriormente com as empresas ou constitua um mero desenvolvimento destas versões à luz dos argumentos das empresas (33).

61.      No caso vertente, a versão final do modelo de concentração de preços em causa, que, no que respeita às variáveis aplicadas, diferia de modo que não pode considerar‑se insignificante das versões anteriores (34), já existia, como concluiu o Tribunal Geral, desde 21 de novembro de 2012 (35). A Comissão não forneceu quaisquer indicações que demonstrem quais os constrangimentos concretos do processo de controlo das concentrações que, nesse momento, que se situava ainda mais de dois meses antes da proibição da concentração pela decisão controvertida, tornavam impossível na prática ouvir a UPS sobre o referido modelo, estabelecendo um prazo de resposta curto.

62.      Nestas circunstâncias, não pode censurar‑se o Tribunal Geral por ter alegadamente dado pouca importância às especificidades do controlo das concentrações, em especial ao imperativo de celeridade que prevalece neste domínio.

–       Quanto às alterações, alegadamente compreensíveis de maneira intuitiva, do modelo de concentração de preços utilizado pela Comissão

63.      Por fim, a Comissão argumenta que se podia prescindir da audição da UPS sobre a versão final do modelo de concentração de preços que utilizou, uma vez que o funcionamento desse modelo era intuitivamente compreensível para a UPS.

64.      É verdade que a Comissão não é obrigada a ouvir as empresas interessadas sobre um mero desenvolvimento ou aperfeiçoamento dos elementos, teorias ou modelos de cálculo em que se baseia e sobre os quais estas empresas já puderam manifestar o seu ponto de vista (36). Porém, no caso vertente, o Tribunal Geral constatou que a versão final do modelo de concentração de preços em que a Comissão se baseou difere, de modo que não pode considerar‑se insignificante, no que respeita às variáveis utilizadas, dos modelos que tinha discutido anteriormente com a UPS (37). A Comissão, que não invocou a este respeito nenhuma deturpação dos factos ou dos meios de prova, deve ter em conta esta constatação.

65.      Nestas circunstâncias, não se pode argumentar, mesmo com muita indulgência, que o funcionamento da versão final do modelo de concentração de preços em que a Comissão se baseou era intuitivamente compreensível para a UPS. Por conseguinte, também a este respeito, o Tribunal Geral não incorreu em qualquer erro de direito.

2.      Efeitos da violação constatada dos direitos de defesa sobre a subsistência da decisão controvertida

66.      Separadamente, a Comissão alega, no âmbito dos seus segundo e quarto fundamentos, que o Tribunal Geral não devia ter anulado a decisão controvertida, mesmo no caso de ser constatada uma violação dos direitos de defesa da UPS. A Comissão argumenta que a sua previsão de ocorrência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva existe de qualquer modo em relação a dois Estados‑Membros — a Dinamarca e os Países Baixos — mesmo sem tomar em consideração os resultados do modelo de concentração de preços.

67.      Resulta da jurisprudência constante que um erro processual só justifica a anulação de uma decisão da Comissão quando existe a possibilidade de que o procedimento administrativo, sem este erro processual, pudesse ter conduzido a outro resultado (38). Por outras palavras, não pode excluir‑se que o erro processual tenha tido efeitos sobre o conteúdo da decisão da Comissão e que, portanto, a decisão pudesse ter tido outro conteúdo (39).

68.      É possível que, nos processos de concorrência, um erro processual em relação a um determinado elemento de prova não seja decisivo, quando a Comissão, para provar uma infração dos artigos 101.o ou 102.o TFUE, ainda dispõe de outros elementos de prova convincentes relativamente aos quais não incorreu em nenhum erro (40).

69.      O controlo das concentrações caracteriza‑se, porém, pela particularidade de que, nas suas decisões de autorizar ou proibir projetos de concentração, a Comissão tem de efetuar previsões que se baseiam sempre na análise conjunta de numerosos fatores quantitativos e qualitativos.

70.      No caso vertente, o decurso dos acontecimentos mostra de modo impressionante que a questão de saber em quantos Estados‑Membros a Comissão antevê um entrave significativo à concorrência efetiva pode depender decisivamente da configuração concreta de um modelo de concentração de preços. Com efeito, enquanto a Comissão, ainda na sua comunicação das objeções, considerava que havia um efeito negativo do projeto de concentração sobre a concorrência relativamente a 29 mercados nacionais, a decisão controvertida que proíbe este projeto já se baseia — inclusivamente em virtude das alterações feitas no modelo de concentração de preços em que assenta — num entrave significativo da concorrência efetiva apenas em 15 Estados‑Membros.

71.      Além disso, a UPS refere muito justamente que, numa situação como esta, a previsão de um entrave significativo à concorrência efetiva em determinados Estados‑Membros pode ter um impacto maior ou menor consoante a Comissão, para além de outros elementos, possa apoiar‑se ainda numa análise da concentração de preços. Os fatores qualitativos especialmente sublinhados pela Comissão perante o Tribunal de Justiça, dos quais decorrem efeitos negativos para a concorrência, podem, numa apreciação global, ter um impacto menor se, subitamente, forem postos em causa cálculos econométricos quantitativos pelos quais aqueles fatores qualitativos foram inicialmente reforçados.

72.      Acrescento que uma empresa interessada contra a qual é feita a objeção de entrave significativo à concorrência efetiva em apenas dois Estados‑Membros (neste caso, a Dinamarca e os Países Baixos, nos quais a Comissão previu importantes problemas de concorrência, mesmo independentemente da sua análise econométrica, em virtude de considerações qualitativas) pode normalmente defender‑se mais facilmente do que contra a objeção de entrave significativo à concorrência efetiva em 15 Estados‑Membros (como a que a Comissão tomou como base da decisão controvertida neste caso) ou até em 29 Estados (que a Comissão ainda considerou na sua comunicação de objeções).

73.      Também as perspetivas de enfraquecer as objeções da Comissão através de compromissos adequados e, deste modo, preparar o caminho para uma autorização do projeto de concentração mediante condições e obrigações melhoram normalmente quando a empresa interessada tem de assumir compromissos específicos apenas para dois mercados nacionais e não para 15 mercados ou até para todo o território da União ou para todo o EEE.

74.      Assim, o Tribunal Geral concluiu com toda a razão que a UPS poderia ter assegurado melhor a sua defesa se, antes da adoção da decisão controvertida, tivesse disposto da versão final da análise econométrica adotada pela Comissão (41). É por isso lógico, nestas circunstâncias, que o Tribunal Geral tenha decidido anular a decisão controvertida.

3.      Requisitos da fundamentação do acórdão de primeira instância

75.      Finalmente, em diversas partes dos seus quatro fundamentos, a Comissão censura o Tribunal Geral por este não ter alegadamente apreciado determinados aspetos da sua argumentação em primeira instância. Trata‑se, em substância, dos seguintes pontos:

–        do «principal argumento» da Comissão, de que não era obrigada a comunicar à UPS as alterações do modelo econométrico em que se baseou (primeira parte do primeiro fundamento),

–        do argumento da Comissão, segundo o qual mesmo uma eventual violação dos direitos de defesa da UPS não podia levar à anulação da decisão controvertida (segunda parte do segundo fundamento),

–        do argumento da Comissão, de que as alterações feitas no seu modelo econométrico eram intuitivamente compreensíveis para a UPS (primeira parte do terceiro fundamento),

–        do argumento da Comissão, segundo o qual as conversações entre os serviços da Comissão e os economistas empregados pela UPS excluíam qualquer violação dos direitos de defesa (segunda parte do terceiro fundamento), e

–        do argumento da Comissão segundo o qual os ataques da UPS contra a decisão controvertida, em todo o caso em relação à Dinamarca e aos Países Baixos, são ineficazes (segunda parte do quarto fundamento).

76.      No recurso jurisdicional, a fiscalização exercida pelo Tribunal de Justiça consiste especialmente em apreciar se o Tribunal Geral respondeu de modo juridicamente satisfatório a todos os argumentos invocados pelas partes (42). Se o Tribunal Geral não se pronunciar de todo sobre um ponto essencial da argumentação de uma parte no processo em primeira instância, infringe o seu dever de fundamentação (43) (artigo 36.o, conjugado com o artigo 53.o, n.o 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça).

77.      Segundo jurisprudência assente, o Tribunal Geral não é, no entanto, obrigado a responder em pormenor a cada argumento invocado pelas partes, especialmente quando estes não revestem um caráter suficientemente claro e preciso (44); pelo contrário, a fundamentação em relação a certos pontos pode ser implícita (45). O que é determinante é saber se o Tribunal Geral examinou de modo satisfatório os argumentos das partes (46).

78.      Na minha opinião, resulta com a necessária clareza do acórdão impugnado que o Tribunal Geral considera que a Comissão tinha a obrigação de comunicar à UPS o modelo final da análise econométrica e de a ouvir a este respeito, até porque a Comissão introduziu neste modelo alterações que não podem ser consideradas insignificantes e que não tinham sido objeto das discussões anteriores com a UPS (47). Diferentemente do que a Comissão afirmou no processo que decorre no Tribunal de Justiça, as suas alegações em primeira instância a este propósito foram muito limitadas e de modo nenhum articuladas claramente num argumento principal e noutros argumentos (48). Nestas circunstâncias, não se pode censurar o Tribunal Geral porque alegadamente devia ter examinado a argumentação da Comissão de modo mais aprofundado.

79.      De qualquer modo, resulta com bastante clareza do acórdão impugnado que as alterações introduzidas pela Comissão no seu modelo de concentração de preços não eram intuitivamente compreensíveis para a UPS e, em particular, não se reconduziam às discussões havidas anteriormente com os consultores desta empresa (49).

80.      Finalmente, as considerações do Tribunal Geral relativas às informações quantitativas e qualitativas em que assentam as conclusões da decisão controvertida são, pelo menos implicitamente, uma resposta à alegação da Comissão relativa à Dinamarca e aos Países Baixos (50).

81.      Por conseguinte, o Tribunal Geral cumpriu plenamente o seu dever de fundamentação, de acordo com o artigo 36.o, conjugado com o artigo 53.o, n.o 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça. Contrariamente à Comissão, não vejo nenhuma contradição na fundamentação do acórdão impugnado.

82.      Na realidade, parece‑me que a Comissão pretende, com as faltas alegadas, abordar menos os requisitos formais da fundamentação do que a validade substancial dos fundamentos em que o Tribunal Geral sustentou o acórdão impugnado. A simples circunstância de o Tribunal Geral ter chegado a uma conclusão quanto ao mérito diferente da que a recorrente pretenderia não constitui, no entanto, razão adequada para o censurar por falta de fundamentação (51).

83.      Resumindo, deve assim ser rejeitado o argumento de que o Tribunal Geral, no acórdão impugnado, não examinou suficientemente os argumentos da Comissão.

C.      Conclusão

84.      Uma vez que nenhuma das alegações da Comissão contra o acórdão impugnado é procedente, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

VI.    Despesas

85.      Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas.

86.      Resulta do artigo 138.o, n.os 1 e 2, conjugado com o artigo 184.o, n.o 1, do Regulamento de Processo que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Dado que a Comissão foi vencida nos seus argumentos e a UPS o requereu, a Comissão é condenada nas despesas do presente recurso.

87.      A FedEx, que se constituiu interveniente em primeira instância em apoio da Comissão, não interveio no recurso e, por conseguinte, nos termos do artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, não tem de suportar despesas do recurso.

VII. Conclusão

88.      Com base nas considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do modo seguinte:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.


1      Língua original: alemão.


2      Decisão da Comissão de 30 de janeiro de 2013 que declara uma concentração incompatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.6570 — UPS/TNT Express), notificada com o n.o C(2013) 431 final e cujo resumo foi publicado no JO 2014, C 137, p. 8.


3      Acórdão de 7 de março de 2017, United Parcel Service/Comissão (T‑194/13, EU:T:2017:144).


4      Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1).


5      Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 133, p. 1).


6      N.os 205 a 208 do acórdão impugnado.


7      N.os 203 e 208 do acórdão impugnado.


8      N.os 203 e 208 do acórdão impugnado.


9      N.os 202 e 220 do acórdão impugnado.


10      N.os 205 a 208 do acórdão impugnado.


11      N.os 210 e 221 do acórdão impugnado.


12      Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 29), de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric (C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.os 103 e 104), e de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão (C‑335/09 P, EU:C:2012:385, n.os 83 e 84).


13      Neste sentido, v. Acórdãos de 15 de maio de 1997, Siemens/Comissão (C‑278/95 P, EU:C:1997:240, n.os 44 e 45), de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 60), e de 4 de abril de 2017, Bürgerbeauftragter/Staelen (C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.os 53 e 54).


14      Acórdãos de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão (C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 51), de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 47), e de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine (C‑351/15 P, EU:C:2017:27, n.o 31).


15      Acórdãos de 13 de julho de 2000, Salzgitter/Comissão (C‑210/98 P, EU:C:2000:397, n.o 43), de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 92), e de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 47).


16      Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho (C‑76/01 P, EU:C:2003:511, n.o 52), e de 29 de setembro de 2011, Arkema/Comissão (C‑520/09 P, EU:C:2011:619, n.o 31); no mesmo sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2014, Buono e o./Comissão (C‑12/13 P e C‑13/13 P, EU:C:2014:2284, n.o 64).


17      Acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 59), de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret (C‑295/07 P, EU:C:2008:707, n.o 95), e de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão (C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 55).


18      N.os 210 e 221 do acórdão impugnado.


19      Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o. (C‑32/95 P, EU:C:1996:402, n.o 21), de 22 de outubro de 2013, Sabou (C‑276/12, EU:C:2013:678, n.o 38), e de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento (C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 51); v. também o Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 52).


20      V. já a este respeito, as minhas Conclusões no processo Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:256, n.o 152).


21      Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o. (C‑32/95 P, EU:C:1996:402, n.o 21), de 22 de outubro de 2013, Sabou (C‑276/12, EU:C:2013:678, n.o 38), e de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento (C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 51).


22      Como se pode concluir da troca de argumentos entre a Comissão e a UPS perante o Tribunal de Justiça, o modelo de concentração de preços no presente processo teve efeitos em parte desfavoráveis e em parte favoráveis à UPS. Por um lado, a Comissão baseou‑se em grande medida neste modelo na decisão controvertida para proibir a concentração planeada. Por outro, a versão final deste modelo também mostrou que a concentração planeada conduziria a um entrave importante da concorrência efetiva em menos mercados do que inicialmente se assumira.


23      Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 54).


24      Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14), de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471, n.o 107), e de 4 de abril de 2017, Fahimian (C‑544/15, EU:C:2017:255, n.o 46).


25      V. ainda, a este respeito, Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o. (C‑32/95 P, EU:C:1996:402, n.o 21), de 22 de outubro de 2013, Sabou (C‑276/12, EU:C:2013:678, n.o 38), e de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento (C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 51).


26      A Comissão refere‑se aos Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, em especial os n.os 61, 63 e 64), e de 9 de março de 2015, Deutsche Börse/Comissão (T‑175/12, EU:T:2015:148, em especial os n.os 246, 253 a 258, 314 e 344).


27      Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.os 63 a 65).


28      Também neste sentido o Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 63, in fine), segundo o qual a comunicação de acusações não impede a Comissão de modificar a sua posição em benefício das empresas interessadas.


29      N.os 205 a 208 do acórdão impugnado.


30      Acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (C‑202/06 P, EU:C:2007:814, n.o 39), e de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.os 49 e 90).


31      Neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 66), segundo o qual a argumentação dos participantes numa concentração proposta deve ser tomada em consideração, no procedimento de controlo das operações de concentração, do mesmo modo que a argumentação das empresas interessadas nos procedimentos da Comissão nos termos dos artigos 101.o ou 102.o TFUE.


32      V., a este respeito, a jurisprudência referida acima na nota 24.


33      V., a este respeito, o n.o 49 das presentes conclusões.


34      N.os 205 a 208 do acórdão impugnado.


35      N.os 202 e 220 do acórdão impugnado.


36      V., a este respeito, mais uma vez, o n.o 49 das presentes conclusões.


37      N.os 205 a 208 do acórdão impugnado.


38      Acórdãos de 10 de julho de 1980, Distillers Company/Comissão (30/78, EU:C:1980:186, n.o 26), e de 14 de fevereiro de 1990, França/Comissão (C‑301/87, EU:C:1990:67, n.o 31); no mesmo sentido, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 73), e de 29 de junho de 2006, SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, EU:C:2006:433, n.os 97 e 98).


39      Acórdãos de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, EU:C:1980:248, n.o 47), e de 23 de abril de 1986, Bernardi/Parlamento (150/84, EU:C:1986:167, n.o 28); no mesmo sentido, Acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.os 57 e 62), e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 96 a 98).


40      Neste sentido, v. especialmente o Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 72 e 73), ao qual a Comissão faz referência.


41      N.o 215 do acórdão impugnado.


42      Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 244), e de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão (C‑202/07 P, EU:C:2009:214, n.o 41).


43      Neste sentido, Acórdãos de 1 de outubro de 1991, Vidrányi/Comissão (C‑283/90 P, EU:C:1991:361, n.o 29), de 17 de dezembro de 1992, Moritz/Comissão (C‑68/91 P, EU:C:1992:531, n.os 37 a 39), e de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão (C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 29).


44      Acórdãos de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão (C‑274/, EU:C:2001:127, n.o 121), de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 91), e de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão (C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 83).


45      Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 372), de 26 de novembro de 2013, Gascogne Sack Deutschland/Comissão (C‑40/12 P, EU:C:2013:768, n.o 35), e de 7 de junho de 2018, Ori Martin/Tribunal de Justiça da União Europeia (C‑463/17 P, EU:C:2018:411, n.o 26).


46      Acórdão de 11 de abril de 2013, Mindo/Comissão (C‑652/11 P, EU:C:2013:229, n.o 41); no mesmo sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2007, Komninou e o./Comissão (C‑167/06 P, EU:C:2007:633, n.o 22).


47      N.o 209, conjugado com os n.os 205 a 208 do acórdão impugnado.


48      Na verdade, trata‑se apenas duma única página (n.os 27 a 29) da contestação da Comissão no Tribunal Geral. Estes argumentos começam com uma referência à troca de ideias havida entre a Comissão e a UPS, no processo administrativo, sobre o modelo de concentração de preços e sobre o provável atraso das observações da UPS quanto a este modelo. Só então é que Comissão aborda a jurisprudência sobre a relação entre a comunicação das objeções e a decisão que encerra o processo.


49      N.o 208 do acórdão impugnado.


50      N.os 216 a 218 do acórdão impugnado.


51      Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 80), e de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão (C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 35).