Language of document : ECLI:EU:T:2013:259


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

17 de maio de 2013 (*)

«Concorrência ― Acordos, decisões e práticas concertadas ― Mercado europeu das mangueiras marinhas ― Decisão que declara uma infração ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE ― Fixação dos preços, repartição do mercado e trocas de informações comercialmente sensíveis ― Conceito de infração continuada ou repetida ― Prescrição ― Segurança jurídica ― Igualdade de tratamento ― Coimas ― Gravidade e duração da infração»

Nos processos apensos T‑147/09 e T‑148/09,

Trelleborg Industrie SAS, com sede em Clermont‑Ferrand (França), representada por J. Joshua, barrister, e E. Aliende Rodríguez, advogado,

recorrente no processo T‑147/09,

Trelleborg AB, com sede em Trelleborg (Suécia), representada por J. Joshua, barrister, e E. Aliende Rodríguez, advogado,

recorrente no processo T‑148/09,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, V. Bottka e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

que têm por objeto, a título principal, um pedido de anulação parcial da Decisão C (2009) 428 final da Comissão, de 28 de janeiro de 2009, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.406 ― Mangueiras marinhas), na parte respeitante às recorrentes, e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução substancial da coima que lhes foi aplicada nessa decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, M. Prek e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: J. Weychert, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 26 de abril de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

 Setor das mangueiras marinhas destinadas ao petróleo e ao gás

1        As mangueiras marinhas são utilizadas para carregar petróleo bruto doce ou transformado e outros produtos petrolíferos em navios‑cisterna, a partir de instalações offshore (por exemplo, boias ― normalmente ancoradas ao largo, que servem de amarração aos petroleiros ― ou plataformas flutuantes de extração, armazenagem e descarga ― que são sistemas de cisternas flutuantes utilizadas para extrair o petróleo ou o gás de uma plataforma vizinha, tratá‑lo e armazená‑lo até ao seu transbordo para um petroleiro), e para posteriormente descarregar estes produtos desses navios em instalações offshore (por exemplo, boias) ou em terra.

2        As mangueiras marinhas são utilizadas offshore ― isto é, dentro ou próximo da água ― enquanto as mangueiras industriais ou terrestres são utilizadas em terra.

3        Cada instalação de mangueiras marinhas comporta, consoante as necessidades específicas dos clientes, um certo número de mangueiras‑tipo, de mangueiras específicas com junções nas duas extremidades e dispositivos complementares, como válvulas, uma engrenagem terminal ou ainda um equipamento flutuante. No caso, a expressão «mangueiras marinhas» engloba esses dispositivos complementares.

4        As mangueiras marinhas são utilizadas por companhias petrolíferas, fabricantes de boias, terminais portuários, pela indústria petroleira e pelos governos, e são compradas para novos projetos ou para efeitos de substituição.

5        Quanto aos novos projetos, os terminais petrolíferos ou os outros utilizadores finais contratam geralmente uma sociedade de engenharia (também chamada «construtor de material», «construtor OEM» ou «fornecedor de equipamento»), para construir ou instalar novas instalações de distribuição petroleira, como os sistemas de amarração num ponto único ou as plataformas flutuantes de extração, de armazenagem e de descarga. Para esses projetos, o fornecedor de equipamento compra uma instalação completa de mangueiras marinhas a um produtor.

6        Quando essas mangueiras marinhas estão instaladas, as peças individuais devem ser substituídas num período entre um e sete anos. As compras de mangueiras marinhas para fins de substituição (também conhecidas pelo nome de «setor das peças sobressalentes») são muitas vezes efetuadas diretamente pelos utilizadores finais. Contudo, em certos casos, estes subcontratam e centralizam as suas compras junto de filiais ou de empresas externas. As vendas para fins de substituição representam mundialmente uma parte do mercado das mangueiras marinhas maior do que as vendas de novos produtos.

7        A procura de mangueiras marinhas depende em grande parte do desenvolvimento do setor petrolífero e, em particular, da exploração do petróleo nas zonas distantes do lugar do consumo. A procura cresceu ao longo do tempo. É cíclica e, em certa medida, está ligada ao desenvolvimento dos preços do petróleo. Começou a ser significativa no final dos anos 60 e aumentou no início dos anos 70, em particular nas regiões produtoras de petróleo no Golfo Pérsico, no Mar do Norte e no norte de África. Nos anos 80, aumentou a procura pelas empresas petrolíferas nacionais em desenvolvimento da América do Sul. No final dos anos 90, a procura deslocou‑se para a África Ocidental.

8        As mangueiras marinhas são fabricadas por empresas conhecidas pelo fabrico de pneus e de cauchu ou por uma das suas «spin off». São produzidas a pedido, conforme as necessidades dos clientes. Uma vez que a procura de mangueiras marinhas está amplamente dispersa no plano geográfico, a maior parte dos produtores de mangueiras marinhas contratam um número significativo de agentes que, para mercados específicos, fornecem serviços gerais de marketing e propõem os seus produtos no âmbito de concursos publicados.

9        As mangueiras marinhas são comercializadas em todo o mundo e os principais produtores têm atividade à escala internacional. As exigências regulamentares aplicáveis às mangueiras marinhas não são fundamentalmente diferentes de um país para outro e, embora as exigências técnicas sejam diferentes consoante o ambiente e as condições de utilização, isso não é considerado um obstáculo à venda de mangueiras marinhas em todo o mundo.

10      Por último, no período tido em conta na decisão recorrida, os participantes no cartel venderam mangueiras marinhas produzidas no Japão, no Reino Unido, em Itália e em França a utilizadores finais e a fornecedores de equipamentos estabelecidos em diferentes países da União Europeia e do Espaço Económico Europeu (EEE). Embora a maior parte dos sistemas de mangueiras marinhas tenha por destino final regiões não europeias, alguns dos principais fornecedores de equipamentos no mundo estão nos diversos países da União e do EEE.

 Apresentação das recorrentes

11      Na origem, a atividade relativa às mangueiras marinhas era exercida pela Michelin.

12      No âmbito do grupo Michelin, essa atividade era assegurada por uma sociedade do grupo denominada CMP. A Michelin criou, seguidamente, em 28 de julho de 1993, uma sociedade denominada SIRA, que não exerceu nenhuma atividade até 31 de março de 1995, data em que a atividade de mangueiras marinhas da CMP foi transferida para a SIRA. Em 26 de abril de 1995, a denominação SIRA foi substituída pela denominação CMP. A CMP, por sua vez, veio a ser posteriormente dissolvida.

13      Em 28 de março de 1996, uma das duas recorrentes, a Trelleborg AB, celebrou um acordo com a Michelin, nos termos do qual se obrigava a adquirir toda a sua participação no capital social da CMP. A sociedade teve então diversas denominações com o nome Trelleborg e, a partir de 2005, passou a denominar‑se Trelleborg Industrie SAS.

14      A Trelleborg é uma sociedade de direito sueco existente desde 1905, com um volume de negócios mundial próximo dos 27 mil milhões de coroas suecas (SEK) (cerca de 2,9 mil milhões de euros), em 2006.

15      O Trelleborg Group engloba quatro domínios de atividade: a Trelleborg Engineered Systems (que inclui as mangueiras marinhas), a Trelleborg Automotive, a Trelleborg Sealing Solutions e a Trelleborg Wheel Systems.

16      A Trelleborg participa na produção e na comercialização de mangueiras marinhas através da sua filial Trelleborg Industrie, a outra recorrente, que, por sua vez, é uma sociedade de direito francês.

 Procedimento administrativo

17      Quando foi aberto um processo pelo Ministério da Justiça dos Estados Unidos e pelas autoridades da concorrência do Japão e do Reino Unido por factos semelhantes, [confidencial] (1), invocando o programa de clemência previsto na Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17), apresentou à Comissão das Comunidades Europeias, em 20 de dezembro de 2006, um pedido de imunidade, denunciando a existência de um cartel no mercado das mangueiras marinhas.

18      A Comissão abriu então uma investigação por violação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE e procedeu, em 2 de maio de 2007, a uma série de inspeções junto da Parker ITR, das recorrentes, de outros produtores envolvidos e ainda de [confidencial] e de W.

19      A Manuli Rubber Industries SpA (MRI), a Parker ITR e a Bridgestone apresentaram, respetivamente, um pedido de clemência à Comissão em 4 de maio, 17 de julho e 7 de dezembro de 2007.

20      Em 28 de abril de 2008, a Comissão adotou uma comunicação de acusações que notificou às diversas sociedades em causa, entre 29 de abril e 1 de maio de 2008.

21      Todas as sociedades responderam à comunicação de acusações nos prazos previstos e pediram, com exceção de [confidencial]/DOM, da ContiTech AG e da Continental AG, para serem ouvidas numa audição, que decorreu em 23 de julho de 2008.

 Decisão recorrida

22      Em 28 de janeiro de 2009, a Comissão aprovou a Decisão C (2009) 428 final, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.406 ― Mangueiras marinhas) (a seguir «decisão recorrida»). No essencial, resulta da decisão recorrida que:

¾        esta foi dirigida a onze sociedades, entre as quais as recorrentes;

¾        as sociedades a que se refere participaram, por vezes de forma diferente, numa infração única e complexa, que tinha por objeto a atribuição de contratos, a fixação de preços, a fixação de quotas, o estabelecimento das condições de venda, a repartição dos mercados geográficos e o intercâmbio de informações sensíveis sobre preços, volumes de vendas e concursos para a adjudicação de contratos;

¾        o cartel começou, pelo menos, em 1 de abril de 1986 (embora seja possível que remontasse ao início dos anos 70) e chegou ao fim em 2 de maio de 2007;

¾        de 13 de maio de 1997 a 21 de junho de 1999 (a seguir «período intermédio»), o cartel teve uma atividade limitada e ocorreram fricções entre os seus membros; contudo, segundo a Comissão, isso não levou a uma verdadeira interrupção da infração; com efeito, a estrutura organizada do cartel foi totalmente restabelecida a partir de junho de 1999, segundo as mesmas modalidades e com os mesmos participantes (com exceção de uma empresa, que reintegrou plenamente o cartel no ano seguinte); consequentemente, era de considerar que os produtores tinham cometido uma infração única e continuada, de 1 de abril de 1986 a 2 de maio de 2007, ou, pelo menos, se, apesar de tudo, se viesse a considerar ter havido uma interrupção, uma infração única e repetida; contudo, não se tomou em consideração o período intermédio no cálculo da coima, tendo em conta o número limitado de provas da infração nesse período;

¾        foi dada por provada a responsabilidade das recorrentes nos seguintes períodos:

¾        Trelleborg Industrie: de 1 de abril de 1986 a 2 de maio de 2007;

¾        Trelleborg: de 28 de março de 1996 a 2 de maio de 2007;

¾        de acordo com os critérios previstos nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações»), o montante de base da coima a aplicar a cada uma das sociedades foi determinado da seguinte forma:

¾        a Comissão baseou‑se na média das vendas anuais mundiais de cada uma das sociedades no período de 2004‑2006 e teve em conta as vendas faturadas aos compradores estabelecidos no EEE;

¾        determinou as vendas relevantes de cada uma delas, aplicando a sua quota de mercado mundial às vendas agregadas no EEE, de acordo com o n.° 18 das orientações;

¾        fixou 25% desse valor (em vez do máximo de 30% previsto nas orientações), em consideração da gravidade da infração;

¾        multiplicou o valor dessa forma obtido pelo número de anos de participação de cada sociedade na infração;

¾        de acordo com o n.° 25 das orientações, fixou um montante adicional igual a 25% das vendas relevantes para efeitos de dissuasão;

¾        seguidamente, a Comissão imputou circunstâncias agravantes a duas sociedades e rejeitou todas as circunstâncias atenuantes dos outros membros do cartel;

¾        por último, aplicou a duas sociedades a sua comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (v. n.° 17, supra).

23      No que respeita à Trelleborg e à Trelleborg Industrie, a Comissão considerou que o valor das vendas era de 4 909 332 euros com base numa quota de mercado mundial de 15%, que a Trelleborg Industrie tinha participado no cartel durante 18 anos, 11 meses e 23 dias, o que dá um multiplicador de 19, e a Trelleborg, durante 8 anos, 11 meses e 28 dias, o que dá um multiplicador de 9, e, aplicando os fatores especificados no número anterior, fixou o montante de base da coima em 24 500 000 euros à Trelleborg Industrie, pelos quais a Trelleborg é solidariamente responsável no montante de 12 200 000 euros.

24      Não lhes tendo sido aplicada nenhuma circunstância agravante ou atenuante, esses montantes constituem a coima final aplicada a cada uma dessas duas sociedades.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

25      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de abril de 2009, as recorrentes interpuseram os presentes recursos.

26      Por impedimento de um membro da Primeira Secção, o presidente do Tribunal Geral nomeou outro juiz para completar a secção, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do seu Regulamento de Processo.

27      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) deu início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, convidou as partes a apresentarem certos documentos e colocou‑lhes algumas perguntas por escrito. As partes deram cumprimento ao solicitado.

28      Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral de 29 de fevereiro de 2012, os processos T‑147/09 e T‑148/09 foram apensados para efeitos de fase oral e de acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo.

29      Por carta de 13 de abril de 2012, a recorrente no processo T‑147/09 informou o Tribunal Geral de que desistia do seu terceiro fundamento apresentado a título subsidiário.

30      Por carta de 24 de abril de 2012, as recorrentes apresentaram um pedido de realização da audiência à porta fechada.

31      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 26 de abril de 2012.

32      Nessa ocasião, as recorrentes desistiram do seu pedido de audiência à porta fechada.

33      A Trelleborg Industrie conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular parcialmente o artigo 1.° da decisão recorrida, na parte que lhe diz respeito, e, de qualquer forma, pelo menos, na medida em que declara a prática de uma infração antes de 21 de junho de 1999;

¾        reduzir a coima que lhe foi aplicada no artigo 2.°, de forma a corrigir os erros manifestos contidos na decisão recorrida;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

34      A Trelleborg conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular parcialmente o artigo 1.° da decisão recorrida, na parte que lhe diz respeito, e, de qualquer forma, pelo menos, na medida em que declara a prática de uma infração antes de 21 de junho de 1999;

¾         reduzir a coima que lhe foi aplicada no artigo 2.°, de forma a corrigir os erros manifestos contidos na decisão recorrida;

¾         condenar a Comissão nas despesas.

35      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento aos recursos;

¾        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto aos pedidos de anulação

36      As recorrentes apresentam dois fundamentos de recurso comuns.

37      O primeiro fundamento é relativo, por um lado, a um erro manifesto na apreciação dos factos que levaram a Comissão a considerar que a Trelleborg Industrie tinha participado numa infração continuada, entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007, e que a Trelleborg tinha participado numa infração continuada, entre 28 de março de 1996 e 2 de maio de 2007, e, por outro, a uma violação do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

38      O segundo fundamento é relativo à falta de interesse legítimo da Comissão na adoção de uma decisão que conclua pela existência de uma infração antes de 1999.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo, por um lado, a um erro manifesto na apreciação dos factos que levaram a Comissão a considerar que a Trelleborg Industrie tinha participado numa infração continuada, entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007, e que a Trelleborg tinha participado numa infração continuada, entre 28 de março de 1996 e 2 de maio de 2007, e, por outro, a uma violação do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

 Decisão recorrida

39      No essencial, resulta dos considerandos 148 a 187 da decisão recorrida que, entre 13 de maio de 1997 e 11 de junho de 1999, relativamente a algumas sociedades, e em 21 de junho de 1999, relativamente a outras sociedades, entre as quais as recorrentes, o cartel passou por um período de abrandamento da sua atividade, devido a dissensões existentes entre os seus membros. Numerosos elementos de prova demonstram, porém, segundo a Comissão, que, durante esse período, os principais protagonistas do cartel ― os Srs. P., W., F. e C., nomeadamente ― estiveram regularmente em contacto, com o objetivo, nomeadamente, de trocarem informações comerciais e tentarem relançar o cartel, o que acabou por acontecer em junho de 1999.

40      Os considerandos 289 a 307 da decisão recorrida expõem as razões pelas quais a Comissão considerou que a infração era continuada, ou, a título subsidiário, repetida, não obstante entender que o cartel tinha tido uma atividade limitada durante o período intermédio e que não deviam ser aplicadas coimas por esse período.

41      Resulta ainda do artigo 1.°, alíneas g) e h), da decisão recorrida que a Comissão considerou que tinha sido cometida uma infração continuada entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007, na qual a Trelleborg Industrie participou de 1 de abril de 1986 a 2 de maio de 2007 e a Trelleborg, de 28 de março de 1996 a 2 de maio de 2007, e dos considerandos 187, 201 a 208 e 466 a 448 da decisão recorrida que o período intermédio é considerado, no que respeita às recorrentes, um período de atividade reduzida do cartel, que não justifica a aplicação de uma coima.

 Argumentos das partes

42      As recorrentes alegam, no essencial, por um lado, que a Comissão, a quem cabe demonstrar a duração da infração, não demonstrou que esta prosseguiu durante o período intermédio, tendo os elementos de prova em que a Comissão se baseou para o efeito sido mal interpretados, e, por outro, que, de qualquer forma, a Comissão não dispõe da prova da participação da Trelleborg Industrie ou da Trelleborg nessa infração durante esse período. Contestam nomeadamente, a esse respeito, a análise da Comissão segundo a qual as propostas atribuídas antes do período intermédio prosseguiram os seus efeitos até ao final de 1997, o que permitiria, pelo menos, na sua opinião, incluir no período de infração o período entre setembro e dezembro de 1997.

43      Por outro lado, as recorrentes consideram, no essencial, que, desse modo, a Comissão qualificou erradamente a infração de continuada e rejeitou indevidamente a sua argumentação relativa à prescrição da infração quanto ao período anterior à interrupção do cartel, em violação do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1).

44      Contestam, a esse respeito, a possibilidade de aplicação do conceito de infração continuada, como alega a Comissão, quando existe uma interrupção do cartel de quase dois anos, bem como a possibilidade de aplicação, a título subsidiário, do conceito de infração repetida, que, segundo as recorrentes, inclui igualmente uma ideia de continuidade que se opõe à sua aplicação no caso de interrupção comprovada da infração. Aplicar a qualificação de infração repetida num caso como esse vai ainda contra o princípio da segurança jurídica, uma vez que o prazo de prescrição poderia assim ser indefinidamente prorrogado pela Comissão. Por último, referem que, de qualquer forma, a qualificação de infração repetida não consta do dispositivo da decisão recorrida.

45      Por último, as recorrentes alegam que a Comissão desrespeitou a sua prática decisória anterior e que sofreram um tratamento discriminatório face à MRI, relativamente à qual a Comissão considerou que uma interrupção de quatro anos, entre agosto de 1992 e setembro de 1996, permitia já não aplicar nenhuma coima pelos factos anteriores a 1 de agosto de 1992 praticados por essa sociedade.

46      A Comissão contesta estas alegações e considera que na decisão recorrida existe prova bastante de que a infração prosseguiu durante o período intermédio, mesmo tendo o cartel entrado numa fase de atividades limitadas. Reconhece, porém, nos articulados, e interrogada a esse respeito na audiência, que não dispõe de provas da participação das recorrentes em contactos entre membros do cartel durante o período intermédio.

47      Entende, em contrapartida, que se deve ter em conta, por um lado, as propostas orquestradas antes desse período e cujos efeitos se mantiveram até novembro ou dezembro de 1997 e, por outro, o facto de as recorrentes não se terem distanciado do cartel nessa época, o que justifica, de acordo com a jurisprudência, que a sua participação na infração seja considerada continuada entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007.

48      A Comissão acrescenta, no essencial, que, de qualquer forma, se o Tribunal Geral vier a considerar que a infração não é continuada, deverá requalificá‑la de infração repetida, qualificação que, de resto, alegou a título subsidiário no considerando 307 da decisão recorrida. Daí resulta, na sua opinião, que o seu poder de aplicar uma coima pelo período de infração entre 1986 e 1997 não estava prescrito no momento da adoção da decisão recorrida. Entende ainda que, portanto, não tem importância o facto de o dispositivo da decisão recorrida mencionar apenas a existência de uma infração continuada.

49      Há que precisar que, interrogadas pelo Tribunal Geral na audiência, as recorrentes reconheceram que não contestavam a sua participação na infração no período anterior a 13 de maio de 1997 nem no período posterior a 21 de junho de 1999. Consideram, porém, que são infrações distintas.

 Apreciação do Tribunal Geral

–       Considerações preliminares

50      Antes de mais, há que lembrar que resulta da jurisprudência que cabe à Comissão não só provar a existência do cartel mas também a sua duração (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., p. II‑491, n.° 2802 e jurisprudência aí referida). Mais em particular, no que respeita à administração da prova de uma infração ao artigo 81.°, n.° 1, CE, a Comissão deve fazer prova das infrações que declara e apresentar os elementos que façam prova bastante da existência dos factos constitutivos de uma infração (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 58, e de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.° 86). A existência de uma dúvida no espírito do julgador aproveita à empresa destinatária da decisão que declara a infração. O julgador não pode, portanto, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração, se ainda subsistir uma dúvida no seu espírito quanto a essa questão, nomeadamente no âmbito de um recurso de anulação e/ou alteração de uma decisão que aplica uma coima. Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção da inocência, que faz parte dos direitos fundamentais protegidos no ordenamento jurídico da União e consagrado no artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1). Tendo em conta a natureza das infrações em causa e a natureza e o grau de gravidade das sanções que lhes estão associadas, o princípio da presunção da inocência aplica‑se nomeadamente aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas, suscetíveis de levar à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colet., p. II‑4407, n.os 215 e 216). Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes que sirvam de base à firme convicção de que a alegada infração foi cometida (v. acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido, e jurisprudência aí referida).

51      Contudo, também é jurisprudência assente que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha esse requisito (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., p. II‑2501, n.° 180 e jurisprudência aí referida).

52      Além disso, é habitual as atividades que os acordos anticoncorrenciais implicam decorrerem clandestinamente, as reuniões serem realizadas secretamente e a documentação que lhes diz respeito ser reduzida ao mínimo. Assim, mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de forma expressa a existência de contactos ilegais entre operadores, como as atas de reuniões, esses documentos são normalmente fragmentários e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir determinados pormenores por dedução. Assim, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um certo número de coincidências e de indícios que, considerados em conjunto, possam constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras de concorrência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.os 55 a 57, e de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colet., p. I‑729, n.° 51).

53      Além disso, a jurisprudência exige que, na falta de elementos de prova que permitam determinar diretamente a duração de uma infração, a Comissão se baseie, pelo menos, em elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a que se possa razoavelmente admitir que esta infração perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas (v. acórdãos do Tribunal Geral de 7 de julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colet., p. II‑441, n.° 79, e de 16 de novembro de 2006, Peróxidos Orgánicos/Comissão, T‑120/04, Colet., p. II‑4441, n.° 51 e jurisprudência aí referida).

54      Ora, está assente, no caso, que a Comissão não dispõe de elementos de prova da participação das recorrentes nos contactos entre membros do cartel e na atividade reduzida desse cartel durante o período intermédio que descreve nos considerandos 148 a 187 da decisão recorrida.

55      Com efeito, a Comissão limita‑se a considerar que a participação das recorrentes pode ser inferida do facto de não se terem distanciado do cartel no período intermédio e que, pelo menos, essa participação está demonstrada até novembro ou dezembro de 1997, devido à continuação dos efeitos dos concursos atribuídos entre membros do cartel antes de 13 de maio de 1997 (v., nomeadamente, considerandos 150, 162 e 187 da decisão recorrida).

56      Há que verificar, portanto, se, com base nesses factos, a Comissão podia qualificar de continuada a infração cometida pela Trelleborg Industrie, entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007, e pela Trelleborg, entre 28 de março de 1996 e 2 de maio de 2007, e, assim, entender que o prazo de prescrição previsto no artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 só começava a correr nesta última data.

–       Quanto à existência de uma infração continuada

57      Há que lembrar que, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, possam constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras de concorrência. Esses indícios e coincidências permitem revelar não apenas a existência de práticas ou acordos anticoncorrenciais mas também a duração de um comportamento anticoncorrencial continuado e o período de aplicação de acordos concluídos em violação das regras de concorrência (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 52, supra, n.° 57, e de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colet., p. I‑8725, n.os 94 a 96 e jurisprudência aí referida).

58      Por outro lado, essa violação pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não é posta em causa pelo facto de um ou mais elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também poderem constituir, só por si e isoladamente, uma violação das regras de concorrência. Quando as diferentes ações se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 52, supra, n.° 258, e Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 110).

59      Quanto à falta de prova da existência de um acordo durante certos períodos ou, pelo menos, quanto à sua aplicação por uma empresa durante um dado período, há que recordar que o facto de não ter sido feita prova da infração relativamente a determinados períodos não obsta a que a infração seja considerada praticada durante um período global mais extenso do que estes, desde que tal conclusão assente em indícios objetivos e concordantes. No âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do acordo ocorrerem em períodos diferentes, possivelmente separados por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência na existência desse cartel, desde que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração com caráter único e continuado (acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, referido no n.° 57, supra, n.os 97 e 98; v., igualmente, neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 52, supra, n.° 260).

60      A esse respeito, a jurisprudência identificou vários critérios relevantes para apreciar o caráter único de uma infração, a saber, a identidade dos objetivos das práticas em causa (acórdão do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, Dansk Rørindustri/Comissão, T‑21/99, Colet., p. II‑1681, n.° 67; v., igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colet., p. I‑8831, n.os 170 e 171, e acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colet., p. II‑3435, n.° 312), a identidade dos produtos e dos serviços em causa (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Coletânea, n.os 118, 119 e 124, e Jungbunzlauer/Comissão, já referido, n.° 312), a identidade das empresas participantes (acórdão Jungbunzlauer/Comissão, já referido, n.° 312) e a identidade das formas de execução (acórdão Dansk Rørindustri/Comissão, já referido, n.° 68). Além disso, a identidade das pessoas singulares envolvidas por conta das empresas e a identidade do âmbito de aplicação geográfico das práticas em causa são igualmente elementos que podem ser tomados em conta para efeitos dessa análise.

61      A jurisprudência permite assim que a Comissão presuma que a infração ― ou que a participação de uma empresa na infração ― não foi interrompida, mesmo que não tenha provas da infração em relação a determinados períodos, desde que as diversas ações que fazem parte dessa infração prossigam uma finalidade única e possam inserir‑se no âmbito de uma infração única e continuada, devendo essa consideração assentar em indícios objetivos e concordantes que demonstrem a existência de um plano de conjunto.

62      Quando essas condições estiverem reunidas, o conceito de infração continuada permite, assim, que a Comissão aplique uma coima por todo o período da infração tomado em consideração e determine a data em que começa a correr o prazo de prescrição, isto é, a data em que a infração continuada chegou ao fim.

63      Contudo, as empresas acusadas de colusão podem tentar elidir essa presunção, alegando indícios ou elementos de prova de que, pelo contrário, a infração ― ou a sua participação nela ― não prosseguiu durante esses mesmos períodos.

64      É certo que, no caso, há que observar que as recorrentes não contestaram, na audiência, a identidade dos objetivos das práticas em causa, dos produtos em causa, das empresas participantes na colusão, das principais formas de execução, das pessoas singulares envolvidas por conta das empresas e, por último, do âmbito de aplicação geográfica dessas práticas antes de maio de 1997 e depois de junho de 1999.

65      Embora estas considerações permitam sustentar a tese de um plano de conjunto identificável antes e depois do período intermédio, há que observar igualmente que, na decisão recorrida, a Comissão deu por provado, por um lado, que o cartel tinha atravessado um período de crise, no qual o seu funcionamento se tinha alterado significativamente e as relações entre os seus membros se tinham claramente distanciado, de modo que a sua atividade tinha diminuído bastante durante o período intermédio e, por outro, que, nesse período, certos protagonistas ― os Srs. P., F., C., W., em particular ― tinham, no essencial, aproveitado os seus contactos para tentar relançar a cooperação entre as empresas em causa (v. considerandos 148 a 187 da decisão recorrida), razão pela qual a Comissão não aplicou coimas a nenhum dos membros do cartel por esse período intermédio.

66      Ora, não se pode deixar de observar que a Comissão não dispõe de provas do envolvimento das recorrentes nesses contactos multilaterais durante esse período intermédio, que durou mais de dois anos, ou de que tivessem participado nas reuniões realizadas com o objetivo de relançar o cartel, nem mesmo de que delas tivessem tomado conhecimento.

67      Nestas circunstâncias, a tese das recorrentes de que interromperam efetivamente a sua participação está suficientemente alicerçada e é suficientemente plausível para elidir a presunção, acima referida no n.° 61, de que a sua participação, ainda que passiva, na infração teria continuado mesmo na falta de provas nesse sentido. Com efeito, tendo em conta o facto de, durante o período intermédio, a atividade do cartel ter sido reduzida, ou mesmo inexistente, e na falta de indícios objetivos e concordantes quanto a uma eventual vontade persistente das recorrentes de relançarem o cartel ou de subscreverem os seus objetivos, a Comissão não podia presumir uma participação continuada delas, ainda que passiva.

68      A Comissão invoca, contudo, nos seus articulados, a jurisprudência (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.° 50, supra, n.os 83 e 84) segundo a qual a empresa, para pôr fim à sua responsabilidade, se deve distanciar aberta e inequivocamente do cartel, de modo a que os outros participantes tenham consciência de que ela deixou de apoiar os objetivos gerais do cartel. Daí conclui que, não se tendo distanciado durante o período intermédio, pode ser imputada às recorrentes a sua participação nesse período de infração de menor intensidade, sem que isso leve, porém, à aplicação de uma coima por esse período. Com efeito, segundo essa jurisprudência, a aprovação tácita de uma iniciativa ilícita, sem se distanciar publicamente do seu conteúdo ou sem a denunciar às entidades administrativas, tem por efeito incentivar a continuação da infração e compromete a sua descoberta, o que constitui um modo passivo de participação na infração, suscetível de gerar responsabilidade da empresa em causa. Ora, uma vez que, primeiro, resulta da decisão recorrida que o funcionamento normal do cartel esteve interrompido durante o período intermédio, que durou mais de dois anos, segundo, não está demonstrado que as recorrentes tivessem participado nos contactos ocorridos no período intermédio com o objetivo de relançar o cartel ou que deles tivessem conhecimento, terceiro, mesmo acompanhando a Comissão no que respeita à continuação dos efeitos das propostas atribuídas antes de maio de 1997, esses efeitos se mantiveram, quando muito, até novembro ou dezembro de 1997, o que, de qualquer forma, deixa um período de 18 meses antes da retoma do cartel, durante o qual não existe nenhum indício objetivo e concordante que permita dar por provado o envolvimento das recorrentes nos contactos ocorridos durante o período de crise do cartel, a Comissão não se pode basear no facto de as recorrentes não se terem distanciado, durante o período intermédio, das ações empreendidas por certos membros do cartel, para o reconstituir.

69      Atendendo às circunstâncias do caso, não se pode deixar de observar que a falta desse distanciamento público, por parte das recorrentes, face aos outros membros do cartel não podia dar‑lhes a impressão de uma cumplicidade pelo menos passiva das recorrentes, pelo que o seu comportamento não podia ser equiparado a uma aprovação tácita de uma iniciativa anticoncorrencial. Na falta de indícios que permitam concluir que as recorrentes tinham tomado conhecimento dos contactos entre os outros membros do cartel, durante o período intermédio, para relançarem o cartel, cujo funcionamento normal tinha sido interrompido, a Comissão não podia inferir a sua responsabilidade conjunta com fundamento em não se terem distanciado publicamente do conteúdo do cartel. Com efeito, esse fundamento, só por si, não basta para preencher a total falta de indícios objetivos e concordantes que pudessem demonstrar, tanto do ponto de visto objetivo como subjetivo, a aparência da sua participação e da sua cumplicidade continuada numa infração única durante esse período.

70      Por conseguinte, há que observar que a Comissão não podia legalmente considerar que a infração cometida pelas recorrentes era uma infração única e continuada. Contudo, esse erro não tem necessariamente por consequência que a Comissão tenha violado o artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

71      Com efeito, tendo em conta que, no caso, a infração não pode ser qualificada de continuada, falta ainda verificar, para determinar se existe prescrição nos termos do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, se a infração deve ser qualificada de repetida, o que as recorrentes contestam.

–       Quanto à existência de uma infração repetida

72      Uma vez que a interpretação do conceito de infração repetida é discutida entre as partes, há que precisar, antes de mais, o sentido desse conceito face ao de infração continuada, na aceção do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

73      Numa interpretação literal de uma disposição do direito da União, há que ter em conta o facto de os textos do direito da União serem redigidos em várias línguas e de as diversas versões linguísticas fazerem igualmente fé; uma interpretação de uma disposição dessas implica, portanto, uma comparação das versões linguísticas (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982, CILFIT, 283/81, Recueil, p. 3415, n.° 18). A necessidade de uma aplicação e, por conseguinte, de uma interpretação uniformes das disposições do direito da União exclui que, em caso de dúvida, o texto de uma disposição seja considerado isoladamente numa das suas versões, exigindo, pelo contrário, que seja interpretado e aplicado à luz das versões redigidas nas restantes línguas oficiais (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2007, Profisa, C‑63/06, Colet., p. I‑3239, n.° 13 e jurisprudência aí referida). Além disso, em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto da União, a disposição em questão deve ser interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v. acórdão Profisa, já referido, n.° 14 e jurisprudência aí referida).

74      De um modo mais geral, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12), bem como todas as disposições do direito da União (acórdão CILFIT, referido no n.° 73, supra, n.° 20).

75      Primeiro, há que precisar que, no Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), que está na origem das disposições relativas à prescrição que constam do Regulamento n.° 1/2003, o artigo 1.°, n.° 2, visava as «infrações permanentes ou continuadas».

76      Há que lembrar, a esse respeito, que, quanto à infração continuada prevista no artigo 1.° do Regulamento n.° 2988/74, o Tribunal de Justiça considerou que, embora o conceito de infração continuada tenha um conteúdo um pouco diferente nos ordenamentos jurídicos dos diversos Estados‑Membros, abrange, de qualquer forma, uma pluralidade de comportamentos ilícitos reunidos por um elemento subjetivo comum (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colet., p. I‑4539, n.° 195).

77      Na versão francesa do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, este conceito foi substituído pelo conceito de infração «continuada ou repetida».

78      Contudo, esta alteração não se verificou em todas as versões linguísticas dessa disposição.

79      Com efeito, os termos «continuing or repeated infringements» já eram utilizados no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2988/74, na versão inglesa desse regulamento, e essa terminologia foi mantida na versão inglesa do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

80      Além disso, na adoção do Regulamento n.° 1/2003, o legislador manteve, na maior parte das versões linguísticas, a terminologia que já constava do Regulamento n.° 2988/74 (é o caso das versões espanhola, dinamarquesa, alemã, grega, neerlandesa, finlandesa e sueca), enquanto as outras versões linguísticas eram igualmente alteradas para consagrar o conceito de infração repetida em vez do conceito de infração permanente (é o caso das versões italiana e portuguesa).

81      O considerando 31 do Regulamento n.° 1/2003 precisa ainda que:

«As regras em matéria de prescrição no que se refere à aplicação de coimas e sanções pecuniárias compulsórias foram fixadas pelo Regulamento [...] n.° 2988/74 do Conselho, que diz igualmente respeito às sanções aplicáveis em matéria de transportes. [...] A fim de clarificar o quadro legislativo, torna‑se pois oportuno alterar o Regulamento [...] n.° 2988/74, a fim de excluir da sua aplicação o domínio abrangido pelo presente regulamento e incluir no presente regulamento disposições em matéria de prescrição.»

82      Assim, há que considerar que não era intenção do legislador alterar o sentido da disposição anterior, por ocasião da revisão do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), não obstante a alteração terminológica verificada em certas versões linguísticas, mas sim, pelo contrário, eliminar a eventual confusão suscitada pelo uso do conceito de infração permanente.

83      Segundo, o conceito de infração repetida é um conceito diferente do de infração continuada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, Colet., p. II‑1769, n.os 96 e 97), distinção que, de resto, é confirmada pela utilização da conjunção «ou» no artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

84      Não colhe, portanto, a argumentação das recorrentes de que se deve distinguir a infração «clássica» da infração «continuada e repetida».

85      Terceiro, o conceito de infração única visa uma situação em que várias empresas participaram numa infração que consiste num comportamento continuado, com uma única finalidade económica e com o intuito de falsear a concorrência, ou ainda em infrações individuais ligadas entre si através de uma identidade de objeto e de sujeitos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, Colet., p. II‑1333, n.° 257, e de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, Colet., p. II‑1255, n.° 89).

86      Por outras palavras, as formas pelas quais a infração foi cometida permitem qualificar a infração única quer de continuada quer de repetida.

87      Por outro lado, há que lembrar, no que respeita à infração continuada, que o conceito de plano de conjunto permite que a Comissão presuma que a prática de uma infração não foi interrompida, mesmo que, relativamente a um determinado período, não disponha de provas da participação da empresa em causa na infração, desde que esta tenha participado na infração antes e depois desse período e desde que não haja provas ou indícios que levem a crer que a infração foi interrompida no que lhe diz respeito. Nesse caso, poderá aplicar uma coima por todo o período da infração, incluindo o período relativamente ao qual não dispõe de provas da participação da empresa em causa (v. n.os 60 a 62, supra).

88      Em contrapartida, quando se puder considerar que a participação de uma empresa na infração foi interrompida e que a empresa participou na infração antes e depois dessa interrupção, essa infração pode ser qualificada de repetida, se ― tal como na infração continuada (v. n.° 60, supra) ― existir um objetivo único prosseguido por ela, antes e depois da interrupção, o que pode ser inferido da identidade dos objetivos das práticas em causa, dos produtos em causa, das empresas participantes na colusão, das principais formas de execução, das pessoas singulares envolvidas por conta das empresas e, por último, do âmbito de aplicação geográfica dessas práticas. A infração é então única e repetida e, embora a Comissão possa aplicar uma coima por todo o período da infração, em contrapartida, não o pode fazer pelo período durante o qual a infração esteve interrompida.

89      Assim, os episódios ilícitos distintos em que tome parte a mesma empresa, mas face aos quais não se possa demonstrar um objetivo comum, não podem ser qualificados de infração única ― continuada ou repetida ― e constituem infrações distintas.

90      No caso, há que considerar que a Comissão admite não ter provas do envolvimento das recorrentes durante o período intermédio, que durou mais de dois anos. Além disso, esse período não deu origem à aplicação de coimas.

91      Em contrapartida, as recorrentes reconhecem ter participado numa infração, antes e depois do período intermédio, e, na audiência, admitiram não contestar a identidade dos objetivos das práticas em causa, dos produtos em causa, das empresas participantes na colusão, das principais formas de execução, das pessoas singulares envolvidas por conta das empresas e, por último, do âmbito de aplicação geográfica dessas práticas antes de maio de 1997 e depois de junho de 1999.

92      Por conseguinte, o Tribunal Geral deve declarar que a Trelleborg Industrie cometeu uma infração única e repetida, de abril de 1986 a 13 de maio de 1997 e de 21 de junho de 1999 a maio de 2007, e que a Trelleborg cometeu uma infração única e repetida, de 28 de março de 1996 a 13 de maio de 1997 e de 21 de junho de 1999 a maio de 2007. Com efeito, a qualificação errada da infração, de continuada, pela Comissão não impede o Tribunal Geral de a requalificar de repetida à luz dos elementos de facto resultantes do processo administrativo e nos quais assenta a decisão recorrida (v., por analogia, acórdão IMI e o./Comissão, referido no n.° 83, supra, n.os 96 e 97; v., igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, Colet., p. II‑4315, n.os 322 a 325, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, Colet., p. I‑12899, n.os 80 e segs.).

93      Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação das recorrentes segundo a qual a Comissão, com base na teoria da infração repetida, que invocou a título subsidiário na decisão recorrida (v. n.os 22 e 40, supra), pode adiar indefinidamente a prescrição e, assim, reduzi‑la a nada, o que vai contra o princípio da segurança jurídica.

94      Há que rejeitar essa argumentação, uma vez que, por um lado, quando estão reunidas as condições que permitem concluir pela existência de uma infração repetida, resulta do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 que a prescrição é diferida. Por outro lado, o eventual caráter abusivo do recurso à teoria da infração repetida não pode ser apreciado in abstracto e depende, no essencial, das circunstâncias de cada caso e, em particular, da capacidade de a Comissão demonstrar que se trata de uma infração única ao longo dos diversos períodos em causa.

–       Quanto às consequências da existência de uma infração repetida para a prescrição

95      Visto que a Trelleborg Industrie cometeu uma infração única e repetida, de abril de 1986 a maio de 1997 e de junho de 1999 a maio de 2007, e que a Trelleborg cometeu uma infração única e repetida, de março de 1996 a maio de 1997 e de junho de 1999 a maio de 2007, há que observar que o período de infração anterior a 13 de maio de 1997 não prescreveu.

–       Quanto às outras alegações

96      Por outro lado, quanto à alegação de violação do princípio da segurança jurídica, há que lembrar que esse princípio constitui um princípio fundamental do direito da União, que exige, designadamente, que uma legislação seja clara e precisa, de forma a que os sujeitos de direito possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e deveres e agir em conformidade. Contudo, quando seja inerente a uma norma jurídica um certo de grau de incerteza quanto ao seu sentido e ao seu âmbito, há que examinar se a norma jurídica em causa sofre de uma ambiguidade que impeça os sujeitos de direito de dissiparem, com um grau suficiente de certeza, eventuais dúvidas quanto ao âmbito ou ao sentido dessa norma (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, Colet., p. I‑2801, n.os 30 e 31).

97      Uma vez que os critérios que permitem concluir pela existência de uma infração repetida são claros e precisos e sem ambiguidades que obstem a que os sujeitos de direito possam dissipar com suficiente certeza as eventuais dúvidas que tenham sobre o alcance ou o sentido dessa norma, há que considerar que a previsibilidade das situações jurídicas está assegurada, não colhendo a alegação de violação do princípio da segurança jurídica.

98      Quanto à alegação relativa à igualdade de tratamento, há que lembrar que o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas da mesma maneira, a não ser que esse tratamento seja objetivamente justificado (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão, C‑485/08 P, Colet., p. I‑3009, n.° 70).

99      No caso, a Comissão alega que, na verdade, considerou que a MRI tinha cometido uma infração, de 1 de abril de 1986 a 1 de agosto de 1992 e de 3 de setembro de 1996 a 2 de maio de 2007, não lhe tendo, porém, aplicado a teoria da infração repetida, e que, além disso, não lhe aplicou nenhuma coima pelo período da infração anterior a 1 de agosto de 1992, tendo em conta o seu poder de apreciação de não aplicar sanções pelo período anterior à interrupção da participação da MRI no cartel, mesmo apesar de poder considerar que a infração era repetida.

100    Por um lado, há que considerar que a Comissão tem razão quando alega que, de acordo com as disposições do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, dispõe de um poder de apreciação quanto à decisão de aplicar uma coima ao autor de uma infração ao artigo 81.° CE. Contudo, esse poder deve ser exercido no respeito do princípio da igualdade de tratamento.

101    Por outro lado, há que observar que as situações da MRI e das recorrentes não são comparáveis.

102    Com efeito, a MRI não foi punida pela sua participação no cartel pelo período anterior a 1 de agosto de 1992, uma vez que a interrupção tomada em consideração pela Comissão para esse efeito se estende dessa mesma data até 3 de setembro de 1996, ao passo que a interrupção invocada pelas recorrentes apenas respeita ao período intermédio.

103    Daí resulta que improcede a alegação de violação do princípio da igualdade de tratamento.

104    Além disso e por acréscimo, mesmo admitindo que a Comissão tivesse aplicado erradamente à MRI os critérios da prescrição, havia que considerar que essa ilegalidade, que o Tribunal Geral não foi chamado a apreciar em sede do presente recurso, em caso algum pode implicar a procedência do recurso de anulação das recorrentes. A este respeito, há que lembrar que o respeito do princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito do princípio da legalidade, o que implica que ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de outrem. Com efeito, uma eventual ilegalidade cometida em relação a outra empresa, que não é parte no presente processo, não pode levar o Tribunal Geral a declarar a existência de uma discriminação e, portanto, uma ilegalidade em relação às recorrentes. Este entendimento equivaleria a consagrar o princípio da «igualdade de tratamento na ilegalidade» com fundamento apenas no facto de uma outra empresa que se encontre eventualmente numa situação comparável ter escapado ilegalmente à aplicação de uma sanção (v. acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, referido no n.° 53, supra, n.° 77 e jurisprudência aí referida).

105    Em conclusão, há que anular a decisão recorrida na parte em que declara que a Trelleborg Industrie cometeu uma infração continuada entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007 e que a Trelleborg cometeu uma infração continuada entre 28 de março de 1996 e 2 de maio de 2007, improcedendo no restante o fundamento relativo à prescrição.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de interesse legítimo da Comissão na adoção de uma decisão que conclua pela existência de uma infração antes de 1999

 Argumentos das partes

106    As recorrentes alegam, no essencial, que a Comissão, em princípio, pode declarar que foi cometida uma infração, mesmo que esta esteja prescrita. Contudo, nesse caso, de acordo com a jurisprudência, deveria ter demonstrado o seu interesse legítimo nessa declaração, isto é, explicar de que modo as circunstâncias tinham tornado necessária a adoção de uma decisão que declarasse infrações que tinham terminado pelo menos doze anos antes da adoção da decisão recorrida.

107    A Comissão contesta esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal Geral

108    Visto que, no âmbito do primeiro fundamento, se concluiu que a infração cometida pelas recorrentes deve ser qualificada de única e repetida (v. n.° 92, supra) e que o período de infração anterior a 13 de maio de 1997 não prescreveu (v. n.° 95, supra), há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao pedido de alteração

109    As recorrentes pedem a alteração da decisão recorrida e a redução da coima.

110    Há que recordar que, em conformidade com o artigo 261.° TFUE, os regulamentos adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, por força das disposições do Tratado FUE, podem atribuir plena jurisdição ao Tribunal de Justiça no que respeita às sanções previstas nesses regulamentos. Essa competência foi conferida ao juiz da União pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003. Por conseguinte, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, pode substituir a apreciação da Comissão pela sua e, desse modo, anular, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada. Daí resulta que o juiz da União pode exercer a sua competência de plena jurisdição, quando a questão do montante da coima é submetida à sua apreciação, e que essa competência pode ser exercida tanto para reduzir esse montante como para o aumentar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, Colet., p. I‑1331, n.os 60 a 62 e jurisprudência aí referida).

111    Por outro lado, nos termos do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, para se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade, a duração da infração.

112    O Tribunal de Justiça tem repetidamente decidido no sentido de que, na determinação do montante das coimas, há que ter em conta a duração das infrações e todos os elementos suscetíveis de entrar na apreciação da sua gravidade, tais como o comportamento de cada uma das empresas, o papel desempenhado por cada uma delas no apuramento das práticas concertadas, o benefício que auferiram com essas práticas, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que as infrações desse tipo representam para a União (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, Colet., p. I‑13085, n.° 56 e jurisprudência aí referida).

113    O Tribunal de Justiça indicou igualmente que devem ser tomados em conta elementos objetivos, como o conteúdo e a duração dos comportamentos anticoncorrenciais, o seu número, a sua intensidade, a extensão do mercado afetado e a deterioração da ordem pública económica. A análise deve igualmente tomar em consideração a importância relativa e a quota de mercado das empresas responsáveis, bem como uma eventual reincidência (acórdão Chalkor/Comissão, referido no n.° 112, supra, n.° 57).

114    A esse respeito, há que lembrar que, por natureza, a fixação de uma coima pelo Tribunal Geral, no exercício do seu poder de plena jurisdição, não é um exercício aritmético preciso. Por outro lado, o Tribunal Geral não está vinculado pelos cálculos da Comissão, devendo sim efetuar a sua própria apreciação, tendo em conta todas as circunstâncias do caso (acórdão do Tribunal Geral de 14 de setembro de 2004, Aristrain/Comissão, T‑156/94, não publicado na Coletânea, n.° 43).

115    No caso presente, há que lembrar que, embora a infração cometida pelas recorrentes não possa ser qualificada de continuada (v. n.° 71, supra), a verdade é que se trata de uma infração repetida (v. n.° 95, supra). Há que observar ainda que a Comissão não aplicou nenhuma coima às recorrentes, pelo período intermédio. O erro cometido pela Comissão no que respeita ao caráter continuado da infração imputada às recorrentes não teve, pois, efeitos na duração da infração que esta tomou em consideração para calcular o montante da coima.

116    No caso presente, há que referir que o cartel reveste uma gravidade certa, tendo em conta o facto de os comportamentos ilícitos em que as recorrentes participaram plenamente se terem caracterizado pela atribuição de concursos, a fixação dos preços, a fixação de quotas, a fixação das condições de venda, a partilha de mercados geográficos e pela troca de informações sensíveis sobre os preços, os volumes de vendas e os concursos. Além disso, trata‑se de um cartel de dimensão mundial.

117    Acresce que a infração foi cometida pela Trelleborg Industrie durante um período particularmente longo, de 18 anos e onze meses, sendo a Trelleborg, pelo seu lado, solidariamente responsável pelo comportamento da sua filial, por um período de oito anos e onze meses.

118    O Tribunal Geral considera, assim, que não há que reduzir a coima aplicada às recorrentes.

119    Consequentemente, há que julgar improcedente o pedido de alteração deduzido pelas recorrentes.

120    Por conseguinte, há que anular parcialmente a decisão recorrida e negar provimento ao recurso no restante.

 Quanto às despesas

121    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Tribunal Geral pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas próprias despesas, se as partes obtiverem vencimento parcial ou por razões excecionais.

122    No caso, há que observar que as recorrentes alegam com razão que a Comissão deu por provada, erradamente, no que lhes diz respeito, a existência de uma infração continuada, entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007. Contudo, essa ilegalidade não tem consequências no cálculo da coima. Nessa medida, o Tribunal Geral entende que será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      O artigo 1.°, alíneas g) e h), da Decisão C (2009) 428 final da Comissão, de 28 de janeiro de 2009, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/39.406 ― Mangueiras marinhas), é anulado na parte em que se refere ao período de 13 de maio de 1997 a 21 de junho de 1999.

2)      É negado provimento aos recursos quanto ao restante.

3)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Azizi

Prek

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de maio de 2013.

Assinaturas


Índice


Factos na origem do litígioII ‑ 2

Setor das mangueiras marinhas destinadas ao petróleo e ao gásII ‑ 2

Apresentação das recorrentesII ‑ 4

Procedimento administrativoII ‑ 4

Decisão recorridaII ‑ 5

Tramitação do processo e pedidos das partesII ‑ 7

Questão de direitoII ‑ 8

Quanto aos pedidos de anulaçãoII ‑ 8

Quanto ao primeiro fundamento, relativo, por um lado, a um erro manifesto na apreciação dos factos que levaram a Comissão a considerar que a Trelleborg Industrie tinha participado numa infração continuada, entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007, e que a Trelleborg tinha participado numa infração continuada, entre 28 de março de 1996 e 2 de maio de 2007, e, por outro, a uma violação do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003II ‑ 8

Decisão recorridaII ‑ 8

Argumentos das partesII ‑ 9

Apreciação do Tribunal GeralII ‑ 11

― Considerações preliminaresII ‑ 11

― Quanto à existência de uma infração continuadaII ‑ 13

― Quanto à existência de uma infração repetidaII ‑ 16

― Quanto às consequências da existência de uma infração repetida para a prescriçãoII ‑ 20

― Quanto às outras alegaçõesII ‑ 20

Quanto ao segundo fundamento, relativo à falta de interesse legítimo da Comissão na adoção de uma decisão que conclua pela existência de uma infração antes de 1999II ‑ 22

Argumentos das partesII ‑ 22

Apreciação do Tribunal GeralII ‑ 22

Quanto ao pedido de alteraçãoII ‑ 22

Quanto às despesasII ‑ 24



* Língua do processo: inglês.


1 ―            Dados confidenciais ocultados.